Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | 3ª SECÇÃO (CRIMINAL) | ||
| Relator: | RAUL BORGES | ||
| Descritores: | RECURSO DE ACÓRDÃO DA RELAÇÃO OFENSA À INTEGRIDADE FÍSICA AGRAVADA PELO RESULTADO PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL DANO BIOLÓGICO DANOS NÃO PATRIMONIAIS DANO ESTÉTICO LIMITES DA CONDENAÇÃO CONDENAÇÃO ULTRA PETITUM NULIDADE | ||
| Data do Acordão: | 02/26/2020 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
| Decisão: | REJEITADO | ||
| Indicações Eventuais: | TRANSITADO EM JULGADO | ||
| Sumário : | I – O arguido AA foi condenado pela prática de um crime de furto simples na forma tentada, na pena de 15 meses de prisão efectiva.
II – Os arguidos BB, CC, DD e EE foram condenados como co-autores materiais, e sob a forma consumada, pela prática de um crime de ofensa à integridade física grave qualificada, na pessoa daquele AA, que momentos antes tentara encher dois bidões de combustível, a extrair de um veículo estacionado na via pública, tendo sido condenados a pagar o montante de € 10.000,00, a título de indemnização por dano biológico, e a quantia de € 10.000,00, a título de danos não patrimoniais (dano estético e quantum doloris), sendo absolvidos do restante peticionado. III – Por acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, datado de 27 de Março de 2019, no que ora importa, foi deliberado condenar os demandados a pagar ao demandante a quantia de € 20.000,00 a título de dano biológico e a quantia de € 11.954, 57, a título de danos não patrimoniais. IV – Como é jurisprudência assente e pacífica, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso – detecção de vícios decisórios ao nível da matéria de facto emergentes da simples leitura do texto da decisão recorrida, por si só, ou conjugada com as regras da experiência comum, previstos no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal (neste sentido, Acórdão do Plenário das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça, de 19 de Outubro de 1995, proferido no processo n.º 46580 - Acórdão n.º 7/95 -, publicado no Diário da República, I Série-A, n.º 298, de 28 de Dezembro de 1995, e BMJ n.º 450, pág. 72, que no âmbito do sistema de revista alargada fixou jurisprudência, então obrigatória, no sentido de que “É oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito”, bem como o Acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 10/2005, de 20 de Outubro de 2005, publicado no Diário da República, Série I-A, de 7 de Dezembro de 2005, em cuja fundamentação se refere que a indagação dos vícios faz-se “no uso de um poder-dever, vinculadamente, de fundar uma decisão de direito numa escorreita matéria de facto”) e verificação de nulidades, que não devam considerar-se sanadas, nos termos dos artigos 379.º, n.º 2 e 410.º, n.º 3, do Código de Processo Penal – é pelo teor das conclusões que o recorrente extrai da motivação, onde sintetiza as razões de discordância com o decidido e resume o pedido (artigo 412.º, n.º 1, do Código de Processo Penal), que se delimita o objecto do recurso e se fixam os limites do horizonte cognitivo do Tribunal Superior. V – Os demandados arguem nulidade do acórdão recorrido por condenação em quantia superior ao pedido, estando em causa a condenação em 20.000,00 € por compensação de dano biológico, quando no Juízo Local Criminal de ... o montante atribuído a título de indemnização por tal dano foi de 10.000,00 €. VI – Sabido que a divergência, neste plano, se cinge a majoração na compensação pelo dano biológico, vejamos como o ponto foi tratado na Relação. No que tange aos danos não patrimoniais, a Relação arbitrou indemnização superior ao valor fixado na 1.ª instância, que foi de 10.000,00 €, fixando-o em 11.954,57 €. Subiu o valor compensatório, é certo, mas deu exactamente o que foi pedido – cfr. o teor da aludida conclusão N. no recurso então apreciado. VII – No que respeita à indemnização por dano biológico, tendo a sentença fixado o valor de 10.000,00 € e sendo o pedido no valor de 16.233,00 €, a Relação fixou o montante de 20.000,00 €, ultrapassando o valor do pedido em 3.767,00 €. Por outro lado, o diferencial entre o valor fixado pela 1.ª instância – € 10.000,00 – e a Relação – € 20.000,00 – é de € 10.000.00. VIII – A sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir” - artigo 609.º do Cód. Processo Civil. IX – Segundo o artigo 615.º n.º 1, e) do Cód. Processo Civil, é nula a sentença quando o juiz condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido. X – Nesta circunstância há que olhar o pedido global e não cada uma das parcelas integrantes, de per si. XI – Abordando caso de pedido de indemnização civil emergente de acidente de viação mortal, ocorrendo dupla conforme cível, referimos no acórdão de 10 de Abril de 2019, processo n.º 73/15.1PTBRG.G1.S1: “Entendemos que, tratando-se, no caso concreto, de uma indemnização fixada em sede de responsabilidade civil extra-contratual por factos ilícitos, deverá atender-se para efeitos de dupla conforme, à globalidade da indemnização fixada, por se considerar que o tribunal não está vinculado a respeitar os limites dos valores peticionados para cada uma das componentes indemnizatórias, encontrando-se, sim, autorizado a, dentro do valor global reclamado em termos de qualificação jurídica, proceder à sua fixação em moldes diferenciados dos peticionados, desde que não ultrapasse e se contenha dentro do valor global da indemnização. Apenas necessário é não condenar ultra vel extra petitum. (O artigo 661.º do CPC, como agora o artigo 609.º consagra a velha máxima ne eat judex ultra vel extra petita partium.)”. XIV – Atenta a quantidade superior fixada pela Relação de Coimbra, no que respeita à compensação pelo dano biológico, no montante de 3.767,00 €, manifesto é que se não verifica nulidade, improcedendo o recurso nesta parte, ou seja, o sintetizado nas conclusões 1.ª a 9.ª. XV – Não se justificará a convocação das portarias n.º 679/2009 e n.º 377/2008, de 25 de Junho, quando estamos a apreciar determinação do montante indemnizatório destinado a ressarcir ou compensar danos que emergem da prática de crimes dolosos, pois que o enquadramento, surgimento e justificação das portarias tem a ver com indemnização originada noutra dimensão criminal, a dos crimes negligentes, não fazendo sentido perante crimes dolosos referir a mera culpa a que alude o artigo 494.º do Código Civil. XVI – Por um lado, as portarias têm um âmbito institucional específico de aplicação, restrito a sinistralidade rodoviária, extrajudicial, como solução consensual do litígio e não vinculativo, como tem entendido a jurisprudência deste Supremo Tribunal. XVII – A Portaria n.º 377/2008, de 26 de Maio, foi alterada pela Portaria n.º 679/2009, de 25 de Junho, sendo que esta, para além do mais, veio divulgar a actualização dos valores constantes da anterior, de acordo com o índice de preços no consumidor em 2008. XVIII – Aludindo a estas Portarias, António Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, II, Direito das Obrigações, Tomo III, Almedina, 2010, págs. 752/3, qualificou a primeira como elemento de perturbação e referindo a segunda como “tabela lamentável”, tratando-se de uma “iniciativa que merece um juízo de censura absoluto”, por apresentar cifras inferiores às praticadas nos tribunais, não vinculando estes, nem limitando os direitos dos lesados. XIX – Como referimos no acórdão de 25 de Novembro de 2015, processo n.º 24/14.0PCSRQ.S1, em que as portarias foram versadas na determinação dos factores a ter em conta na fixação dos montantes correspondentes a compensação por danos não patrimoniais: “Trata-se de uma medida legislativa, que procurou estabelecer uma espécie de tabela normativa ou tabela referencial de apresentação de valores prestáveis no domínio de danos de natureza pessoal, em termos não vinculativos, para os tribunais, relativamente a sinistros ocasionados por acidentes de viação”. XX – Como se disse nos acórdãos de 15-04-2009, processo n.º 3704/08 e de 25-11-2009, processo n.º 397/03.0GEBNV, por nós relatados “Com a Portaria n.º 377/2008, de 26-05-2008, entrada em vigor em 27-05-2008, visou-se fixar os critérios e valores orientadores para efeitos de apresentação aos lesados por acidente automóvel, de proposta razoável para indemnização do dano corporal, nos termos do disposto no capítulo III do título II do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21 de Agosto (diploma que transpôs para o nosso ordenamento jurídico a 5.ª Directiva Automóvel – Directiva n.º 2005/14/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de Maio - e regulou por iniciativa do legislador nacional, diversos domínios da regularização de sinistros rodoviários, sobretudo no que respeita ao dano corporal). De acordo com o artigo 2.º, alínea a) e artigo 5.º, para efeitos de proposta razoável as indemnizações pela violação do direito à vida, bem como as compensações devidas aos herdeiros da vítima, nos termos do Código Civil, a título de danos morais, serão de calcular de acordo com o quadro constante do anexo II da portaria. No Anexo II, visando as “Compensações devidas em caso de morte e a título de danos morais aos herdeiros”, sob o título genérico DANOS MORAIS HERDEIROS (A), distingue quatro grupos. Este anexo é a “amostra” do artigo 5.º, onde sob a epígrafe “Proposta razoável para danos não patrimoniais em caso de morte” se estabelece: “Para efeitos de proposta razoável, as indemnizações pela violação do direito à vida, bem como as compensações devidas aos herdeiros da vítima, nos termos do Código Civil, a título de danos morais, e previstos na alínea a) do artigo 2.º, são calculadas nos termos previstos no quadro constante do anexo II da presente portaria”. De acordo com o artigo 2.º são indemnizáveis, em caso de morte: alínea a) a violação do direito à vida e os danos morais dela decorrentes, nos termos do artigo 496.º do Código Civil.” XXI – Como decorre do n.º 2 do artigo 1.º, as disposições constantes da portaria não afastam o direito à indemnização de outros danos, nos termos da lei, nem a fixação de valores superiores aos propostos. XXII – Neste sentido se pronunciou o acórdão de 29-10-2008, processo n.º 3374/08-3.ª Secção, em que estava em causa perda do direito à vida, sendo considerada inaplicável a portaria por força do artigo 12.º, n.