Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1074/16.8T8LLE-A.E1.S1 R
Nº Convencional: 2.ª SECÇÃO
Relator: CATARINA SERRA
Descritores: PRESCRIÇÃO DE CRÉDITOS
PRAZO DE PRESCRIÇÃO
JUROS
PRESTAÇÕES PERIÓDICAS
VENCIMENTO
INCUMPRIMENTO
OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
Data do Acordão: 05/25/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Sumário :
De acordo com o artigo 310.º, al. d), do CC, os juros convencionais ou legais prescrevem no prazo de cinco anos, o que significa que prescrevem os juros que se tenham vencido mais de cinco anos antes da citação ou da prática de qualquer dos actos referidos no artigo 323.º, n.º 1, do CC.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

I. RELATÓRIO

Recorrente: AA

Recorridos: BB e CC

1. BB e CC deduziram oposição mediante embargos de executado contra AA, ao abrigo do artigo 729.º, al. g), do CPC, arguindo ilegitimidade da executada (a sentença estrangeira revidenda e exequenda foi apenas proferida contra a ora embargante, exceção que foi julgado improcedente na decisão recorrida) e a prescrição do crédito exequendo e dos juros por os executados terem sido citados para a execução 21-09-2016; o crédito em incumprimento ser de natureza bancária, fraccionado em prestações, aplicando-se, assim, o prazo de prescrição de 5 anos, nos termos do artigo 310.º, al. e), do CC, o qual começou a correr após o trânsito em julgado da sentença exequenda, ou seja, a partir de 29-07-1995.

Ademais, mesmo que se aplicasse a legislação alemã, os juros acumulados desde 1-10-1994 até 10-07-1995, data da prolação da sentença condenatória alemã, estão sujeitos a um prazo de prescrição de 30 anos [§197 (3) do BGB] e os vencidos a partir de 10-07-1995 estão sujeitos a prazo de prescrição de 03 anos [§197 (2) do BGB], pelo que a reclamação de juros terminou o mais tardar até 31-12-1998 uma vez que a sentença transitou em julgado ainda em 1995.

Alegam, ainda, que o crédito exequendo foi pago parcialmente por DD, ex-cônjuge da Embargante BB sobre o valor do crédito de 300.000 DEM.

2. A embargada contestou, pugnando pela improcedência dos embargos.

Alegou, em síntese, que o prazo prescricional foi interrompido por via das acções judiciais instauradas e que ao caso é aplicável o prazo de prescrição ordinário.

As acções intentadas foram as seguintes:

- Em 02-07-2002 intentou procedimento cautelar de arresto contra os ora executados, que correu termos sob o n.º 326-A/2002, do ... Juízo do Tribunal da Comarca ..., onde requereu o arresto do prédio cuja penhora foi requerida na execução de que estes embargos são apenso;

- Em 09-08-2022, intentou contra os ora executados uma ação de impugnação pauliana, que correu termos no proc. n.º ...02, tendo transitado em julgado em 17-11-2011, onde impugnou a doação de metade indivisa do mesmo imóvel por parte dos ora executados a sua filha EE

Também alegou que foram demandados os executados EE e CC, porquanto este é cônjuge da executada BB e ambos doaram à executada EE o direito sobre metade do prédio que foi arretado e objeto da ação de impugnação pauliana.

Essa sentença foi objecto de recurso de revisão interposto pelos executados em 2-12-2011, que correu por apenso à acção pauliana, tendo o acórdão transitado em julgado em 22-02-2016;

- Em 18-10-2002 a exequente já tinha intentado acção executiva, antecedida de providência cautelar de arresto, contra os ora executados BB e CC, que correu termos sob o n.º 393/2002 no ... Juízo ..., a qual cumpriu parcialmente o desiderato de cobrança da dívida que os executados têm para com a exequente.

Os demais processos foram actos preparatórios da presente execução.

Os ora executados foram em todos os processos citados e notificados de todos os actos ali praticados, conhecendo a pretensão da ora embargada desde 2002.

Donde a prescrição se interrompeu desde 2002, nos termos do artigo 323.º, n.º 1, do CC.

Quanto à prescrição do direito de crédito e juros alegam que a sentença proferida no Tribunal de Ravensburg (Alemanha) foi proferida em 10-07-1995 e reconheceu o direito da exequente e condenou a executada BB a pagar determinada quantia e juros, não sendo os juros prestações vincendas como decorre da sentença.

