Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | 5.ª SECÇÃO | ||
| Relator: | ERNESTO NASCIMENTO | ||
| Descritores: | HABEAS CORPUS OBRIGAÇÃO DE PERMANÊNCIA NA HABITAÇÃO PRISÃO CUMPRIMENTO DE PENA INDEFERIMENTO | ||
| Data do Acordão: | 10/09/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | HABEAS CORPUS | ||
| Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
| Sumário : | I. Se o artigo 222.º/1 CPPenal exige, de forma clara e inequívoca, a prisão, "a qualquer pessoa que se encontrar ilegalmente presa…” em bom rigor não se pode afirmar que nada há na lei que impeça o habeas preventivo. II. O pedido de habeas corpus não se destina a apreciar a validade e o mérito de decisões judiciais, a apurar se foram ou não observadas as disposições da lei, substantiva ou processual e, se ocorreram ou não irregularidades ou nulidades resultantes da sua inobservância. III. Se com a providência de habeas corpus a peticionante pretende – não tanto, evitar a sua prisão - mas, no caso, o cumprimento dos mandados de detenção já emitidos e a sua condução ao estabelecimento prisional – antes, pugnando pela verificação dos requisitos de que depende o cumprimento da pena em casa, então, faltando, desde logo, o requisito da actualidade, não estando, sequer, privada da liberdade, é manifestamente infundada a petição de habeas corpus. | ||
| Decisão Texto Integral: |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I. Relatório Em requerimento, que deu entrada em Juízo a 2.10.2025, dirigido ao Sr. Juiz Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, subscrito por advogado, AA, invocando os artigos 31.ºda Constituição da República e 222.º/2 alínea b) CPPenal, “ser motivada por facto pelo qual a lei não o permite”, veio intentar “HABEAS CORPUS PREVENTIVO”, alegando, em resumo, os seguintes fundamentos: - a figura do Habeas Corpus preventivo não está expressamente prevista na Lei, também não está expressamente proibido o contrário, nenhuma norma ou princípio de direito penal e constitucional impede a sua apresentação, suscitação e decisão por parte das autoridades no Supremo Tribunal de Justiça; - assim, a melhor e mais correta interpretação do texto legal é no sentido de que, tanto se pode peticionar o Habeas Corpus se já tiver ocorrido a prisão ou que a mesma esteja prestes a ocorrer e já exista ordem de prisão emitida; - à luz e em homenagem ao princípio constitucional do direito à liberdade e do princípio da dignidade da pessoa humana, só devem ser decretada a prisão, para cumprimento de pena em estabelecimento prisional quando a lei não permita, de maneira nenhuma, que a pena ou o remanescente da pena possa ser cumprido em regime habitacional; - se existe alternativa legal para que se evite o cumprimento de pena de prisão em estabelecimento prisional, e tal mecanismo não está acionado ou implementado por deficiência do sistema penal, cabe Habeas Corpus preventivo, acautelando-se assim a prisão em Estabelecimento Prisional; - a peticionante foi condenada originariamente numa pena suspensa de 2 anos e 10 meses de prisão, suspensa por igual período, na condição de efetuar determinado pagamento; - depois de algumas vicissitudes processuais mas sem ter cometido qualquer crime, e pese embora a arguida tenha acabado por pagar o valor, ainda que tardiamente (mas pagou!) a pena suspensa foi-lhe revogada, decretando-se o cumprimento dos 2 anos e 10 meses de prisão – por decisão transitada em julgado; - mas, neste caso em concreto há questões supervenientes que mudam toda a história já depois da pena suspensa ter sido revogada; - ao abrigo da recente Lei de Amnistia, nas penas de prisão suspensas revogadas, deve descontar-se 1 ano de prisão – e, assim foi feito, a pena de 2 anos e 10 meses foi reduzida para 1 ano e 10 meses face ao desconto de 1 ano por força do perdão papal; - a peticionante, à luz da alínea c) do n.º 1 do artigo 43.