º 1, do Código Civil, atenta a data do acidente, adiantando que “tal diploma não pretende mais do que estabelecer critérios e valores orientadores para efeitos de apresentação aos lesados por acidentes de viação de proposta razoável para indemnização, sem que isso obste à fixação de valores superiores aos nela previstos, sendo ilegítimo pretender a redução dos valores fixados pelas instâncias à luz dessa Portaria”. XXIII – Neste exacto sentido, e citando-o, veja-se o acórdão de 27-01-2009, processo n.º 1962/08-5.ª Secção. XXIV – Neste sentido podem ver-se ainda os acórdãos de 12-03-2009, processo n.º 611/09-3.ª Secção, de 25-02-2009, no processo n.º 3459/08, de que fomos relator, de 15-04-2009, processo n.º 3704/08, por nós relatado, de 01-10-2009, processo n.º 1311/05.4TAFUN.S1, da 5.ª Secção, de 5-11-2009, processo n.º 121/01.2GBPMS.C1.S1-5.ª Secção, de 11-03-2010, proferido na revista n.º 288/06.3TBAVV.S1, CJSTJ 2010, tomo 1, pág. 123, versando dano patrimonial futuro, de 25-03-2010, proferido no processo n.º 344/07-3.ª Secção, CJSTJ 2010, tomo 1, pág. 227, de 08-03-2012, por nós relatado no processo n.º 26/09.9PTEVR.E1.S1-3.ª Secção, de 12-07-2012, proferido no processo n.º 471/05.9JELSB.L1.S1-3.ª Secção, de 14-02-2013, processo n.º 6374/05.0TDLSB.L1.S1 - 5.ª Secção, de 12-09-2013 (6.ª Secção Cível - sumário), CJSTJ 2013, tomo 3, pág. 266, de 29-10-2013 (Secção Cível), sumariado na CJSTJ 2013, tomo 3, pág. 269, de 28-11-2013, revista n.º 177/11.0TB.S1 - 2.ª Secção, de 16-01-2014, proferido no processo n.º 7488/06.4TCLRS.L1.S1, Secção Cível, in CJSTJ 2014, tomo 1, pág. 61, de 11-04-2019, processo n.º 5686/15.9T8VIS.C1.S1 – Secção Cível – CJSTJ 2019, tomo 2, págs. 34/41 XXV – Concluindo. Resulta do exposto que não tendo sequer aplicação directa ao caso presente, não houve, claramente, qualquer violação da Portaria n.º 679/2009. XXVI – No que toca aos montantes atribuídos, o referente ao dano biológico foi justificado em função da dualidade das vertentes patrimonial e não patrimonial presentes na figura, como consta da parte final do excerto supra enunciado. XXVIII – A argumentação aduzida explica por que não há exagero. Assim, sempre improcederia o recurso na vertente de impugnação dos montantes atribuídos e na imputação de violação da Portaria n.º 679/2009 XXIX – Por outro lado, atenta a ordem de grandeza do diferencial concedido pela Relação, como vimos, no valor de 3.767,00 €, no que toca ao dano biológico, sendo, por outro lado, de 10.000,00 € o diferencial entre o valor fixado pela 1.ª instância e pela Relação, certo é que é de colocar a questão da admissibilidade do recurso, atento o disposto no artigo 400.º, n.º 2, do CPP, sabido que a alçada da Relação é de € 30.000,00, conforme o disposto no artigo 44.º da Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto (LOSJ). Assim sendo, o recurso é de rejeitar. | ||
| Decisão Texto Integral: |
No processo comum com intervenção de tribunal singular n.º 212/13.7GBPBL do Juízo Local Criminal de Pombal - Juiz 2 - da Comarca de Leiria, foram submetidos a julgamento os arguidos: AA; BB; CC; DD; e, EE.
Conforme a acusação de fls. 432 a 434 verso, do 2.º volume, foi imputada ao primeiro arguido a prática de um crime de furto, na forma tentada, p. e p. pelos artigos 22.º, 23.º e 203.º, n.º 1, do Código Penal e aos restantes a prática de um crime de ofensa à integridade física grave qualificada, p. e p. pelos artigos 143.º, n.º 1, 144.º, alíneas a) e d) e 145.º, n.º 1, alínea b) e n.º 2 (na redacção dada pela Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro), por referência ao artigo 132.º, n.º 2, alínea h), do Código Penal. O Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra deduziu pedido de indemnização civil contra os arguidos BB, CC, DD e EE, no total de € 9.564,30, depois ampliado para € 9.666,30, em virtude de assistência médica ao arguido/ofendido AA, na sequência de agressões ocorridas em 20-04-2013 e praticadas por aqueles. O arguido/ofendido AA deduziu de fls. 490 a 497, do 2.º volume, pedido de indemnização civil contra os arguidos BB, CC, DD e EE, pedindo a condenação destes a pagar-lhe a quantia de € 166.0093,91, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais.
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Realizado o julgamento, foi proferida sentença em 24 de Abril de 2018, constante de fls. 747 a 816, depositada no mesmo dia, conforme declaração de depósito de fls. 819, que decidiu (realces do texto): 1. Condenar o arguido AA pela prática de um crime de furto simples, previsto e punido pelos artigos 22º, 23º e 203º, nº 1 do Código Penal, na pena de 15 (quinze) meses de prisão efectiva. 2. Condenar o arguido BB, como co-autor material, e sob a forma consumada, pela prática de um crime de ofensa à integridade física grave qualificada, previsto e punido pelos artigos 143º, nº 1, 144º, als. a) e d) e 145º, nº 1, al. b) e nº 2, por referência ao artigo 132º, nº 2, al. h) todos do Código Penal, na pena de 4 (quatro) anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, condicionada à obrigação de, no prazo de 12 meses, após o trânsito em julgado desta decisão, efectuar o pagamento da quantia de € 3.000,00 (três mil euros) ao ofendido, sendo esta quantia descontada a título de indemnização civil fixada nos autos, e devendo comprovar nos autos tal pagamento; 3. Condenar o arguido CC, como co-autor material, e sob a forma consumada, pela prática de um crime de ofensa à integridade física grave qualificada, previsto e punido pelos artigos 143º, nº 1, 144°, als. a) e d) e 145°, nº 1, al. b) e nº 2, por referência ao artigo 132º, nº 2, al. h) todos do Código Penal, na pena de 4 (quatro) anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, condicionada à obrigação de, no prazo de 12 (doze) meses, após o trânsito em julgado desta decisão, efectuar o pagamento da quantia de € 4.000,00 (quatro mil euros) ao ofendido, sendo esta quantia descontada a titulo de indemnização civil fixada nos autos, devendo comprovar nos autos tal pagamento; 4. Condenar o arguido DD, como co-autor material, e sob a forma consumada, pela prática de um crime de ofensa à integridade física grave qualificada, previsto e punido pelos artigos 143º, nº 1, 144º, als. a) e d) e 145º, nº 1, al. b) e nº 2, por referência ao artigo 132°, nº 2, al. h) todos do Código Penal, na pena de 4 (quatro) anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, condicionada à obrigação de, no prazo de 12 meses, após o trânsito em julgado desta decisão, efectuar o pagamento da quantia de € 1.500,00 (mil e quinhentos euros) ao ofendido, sendo esta quantia descontada a título de indemnização civil fixada nos autos, devendo comprovar nos autos tal pagamento; 5. Condenar o arguido EE, como co-autor material, e sob a forma consumada, pela prática de um crime de ofensa à integridade física grave qualificada, previsto e punido pelos artigos 143º, nº 1, 144º, als. a) e d) e 145°, nº 1, al. b) e nº 2, por referência ao artigo 132°, nº 2, al. h) todos do Código Penal, na pena de 4 (quatro) anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, condicionada à obrigação de, no prazo de 12 meses, após o trânsito em julgado desta decisão, efectuar o pagamento da quantia de € 1.500,00 (mil e quinhentos euros) ao ofendido, sendo esta quantia descontada a título de indemnização civil fixada nos autos, devendo comprovar nos autos tal pagamento; 6. Julgar totalmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido pelo Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, EPE, e em consequência, condenar os demandados civis/ arguidos BB, CC, DD e EE a pagar a quantia de € 9.666,30 (nove mil seiscentos e sessenta e seis euros e trinta cêntimos), acrescida dos juros de mora, à taxa legal de 4%, desde a citação até integral pagamento. 7. Julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido por AA, e em consequência, condenar os demandados civis BB, CC, DD e EE a pagar o montante de € 10.000 (dez mil euros), a título de indemnização por dano biológico, e a quantia de € 10.000 (dez mil euros), a título de danos não patrimoniais (dano estético e quantum doloris), absolvendo do restante peticionado. (…) **** Inconformado com esta decisão dela recorreu o arguido e demandante AA, para o Tribunal da Relação de Coimbra, apresentando a motivação de fls. 838 a 861. Também inconformados, recorreram os arguidos e demandados BB, CC, DD e EE, apresentando a motivação de fls. 865 a 881. O arguido BB e outros responderam ao recurso interposto pelo arguido/demandante AA, de fls. 885 a 888. O Ministério Público respondeu aos recursos na parte criminal, sendo de fls. 894 a 908, quanto ao interposto pelos arguidos BB, CC, DD e EE, e de fls. 908 a 913, quanto ao recurso interposto pelo arguido AA. O arguido/demandante AA respondeu ao recurso interposto pelos demais arguidos, de fls. 925 a 927. ***
Por acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, datado de 27 de Março de 2019, constante de fls. 981 a 1020, foi deliberado: - Conceder provimento parcial ao recurso interposto pelo arguido e demandante AA e, em consequência; 1. Condenar o arguido na pena de oito meses de prisão, a cumprir em regime de permanência na habitação com meios técnicos de controlo à distância; 2. Condenar os demandados a pagar ao demandante a quantia de vinte mil euros a título de dano biológico e a quantia de onze mil novecentos e cinquenta e quatro euros e cinquenta e sete cêntimos a título de danos não patrimoniais; Revogando nesta medida a decisão recorrida; - Ordenar a rectificação da decisão recorrida nos termos acima consignados; - Negar provimento ao recurso dos arguidos e demandados BB, CC, DD e EE. *** Os arguidos demandados BB, CC, DD e EE, notificados do acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, vêm interpor recurso do mesmo, no que respeita à parte cível, apresentando a motivação de fls. 1027 verso a 1030 verso, que rematam com as seguintes conclusões: 1.ª) O Tribunal da Relação de Coimbra alterou tal condenação, a título de dano biológico e condenou os Demandados a pagar a quantia de € 20 000,00. 2.ª) Salvo o devido respeito, que é muito, não pode tal condenação manter-se. 3.ª) “A sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir” - artigo 609.º do Cód. Processo Civil, e foi precisamente o que o Venerando Tribunal a quo fez. 4.ª) O douto Tribunal a quo ultrapassou os poderes que lhe haviam sido conferidos. 5.ª) Assim o prescreve o artigo 615.º n.º 1, e) do Cód. Processo Civil, segundo o qual é nula a sentença quando o juiz condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido. 6.ª) O princípio do pedido tem consagração inequívoca no artigo 3.º n.