A sentença foi revista e confirmada em Portugal.

À execução aplica-se o disposto no artigo 311.º do CC, pelo que o prazo de prescrição de curto prazo, por via da sentença, transforma-se num prazo prescricional ordinário de 20 anos.

Também impugnou o pagamento.

3. Realizou-se a audiência prévia, onde foi formulado convite ao aperfeiçoamento da petição de embargos e a final, as partes se pronunciaram nos termos da al. b) do n.º 1 do artigo 591.º do CPC.

4. Foi proferido saneador-sentença que julgou improcedente as excepções de ilegitimidade passiva, prescrição e pagamento parcial, ordenando, consequentemente, o prosseguimento da execução.

5. Inconformada, apelou a embargante BB.

6. Em 15.12.2022 o Tribunal da Relação de Évora proferiu um Acórdão em que se decidiu:

Nos termos e pelas razões expostas, acordam em julgar parcialmente procedente a apelação, confirmando a sentença no tocante à improcedência da exceção de prescrição da obrigação (dívida de capital) e procedente em relação à exceção de prescrição dos juros de mora, nos termos supra referidos.

Custas nos termos sobreditos”.

7. AA interpôs recurso de revista, enunciando as seguintes conclusões:

1º O acordão proferido pelo Tribunal da Relação julgou a acção parcialmente procedente, porquanto procedeu à revogação parcial da sentença proferida pelo Tribunal de 1º instância no que respeita à questão da prescrição dos juros.

2º Entende a ora recorrente, sem prejuízo do devido respeito que a decisão recorrida merece, que no tange à questão da prescrição dos juros, a fundamentação que determina a prescrição parcial dos mesmos nos termos exarados, padece, salvo melhor opinião, atendendo à matéria de facto, de uma aplicação deficiente das normas legais em causa.

Isto porque,

4º Se é inequívoco que sentença que reviu e confirmou a sentença alemã e conferiu exequibilidade àquela, integra o título executivo, na medida em que antes da prolação da sentença de revisão de sentença, o direito reconhecido e objeto da ação de condenação alemã, não podia ser exercido perante a jurisdição portuguesa.

5º Também é certo que a sentença de revisão proferida é essencial à questão da interrupção da prescrição, uma vez que é aquando da propositura do processo de revisão de sentença estrangeira e citação da ora embargante/ executada que ocorreu a interrupção da prescrição em curso, só voltando a correr novo prazo de prescrição após o trânsito em julgado da sentença proferida no processo de revisão de sentença estrangeira.

6º E que entre a data do trânsito em julgado da sentença revidenda e a data da instauração da ação de revisão de sentença estrangeira decorreram, pelo menos, 07 anos.

7º E que considerando que o prazo de prescrição da obrigação de juros convencionais ou legais, é na lei portuguesa de 05 anos, nos termos do artigo 309.º, alínea d), do Código Civil, à data da instauração do processo de revisão de sentença, os juros vencidos até esse momento, estavam prescritos por terem já decorridos mais de cinco anos aquando da interrupção da prescrição.

8º Sucede que o prazo de prescrição voltou a correr de novo após o trânsito em julgado da sentença de revisão de sentença estrangeira, ou seja, após 11-12-2002.

9º E desde a confirmação sentença operada em Portugal, a embargada/exequente praticou todos os actos judiciais permitidos por lei, tendentes à cobrança da dívida em causa, que consubstanciaram actos preparatórios da presente execução, nos quais a embargada/exequente, enquanto titular do direito reconhecido judicialmente através da sentença transitada em julgado, exprimiu, de forma directa, a sua intenção de proceder à cobrança coerciva da dívida.

10º Actos judiciais, sem os quais a instauração do processo executivo tendente à cobrança coerciva da dívida não seria possível ou viável.

11º Em todos estes processos judiciais, os executados foram devidamente citados e no decurso dos mesmos, notificados de todos os actos neles praticados, tendo, por isso conhecido, desde 2002, a pretensão da embargada/exequente de cobrar a dívida.

12º Em todos eles, incluindo nos recursos interpostos pelos executados, o direito da exequente foi reconhecido e a sua pretensão prevaleceu, tendo procedido na totalidade.

13º Dispõe o nº 1 do artigo 323º do Cód Civil que “A prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente.