º CPenal, com fundamentos de ter filhos menores, requereu que a pena de 1 ano e 10 meses de prisão fosse cumprida em Regime na Habitação e por despacho, também transitado em julgado, foi decidido que a pena aplicada é e sempre será de 2 anos e 10 meses, pese embora lhe tenha sido descontado 1 ano por força do perdão papal, mas à luz da pena originária, sendo a origem da pena superior a 2 anos, sendo inaplicável a possibilidade de cumprir a pena na habitação à luz da alínea c); - ora, se se o Tribunal diz que a pena originária foi alvo de um desconto, desconto esse de 1 ano por força do perdão papal, então em vez de se aplicar a alínea c) do n.º 1 do artigo 43.º, é de se aplicar a alínea b) do mesmo número e artigo, porquanto este normativo refere que, efetuado o desconto, que por analogia tem que se enquadrar também o desconto papal, é aplicável ao cumprimento remanescente de 1 ano e 10 meses; - o Tribunal, no princípio da oficiosidade e da boa administração da Justiça, em respeito à dignidade da pessoa humana, deveria ter, de motu próprio, efetuado a convolação jurídica para a alínea b) do n.º 1 e, com o desconto de 1 ano do perdão papal, aplicar a requerida OPH até aos dois anos que faltam; - e ao não o ter feito, os mandados de detenção para cumprir pena no EP são motivo pelo qual a lei não permite o cumprimento dos mesmos, havendo, primeiro, que esgotar todos os meios e mecanismos jurídicos a fim de se evitar a prisão em Estabelecimento Prisional; - aqui reside o Habeas Corpus preventivo, de modo a que a peticionante não seja detida para cumprimento em estabelecimento prisional, devendo o Supremo Tribunal de Justiça - em homenagem ao princípio da liberdade e da dignidade da pessoa humana de que só se deve encarcerar em EP quem não tenha hipótese de cumprir a pena noutra alternativa - intervir, preventivamente, dando luz verde ao cumprimento da pena em OPHVE, aplicando-se a alínea b) do n.º 1 do artigo 43.º CPenal, o que foi negado em 1.ª instância; - é certo que se pode colocar a questão de o desconto a que se refere a alínea b) do n.º 1 do artigo 43.º CPenal ficar circunscrito ao mencionado nos artigos 80.º a 82.º CPenal, ou se, porventura, uma vez que um desconto de perdão papal, num caso sui generis como este, se deve interpretar pela letra da lei que esse desconto ali previsto também abarca e contempla um eventual desconto de pena à luz de perdão papal – o que invocamos; - a interpretação da lei não deve cingir-se à sua letra mas sim, dentro desta, entrar-se no espirito, bem como, na falta de norma própria, criar norma que o julgador colocado na posição do legislador teria criado para o caso em concreto. E, assim, termina por concluir que, - para sua defesa, dúvidas não subsistem de que, à luz da alínea b) do n.º 1 do artigo 43.º CPenal, a pena de 1 ano e 10 meses que lhe falta cumprir pode ser cumprida em OPH, não obstante o Tribunal de 1.ª instância ter entendido que, como a pena originária é sempre superior a 2 anos, em caso algum pode ser aplicável a OPH; - em nome da liberdade, em nome de que as prisões efetivas em estabelecimento prisional só possam ocorrer quando é impossível executar-se outra medida alternativa, mais a mais quando a arguida tem filhos menores (e até pagou os valores da sentença) – deve entender-se, a título preventivo, que a peticionante não pode ser presa em EP, devendo, antes, ser aplicado o regime de OPH. 2. A 2.10.2025 foi prestada a seguinte informação: “(…) foram emitidos mandados de detenção da arguida. Contudo, é desconhecido o seu paradeiro, motivo pelo qual os mesmos ainda não foram cumpridos, o que motivou a prolação do despacho de 23/09/2025. Para os devidos efeitos, esclarece-se ainda o seguinte: Nos presentes autos, por acórdão proferido nestes autos em 10 de Janeiro de 2020, foi AA condenada pela prática, entre outro, de quatro crimes de furto qualificado, previstos e puníveis pelos artigos 203º, n.º 1 e 204º, n.º 1, alínea e), n.º 2, alínea e) e n.º 3, do Código Penal, na pena única de dois anos e dez meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de dois anos e dez meses de prisão, sujeita: [i] Ao cumprimento do seguinte dever, nos termos do artigo 51º, n.