º 1 do Cód. Processo Civil: o tribunal não pode resolver o conflito de interesses que a acção pressupõe sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes (...). 7.ª) É o princípio do pedido que determina que o tribunal se encontra vinculado, no momento do proferimento da decisão, ao decretamento das consequências que o autor do acto postulativo lhe requerera. 8.ª) A violação da referida regra - se o juiz condena em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido - determina a nulidade da sentença, nos termos do art. 615.º n.º 1, e) do Cód. Processo Civil. 9.ª) Logo o douto Acórdão é, assim, nulo. 10.ª) Por outro lado, tal condenação não tem qualquer suporte quer factual, quer jurídico, quer, até, de bom senso, de normalidade. 11.ª) As quantias arbitradas pelo douto tribunal da relação são exageradas, e desproporcionais aos alegados danos. 11.ª) – SIC – Assim, deve ser revogado douto Acórdão, na parte em que arbitra as indemnizações, quer a título de dano biológico, quer a título de danos não patrimoniais. 12.ª) Tais montantes são manifestamente excessivos. 13.ª) Consultada a Portaria de 679/2009, que foi violada, que vem fixar critérios para atribuição da indemnização, verifica-se facilmente que tais montantes são exagerados. 14.°) A referida Portaria estabelece parâmetros, de forma a tratar de forma igual, situações idênticas, almejando uma uniformização das decisões, devendo, assim, ser aplicada ao caso dos autos. 15.ª) Por entender ser esse o montante adequado, devem ser reduzidas as indemnizações atribuídas a título de danos não patrimoniais e de dano biológico, para valores inferiores aos fixados na primeira instância. Nestes termos, e nos demais de Direito que V.ª Ex.ª doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado procedente, sendo revogado o douto acórdão nos termos requeridos. Fazendo assim V.ª Ex.ª a COSTUMADA JUSTIÇA. *** O recurso foi admitido por despacho de fls. 1032, que entendeu como dirigido ao Supremo Tribunal de Justiça na ausência de indicação no requerimento de recurso, subindo imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo. Notificados, os demandantes e Ministério Público não apresentaram resposta. *** O Exmo. Procurador-geral Adjunto neste Supremo Tribunal, a fls. 1045, escreveu que os recursos respeitam unicamente à parte cível, pelo que falece ao M.ºP.º legitimidade para intervir. *** Não tendo sido requerida audiência de julgamento, o processo prossegue com julgamento em conferência, nos termos do disposto no artigo 411.º, n.º 5, do Código de Processo Penal. *** Como é jurisprudência assente e pacífica, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso – detecção de vícios decisórios ao nível da matéria de facto emergentes da simples leitura do texto da decisão recorrida, por si só, ou conjugada com as regras da experiência comum, previstos no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal (neste sentido, Acórdão do Plenário das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça, de 19 de Outubro de 1995, proferido no processo n.º 46580 - Acórdão n.º 7/95 -, publicado no Diário da República, I Série-A, n.º 298, de 28 de Dezembro de 1995, e BMJ n.º 450, pág. 72, que no âmbito do sistema de revista alargada fixou jurisprudência, então obrigatória, no sentido de que “É oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito”, bem como o Acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 10/2005, de 20 de Outubro de 2005, publicado no Diário da República, Série I-A, de 7 de Dezembro de 2005, em cuja fundamentação se refere que a indagação dos vícios faz-se “no uso de um poder-dever, vinculadamente, de fundar uma decisão de direito numa escorreita matéria de facto”) e verificação de nulidades, que não devam considerar-se sanadas, nos termos dos artigos 379.º, n.º 2 e 410.º, n.º 3, do Código de Processo Penal – é pelo teor das conclusões que o recorrente extrai da motivação, onde sintetiza as razões de discordância com o decidido e resume o pedido (artigo 412.º, n.º 1, do Código de Processo Penal), que se delimita o objecto do recurso e se fixam os limites do horizonte cognitivo do Tribunal Superior. Como assinalava o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Junho de 1996, proferido no processo n.º 118/96, in BMJ n.º 458, pág. 98, as conclusões destinam-se a habilitar o tribunal superior a conhecer das pessoais razões de discordância do recorrente em relação à decisão recorrida e devem conter, por isso, um resumo claro e preciso das razões do pedido, sendo estas que delimitam o âmbito do recurso. As conclusões deverão conter apenas a enunciação concisa e clara dos fundamentos de facto e de direito das teses perfilhadas na motivação (assim, acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25 de Março de 1998, proferido no processo n.º 53/98-3.ª Secção, in BMJ n.º 475, pág. 502). E como referia o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11 de Março de 1998, processo n.º 1444/97, da 3.ª Secção, in BMJ n.º 475, págs. 480/8, o âmbito do recurso define-se pelas conclusões extraídas pelo recorrente da motivação apresentada, sem prejuízo de se pronunciar sobre questões de conhecimento oficioso; as conclusões servem para resumir a matéria tratada no texto da motivação.
*** Colhidos os vistos, realizou-se a conferência, cumprindo apreciar e decidir. ***
Questões propostas a reapreciação.
Atento o teor das conclusões, onde os recorrentes sintetizam as razões de discordância com o decidido, vêm colocadas as seguintes questões a apreciar e decidir:
Questão I – Nulidade do acórdão recorrido por condenação em quantia superior ao pedido – Conclusões 1.ª a 9.ª; Questão II – Exagero e desproporcionalidade das quantias arbitradas – Conclusões 10.ª a 12.ª, consignando-se que há duas conclusões 11.ª; Questão III – Violação da Portaria n.º 679/2009 – Conclusões 13.ª a 15.ª.
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Apreciando. Fundamentação de facto.
Foi dada como provada a seguinte matéria de facto, que é de ter-se por imodificável e definitivamente assente, já que da leitura do texto da decisão, por si só considerado, ou em conjugação com as regras de experiência comum, não emerge a ocorrência de qualquer vício decisório ou nulidade de conhecimento oficioso, mostrando-se a peça expurgada de insuficiências, erros de apreciação ou contradições que se revelem ostensivos, sendo o acervo fáctico adquirido suficiente para a decisão, coerente, sem contradição, congruente, harmonioso, e devidamente fundamentado.
Factos Provados
1. No dia 20 de Abril de 2013, pelas 05h47m, o arguido AA dirigiu-se ao Parque Industrial …, ..., em …., com o propósito de se apoderar de combustível que aí encontrasse nos veículos estacionados. 2. Aí chegado, nas imediações da empresa "S… - …, S.A.", munido de dois bidões em plástico com capacidade para 25 litros e de uma mangueira, dirigiu-se ao veículo de matrícula ..-LL-.., de marca Scania, modelo 94 L, propriedade daquela empresa que se encontrava estacionado na via pública, forçou a fechadura do depósito de combustível com uma colher de café, abrindo-o e introduziu a ponta da mangueira no interior do depósito e a outra parte no bidão, a fim de extrair o combustível. 3. Nessa altura, os arguidos BB, administrador da referida empresa, CC, DD e EE que ali se encontravam em virtude de terem existido furtos de combustível em data anterior, de acordo com um plano previamente traçado entre todos, dirigiram-se a AA, o qual ao visualizá-los, colocou-se em fuga. 4. Percorridos cerca de cem metros, os arguidos BB, CC, DD e EE alcançaram AA e, de forma não concretamente apurada, desferiram-lhe diversas pancadas em múltiplas partes do corpo daquele e pontapearam-no várias vezes, fazendo com que caísse ao chão, tendo aqueles continuado a desferir-lhe pancadas e pontapés. Como AA sangrava, se encontrava imobilizado e começou a sentir falta de ar, os arguidos afastaram-se e chamaram a Guarda Nacional Republicana ao local. 5. AA foi transportado aos Hospitais da Universidade de Coimbra, apresentando traumatismo abdominal e dos membros superiores, com fractura do baço com hemoperitoneu volumoso, fractura do terço proximal da diáfise do cúbito esquerdo e contusão do antebraço direito e aí foi submetido a operação cirúrgica de urgência devido a uma hemorragia interna com derrame peritoneal, tendo-lhe sido extraído o baço. 6. AA padece de infecção pelo vírus de Hepatite C, é toxicodependente e apresenta compleição física franzina. 7. Em consequência directa das actuações acima descritas, AA sofreu fenómenos dolorosos e as seguintes lesões: no abdómen cicatriz linear e longitudinal, nacarada, com vestígios de pontos de sutura, na face anterior do abdómen, na linha média, com 18 cms de comprimento por 3 cms de largura, passando à esquerda da cicatriz umbilical, compatível com incisão cirúrgica; cicatriz linear e oblíqua inferolateralmente, no flanco esquerdo, com 1,5 centímetro de comprimento, compatível com colocação de dreno abdominal; membro superior esquerdo, cicatriz linear e longitudinal, com vestígios de pontos de sutura, na face posterior dos terços proximal e médio do antebraço, com 12 centímetros de comprimento por 3 centímetros de largura; sem limitação das mobilidades articulares do cotovelo e do punho (melhor descritas no relatório médico-legal a fls. 108 a 110, 121 a 122, 210 a 211, 250 a 252, 264 a 265, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais), que lhe causaram um período de cura fixado em 120 dias (20.04.2013 a 18.08.2013), com afectação da capacidade de trabalho geral e de trabalho profissional por igual período de 120 dias. 8. A fractura do baço condicionou um quadro de instabilidade hemodinâmica com necessidade de intervenção cirúrgica urgente, com internamento no serviço de medicina intensiva onde esteve entubado e ventilado, situação que configura um perigo real, efectivo, concreto e não abstracto para a vida. 9. O baço, sendo um órgão que desempenha um importante papel na protecção do corpo de organismos patogénicos, estando ausente, acresce o risco de desenvolver infecções graves. A conduta dos arguidos privou AA do baço, importante órgão, sendo que no caso daquele tornou-o ainda mais susceptível para o desenvolvimento de infecções do que a população em geral, em virtude de ser toxicodependente e estar infectado pelo vírus da hepatite C. 10. O arguido AA actuou de forma livre e consciente, com o propósito não concretizado de fazer seu o combustível do veículo, bem sabendo que não lhe pertencia e que agia contra a vontade e em prejuízo da ofendida, não o logrando fazer por ter sido impedido por outrem. 