14º Dúvidas não restam quanto à pratica de actos judiciais, por parte do credor ou seja a embargada/exequente, que, directamente, desde 2002 até à presente data, deram a conhecer a embargante/ executada, a pretensão requerer o pagamento da quantia em dívida, interrompendo, por isso, a prescrição.

15º O transito em julgado dos processos atrás mencionados apenas ocorreu em 22 de Fevereiro de 2016 e a execução foi instaurada em 1 de Abril de 2016.

16º Atendendo ao prazo de prescrição da obrigação de juros convencionais ou legais de 5 anos a que se refere o artigo 309.º, alínea d), do Código Civil, é manifesto que à data da instauração da presente execução os juros vencidos até esse momento não estão prescritos uma vez que não decorreram mais de cinco anos desde a interrupção da prescrição.

17º O acordão ora recorrido ao desconsiderar as acções judiciais instauradas desde o transito em julgado da sentença de revisão em 2002 até 2016 por parte da embargada/exequente contra a embargante/executada, com o propósito exclusivo de possibilitar e viabilizar a presente execução, consubstanciando por isso actos judiciais preparatórios desta execução que, directamente, deram a conhecer ao devedor a intenção do credor exercer a sua pretensão,

18º Interpretou e aplicou de forma deficiente, face à matéria de facto em causa, as normas jurídicas aplicáveis in casu, designadamente o nº1 do artigo 323º do Código Civil.

19º Deve, por isso o acordão ora recorrido ser revogado na parte em que decide parcialmente procedente a exceção de prescrição dos juros de mora e em conformidade devem tais juros de mora voltar a ser devidos desde o transito em julgado da sentença de revisão que ocorreu em 11/12/2002 até pagamento integral da dívida”.

8. BB apresentou contra-alegações, onde conclui:

1º- O Recurso que ora se responde foi interposto face a discordância da Recorrente com o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Évora que procedeu á revogação parcial da sentença proferida pelo Tribunal da 1ª Instância no que respeita á prescrição dos juros.

2º A questão a decidir no presente recurso que ora se responde consiste em saber se á data da instauração da execução ( 01-04-2016) se encontrava prescrita a obrigação exequenda constituída por juros de mora .

3º- A jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça tem consistentemente considerado que as obrigações consubstanciadas nas sucessivas quotas de amortização do capital mutuado ao devedor, originando prestações mensais e sucessivas, de valor predeterminado, englobando os juros prescrevem no prazo de cinco anos de acordo com a previsão da alínea e) do artº 310º do CC.

3º- A prescrição dos juros de mora encontra-se submetida ao regime geral estabelecido no artigo 310º alª d) do Código Civil, segundo a qual os juros legais prescrevem no prazo de cinco anos.

4º- Esta prescrição destina-se a evitar a ruína do devedor, pela acumulação da dívida, derivada designadamente de quotas de amortização de capital pagável com juros. Numa situação destas, a exigência do pagamento de uma só vez, decorridos demasiados anos, poderia provocar a insolvência do devedor a viver dos rendimentos, nomeadamente do trabalho, e que o legislador, conhecedor das opções possíveis, quis prudentemente prevenir, colocando no credor maior diligência temporal na recuperação do seu crédito (VAZ SERRA, BMJ n.º 107, pág. 285).”

5º- Corre novo prazo de prescrição de 5 anos de todas as prestações vencidas no mútuo que serve de base à sentença que serviu de base á presente execução, (e não outro prazo qualquer, nomeadamente de 20 anos, como é evidente, pois que a interrupção tem por efeito inutilizar o prazo em curso e começar outro idêntico a partir do ato interruptivo, conforme previsto no art.º 326.º n.º 2 do Código Civil, sendo certo, também, que ao caso não tem aplicação o disposto no art.º 311.º do diploma legal em apreço).

6º- Impõe-se salientar que o novo prazo de prescrição de 5 anos começou, efetivamente, a correr, a partir do dia 29 de Julho de 1995 ( após o trânsito em julgado da sentença do Tribunal Regional de Ravensburg) , no âmbito do processo que correu termos no Tribunal Regional de Ravensburg

7º- Os juros da dívida prescrevem no prazo de cinco anos, por aplicação do art. 310.º, alínea d), do Código Civil, o que se invoca para todos os efeitos legais .