º 1, alínea c), do Código Penal: - Pagamento, no prazo da suspensão, contado do trânsito em julgado da presente decisão, do valor de 600,00 € (seiscentos euros), ao “Centro de Solidariedade Social de S. Veríssimo”, sito na Rua 1, da Freguesia de Tamel (São Veríssimo), do Concelho de Barcelos. A arguida deverá comprovar nos autos a entrega desse quantitativo, mediante a junção do competente recibo, emitido à ordem deste Processo. [ii] Ao cumprimento da seguinte regra de conduta: deverá abster-se de consumir produtos estupefacientes, bem como de frequentar espaços conotados com o seu consumo ou tráfico de estupefacientes. O acórdão transitou em julgado, quanto à arguida, no dia 10 de fevereiro de 2020. O período da suspensão da execução da pena de prisão aplicada teve, assim, o seu início, no dia 11 de fevereiro de 2020 e o seu termo final no dia 11 de dezembro de 2022. Por despacho datado de 20/09/2024, foi revogada a suspensão da pena aplicada à arguida. Os mandados de detenção emitidos ainda não foram cumpridos, sendo desconhecido o paradeiro da arguida”. 3. Da certidão junta consta, A. Por despacho de 20-9-2024, - foi revogada a suspensão - cujo período decorreu de 11.2.2020 a 11.12.2022 - da pena de prisão aplicada à arguida no acórdão de 10.1.2020, transitado a 10.2.2020,onde fora condenada pela prática, entre outro, de quatro crimes de furto qualificado, pp. e pp. pelos artigos 203.º/1 e 204.º/1 alínea e), 2 alínea e) e 3 CPenal, na pena única de dois anos e dez meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de dois anos e dez meses de prisão e, assim, foi ordenado que a arguida cumprisse a pena de dois anos e dez meses de prisão em que foi condenada; - ao abrigo dos artigos 1.º, 2.º, n.º 1 e 3.º, nºs 1, 3 e 4, da Lei 38-A/2023, de 02/08, foi declarado o perdão de um ano de prisão, determinando-se que passasse a cumprir a pena de 1 ano e 10 meses de prisão, sob condição resolutiva de a beneficiária não ter praticado infração dolosa no ano subsequente à entrada em vigor da Lei n.º 38-A/2023, de 02/08 (01/09/2023) – cfr. art.º 8.º, n.º 1, do mesmo dispositivo legal; - foi ordenado que após trânsito, se emitissem mandados de detenção para cumprimento da pena de um ano e 10 meses de prisão. B. Por requerimento de 4.6.2025 a peticionante veio solicitar o cumprimento da pena de 1 ano e 10 meses, em regime de permanência na habitação, com fiscalização por vigilância eletrónica, declarando desde já o seu consentimento para o seu cumprimento. C. Por despacho de 13.6.2025 foi tal pretensão indeferida, entendendo-se que a pena determinada no acórdão condenatório foi de dois anos e dez meses de prisão, sendo indiferente, para a análise pretendida pela arguida, que por causa do desconto resultante do perdão a pena a cumprir fique aquém do limite de 2 anos, seja que a aplicação do perdão não pode modificar a natureza nem a medida de uma pena. D. Por despacho de 23.9.2025 Extraia e remeta ao TEP a competente certidão nos termos e para os efeitos previstos no artigo 138.º, n.º 4, alínea x), da Lei n.º 115/2009, de 12 de Outubro (Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade), com cópia: - da informação relativa à identificação do mandatário da condenada AA; - do acórdão proferido nos autos com nota do trânsito em julgado; - da decisão de revogação da suspensão da execução da pena de prisão aplicada, com nota do trânsito em julgado; - do expediente de fls. 1910; - da promoção que antecede e do presente despacho. Mais determino que, com remessa de todos os elementos e expediente necessários: - se solicite ao Gabinete Nacional SIRENE a inscrição da identidade da condenada AA no Sistema de Informação Schengen para efeitos da sua localização e detenção; - através do endereço eletrónico uni.st.nai@pj.pt se solicite à Polícia Judiciária a introdução do pedido de localização da condenada AA na sua base de dados de pessoas a procurar e a deter; - se solicite à AIMA a inserção no seu sistema integrado de informações da medida de localização e detenção da condenada AA. E, mais se decidiu quanto, - ao requerimento datado de 12.9.2025 que, atendendo ao teor do despacho datado de 13.6.2025, a questão foi já oportunamente apreciada, pelo que nada mais temos a ordenar e, - ao pedido subsidiário, a questão apenas poderá ser, oportunamente, apreciada pelo TEP, não sendo este Tribunal competente para apreciar do pedido aí efetuado (cfr. artigo 138º, n.