11. Os arguidos BB, CC, DD e EE agiram de forma livre, concertada e em comunhão de esforços, com o propósito concretizado de molestar o corpo e a saúde AA e de lhe produzir dores e as lesões verificadas, resultados esses que representaram, bem sabendo que a forma como actuavam e os objectos que utilizavam eram aptos a criar graves consequências e conscientes do seu carácter perigoso, não se coibindo de assim agir e de unirem esforços entre si, privando o ofendido de um importante órgão e causando-lhe perigo para a vida. 12. Sabiam os arguidos que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal. 13. Os arguidos BB, CC, DD e EE não têm antecedentes criminais face aos certificados de registo criminais juntos aos autos. 14. O arguido AA já foi anteriormente condenado nos seguintes processos: I - Sumário n.º 76 /99, do 1 º Juízo do Tribunal Judicial de Cantanhede, pela prática de um crime de condução sob efeito de álcool, por factos de 30.05.99, na pena de 70 dias de multa, à taxa diária de 900 Escudos, o que perfaz um total de 63.000 Escudos, subsidiariamente 46 dias de prisão, por sentença proferida em 31.05.99, já extinto; II - Comum singular n.º 215/…, da Secção Única do Tribunal Judicial de …, pela prática de um crime de furto, por factos de 11.04.2001, na pena de multa de € 450,00 ou subsidiariamente 100 dias de prisão, por sentença proferida em 16.06.2003, transitada em julgado em 24.09.2003; III - Comum singular n.º 81/…. da Secção Única do Tribunal Judicial de …, pela prática de um crime de furto simples, por factos de 02.02.2005, na pena de 9 meses de prisão suspensa por 2 anos, por sentença proferida em 03.10.2006, transitada em julgado em 18.10.2006, já extinto; IV - Sumário n.º 1492/…, do …° Juízo Criminal das Varas de competência mista e Juízos Criminais de …, pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada e um crime de resistência e coacção sobre funcionário, por factos de 29.05.2009, na pena de 1 ano de prisão suspensa por 1 ano com regime de prova, por sentença proferida em 29.06.2009, transitada em julgado em 29.07.2009, já extinto; V - Comum colectivo n.º 494/…, do … º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de …, pela prática de um crime de burla informática e nas comunicações na forma tentada e um crime de furto qualificado, por factos de 08.10.2009, na pena única de 2 anos e 9 meses de prisão, por acórdão proferido em 21.12.2010, transitada em julgado em 30.09.2011; VI - Comum colectivo n.º 423/…, da … ° Secção da Vara de Competência Mista de ...., pela prática de um crime de resistência e coacção sobre funcionário na forma tentada, por factos de 04.03.2010, na pena de 18 meses de prisão suspensa por 18 meses, por acórdão proferido em 22.02.2012, transitada em julgado em 07.05.2012; VII - Comum singular n.º 1830/…, do … º Juízo Criminal das Varas de competência mista e juízos criminais de …, pela prática de um crime de furto simples, por factos de 19.11.2011, na pena de 9 meses de prisão, por sentença proferida em 04.12.2012, transitada em julgado em 11.06.2013; VIII - Sumário n.º 114/…, do …° Juízo Criminal das Varas de Competência Mista e Juízos Criminais de …., pela prática de um crime de coacção na forma tentada e de um furto qualificado na forma tentada, por factos de 16.04.2012, na pena de 17 meses de prisão, por sentença proferida em 16.05.2012, transitada em julgado em 08.07.2013; IX - Comum singular n.º 360/…, do …° Juízo Criminal das Varas de Competência Mista e Juízos Criminais de …, pela prática de um crime de furto simples, por factos de 10.03.2011, na pena de 10 meses de prisão, por sentença proferida em 17.05.2012, transitada em julgado em 09.07.2013, já extinto; X - Comum singular n.º 699/…, do …º Juízo do Tribunal Judicial da …, pela prática de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário e um crime de furto simples, por factos de 22.07.2011, na pena de 16 meses de prisão e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados por 6 meses, por sentença proferida em 10.02.2014, transitada em julgado em 12.03.2014; XI - Comum singular n.º 653/…, do Juiz … da Instância Local de …, Comarca de …, pela prática de um crime de furto simples, por factos de 16.12.2011, na pena de 1 ano de prisão suspensa por 1 ano com sujeição a deveres e regras de conduta, por sentença proferida em 10.07.2014, transitada em julgado em 30.09.2014, já extinto; XII - Comum colectivo n. º 469 /…, do Juiz … da Instância Central do Tribunal Judicial da Comarca de …., pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples, por factos de 21.03.2012, na pena de 18 meses de prisão, por acórdão proferido em 05.12.2016, transitada em julgado em 07.06.2017. 15. O arguido AA confessou integralmente e sem reservas os factos pelos quais vem acusado.
Condições económicas do arguido BB: 16. O arguido abandonou o ensino após completar o 11.º ano de escolaridade. 17. Iniciou precocemente a sua trajectória profissional na empresa familiar, sita em …, cuja actividade se centra na mecânica de camiões. 18. O arguido é casado e tem três filhos, com 11, 9 e 7 anos. 19. Em 2007 decidiu fundar a sua própria empresa, sedeada em …, na área de mecânica de camiões e posteriormente aquisição dos mesmos para transportes. 20. Em 2010 alterou a sede da empresa para …, para onde se deslocou com a família. 21. O arguido e a sua esposa são proprietários da empresa "S… - …", onde a esposa é também funcionária. 22. O arguido vive em casa própria, adquirida mediante empréstimo bancário, pelo qual pagam€ 700,00 mensais. 23. O arguido e a esposa auferem mensalmente cerca de € 2.250,00. 24. O arguido BB beneficia de boa reputação, quer da sua parte, quer da família de origem, referenciada pelo seu dinamismo e trabalho desenvolvido, sendo aos seus elementos reconhecidos hábitos de trabalho.
Condições económicas do arguido AA 25. O arguido é, juntamente com uma irmã gémea, o mais novo de quatro irmãos, provenientes de uma família inserida em meio rural e sem grandes índices de problemáticas de marginalidade ou exclusão social. 26. Concluiu o 6.º ano de escolaridade aos 13 anos de idade, tendo iniciado, de seguida, o seu percurso laboral numa empresa de serralharia - "D…, SA". 27. Ali trabalhou até aos 18 anos, altura em que se deslocou para a ..., onde trabalhou num restaurante chinês. 28. Regressou a Portugal com 22 anos para cumprir o serviço militar obrigatório e, após 18 meses de tropa, reintegrou o agregado de origem e foi trabalhar para a empresa "C…", na área da marcenaria. 29. Voltou a sair do país, para …, onde permaneceu 18 meses a trabalhar em fábricas. 30. Regressado, novamente, ao agregado de origem, passa a apresentar um percurso pessoal e laboral marcado pela instabilidade, com períodos de trabalho quer na "D…", quer nas "C…", intercalados com períodos de inactividade laboral. 31. Esta instabilidade prender-se-ia com a problemática aditiva, iniciada após o cumprimento do serviço militar e agravada após a morte dos pais (estes faleceram há cerca de 18 anos). 32. Fez duas tentativas de desintoxicação. 33. À data da prisão encontrava-se desempregado há cerca de ano e meio, vivendo de expedientes, na companhia de amigos, pernoitando na casa de uns e outros, sem paradeiro fixo. 34. Em 10 de Maio de 2013 foi preso no E.P. de …., à ordem do Processo 494/… . 35. O arguido deixou de consumir estupefacientes há cerca de 5 anos, altura em que foi preso. 36. O arguido frequentou e concluiu unidades de formação de curta duração, em desenho e multimédia, o ensino - nível B3 - estando, actualmente, a frequentar o 11.º ano do ensino recorrente, com assiduidade e empenho.
Condições económicas do arguido CC 37. O arguido vive sozinho, num anexo à habitação principal, propriedade dos seus pais. 38. Os pais do arguido oferecem-lhe apoio ao nível das refeições e manutenção do espaço onde vive. 39. O arguido auxilia no quotidiano dos pais, em virtude do pai ter sofrido um AVC e ter ficado com sequelas. 40. O arguido trabalha na empresa "H…", da qual é administrador e que constituiu há cerca de um ano e meio, auferindo um valor mensal médio de€ 6.000,00. 41. O valor que aufere é orientado não só para os seus gastos pessoais como para manter a plataforma de rede social- …, não participando nas despesas da habitação. 42. O arguido completou o 2.0 ano do curso superior de "Administração Pública". 43. O primeiro trabalho foi aos vinte e quatro anos na empresa "S… - …, S.A.", em ...., propriedade da irmã e cunhado, onde desempenhou funções de encarregado de oficina, em simultâneo dedicou-se ao sector de vendas da empresa através da rede social facebook. 44. Após quatro anos de trabalho decidiu constituir a sua própria empresa, ligada às redes sociais, onde representa as provas desportivas em "…".
Condições económicas do arguido DD 45. O arguido vive em união de facto, num apartamento que adquiriram através de empréstimo bancário. 46. O arguido é operário da empresa denominada "M - …", e aufere € 640,00 mensais, acrescidos de ajudas de custo uma vez que está deslocado em … . 47. A companheira do arguido aufere o ordenado mínimo nacional. 48. O arguido e a companheira suportam os gastos com a amortização da casa no valor de € 300,00 e com as despesas de consumo doméstico, que perfazem uma média de € 160,00 mensais. 49. O arguido tem o 9.º ano de escolaridade, tendo mais tarde ingressado num curso profissional de "manutenção industrial", passando desde aí a interessar-se por melhorar os conhecimentos nesta área. 50. O primeiro trabalho foi com o pai numa empresa própria, na área da construção civil, onde ficou até aos dezasseis anos, altura em que decidiu vincular-se a uma empresa de electricidade de automóvel em …. . Nesta empresa permaneceu cinco anos tendo sido convidado pelo BB (co-arguido no processo em avaliação), proprietário da empresa "S… - …, S.A.", com sede em .... para trabalhar na manutenção dos camiões. Devido a problemas de ordem económica da parte da firma, esteve por algum tempo desempregado, aproveitando para tirar o curso profissional. Ainda assim manteve-se a trabalhar nesta mesma empresa, à hora, onde também tirou o estágio profissional. Após ter passado por outra empresa aproveitou a oportunidade para ingressar na "M….- ….", onde exerce a actividade no estrangeiro. O arguido apresentou como projecto futuro exercer a profissão para a qual se encontra habilitado, verbalizando vontade em valorizar-se na área da manutenção industrial.