8º- Julgamos ser hoje dominante na jurisprudência o entendimento de que prescrevem no prazo de 05 (cinco) anos (por aplicação da alínea e) conjugada, ou não, com a alínea d) do art.º 310 CC) os créditos consubstanciados em prestações mensais e sucessivas, compostas por quotas/fracções de capital e juros remuneratórios, com as quais se amortiza e remunera um mútuo oneroso.

9º- Analisando o caso dos autos , acolhemos o entendimento proferido pelo Acórdão da Relação de Évora que considerou que á data da instauração do processo de revisão de sentença, os juros vencidos até esse momento, estavam prescritos por terem já decorridos mais de 05 anos aquando da interrupção da prescrição.

10º- Por força do art.º 311 n.º 2 do C.P.C. , em relação aos juros vincendos , os prazos de prescrição mantêm-se nos 05 anos , reiniciando-se o prazo de prescrição após o trânsito em julgado da sentença de revisão de sentença estrangeira ,ou seja , após 11-12-2022. 11º-Tendo a execução sido instaurada em 01 de Abril de 2016 , encontram-se prescritos os juros que àquela data já tinham mais de cinco anos , ou seja , só são devidos os juros de mora dos últimos cinco anos antes da instauração da execução

12º- Neste sentido o Ac. do STJ de 27-03-2014, Relator Silva Gonçalves, Proc. n.º 189/12.6TBHRT-A.L1.S1, publicado em www.dgsi.pt, no qual se entendeu   que: «1. O prazo ordinário da prescrição é de vinte anos (artigo 309.º do Código Civil); todavia, prescrevem no prazo de cinco anos as quotas de amortização do capital pagáveis com os juros – artigo 310.º, alínea e), do Código Civil. (…)»;

13º- o Ac. do STJ de 23-01-2020, Relator Nuno Pinto Oliveira, Processo n.º 4518.17.8T8LOU.A.P1.S1, publicado em https://jurisprudencia.csm.org.pt, sob a referência ECLI:PT:STJ:2020:4518.17.8T8LOU.A.P1.S1:

«I. - Em contratos de mútuo oneroso, o acordo pelo qual se fracciona a obrigação de restituição do capital mutuado é um acordo de amortização e cada uma das prestações em que a obrigação de restituição se fracciona é uma quota de amortização. II. - Em consequência, cada uma das prestações mensais devidas pelo mutuário é uma quota de amortização do capital no sentido do artigo 310.º, alínea e), do Código Civil. III. - O artigo 730.º, alínea a), do Código Civil deve interpretar-se no sentido de que a hipoteca se extingue pela prescrição da obrigação a que serve de garantia), publicados os dois primeiros».

14º- Assim sendo não se impõe a alteração da decisão proferida .

33º- Ao contemplar o entendimento explanado no Recurso em causa , os Venerandos Desembargadores , tiveram em conta o disposto nos artigos : 309, 310,311, 326, 561, 781 , e seguintes do C.Civil 729 alínea g) do C.P.C. , entre outros , motivo pelo qual a douta decisão ora posta em crise deve ser mantida”.

9. Em 6.03.2023 a Exma. Desembargadora do Tribunal da Relação de Évora proferiu o seguinte despacho:

Admite-se a revista interposta em 30-01-2023, por estar em tempo, a parte ter legitimidade para o efeito e o acórdão ser recorrível, subindo o recurso imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo (artigos 631.º, n.º 1, 638.º, n.º 1, 671.º, n.º 1, 674.º, n.º 1, alínea a ) e 675.º do CPC).

Remetem-se os autos ao STJ”.


*


Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente (cfr. artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do CPC), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cfr. artigos 608.º, n.º 2, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, do CPC), a questão a decidir, in casu, é a de saber se o Tribunal recorrido decidiu em conformidade com a lei ao julgar procedente a excepção de prescrição relativamente aos juros de mora.


*

II. FUNDAMENTAÇÃO

OS FACTOS

São os seguintes os factos que vêm provados no Acórdão recorrido:

1º-Por sentença transitada em julgado proferida pelo Tribunal Regional de Ravensburg, na Alemanha, em 10 de Junho de 1995, foi a aqui Embargante BB condenada no pagamento à aqui Embargada por AA da quantia de 300.000 marcos alemães a que correspondem 153.387.56 €, acrescida de juros vencidos desde 1.10.94 sobre 299.000 marcos, à taxa de 5 pontos percentuais acima da taxa de desconto do “Deutsche Bundesbank”- cfr. documento junto com o requerimento executivo e que aqui se dá por reproduzido.