º 4, alínea b), da Lei n.º 115/2009, de 12 de Outubro). 4. Convocada a Secção Criminal e notificados o Ministério Público e o mandatário/defensor do arguido, procedeu-se à realização da audiência, com o formalismo legal e em conformidade com o disposto nos artigos 11.º/4 alínea c), 223.º/1, 2 e 3 e 435.º CPPenal. Cumpre decidir. II. Fundamentação 1. O circunstancialismo factual relevante para o julgamento resulta da petição de habeas corpus, da informação e da certidão que a acompanha é o seguinte: - por acórdão proferido em 10 de Janeiro de 2020, transitado a 10.2.2020, foi AA condenada pela prática, entre outro, de quatro crimes de furto qualificado, previstos e puníveis pelos artigos 203º, n.º 1 e 204º, n.º 1, alínea e), n.º 2, alínea e) e n.º 3, do Código Penal, na pena única de dois anos e dez meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de dois anos e dez meses de prisão; - decorrido o período da suspensão, por despacho datado de 20/09/2024, foi revogada a suspensão da execução da pena; - foi aplicado o perdão de 1 ano de prisão e ordenado co cumprimento do remanescente da pena, 1 ano e 10 meses de prisão; - foram emitidos mandados de detenção para o efeito que não foram ainda cumpridos, desconhecendo-se o paradeiro da arguida. 2. O Direito 1. As razões da requerente. Invocando a alínea b) do n.º 2 do artigo 222.º CPPenal, “ser motivada por facto que a lei não permite” pretende a peticionante se declare, a título preventivo, que não pode ser presa em EP, devendo, antes, ser aplicado o regime de OPH. Isto porque, a pena que lhe resta cumprir, de 1 ano e 10 meses, pode ser cumprida em OPH – apesar de a pena originária, superior a 2 anos, o não permitir – uma vez que em nome da liberdade, em nome de que as prisões efetivas em estabelecimento prisional só possam ocorrer quando é impossível executar-se outra medida alternativa, mais a mais quando a arguida tem filhos menores (e até pagou os valores da sentença). 2. O texto legal nacional – aplicável ao caso. O habeas corpus é um meio, procedimento, de afirmação e garantia do direito à liberdade, cfr. artigos 27.º e 31.º da CRP, constituindo uma providência expedita e excecional – a decidir no prazo de oito dias em audiência contraditória, cfr. Artigo 31.º/3 da CRP – para fazer cessar privações da liberdade ilegais, isto é, não fundadas na lei, sendo a ilegalidade da prisão verificável a partir dos factos documentados no processo. “1 - A qualquer pessoa que se encontrar ilegalmente presa o Supremo Tribunal de Justiça concede, sob petição, a providência de habeas corpus. 2 - A petição é formulada pelo preso ou por qualquer cidadão no gozo dos seus direitos políticos, é dirigida, em duplicado, ao Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, apresentada à autoridade à ordem da qual aquele se mantenha preso e deve fundar-se em ilegalidade da prisão proveniente de: a) Ter sido efetuada ou ordenada por entidade incompetente; b) Ser motivada por facto pelo qual a lei a não permite; ou c) Manter-se para além dos prazos fixados pela lei ou por decisão judicial”. São taxativos os pressupostos do habeas corpus - que também tem consagração constitucional, cfr. artigo 31.º da CRP. Enquanto no Decreto Lei 35.043, de 20 de outubro de 1945, «o habeas corpus é um remédio excepcional para proteger a liberdade individual nos casos em que não haja qualquer outro meio legal de fazer cessar a ofensa ilegítima dessa liberdade», hoje, e mais nitidamente após as alterações de 2007, com o aditamento do n.º 2 ao artigo 219.º do CPPenal, o instituto não deixou de ser um remédio excecional, mas coexiste com os meios judiciais comuns, nomeadamente com o recurso. A providência de habeas corpus que não se confunde com o recurso, nem com os fundamentos deste, como diz Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, II, Lisboa, Editorial Verbo, 1993, 260, o habeas corpus “não é um recurso, é uma providência extraordinária com a natureza de acção autónoma com fim cautelar, destinada a pôr termo em muito curto espaço de tempo a uma situação de ilegal privação de liberdade”. Convém ter presente, como se refere no artigo 31.