Condições económicas do arguido EE 51. O arguido é natural de …, destacando um ambiente familiar equilibrado e afectuoso, proporcionando os progenitores a transmissão de valores de responsabilidade e integração de regras normativas. 52. O arguido tem o 11.º ano de escolaridade, e é motorista na empresa "T…- …, Lda.", residindo em … . 53. O arguido tem dois filhos, actualmente com 22 e 17 anos. 54. O agregado familiar do arguido é constituído pela sua companheira (empregada em hotelaria), filhos e uma enteada. 55. O arguido encontra-se familiar e socialmente inserido.
Do pedido de indemnização civil deduzido pelo Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, E.P.E. 56. No dia 20.04.2013 deu entrada no Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, E.P.E., AA, tendo sido assistido no serviço de urgência. 57. Seguiu-se internamento de 20.04.2013 a 10.05.2013, consulta externa na especialidade de ortopedia em 13.06.2013 (com realização de exame), em 18.06.2014, em 14.01.2015 e em 07.01.2016. 58. O Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, E.P.E. despendeu com a assistência prestada a AA um total de € 9.666,30 (nove mil seiscentos e sessenta e seis euros e trinta cêntimos).
Do pedido de indemnização civil deduzido pelo arguido/ ofendido AA: 59. O demandante sofreu traumatismo abdominal e dos membros superiores com dor ao nível da coluna dorsal. 60. O demandante sofreu fractura do baço com quadro de instabilidade hemodinâmica com necessidade de intervenção cirúrgica urgente, com internamento no serviço de medicina intensiva onde o demandante esteve entubado e ventilado, situação que configura perigo real, efectivo, concreto e não abstracto para a sua vida, acabando por ver-se privado de tal órgão importante. 61. O demandante receou perder a vida. 62. O demandante teve alta em 10.05.2013 com o diagnóstico de politraumatizado, apresentava fractura da diáfise do cúbito esquerdo e contusão do antebraço direito. 63. À data dos factos o demandante tinha 46 anos de idade.
Contestação 64. O arguido EE estava no exterior da empresa, dentro do camião propriedade da empresa T…, estando a aguardar uma revisão agendada para as 8 horas da manhã.
III - Factos não provados Resultaram não provados os seguintes factos: - Os arguidos BB, CC, DD e EE estivessem munidos com tubos metálicos. - AA ficou com limitação no antebraço esquerdo quando tenta levantar objectos mais pesados (peso superior a 2 Kg), no limite inferior da coluna cervical e limite superior da coluna torácica, ao fazer exercícios de ginástica ou em posição de decúbito dorsal e cicatrizes com vestígios de pontos de sutura no abdómen e membro superior esquerdo, com diminuição da qualidade de vida. - Os arguidos BB, CC e DD encontravam-se a trabalhar nas instalações da S…, como acontece, com bastante frequência, atento o volume de trabalho. - O arguido AA ao se aperceber que estava a ser observado, colocou-se em fuga, tendo saltado um muro ali existente, e caiu de uma altura de 5 metros, tendo apenas sido retirado daquele local e levado para a via pública. - O arguido AA não se segurava das pernas por se apresentar completamente ressacado, como o próprio referiu.
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Apreciando. Fundamentação de direito.
O presente recurso restringe-se à parte cível, limitação admissível pelo disposto no artigo 403.º, n.º 1 e n.º 2, alíneas a) e b), do CPP, não sendo caso de observar o disposto no n.º 3 do mesmo preceito.
Para melhor enquadramento comecemos por averiguar o que foi pedido. O demandante AA deduziu pedido de indemnização de fls. 490 a 497 do 2.º volume, indicando os valores a seguir mencionados constantes do artigo 33.º do articulado peticional, após ter efectuado uma simulação junto da Associação Portuguesa de Seguradoras, relativa a dano corporal.
Valor total – € 166.093,91 assim descriminados: 1 – € 427,29, por rendimentos perdidos por incapacidade temporária absoluta (20 dias); 2 – € 16.233,00, por dano biológico (15 pontos); 3 – € 6.217,78, por dano estético; 4 – € 5.736,79, por quantum doloris; 5 – € 666,00, por dias com incapacidade temporária com internamento; 6 – € 136.813,05, por dano patrimonial futuro.
Apresentou o demandante o documento n.º 1, a fls. 498, obtido no site da Associação Portuguesa das Seguradoras https//dano corporal.apseguradores.pt/, onde consta Simulação da Valorização do Dano Corporal, contendo ao cimo uma nota que diz “Não dispensa a consulta da portaria n.º 679/2009 de 25 de Junho” (sublinhado do texto), sendo os valores de € 16.233,00, por dano biológico (15 pontos); € 6.217, 78, por dano estético; € 5.736, 79, por quantum doloris; € 666,00, por dias com incapacidade temporária com internamento; e € 136.813,05, por dano patrimonial futuro, coincidentes com os enunciados no artigo 33.º do petitório.
A propósito desde já se deixa nota de que estes valores serão a pagar eventualmente por seguradoras, emergindo as indemnizações de danos causados em sinistro rodoviário, quando no nosso caso estamos perante crime doloso, a convocar inclusive um dos exemplos padrão do n.º 2 do artigo 132.º do Código Penal.
Questão I – Nulidade do acórdão recorrido por condenação em quantia superior ao pedido
Em causa unicamente a condenação dos demandados em 20.000,00 € por compensação de dano biológico, quando no Juízo Local Criminal de Pombal o montante atribuído a título de indemnização por tal dano foi de 10.000,00 €. Começar-se-á por analisar o decidido na primeira instância, de forma a sabermos se houve ou não uma majoração não permitida, uma proibida condenação ultra petitum. Apreciando a viabilidade de concessão de indemnização nos seis segmentos indicados, a sentença da primeira instância, desde logo, a fls. 804, arredou três dessas componentes, para tanto, dizendo que “analisando a factualidade provada, não se vislumbra qualquer facto que permita concluir pela existência de um prejuízo pelos dias de incapacidade temporária absoluta (20 dias), nem mesmo dias com incapacidade temporária com internamento, e muito menos qualquer dano patrimonial futuro, porquanto o demandante não logrou demonstrar a sua actividade profissional, sendo que à data da prisão (em 10 de Maio de 2013 foi preso no E.P. de …., à ordem do Processo 494/…) encontrava-se desempregado há cerca de ano e meio, vivendo de expedientes, na companhia de amigos, pernoitando na casa de uns e outros, sem paradeiro fixo. No caso concreto, não resultou provado qualquer incapacidade absoluta do demandante para o trabalho, nem tão pouco que as lesões de que padece tenham interferência directa na sua capacidade de auferir proventos, pelo que será de improceder qualquer pretensão de ressarcimento a título de lucros cessantes e perda de capacidade aquisitiva. Como tal, terá de improceder o pedido de indemnização civil nesta parte (danos patrimoniais).” Restava a apreciação dos três segmentos restantes, a saber, indemnização por dano biológico, por dano estético e por quantum doloris. A sentença de primeira instância versando sobre o dano biológico, de fls. 804 a 808, apreciando o caso em concreto, finalizou assim: “Resultou da factualidade provada que, em consequência da conduta dos arguidos, teve o demandante de ser submetido a intervenção cirúrgica de urgência, com extracção do baço, tornando-o ainda mais susceptível para o desenvolvimento de infecções do que a população em geral, em virtude de ser toxicodependente e estar infectado pelo vírus da hepatite C. Ora, tal défice funcional, com repercussões na qualidade de vida do demandante, deverá ser integrado no âmbito do chamado “dano biológico”, por integrar uma limitação funcional geral que terá implicações na facilidade de execução de tarefas e esforços exigíveis, segundo o desenvolvimento normal da vida. Aliás, ao tornar o ofendido mais susceptível a infecções, tal poderá implicar uma menor disponibilidade para o trabalho, com perda de rendimento e mesmo de possibilidade de emprego. Ou seja, o dano biológico sofrido pelo demandante, enquanto lesão do seu direito à saúde, determina, nos presentes autos, uma indemnização a título patrimonial, na medida em que tem interferência com a sua capacidade aquisitiva, fixando-se equitativamente no montante de € 10.000 (dez mil euros)”. (Realce do texto).
De seguida, a sentença aborda a indemnização por danos não patrimoniais, de fls. 808 a 812, incluindo o quantum doloris e dano estético, tendo por adequada uma compensação de € 10.000,00, a título de danos não patrimoniais. No recurso agora interposto os demandados consideraram os valores em que foram condenados como excessivos. A divergência do demandante com a sentença estava em considerar que os montantes ficavam aquém do que seria de justiça, sendo manifesta a sua exiguidade, como sintetizou então, a fls. 859 e 860, nas conclusões L. e M., pugnando ainda por fixação equitativa de indemnização por dano patrimonial futuro, concretizando a pretensão na conclusão N., do modo seguinte: N. Julga-se adequado o vertido na simulação junto da Associação Portuguesa de Seguradores, in https://danocorporal.apseguradoras.pt, que se juntou como doc. n.º 1 conjuntamente com o pedido de indemnização cível, e consequente fixação da indemnização pelo dano biológico em € 16.233,00 e pelos danos não patrimoniais em € 11.954,57, pecando por defeito o recurso à equidade manifestado na douta sentença recorrida e devendo ser operada a adequada correcção majorante dado que na óptica do cidadão português médio não é justa uma indemnização total de € 20.000,00 perante todo o quadro factual vivenciado pelo ofendido e lesões por este sofridas; (Realces do texto).
Sabido que a divergência, neste plano, se cinge a indevida majoração na compensação pelo dano biológico, vejamos como o ponto foi tratado na Relação.