2º-Por sentença proferida no processo n.º ...02 do extinto ... Juízo do Tribunal Judicial ..., transitada em julgado em 11/12/2002, ao abrigo do disposto nos artigos 31º e 34º da Convenção de Bruxelas relativa à competência judiciária e à execução de decisões em matéria civil e comercial, foi declarada a sentença acima referida em 1º, exequível em Portugal- cfr. documento junto com o requerimento executivo e que aqui se dá por reproduzido.

3º-Correu termos a acção n.º 326/2002 do extinto ... Juízo do Tribunal Judicial ... (redistribuído como 475/14.... do Juízo Central Cível ...-J...) instaurada pela aqui exequente AA contra os aqui executados BB, CC e EE, onde por sentença transitada em julgado em 17/10/2011, foi decidido julgar procedente a impugnação da doação da metade indivisa do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º 01605/891108 feita por BB e CC à sua filha EE, julgando-a ineficaz em relação à Autora AA e determinando que o direito doado seja restituído à medida do crédito da Autora, podendo esta executá-lo na medida da satisfação do seu crédito-cfr. documentos juntos com o requerimento executivo e que aqui se dão por reproduzidos

4º-O crédito a que se refere a acção referida em 3º corresponde às quantias em que foi condenada a Embargante BB como consta nos factos 1º e 2º.

5º-Na execução de que estes embargos constituem um apenso foi nomeado à penhora a metade indivisa do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º 01605/891108.

6º-A execução de que estes embargos constituem um apenso foi instaurada em 1/4/2016.

O DIREITO

Para fundamentar a sua decisão escreveu-se no Acórdão recorrido:

A sentença exequenda é a sentença proferida na Alemanha e não outra, seja a proferida em sede de revisão de sentença, seja outra(s) proferida(s) pelos tribunais portugueses e mencionadas pela Apelada, ou seja, a sentença proferida na ação pauliana, os acórdãos roferidos subsequentemente à prolação desta em sede de recurso (normal) de apelação e extraordinário de revisto de sentença e as decisões que tenham sido proferidas em procedimentos cautelares e em sede de outra execução referenciada pela Embargada.

A sentença que reviu e confirmou a sentença alemã e conferiu exequibilidade àquela integra o título executivo porquanto é a mesma que confere à sentença revidenda essa qualidade (executoriedade).

O raciocínio da Apelante para invocar a prescrição é simples e desdobra-se em duas vertentes:

(i) a obrigação exequenda prescreve no prazo de prescrição ordinário de 20 anos (artigo 309.º do Código Civil), pelo que tendo a sentença alemã transitado em julgado em 28-07-1995 e a presente execução sido intentada em 01-04-216, estavam decorridos mais de 20 anos, logo a obrigação estava prescrita, não colhendo a aplicação ao caso do artigo 311.º, n.º 1, do mesmo Código Civil;

(ii) a obrigação de juros, acessória da obrigação de capital, prescreve no prazo de 05 anos, nos termos do artigo 310.º, alínea d), do Código Civil, pelo que estão prescritos todos os anteriores de há menos de 05 anos.

É evidente que o raciocínio da Apelante omite a existência de uma ação de revisão de sentença cuja decisão transitou em julgado em 11-12-2002, tendo sido instaurada nesse ano de 2002 (a certidão desta sentença não menciona a data de entrada da petição inicial, nem da citação da requerida naquela causa).

É sabido que no ordenamento jurídico português a eficácia das sentenças proferidas por um país estrangeiro, quer quanto à sua força de caso julgado, quer quanto à sua exequibilidade (exequátur), têm de sujeitar-se a um processo especial de revisão e confirmação regulado nos artigos 978.º e seguintes do atual CPC, estipulando o seu artigo 978.º, n.º 1: «Sem prejuízo do que se acha estabelecido em tratados, convenções, regulamentos da União Europeia e leis especiais, nenhuma decisão sobre direitos privados, proferida por tribunal estrangeiro, tem eficácia em Portugal, seja qual for a nacionalidade das partes, sem estar revista e confirmada.»

O sistema adotado por Portugal, entre os vários que existem, foi o de reconhecimento meramente formal ou de delibação por via do qual o tribunal se limita a verificar se a sentença estrangeira satisfaz certos requisitos de forma e certas condições de regularidade formal, sem prejuízo do legislador ter feito concessões ao sistema de revisão de mérito, adotando, segundo alguns, um sistema misto de revisão formal e de revisão de mérito.