º/1 CRP, que “haverá habeas corpus contra o abuso de poder, por virtude de prisão ou detenção ilegal, a requerer perante o tribunal competente.” Ou seja, esta providência, que inclusivamente pode ser interposta por qualquer cidadão no gozo dos seus direitos políticos, artigo 31.º/2 CRP, tem apenas por finalidade libertar quem está preso ou detido ilegalmente e, por isso, é uma medida excecional e muito célere. De resto, quando se aprecia a providência de habeas corpus não se vai analisar o mérito da decisão que determina a prisão, nem tão pouco erros procedimentais (cometidos pelo tribunal ou pelos sujeitos processuais) já que esses devem ser apreciados em sede de recurso, mas tão só incumbe decidir se ocorrem quaisquer dos fundamentos indicados no artigo 222.º/2 CPPenal. O habeas corpus não serve para discutir decisões proferidas em outros Tribunais, mormente nos Tribunais de 1.ª instância. Irregularidades e ilegalidades que aí possam ter sido praticadas, verificando-se os respectivos pressupostos deverão ser impugnadas pelos meios próprios. E, naturalmente, como, de resto, é jurisprudência constante e pacífica deste Tribunal, para que possa merecer acolhimento o pedido de habeas corpus é ainda necessário que a ilegalidade da prisão seja actual - actualidade reportada ao momento em que é apreciado o pedido. E, assim, a questão a decidir, nesta sede, reporta-se, tão só, em saber da legalidade da ordenada e, ainda não cumprida, ordem de prisão da requerente, para cumprimento da pena remanescente de 1 ano e 10 meses de prisão. 3. Baixando ao caso concreto. Como a peticionante ela própria, reconhece no texto legal positivo nacional não está prevista a figura do habeas corpus preventivo. Com efeito, a lei exige, de forma clara e inequívoca, a prisão no artigo 222.º/1 CPPenal, quando refere "a qualquer pessoa que se encontrar ilegalmente presa…”. Donde, em bom rigor nem sequer se poderá afirmar, como faz a peticionante, que nada há na lei que impeça o habeas preventivo. E, por isso nem aqui releva qualquer apreciação sobre o direito comparado sobre o tema, por absolutamente deslocada e despicienda para a decisão do caso concreto. Apesar de, como refere a peticionante, não ser, expressamente, proibido, não está expressamente previsto, como poderia/deveria estar se essa tivesse sido a intenção do legislador. E, assim, dada a natureza absolutamente excepcional da providência de habeas corpus, assume-se como absolutamente carecido de fundamento a possibilidade de se atentar na figura do que a peticionante denomina de habeas corpus preventivo. E, de assim se prevenir, obstar, impedir - afinal, o que a peticionante aqui pretende – não tanto, a sua prisão, mas, no caso, a sua condução ao estabelecimento prisional. Isto porque o que pretende é que seja autorizada a cumprir o remanescente da pena em casa. Porventura de “iure constituendo”, no futuro, existam boas razões para que tal quadro passe a ser avaliado e, eventualmente previsto e consagrado. Até lá, “de iure constituto”, não há, seguramente, essa possibilidade. Donde não estando a peticionante privada da liberdade, carece, desde logo, manifestamente de fundamento a sua pretensão. Falta o requisito da actualidade, que usualmente se convoca no quadro de ter que estar verificado no momento da decisão, no confronto com o momento da apresentação da petição. Mas que aqui se não verifica, nem num nem no outro momento. A peticionante nunca esteve privada da liberdade. E, por isso, não pode a ela ser restituída – o que constitui a essência e a matriz do instituto. Quanto ao mais. Assente a falta do pressuposto, implícito, da actualidade da privação da liberdade, sempre diremos, ainda, o seguinte. A peticionante invoca o disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 222.