O acórdão recorrido, a fls. 1015/6, abordando o dano biológico, referindo o valor de 10.000,00 € fixado na sentença, após transcrever a fundamentação desta (o que fez sublinhando uma indemnização a título patrimonial, na medida em que tem interferência com a sua capacidade aquisitiva - não sublinhado na sentença no parágrafo que começa por “Ou seja”,), disse: “Entende o demandante que a indemnização por dano biológico deve ser fixada em 16.233 euros e autonomiza o dano futuro, entendendo que não foi considerado pelo Tribunal a quo. Quanto aos demandados entendem que a indemnização é excessiva. Como resulta da parte sublinhada da fundamentação da decisão recorrida [uma indemnização a título patrimonial, na medida em que tem interferência com a sua capacidade aquisitiva, - como vimos, não sublinhado na sentença] o Tribunal atendeu ao dano patrimonial futuro decorrente das lesões sofridas pelo arguido e que, não obstante não terem determinado grau de incapacidade para o trabalho, tornarão a prestação de trabalho mais difícil e sujeita a conti[n]gências que poderão até determinar dificuldade em manter actividade profissional certa por virtude de doenças de que seja acometido. Cremos que esse aspecto determina uma valorização acrescida do dano biológico em razão do critério de equidade que deve presidir à sua fixação, na falta de critérios matemáticos, entendendo como adequada a quantia de 20.000 euros que não excede a peticionada em recurso, dado que o recorrente autonomizou e peticionou dano futuro que o Tribunal a quo integrou no dano biológico. Ademais, como se refere no Ac. do STJ de 17.05.2011, proc.7449/05.0TBVFR.P1.S, publicado em www.dgsi.pt “O dano biológico tem valoração autónoma em relação aos restantes danos, e casuisticamente o seu cariz poderá oscilar entre dano patrimonial ou dano moral (...) Ora no caso é evidente que o dano biológico em causa tem as duas vertentes assinaladas, não resultando que na fixação da indemnização por danos não patrimoniais o Tribunal a quo tenha valorado a dimensão não patrimonial do dano biológico”.
No que toca a danos não patrimoniais a Relação arbitrou indemnização no valor de 11.954,57 €, quando o valor fixado na 1.ª instância foi de 10.000,00€.
O que fez a Relação?
No que tange aos danos não patrimoniais, a Relação arbitrou indemnização superior ao valor fixado na 1.ª instância, que foi de 10.000,00 €, fixando-o em 11.954,57 €. Subiu o valor compensatório, é certo, mas deu exactamente o que foi pedido – cfr. o teor da aludida conclusão N. no recurso então apreciado.
No que respeita à indemnização por dano biológico, tendo a sentença fixado o valor de 10.000,00 € e sendo o pedido no valor de 16.233,00 €, a Relação fixou o montante de 20.000,00 €, ultrapassando o valor do pedido em 3.767,00 €.
Confronto directo – Valor concedido e pedido por dano biológico 20.000,00 € – 16.233,00 € = 3.767,00 €
Olhando o cômputo global das três parcelas do pedido, atendo-nos às que foram reconhecidas na sentença Soma das parcelas – € 16.233,00 (dano biológico) + € 6.217,78 (dano estético) + € 5.736,79 (quantum doloris) = € 28.187,57
Confronto dos valores concedidos e do total dos pedidos Valores concedidos – 20.000,00 € + 11.954,57 € = 31.954,57 € Valores pedidos – € 28.187,57 Diferencial valores concedidos e pedidos – 31.954,57 € – 28.187,57 € = 3.767,00 €.
Temos assim que relativamente ao pedido de indemnização por dano biológico, o valor concedido, que foi 20.000,00 €, excedeu em 3.767,00 €, o valor peticionado que foi de 16.233,00 €. Por outro lado, o diferencial entre o valor fixado pela 1.ª instância – € 10.000,00 – e a Relação – € 20.000,00 – é de € 10.000.00. Nesta circunstância há que olhar o pedido global e não cada uma das parcelas integrantes, de per si.
Vejamos oque a propósito estabelece o Código de Processo Civil, nos actuais artigos 609.º e 615.º, que sucederam aos artigos 661.º e 668.º do CPC anterior.
Sob epígrafe “Limites da condenação” estabelece o
Artigo 609.º 1 – A sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir.
Sob a epígrafe “Causas de nulidade de sentença”, estabelece o
Artigo 615.º 1- É nula a sentença quando: e) O juiz condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido.
Para o acórdão de 23-02-2005, processo n.º 04S3164.dgsi.Net, a primeira parte do art. 661.º do CPC apenas permite ressalvar a possibilidade de o juiz, havendo um pedido global constituído por várias parcelas, valorar essas parcelas em montante superior ao indicado pelo autor, desde que o total não exceda o valor do pedido global. Extrai-se do acórdão de 9-09-2015, proferido no processo n.º 146/08.7PTCSC.L1.S1-3.ª Secção, versando responsabilidade civil emergente de acidente de viação: “É justo e equitativo conceder uma indemnização autónoma a título de dano biológico, no valor de € 60.000,00, ao demandante que sofreu drástica e irreversível limitação funcional – designadamente incapacidade permanente total, com incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual e paraplegia completa que lhe retirou “toda e qualquer sensibilidade da linha mamilar para baixo, tendo nomeadamente perdido controlo sobre os esfíncteres” – que, se lhe permite estar vivo, não deixa, de facto, ter uma vida. Ainda que o demandante não peça expressamente indemnização a título de dano biológico, basta-se o princípio do dispositivo com a alegação e prova dos factos que integram aquela incapacidade para que a correspondente indemnização possa/deva ser arbitrada, sem que exista violação do princípio do n.º 1 do artigo 609.º do CPC que, quantitativamente, apenas se refere ao pedido considerado como um todo, impondo apenas que o tribunal se mantenha dentro desse valor global. Atenta a quantidade superior fixada pela Relação de Coimbra, no que respeita à compensação pelo dano biológico, no montante de 3.767,00 €, manifesto é que se não verifica nulidade, improcedendo o recurso nesta parte, ou seja, o sintetizado nas conclusões 1.ª a 9.ª.
Questão II – Exagero e desproporcionalidade das quantias arbitradas Questão III – Violação da Portaria n.º 679/2009
As questões em aberto foram sintetizadas nas conclusões 10.ª a 12.ª, consignando-se que há duas conclusões 11.ª, e nas conclusões 13.ª a 15.ª. Como ambas têm a ver com a questão da quantificação do quantum indemnizatório, abordaremos as duas em conjunto. Começando pelas portarias. Na conclusão 13.ª os recorrentes dizem ter sido violada a Portaria n.º 679/2009, sendo certo que já o demandante, no recurso para a Relação na conclusão Q., referia a violação da Portaria n.º 377/2008, de 25 de Junho. Como já se referiu, não se justificará a convocação destas portarias quando estamos a apreciar determinação do montante indemnizatório destinado a ressarcir ou compensar danos que emergem da prática de crimes dolosos, pois que o enquadramento, surgimento e justificação das portarias tem a ver com indemnização originada noutra dimensão criminal, a dos crimes negligentes, não fazendo sentido perante crimes dolosos referir a mera culpa a que alude o artigo 494.º do Código Civil. Por um lado, as portarias têm um âmbito institucional específico de aplicação, restrito a sinistralidade rodoviária, extrajudicial, como solução consensual do litígio e não vinculativo, como tem entendido a jurisprudência deste Supremo Tribunal.
A Portaria n.º 377/2008, de 26 de Maio, foi alterada pela Portaria n.º 679/2009, de 25 de Junho, sendo que esta, para além do mais, veio divulgar a actualização dos valores constantes da anterior, de acordo com o índice de preços no consumidor em 2008. Aludindo a estas Portarias, António Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, II, Direito das Obrigações, Tomo III, Almedina, 2010, págs. 752/3, qualificou a primeira como elemento de perturbação e referindo a segunda como “tabela lamentável”, tratando-se de uma “iniciativa que merece um juízo de censura absoluto”, por apresentar cifras inferiores às praticadas nos tribunais, não vinculando estes, nem limitando os direitos dos lesados.
