Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JSTJ00039895 | ||
Relator: | SAMPAIO DA NÓVOA | ||
Descritores: | COMPROPRIEDADE MURO CONSTRUÇÃO DE OBRAS | ||
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Nº do Documento: | SJ199802260009212 | ||
Data do Acordão: | 02/26/1998 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | T REL COIMBRA | ||
Processo no Tribunal Recurso: | 254/95 | ||
Data: | 07/08/1997 | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA. | ||
Decisão: | NEGADA A REVISTA. | ||
Área Temática: | DIR CIV - DIR REAIS. | ||
Legislação Nacional: | CCIV66 ARTIGO 1372 ARTIGO 1373 N1 ARTIGO 11. | ||
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Sumário : | I - É admissível, por interpretação extensiva do art. 1373, n. 1 do CCIV66, o encastramento, sem consentimento do consorte, de pilares verticais em cavidades abertas em parede comum, desde que não ultrapassem metade da parede. II - O art. 1373 cit. é norma excepcional, face ao disposto no art. 1372 do mesmo diploma. | ||
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Decisão Texto Integral: | ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: A Autora Empresa Arganilense de Construções Civis, Lda. intentou, no Tribunal da Figueira da Foz, a presente acção contra a Ré Socorem - Sociedade de Construções, Lda. alegando o seguinte; é dona de determinado prédio de habitação que identifica, o qual confronta pelo Sul com um prédio urbano da Ré, presumindo-se comum a parede que divide esses dois prédios; a Ré demoliu o seu prédio e iniciou a construção de um prédio novo; na execução dessas obras abriu, no sentido vertical, quatro cavidades na parede comum, nas quais encastrou outros tantos pilares de ferro e cimento; junto ao solo e a todo o comprimento da parede, no sentido horizontal, a Ré abriu uma cavidade com a profundidade entre 10 e 40 cm; tais obras roubam resistência à parede comum, assim ofendendo o direito de propriedade dela A.; nem ela nem os anteriores proprietários autorizaram tais obras. Concluiu pedindo a condenação da Ré a reconhecer-lhe o direito de propriedade sobre o seu prédio, e que é comum a parede que une os dois prédios; e a demolir os referidos pilares, repondo a parede no seu estado anterior. Devidamente citada, a Ré contestou defendendo que as obras em causa em nada prejudicam o prédio da A., e até reforçam a parede comum. Concluiu pela improcedência da acção. Os autos prosseguiram os seus termos normais, e após a realização de julgamento foi proferida sentença que julgou a acção totalmente procedente. A Ré recorreu, e no Tribunal da Relação de Coimbra foi revogada tal sentença "na parte em que condenou a Ré a demolir os pilares encastrados nas cavidades verticais que abriu na parede comum, bem como a repor a aludida parede no estado anterior ao das obras, na parte referente à abertura das aludidas cavidades verticais e ao encastramento dos pilares e das vigas antes mencionadas". Foi então a vez de recorrer a A., a qual nas suas alegações formula as seguintes conclusões: quando o Código Civil vigente foi elaborado, há muito que abundava por todo o país o emprego de pilares de ferro e betão na construção civil; essa realidade não era nem podia ser ignorada pelo legislador de então; deste modo, se o legislador tivesse querido dar ao art. 1373 uma redacção correspondente à interpretação que a Relação agora dele fez, podia tê-lo feito; o Acórdão recorrido violou o disposto nos arts. 9 e 1373 do C.C. pelo que deve ser revogado e substituído por outro que confirme a decisão da 1ª Instância. A Ré contra-alegou, defendendo o decidido. Corridos os vistos legais, cumpre decidir. I - OBJECTO DO RECURSO: Neste recurso só há que decidir se são ou não legais as obras realizadas pela Ré na parede comum em causa, ficando porém fora de discussão a cavidade que a Ré abriu junto ao solo, no sentido horizontal, pois nessa parte o Acórdão recorrido julgou procedente o pedido, e a Ré não recorreu. II - MATÉRIA DE FACTO ASSENTE: É a seguinte a matéria de facto que vem dada como assente das Instâncias, e a que teremos de atender; a A. é possuidora de uma casa de habitação, com a superfície coberta de 68 m2, sita na Rua Comandante Tenreiro, n..... lugar da ......, freguesia de Buarcos, Figueira da Foz, descrita na Conservatória do Registo Predial sob o n. 41982, a fol. 185, e inscrito sob o art. 47 da respectiva matriz predial urbana, no valor patrimonial de 972000 escudos; a A. adquiriu o referido prédio por escritura de compra e venda outorgada em 29-11-93; a A. e seus antepossuidores, desde há muito mais de trinta anos, mantêm a posse da referida casa, habitando-a ou permitindo que outrém a habite e recebendo as respectivas rendas, olhando pela sua conservação e defesa e pagando os respectivos impostos, na convicção de actuarem em relação a coisa sua e de não lesarem direitos alheios, de forma ininterrupta; tal imóvel confronta do Sul com um outro prédio urbano, pertencente à Ré; a linha divisória entre os dois prédios era constituída por uma parede de pedra e cal, a toda a altura de ambos os prédios; sobre essa parede assentavam os vigamentos de madeira e os telhados de ambos; essa parede tem cerca de 55 cm de largura, 7 metros de altura e 14 metros de comprimento; a Ré demoliu o seu prédio e, em meados de Novembro de 1993, no local anterior, iniciou obras para a construção de um novo edifício; na execução dessas obras, abriu quatro cavidades na parede, na sua face Sul, situando-se uma no extremo Poente, que servia de