º CPPenal. Que, de todo, se não verifica, mesmo que estivesse já privada da liberdade. O que se verifica é, antes, o seu inconformismo para com o despacho que indeferiu a sua pretensão de cumprimento do remanescente da pena em casa. Mas como se disse já - e nunca é demais realçar - o pedido de habeas corpus não se destina a apreciar a validade e o mérito de decisões judiciais, a apurar se foram ou não observadas as disposições da lei, substantiva ou processual e, se ocorreram ou não irregularidades ou nulidades resultantes da sua inobservância. Tudo isto constitui matéria para a qual se encontram legalmente previstos meios próprios de intervenção no processo, onde devem ser conhecidas, de acordo com o estabelecido nos artigos 118.º a 123.º CPPenal e por via de recurso para os tribunais superiores, artigo 399.º e ss. CPPenal. Com efeito, o habeas corpus não exclui o direito ao recurso, nem é subsidiário do recurso, no sentido de apenas poder ser utilizado após se esgotarem outras formas de reação. Pode “coexistir”, com os demais meios judiciais comuns de reacção, como a arguição de invalidade, reclamação ou com o recurso7, não existindo relação de litispendência ou de caso julgado entre o recurso e a providência de habeas corpus, como resulta, de resto, do artigo 219.º/2 CPPenal. Já decidiu este Supremo Tribunal no acórdão de 30.4.2008, processo 08P1504, consultado no site da dgsi, que “é verdade que a providência de habeas corpus não pressupõe o prévio esgotamento dos recursos que possam caber da decisão de onde promana a prisão dita ilegal, sendo compatível com a possibilidade de recurso de tal decisão, exactamente pela necessidade de pôr imediatamente cobro a uma situação de patente ilegalidade, também é verdade que só em casos extremos de claro abuso de poder ou de erro grosseiro na aplicação do direito, se admite a providência de habeas corpus como forma de fazer cessar a prisão ilegal, quando ela tenha sido determinada por decisão judicial”, isto porque “a providência de habeas corpus não almeja a reanálise do caso; almeja a constatação da ilegalidade, que, por isso mesmo, tem de ser patente”, destinando-se a “apreciar situações de flagrante ilegalidade da prisão, resultantes de notório abuso de poder, artigo 31.º da CRP, não a decidir questões de nulidades ou irregularidades processuais, e muito menos a impugnar decisões judiciais”. Ora, no caso, como já referido, a 1.ª instância pronunciou-se e indeferiu a pretensão da peticionante. Com a qual se conformou, não tendo, sequer, interposto recurso do despacho que decidiu contra os seus interesses. Isto é, no local próprio o Tribunal decidiu já da questão aqui, agora, renovada e cuja reapreciação a peticionante pretende. E, assim, se é certo que, - não se verifica o requisito da actualidade, - da mesma forma, não se verifica uma qualquer das situações a que se referem as alíneas a), b) e c) do n.º 2 do artigo 222.º CPPenal; - sendo, ostensivo que o que a peticionante pretende é a reavaliação da decisão que indeferiu a sua pretensão, natureza absolutamente alheia ao expediente do habeas corpus e, finalidade, a que este não visa responder. O meio processual é absolutamente inidóneo para o efeito, É, pois, manifesta a falta de fundamento para o pedido da presente providência de habeas corpus. Com efeito, é manifestamente infundada a petição quando, através de uma avaliação sumária dos seus fundamentos, se pode concluir, sem margem para dúvidas, que está votada ao insucesso. Não se verifica qualquer motivo que fundamente o pedido desta providência de Habeas Corpus, sendo evidente a falta de razão do requerente e o insucesso do pedido. Está em causa, nas palavras do texto legal a prisão motivada por facto pelo qual a lei a não permite. Este pressuposto centra-se no motivo da prisão. Se o facto que motivou a prisão não tem respaldo legal procederá o Habeas Corpus. Sem que, contudo, no âmbito desta providência este Supremo Tribunal possa abordar a questão processual, a tramitação do processo, a interpretação do Direito aplicado e o acerto, ou falta dele, da decisão que decretou a prisão. Se este é o fundamento do habeas corpus estará votado ao insucesso. A ilegalidade da prisão, tal como o peticionante a equaciona, teria de resultar da circunstância de a mesma ter sido motivada por facto pelo qual a lei a não permite. Para si a invocação do requisito de que a prisão foi motivada por facto que a lei não