Como referimos no acórdão de 25 de Novembro de 2015, processo n.º 24/14.0PCSRQ.S1, em que as portarias foram versadas na determinação dos factores a ter em conta na fixação dos montantes correspondentes a compensação por danos não patrimoniais: “Trata-se de uma medida legislativa, que procurou estabelecer uma espécie de tabela normativa ou tabela referencial de apresentação de valores prestáveis no domínio de danos de natureza pessoal, em termos não vinculativos, para os tribunais, relativamente a sinistros ocasionados por acidentes de viação”. Como se disse nos acórdãos de 15-04-2009, processo n.º 3704/08 e de 25-11-2009, processo n.º 397/03.0GEBNV, por nós relatados “Com a Portaria n.º 377/2008, de 26-05-2008, entrada em vigor em 27-05-2008, visou-se fixar os critérios e valores orientadores para efeitos de apresentação aos lesados por acidente automóvel, de proposta razoável para indemnização do dano corporal, nos termos do disposto no capítulo III do título II do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21 de Agosto (diploma que transpôs para o nosso ordenamento jurídico a 5.ª Directiva Automóvel – Directiva n.º 2005/14/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de Maio - e regulou por iniciativa do legislador nacional, diversos domínios da regularização de sinistros rodoviários, sobretudo no que respeita ao dano corporal). De acordo com o artigo 2.º, alínea a) e artigo 5.º, para efeitos de proposta razoável as indemnizações pela violação do direito à vida, bem como as compensações devidas aos herdeiros da vítima, nos termos do Código Civil, a título de danos morais, serão de calcular de acordo com o quadro constante do anexo II da portaria. No Anexo II, visando as “Compensações devidas em caso de morte e a título de danos morais aos herdeiros”, sob o título genérico DANOS MORAIS HERDEIROS (A), distingue quatro grupos. Este anexo é a “amostra” do artigo 5.º, onde sob a epígrafe “Proposta razoável para danos não patrimoniais em caso de morte” se estabelece: “Para efeitos de proposta razoável, as indemnizações pela violação do direito à vida, bem como as compensações devidas aos herdeiros da vítima, nos termos do Código Civil, a título de danos morais, e previstos na alínea a) do artigo 2.º, são calculadas nos termos previstos no quadro constante do anexo II da presente portaria”. De acordo com o artigo 2.º são indemnizáveis, em caso de morte: alínea a) a violação do direito à vida e os danos morais dela decorrentes, nos termos do artigo 496.º do Código Civil.” Como decorre do n.º 2 do artigo 1.º, as disposições constantes da portaria não afastam o direito à indemnização de outros danos, nos termos da lei, nem a fixação de valores superiores aos propostos. Neste sentido se pronunciou o acórdão de 29-10-2008, processo n.º 3374/08-3.ª Secção, em que estava em causa perda do direito à vida, sendo considerada inaplicável a portaria por força do artigo 12.º, n.º 1, do Código Civil, atenta a data do acidente, adiantando que “tal diploma não pretende mais do que estabelecer critérios e valores orientadores para efeitos de apresentação aos lesados por acidentes de viação de proposta razoável para indemnização, sem que isso obste à fixação de valores superiores aos nela previstos, sendo ilegítimo pretender a redução dos valores fixados pelas instâncias à luz dessa Portaria”. Neste exacto sentido, e citando-o, veja-se o acórdão de 27-01-2009, processo n.º 1962/08-5.ª Secção. No acórdão de 12-03-2009, processo n.º 611/09-3.ª Secção, consignou-se que a portaria tem um âmbito institucional específico de aplicação, extrajudicial, sendo que pela natureza do diploma que é, não revoga nem derroga lei ou decreto-lei, situando-se em hierarquia inferior, pelo que o critério legal necessário e fundamental, em termos judiciais, é o definido pelo Código Civil. Como referimos no acórdão de 25-02-2009, no processo n.º 3459/08, de que fomos relator, em que estava em causa dano desgosto de pais de falecido em acidente de viação, sendo inaplicável a Portaria por força do artigo 12.º, n.º 1, do Código Civil, “De qualquer modo, os valores propostos deverão ser entendidos como o são os resultantes das tabelas financeiras disponíveis para quantificação da indemnização por danos futuros, ou seja, como meios auxiliares de determinação do valor mais adequado, como padrões, referências, factores pré-ordenados, fórmulas em forma abstracta e mecânica, meros instrumentos de trabalho, critérios de orientação, mas não decisivos, supondo sempre o confronto com as circunstâncias do caso concreto e tal como acontece com qualquer outro método que seja expressão de um critério abstracto, supondo igualmente a intervenção temperadora da equidade, conducente à razoabilidade já não da proposta, mas da solução, como forma de superar a relatividade dos demais critérios. Os valores indicados, sendo necessariamente objecto de discussão acerca da sua razoabilidade entre o lesado e a entidade que deverá pagar, servirão apenas como uma referência, um valor tendencial a ter em conta, mas não decisivo”. No acórdão de 15-04-2009, processo n.º 3704/08, tendo-se transcrito o anterior e após afirmar que os valores indicados assumem “um carácter instrumental”, prosseguindo, afirmámos: “A proposta razoável é, a par da prontidão de resposta, um dos deveres da empresa de seguros, em geral - artigos 36.º e 38.º do Decreto-Lei n.º 291/07, de 21-08 - e na regularização dos sinistros que envolvam danos corporais em particular - artigos 37.º e 39.º do mesmo diploma legal, pelo que os números avançados pelas seguradoras valerão nesse quadro de procura de solução consensual do litígio. Ademais, o regime relativo aos prazos e as regras de proposta razoável têm em vista facilitar a tarefa de quem está obrigado a reparar o dano e sujeito a penalizações, como se pode ler no 4.º parágrafo do preâmbulo da Portaria, retirando-se dessa passagem que o próprio diploma prevê que seja declarada judicialmente a falta de razoabilidade na proposta indemnizatória. E do n.º 3 do artigo 38.º do citado Decreto-Lei resulta que possa ser considerado manifestamente insuficiente o montante proposto nos termos da proposta razoável, caso em que são devidos juros no dobro da taxa prevista na lei aplicável ao caso, sobre a diferença entre o montante oferecido e o montante fixado na decisão judicial – cfr. o artigo 39.º, n.ºs 2 e 3, quanto aos danos não patrimoniais”. No acórdão de 01-10-2009, processo n.º 1311/05.4TAFUN.S1, da 5.ª Secção, aceita-se que se possam ter em conta critérios dotados de objectividade como os disponibilizados pela Portaria, mas sem ficar refém dos mesmos, e em caso de lesada com IPP de 70%, foi feita aplicação do factor constante da Portaria n.º 377/2008. No caso do acórdão de 5-11-2009, processo n.º 121/01.2GBPMS.C1.S1-5.ª Secção, não foi objecto de controvérsia o montante de 45.000,00 €, atribuído a título de indemnização pelo dano não patrimonial concretizado na perda do direito à vida. (Caso de electrocussão nas obras de ampliação de um quartel de bombeiros. Acidente de trabalho, apresentando a vítima no momento da morte uma TAS de 1,27g/l de álcool no sangue). O objecto do recurso foi limitado à indemnização atribuída pelas instâncias à mulher e filha do falecido pelo dano não patrimonial concretizado no sofrimento que a morte lhes causou, único ponto impugnado no recurso para Relação. Foi então considerado: “O valor fixado pelas instâncias para compensar o sofrimento que a morte de F causou à demandante viúva situa-se abaixo do máximo previsto na referida Portaria e de valores que têm sido decididos por este tribunal para indemnizar igual dano e pouco acima do estabelecido naquele diploma legal, enquanto o montante fixado para a demandante filha está muito acima do ali indicado. O montante da indemnização atribuída à lesada filha, muito superior ao da Portaria, deve ser reduzido”. No acórdão de 11-03-2010, proferido na revista n.º 288/06.3TBAVV.S1, CJSTJ 2010, tomo 1, pág. 123, versando dano patrimonial futuro, pode ler-se: “A Portaria n.º 377/2008, de 26-5, é um mero instrumento de fixação de critérios e valores orientadores para efeitos de apresentação aos lesados, pelas seguradoras, de proposta razoável para indemnização do dano corporal, mas não impõe aos tribunais a observância dos seus preceitos”. E no acórdão de 25-03-2010, proferido no processo n.º 344/07-3.ª Secção, CJSTJ 2010, tomo 1, pág. 227, estando em causa danos não patrimoniais sofridos pelos filhos da falecida, afirma-se: Os valores indicados pela Portaria n.º 377/2008, de 26 de Maio, não são vinculativos, eles não têm em conta as circunstâncias do caso, que são essenciais para a formulação do juízo de equidade que o n.º 3 do artigo 496.º impõe”. No acórdão de 08-03-2012, por nós relatado no processo n.º 26/09.9PTEVR.E1.S1-3.ª Secção, foi referida a Portaria, na medida em que previa a união de facto, constando “A união de facto legalmente reconhecida é equiparada ao casamento”, só mais tarde surgindo a Lei n.º 23/2010, de 30-08-2010, que alterou o artigo 496.º do Código Civil. No acórdão de 12-07-2012, proferido no processo n.º 471/05.9JELSB.L1.S1-3.ª Secção, é apontada a indicação referente ao termo de vida activa. Para o acórdão de 14-02-2013, processo n.º 6374/05.0TDLSB.L1.S1 - 5.ª Secção “Os tribunais não estão limitados pelos valores constantes da Portaria 377/2008, podendo a aplicação dos critérios constantes do Código Civil vir a produzir valores indemnizatórios superiores”. Para o acórdão de 12-09-2013 (6.ª Secção Cível - sumário), CJSTJ 2013, tomo 3, pág. 266, a Portaria n.º 377/2008, de 26/05, alterada pela Portaria n.º 679/2008, de 25/06, que prevê uma tabela de ressarcimento do dano corporal em matéria de acidentes de viação, tem um campo específico de aplicação extrajudicial, sendo que, pela natureza do diploma que é, não derroga a Lei, situando-se em hierarquia inferior, pelo que, o critério legal primordial e cogente é o definido no Código Civil. (Sublinhado nosso). Para o acórdão de 29-10-2013 (Secção Cível), sumariado na CJSTJ 2013, tomo 3, pág. 269, “Os tribunais não estão vinculados aos valores que constam da invocada Portaria n.º 377/2008, de 26 de Maio, alterada pela Portaria n.º 679/09, de 23 de Agosto (SIC), que têm um âmbito institucional específico de aplicação extrajudicial, sem vincular os tribunais, para os quais o critério fundamental continua a ser o decorrente das disposições conjugadas dos artigos 496.º, n.º 3 e 494.º do C.C.” (Sublinhado nosso). Segundo o acórdão de 28-11-2013, revista n.º 177/11.0TB.S1 - 2.ª Secção “Os tribunais, na fixação equitativa dos montantes indemnizatório a atribuir aos lesados, em sede de acidentes de aviação, não estão vinculados à aplicação das tabelas constantes da Portaria n.º 377/08, de 26 de Maio, alterada pela Portaria n.º 679/09, de 25 de Junho, reportando-se estas, apenas, a um conjunto de regras e princípios que permita agilizar a apresentação extrajudicial de propostas razoáveis destinadas a indemnizar o dano corporal”. Para o acórdão de 16-01-2014, proferido no processo n.º 7488/06.4TCLRS.L1.S1, Secção Cível, in CJSTJ 2014, tomo 1, pág. 61, em relação aos danos futuros, refere que no que concerne aos valores na base da Portaria 377/2008, de 26/5, sempre se dirá que não vincula os tribunais, sendo que também segundo o estatuído no art. 2.º n.º 2 da citada Portaria” as disposições constantes da presente portaria não afastam o direito à indemnização de outros danos nos termos da lei, nem a fixação de valores superiores aos propostos”. O acórdão convoca acórdão de 6-06-2013, o qual também considerou que “o critério fundamental para a determinação judicial das indemnizações é o fixado pelo Código Civil; os que são seguidos pela Portaria 377/2008 de 26/5 destinam-se a um âmbito de aplicação extra-judicial e, se podem ser ponderados pelo julgador, não se sobrepõem àquele”. Extrai-se do acórdão de 11-04-2019, processo n.º 5686/15.9T8VIS.C1.S1 – Secção Cível – CJSTJ 2019, tomo 2, págs. 34/41: “As tabelas de determinação do dano biológico constantes das Portarias n.º 377/2008, de 26-05 e n.º 679/2009, de 25-06, ficam, como é sabido, muito aquém dos padrões que têm vindo a ser progressivamente delineados pela jurisprudência mais recente”.