fachada dos dois prédios para a rua; a segunda a 3,85 metros para Nascente; a terceira a 4,6 metros da segunda e a quarta a 3,85 metros da terceira; essas cavidades foram abertas no sentido vertical, entrando a 1ª 25 cm; a 2ª e a 3ª 9 cm; e a 4ª 15 cm na espessura da parede e tendo cada uma delas a dimensão de 38x21.5 cm; 50x25 cm; 45x21 cm; e 33x25 cm, respectivamente nas suas faces Sul e Poente; presentemente, essas cavidades elevam-se desde o rés-do-chão ao nível da rua, até à altura de 4 metros; nessas cavidades a Ré encastrou outros tantos pilares de ferro e cimento; para dar continuidade à obra, a Ré, a partir dos actuais topos superiores dos pilares, vai continuar os cortes referidos até ao cimo da parede; além disso, junto ao solo e a todo o comprimento da parede, no sentido horizontal e para o interior dela, abriu uma cavidade com aprofundamento variável entre 10 e 40 cm; os pilares e vigas para apoio das placas ficou dentro da parede. III - INTERPRETAÇÃO DO N. 1 DO ART. 1373 DO CÓDIGO CIVIL: Caso se opte por uma interpretação literal do disposto no n. 1 do art. 1373 - este e os mais que se referirem são do Código Civil - é inquestionável que a Ré não podia fazer as obras em causa, ou seja, não podia construir pilares no sentido vertical, encastrados na parede comum. Mas a solução já será diferente se a tal artigo se der uma interpretação extensiva. E só interpretação extensiva, porque na realidade o referido n. 1 do art. 1373 tem de se considerar como norma excepcional ao regime estabelecido no art. 1372 que veda ao proprietário de parede ou muro comum fazer nele alguma alteração sem o consentimento do seu consorte, sendo ainda certo que a lei proíbe que as normas excepcionais sejam interpretadas analogicamente - art. 11. Vejamos então o que diz o n. 1 do art. 1373. "Qualquer dos consortes tem, no entanto, a faculdade de edificar sobre a parede ou muro comum e de introduzir nele traves ou barrotes, contanto que não ultrapasse o meio da parede ou do muro". Visa esta disposição legal permitir ao proprietário edificar no terreno que lhe pertence, sem ter de prescindir da parede ou muro comum que o delimita do terreno ou construção vizinho. Por outras palavras, a lei autoriza, em princípio, que ele aproveite essa parede ou muro comum como parte integrante da nova construção que quer realizar. E pode fazer esse aproveitamento de duas maneiras: Ou edificando "sobre a parede ou muro comum", ou nele introduzindo traves ou barrotes. Em rigor, "edificar sobre" parece querer significar que se mantenha intacta a parede ou muro comum, apenas se lhe sobrepondo ou encostando uma qualquer nova construção. E a ser assim claro que as obras aqui em apreciação não podem ser englobadas na previsão legal da primeira parte do n. 1 referido. No entanto, e como já acima dissemos, a conclusão seria a mesma numa interpretação literal da segunda parte do mesmo n. 1. Mas para além de esta interpretação literal ser extremamente chocante em termos de razoabilidade, não temos dúvidas em concordar inteiramente com o Acórdão recorrido quando interpretou extensivamente aquele n. 1. Há analogia quando certa situação concreta não está compreendida nem na letra da lei nem no seu espírito; enquanto na "interpretação extensiva encontra-se um texto, embora, para tanto, haja necessidade de estender as palavras da lei, reconhecendo que elas atraiçoaram o pensamento do legislador que, ao formular a norma, disse menos do que efectivamente pretendia dizer. Mas o caso está contemplado. Não há omissão" (Código Civil Anotado, de Pires de Lima e Antunes Varela - I vol. - 4ª Ed., pag. 60). Ora a lei previu a necessidade de introduzir na parede ou muro comum traves ou barrotes que possibilitassem a construção a levar a efeito pelo proprietário do terreno confinante com os mesmos, porque era essa a técnica construtiva mais habitual na altura. Mas como não se descortina a mínima razão para que a lei não permitisse expressamente a construção do tipo de pilares em causa, nomeadamente porque com eles o vizinho - aqui a Autora - em nada é prejudicada, tem de se concluir que tais pilares verticais estão perfeitamente de acordo com o espírito legislativo, que só por lapso não ficou melhor explicitado na lei. O argumento invocado pela Recorrente de que na altura em que foi elaborado o actual Código Civil já se empregava este tipo do pilares, pode ser considerado como correspondendo a uma lacuna da lei não enquadrável nem na sua letra nem no seu espírito, e em que, portanto, só poderia ocorrer uma interpretação analógica, no caso proibida por se tratar de norma excepcional. Mas também se pode entender que não há verdadeiramente omissão da lei, mas apenas uma imperfeita tradução na lei do espírito do legislador, o qual já conhecendo aquele tipo de técnica construtiva e tendo a intenção de também a proteger, não logrou que tal ficasse claro no texto da lei. Ora pelas considerações anteriormente formuladas, aderimos convictamente e sem hesitações a esta segunda hipótese, porque achamos que é ela que está correcta - art. 9. Assim, entendemos como possível a interpretação extensiva da segunda parte do n. 1 do art. 1373, o que tem como consequência considerarmos ser legal a construção dos aludidos pilares verticais, os quais, relembre-se, não ultrapassam metade da espessura da parede comum em causa. IV - CONCLUSÃO Pelo exposto, e em conclusão, acorda-se em negar a revista. Custas pela Recorrente: Lisboa, 26 de Fevereiro de 1998. Sampaio da Nóvoa, Costa Marques, Joaquim de Matos. |