Porém, não é essa a questão que ora nos ocupa.

A relevância da sentença de revisão proferida (ao abrigo da legislação em vigor na altura) relaciona-se com a questão da interrupção da prescrição.

Entre a data do trânsito em julgado da sentença revidenda e a data da instauração da ação de revisão de sentença estrangeira decorreram, pelo menos, 07 anos.

O prazo de prescrição ordinário na lei portuguesa é de 20 anos (artigo 309.º do Código Civil), embora também se encontrem prazos de prescrição de curto prazo (05 anos) para as situações abrangidas pelo artigo 310.º do Código Civil, aí se incluindo os juros (alínea d) do preceito), estando ainda estabelecidos outros prazos ainda mais curtos como decorre dos artigos 316.º e 317.º do Código Civil.

As partes não litigam com base na invocação do prazo de prescrição da lei alemã.

Na contestação aos presentes embargos, a Embargada faz menção à lei alemã mas de forma algo confusa e não documentou nos autos sequer os preceitos que indica do BGB, nem sequer defende que os mesmos sejam os aqui aplicáveis.

De qualquer modo, o prazo de prescrição a ter em conta, considerando que estamos a discutir a exequibilidade de uma sentença estrangeira revista ao abrigo da lei portuguesa (artigo 706.º do CPC), sendo o fundamento dos embargos o previsto no artigo 729.º, alínea g), do CPC (facto extintivo prescrição), é o da lei portuguesa.

Estipula o artigo 306.º, n.º 1, do Código Civil a regra geral na matéria do início do curso da prescrição, prescrevendo que o prazo de prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido.

Por sua vez, estipula o artigo 323.º, n.º s 1 e 2, do Código Civil, que a prescrição se interrompe, entre outros atos que exprimam a vontade, direta ou direta, do titular do direito o exercer, pela citação, seja qual for o processo a que o ato pertence e ainda que o tribunal seja incompetente, sendo que, se a citação não se fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias.

Os efeitos da interrupção da prescrição encontram-se plasmados no artigo 326.º do Código Civil, donde decorre, que a prescrição inutiliza o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo a partir do ato interruptivo, sem prejuízo dos n.ºs 1 e 3 do artigo 327.º do mesmo diploma legal, onde avulta que o prazo de prescrição interrompido por via da citação, só volta a iniciar-se de novo após o transito em julgado da decisão que puser termo ao processo.

Ora, na situação em análise, antes da prolação da sentença de revisão de sentença, o direito reconhecido e objeto da ação de condenação alemã, não podia ser exercido perante a jurisdição portuguesa.

Com a instauração do processo de revisão de sentença estrangeira e citação da ali Requerida (ora Embargante BB) interrompeu-se a prescrição em curso, ou se a citação não ocorreu no prazo de 05 dias após a instauração da ação, tem-se a prescrição interrompida logo que decorreram os referidos 05 dias, só voltando a correr novo prazo de prescrição após o trânsito em julgado da sentença proferida no processo de revisão de sentença estrangeira.

No caso, tendo o processo de revisão de sentença sido instaurado em 2016, o prazo de 20 anos ainda não tinha decorrido, tendo-se o mesmo interrompido, só tendo voltado a correr a partir de 11-12-2002.

Como a execução de que estes embargos são apenso foi instaurada em 01-04-2016, também não tinha decorrido os referidos 20 anos da prescrição ordinária.

Donde, a aplicação ao caso do artigo 311.º, n.º 1, do Código Civil, à dívida de capital nem sequer se coloca.

Sublinhando-se que não se envereda por qualquer análise em relação à aplicação à dívida de capital do prazo curto de 05 anos (tese defendida pelos Embargante na oposição à execução, pois, manifestamente, não a vêm já defender em sede de recurso, pelo que se tornou numa não-questão atenta a posição da recorrente).

Resta, agora, apreciar a questão da prescrição dos juros.

O prazo de prescrição da obrigação de juros convencionais ou legais é na lei portuguesa de 05 anos, nos termos do artigo 309.º, alínea d), do Código Civil.

À data da instauração do processo de revisão de sentença, os juros vencidos até esse momento, estravam prescritos por terem já decorridos mais de cinco anos aquando da interrupção da prescrição.