permite, tem subjacente a linha de orientação de um normal, corrente e habitual, recurso, neste tipo de situações. Via que não seguiu. E, já vimos que esta não é a sede para esgrimir esta argumentação. Com efeito, no âmbito do habeas corpus não cabe apreciar se o despacho que indeferiu a sua pretensão está ou não conforme com o texto legal. A via para tal seria a impugnação do mesmo através de recurso. Não cabe aqui apreciar da verificação, ou não, dos pressupostos de que depende a autorização para o cumprimento do remanescente a pena em casa. O lugar processualmente idóneo para o fazer é no próprio processo e através da impugnação por via de recurso – que, o arguido já interpôs, de resto. A providência de habeas corpus não constitui, em tese, nem pode ser transformada, na prática um recurso do despacho que decretou a prisão preventiva – como, manifestamente o peticionante pretende fazer. A providência de habeas corpus não versa sobre a legalidade do despacho que decretou a condução da peticionante ao estabelecimento prisional. Tão pouco, constitui um sucedâneo, uma alternativa, ou uma via mais, a acrescer ao recurso. A natureza excepcional da providência de habeas corpus implica que a ela apenas se deve recorrer quando falham as demais garantias de defesa da regra do direito à liberdade. Para dessa forma expedita, em muito curto espaço de tempo, se colocar termo a situações de detenção ou de prisão ilegais. Em suma. O habeas corpus não pode servir para conhecer da bondade, ou não, da pretensão da peticionante, já apreciada e decidido, com trânsito em julgado, É o recurso a sede própria para a sua reapreciação. No habeas corpus apenas há a decidir sobre uma prisão que se possa acolher aos fundamentos previstos no referido artigo 222.º/2 CPPenal. 4. Conclusão. O habeas corpus é uma garantia extraordinária e expedita contra a prisão (e a detenção) arbitrária ou ilegal. Destina-se a colocar perante o STJ a questão da ilegalidade da prisão em que o requerente se encontra nesse momento ou do grave abuso com que foi imposta. Não pode ser utilizado para questionar o mérito do despacho judicial que indefere a pretensão da condenada em cumprir a pena de prisão em casa e, não como foi decidido, no estabelecimento prisional. Esta discussão não pode fazer-se aqui, numa providência extraordinária e expedita, a decidir com urgência, num exame perfunctório, que a Constituição consagra para reparar situações de prisão ilegal decretada com manifesto, fácil e rapidamente verificável abuso de poder. No âmbito da providência e habeas corpus não incumbe, nem cabe nos seus poderes de cognição do STJ analisar questões que extravasam os fundamentos previstos no artigo 222.º/2 CPPenal. Tendo em atenção o alegado no requerimento de habeas corpus, a materialidade apurada e o disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 222.º CPPenal, manifestamente, que não ocorre fundamento para o deferimento do habeas corpus. E, assim, dado que não se evidencia - muito longe disso - uma violação directa, patente, ostensiva e grosseira dos pressupostos e das condições de aplicação da medida de coacção de prisão preventiva, deve o Habeas Corpus ser indeferido, por manifesta falta de fundamento legal, nos termos do artigo 223.º/4 CPPenal. III. Decisão Pelo exposto, acordam nesta Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em indeferir a presente providência de habeas corpus apresentada pela peticionante AA, por manifesta falta de fundamento legal. Custas pelo requerente, fixando-se em 4 UC, a taxa de justiça, cfr. n.º 9 do artigo 8.º do Regulamento das Custas Processuais e Tabela III anexa. Nos termos do artigo 223.º/6 CPPenal, o peticionante vai também condenado em 8 UC’s. Processado em computador, elaborado e revisto integralmente pelo Relator (artigo 94.º/2 CPPenal), sendo assinado pelo próprio, pelos dois Senhores Juízes Conselheiros Adjuntos e pela Senhora Juíza Conselheira Presidente. Supremo Tribunal de Justiça, 2025OUT09 Ernesto Nascimento - Relator Adelina Barradas Oliveira – Juíza Conselheira Adjunta Donas Boto – Juiz Conselheiro Adjunto Maria Helena Moniz – Juíza Conselheira Presidente |