Concluindo.
Resulta do exposto que não tendo sequer aplicação directa ao caso presente, não houve, claramente, qualquer violação da Portaria n.º 679/2009. “Entende o demandante que a este título deve ser arbitrada indemnização no valor 11.954,57 euros, enquanto os demandados entendem exagerado o valor fixado em 1ª instância de 10.000 euros. O Tribunal a quo consignou a seguinte fundamentação: Os danos não patrimoniais, nos quais está em causa um interesse insusceptível de avaliação em dinheiro, serão indemnizáveis se, pela sua gravidade, merecerem a tutela do direito (artigo 496.0, n.º 1 do Código Civil). Ou seja, os danos não patrimoniais são indemnizáveis quando, segundo um critério objectivo e afastando factores de sensibilidade exacerbada, atinjam um limite mínimo de gravidade. Nos danos não patrimoniais, pese embora a compensação pecuniária não seja passível de reparar o efectivo prejuízo sofrido, ainda assim, a mesma deve ter lugar como forma de contrabalançar o mal sofrido. Em matéria de danos não patrimoniais, atendendo a que a reconstituição natural não é possível, o montante da indemnização é fixado equitativamente, nos termos do artigo 496.º, n.º 4 do Código Civil, tendo em conta o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso. Entre os chamados danos de natureza “não patrimonial” é possível distinguir como significativos e mais importantes o chamado “quantum doloris” (que sintetiza as dores tisicas e morais sofridas no período de doença e de incapacidade temporária), o “dano estético” (que simboliza o prejuízo anátomo-funcional associado às deformidades e aleijões que resistiram ao processo de tratamento e de recuperação da vítima), o “prejuízo de afirmação pessoal” (dano indiferenciado, que respeita à inserção social do lesado, nas suas variadíssimas vertentes - familiar, profissional, sexual, afetiva, recreativa, cultural, cívica), o “prejuízo da saúde geral e da longevidade” (o dano da dor e o défice de bem estar, em que se valoriza os danos irreversíveis na saúde e no bem estar da vítima e na expectativa da vida) e, finalmente, o “pretium juventutis” (que realça a especificidade da frustração do viver em pleno a primavera da vida). O cálculo do quantitativo desta indemnização, que se integram nos danos não patrimoniais, deve efectuar-se de acordo com regras de equidade e o arbítrio do julgador, partindo sempre de dados objectivos, tais como a idade da vítima, o período normal e médio da vida activa de uma pessoa, os salários auferidos e os meses em que os mesmos são pagos, a desvalorização da moeda, as taxas de juros praticadas e o facto de se passar a dispor de uma quantia, por uma só vez, que de contrário só se iria receber daí a alguns anos, o que permitirá ao seu beneficiário rentabilizá-la em termos financeiros; logo, haverá que considerar esses proveitos, introduzindo um desconto no valor obtido, sob pena de se verificar um enriquecimento sem causa do lesado à custa alheia. Resultou da factualidade provada que em consequência directa das actuações acima descritas, AA sofreu fenómenos dolorosos e as seguintes lesões: no abdómen cicatriz linear e longitudinal, nacarada, com vestígios de pontos de sutura, na face anterior do abdómen, na linha média, com 18 cms de comprimento por 3 cms de largura, passando à esquerda da cicatriz umbilical, compatível com incisão cirúrgica; cicatriz linear e oblíqua infero-lateralmente, no flanco esquerdo, com 1,5 centímetro de comprimento, compatível com colocação de dreno abdominal; membro superior esquerdo, cicatriz linear e longitudinal, com vestígios de pontos de sutura, na face posterior dos terços proximal e médio do antebraço, com 12 centímetros de comprimento por 3 centímetros de largura; sem limitação das mobilidades articulares do cotovelo e do punho (melhor descritas no relatório médico-legal a fls. 108 a 110, 121 a 122, 210 a 211, 250 a 252, 264 a 265, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais), que lhe causaram um período de cura fixado em 120 dias (20.04.2013 a 18.08.2013), com afectação da capacidade de trabalho geral e de trabalho profissional por igual período de 120 dias. O baço, sendo um órgão que desempenha um importante papel na protecção do corpo de organismos patogénicos, estando ausente, acresce o risco de desenvolver infecções graves. A conduta dos arguidos privou AA do baço, importante órgão, sendo que no caso daquele tornou-o ainda mais susceptível para o desenvolvimento de infecções do que a população em geral, em virtude de ser toxicodependente e estar infectado pelo vírus da hepatite C. Os danos não patrimoniais sofridos pelo demandante, porque não despiciendos, merecem a tutela do direito. Da factualidade provada resulta demonstrada a existência de nexo de causalidade entre a ocorrência dos mencionados danos e as agressões levadas a cabo pelos arguidos, pelo que a pretensão de ressarcimento nesta sede não poderá deixar de proceder. Cumpre respectivo montante apurar o agora indemnizatório quanto aos danos não patrimoniais, considerando, nos termos do artigo 494.º ex vi 496.0, n.º 4, ambos do Código Civil, o grau de culpabilidade do agente e o modo de cometimento do facto, a natureza dos aludidos danos, a sua extensão e o período temporal em que os mesmos se manifestaram. Resulta desde já um elevado grau de culpabilidade dos agentes, na medida em que os mesmos actuaram com dolo directo, ressaltando uma culpa qualificada daqueles, perante as especiais circunstâncias em que as agressões foram perpetradas. Os agentes cometeram os factos em circunstâncias especialmente censuráveis, impossibilitando qualquer conduta defensiva por parte do demandante, quer pela disparidade numérica entre os agressores e a vítima, quer pela persistência das agressões sobre a vítima quando a mesma já se encontrava caída no chão. Quanto à natureza dos aludidos danos, o demandante sofreu dores e ficou privado de um importante órgão, que o torna mais susceptível para o desenvolvimento de infecções do que a população em geral, em virtude de ser toxicodependente e ser portador do vírus da hepatite C. No que concretamente diz respeito às cicatrizes, não pode o tribunal deixar de ter em atenção o facto de, se por um lado apresentam uma dimensão considerável, por outro lado localizam-se, essencialmente, na zona abdominal e membros superiores, zonas do corpo que não possuem o mesmo impacto visual que a zona da face. Acresce que, apesar da extracção do baço, não resulta provado que o demandante tenha ficado a padecer de algum tipo de incapacidade permanente. Importa atender ao tempo em que o demandante esteve internado, desde 20.04.2013, data da ocorrência dos factos, até 10.05.2013. À data dos factos o demandante tinha 46 anos de idade. Não deixa de ser despiciendo, quanto às demais circunstâncias do caso, ter em conta na fixação do quantitativo indemnizatório que, apesar da injustificada violência infligida ao demandante, no momento dos factos, este encontrava-se a praticar um ilícito criminal. Na ponderação das demais circunstâncias do caso, não pode o tribunal deixar de ter em atenção que as agressões dirigidas ao demandante foram despoletadas por este se encontrar a cometer um crime. É certo que a conduta do demandante, apesar de juridicamente censurável, não constituiu uma causa dos danos, nem contribuiu para a agravação dos mesmos, no entanto, não pode deixar de ser tida em conta para efeitos da ponderação exigida nos termos do artigo 494.º do Código Civil. Assim, atendendo aos diversos tratamentos a que o demandante teve de se submeter, ao tempo em que se encontrou internado, mas não tendo resultado provado qualquer incapacidade, tem-se por adequada uma compensação de € 10.000,00 (dez mil euros), a título de danos não patrimoniais.
Neste particular deverá atentar-se no preceituado no artigo 496.º, n.º 3 do Código Civil “o montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494º (…)”. Este último preceito refere como circunstâncias o grau de culpa do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso. E nestas demais circunstâncias adquirem particular relevo a natureza/intensidade dos danos em causa. Como o dano não patrimonial consiste num prejuízo que atinge bens imateriais, insusceptível de avaliação pecuniária, é irreparável, mas susceptível de ser compensado por um equivalente monetário, residindo a dificuldade em encontrá-lo, por apelo, sempre imperfeito, ao que o dinheiro pode propiciar e que constitua um lenitivo no sentido de encontrar um equilíbrio entre a dor psicológica e física e o que o dinheiro em substituição pode propiciar. No encontro desse ponto de equilíbrio reside o exercício da equidade, critério para que a lei aponta. E nesta matéria, mais do que buscar exemplos que possam servir de comparação, entende-se mais significativo começar por salientar que o Supremo Tribunal de Justiça acentua que o valor indemnizatório deve ter carácter significativo, não podendo assumir feição meramente simbólica (cfr. entre outros o Acórdão proferido no processo 526/08.4TMS.P1.S1 de 8.6.2010). Ponderando a situação em causa, de que se destaca terem sido causadas lesões que eram susceptíveis de causar a morte e em circunstâncias de grande violência, entende-se como justificado fixar a indemnização no montante peticionado em recurso; 11.954,57 euros”. A argumentação aduzida explica por que não há exagero. Assim, sempre improcederia o recurso na vertente de impugnação dos montantes atribuídos e na imputação de violação da Portaria n.º 679/2009. Por outro lado, atenta a ordem de grandeza do diferencial concedido pela Relação, como vimos, no valor de 3.767,00 €, no que toca ao dano biológico, sendo, por outro lado, de 10.000,00 € o diferencial entre o valor fixado pela 1.ª instância e pela Relação, certo é que é de colocar a questão da admissibilidade do recurso, atento o disposto no artigo 400.º, n.º 2, do CPP, sabido que a alçada da Relação é de € 30.000,00, conforme o disposto no artigo 44.º da Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto (LOSJ). Assim sendo, o recurso é de rejeitar.
Pelo exposto, acordam na 3.ª Secção deste Supremo Tribunal de Justiça, na apreciação do recurso interposto pelos demandados BB, CC, DD e EE, em rejeitar o recurso, por inadmissível. Custas pelos recorrentes na proporção da sucumbência, nos termos dos artigos 527.º e 530.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi do disposto no artigo 523.º do CPP, sendo a taxa de justiça fixada nos termos do artigo 6.º, n.º 2, com referência à Tabela I-B anexa ao Regulamento das Custas Processuais. Consigna-se que foi observado o disposto no artigo 94.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.
Lisboa, Escadinhas de São Crispim, 26 de Fevereiro de 2020
Raul Borges (Relator)
Manuel Augusto de Matos |