Por força do artigo 311.º, n.º 2, do CPC, em relação aos juros vincendos, os prazos de prescrição mantêm-se nos 05 anos.

O prazo de prescrição voltou a correr de novo após o trânsito em julgado da sentença de revisão de sentença estrangeira, ou seja, após 11-12-2002.

Tendo a execução sido instaurada em 01-04-2016, encontram-se prescritos os juros que àquela data já tinham mais de cinco anos, ou seja, só são devidos os juros de mora dos últimos cinco anos antes da instauração da execução.

Neste ponto, a apelação procede em parte”.

Recordando que a questão no presente recurso de revista se circunscreve à procedência ou improcedência da prescrição da obrigação de pagamento de juros, e não também da obrigação de restituição do capital, aproveita-se o enquadramento feito a propósito desta última para compreender melhor o que se passou.

Simplificada e esquematicamente, o que se passou foi o seguinte:

- o tribunal alemão condenou a ora embargante e recorrida BB no pagamento à ora embargada AA de certa quantia, acrescida de juros vencidos desde 1.10.1994  – sentença transitada em julgado em 10.06.1995;

-  esta sentença foi revista e confirmada pelo tribunal português – sentença transitada em julgado em 11.12.2002;

- a execução de que são apensos os presentes embargos foi proposta em 1.04.2016.

Na lei portuguesa, o prazo de prescrição ordinário é de vinte anos, conforme disposto na norma geral do artigo 309.º do CC. Porém, o artigo 310.º do CC prevê que certas obrigações fiquem subordinadas a um prazo de prescrição mais curto – de 5 anos. Esta norma, por ser especial, afasta a e prevalece sobre a norma geral.

Entre as obrigações contempladas no artigo 310.º do CC encontram-se as obrigações de juros [al. d)], que é a categoria aqui em causa.

Dispõe-se nesta norma, precisamente:

Prescrevem no prazo de cinco anos: (…) d) Os juros convencionais ou legais, ainda que ilíquidos, e os dividendos das sociedades”.

Comentando a norma, dizem Pires de Lima e Antunes Varela[1]:

O prazo de cinco anos começa a contar-se, segundo a regra do artigo 306.º, a partir da exigibilidade da obrigação. Pode acontecer, nas obrigações de juros, que não haja prazo estabelecido para o seu pagamento. É o que acontece quanto aos juros legais. Neste caso, os juros vão-se vencendo dia-a-dia, pelo que devem considerar-se prescritos os que tiverem vencido para além dos últimos cinco anos”.

Veja-se ainda o disposto no artigo 311.º do CC, onde se diz:

1. O direito para cuja prescrição, bem que só presuntiva, a lei estabelecer um prazo mais curto do que o prazo ordinário fica sujeito a este último, se sobrevier sentença passada em julgado que o reconheça, ou outro título executivo.

2. Quando, porém, a sentença ou o outro título se referir a prestações ainda não devidas, a prescrição continua a ser, em relação a elas, a de curto prazo”.

Decorre do n.º 2 que a prescrição dos juros vincendos reconhecidos em sentença está subordinada ao prazo (mais curto) de cinco anos.

Aplicando esta doutrina ao caso vertente, imediatamente se compreende que raciocinou bem o Tribunal a quo quando decidiu que todos os juros que se tenham vencido mais de cinco anos antes da data da propositura da presente execução (1.04.2016) estão prescritos, ou seja, só são devidos aqueles que se tenham vencido dentro do período de cinco anos anteriores a esta última data.

Se é certo que a obrigação era exigível em Portugal desde 11.12.2002 (data do trânsito em julgado da sentença de revisão e confirmação da sentença alemã), não é menos certo que a exigibilidade só se actualizou ou concretizou em 1.04.2016, com a propositura da presente execução pela ora recorrente.

Concluiu-se, assim, que o Tribunal a quo não incorreu em erro de interpretação do artigo 323.º, n.º 1, do CC, nem de qualquer outra disposição legal, não restando senão confirmar o Acórdão recorrido.


*

III. DECISÃO

Pelo exposto, nega-se provimento à revista e confirma-se o Acórdão recorrido.


*

Custas pela recorrente.


*

Lisboa, 25 de Maio de 2023

Catarina Serra (Relatora)

Cura Mariano

Fernando Baptista

_____

[1] Cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, volume I, Coimbra, Coimbra Editora, 1987, p. 280.