Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
03P3169
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: PEREIRA MADEIRA
Descritores: RECURSO PENAL
RECURSO PARA O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
RECURSO DE ACÓRDÃO DA RELAÇÃO
MATÉRIA DE FACTO
MATÉRIA DE DIREITO
REVISTA AMPLIADA
COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
TRIBUNAL COLECTIVO
PRINCÍPIO DA LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA
IN DUBIO PRO REO
Nº do Documento: SJ200310160031695
Data do Acordão: 10/16/2003
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL LISBOA
Processo no Tribunal Recurso: 4289/03
Data: 07/10/2003
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Sumário : I - Em função da lei processual vigente, qualquer que tenha sido a pena concreta aplicada, é em função da moldura aplicável que se afere da recorribilidade do caso para o Supremo Tribunal de Justiça.
II - É indefensável a pretensão de que todos os co-arguidos devam ser sujeitos à mesma pena, numa pretensão de igualitarismo que a própria Constituição repele, sabido como é que o princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da Lei Fundamental, não pode deixar de implicar tratamento diferente ao que é diferente, como o serão, sem dúvida, no caso, pelo menos as condições pessoais, a intensidade do dolo, e, porventura todas as circunstâncias legais atendíveis na fixação concreta da pena - art.º 71.º do Código Penal.
III - Como regra, o recurso da decisão proferida por tribunal de 1.ª instância interpõe-se para a relação e só excepcionalmente - em caso «de acórdãos finais proferidos pelo tribunal colectivo, visando exclusivamente o reexame de matéria de direito» - é que é possível recorrer directamente para o STJ. IV - O reexame da matéria de facto pelo Supremo Tribunal exige, no regime vigente após a reforma de 1988, a prévia definição pela Relação dos factos provados.
V - A revista alargada prevista no art. 410.º, n.ºs 2, e 3 do Código de Processo Penal, pressupunha (e era essa a filosofia original, quanto a recursos, do Código de Processo Penal de 1987) um único grau de recurso (do júri e do tribunal colectivo para o STJ e do tribunal singular para a Relação) e destinava-se a suavizar, quando a lei restringisse a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito (o recurso dos acórdãos finais do júri ou do colectivo; e o recurso, havendo renúncia ao recurso em matéria de facto, das sentenças do próprio tribunal singular), a não impugnabilidade (directa) da matéria de facto (ou dos aspectos de direito instrumentais desta, designadamente «a inobservância de requisito cominado sob pena de nulidade que não devesse considerar-se sanada»).
VI - Essa revista alargada para o Supremo deixou, por isso, de fazer sentido - em caso de prévio recurso para a Relação - quando, a partir daquela reforma processual de 1998 (Lei 59/98), os acórdãos finais do tribunal colectivo passaram a ser susceptíveis de impugnação, «de facto e de direito», perante a Relação.
VII - Actualmente, com efeito, quem pretenda impugnar um acórdão final do tribunal colectivo, de duas uma: - se visar exclusivamente o reexame da matéria de direito (art. 432.º d), dirige o recurso directamente ao Supremo Tribunal de Justiça; - ou, se não visar exclusivamente o reexame da matéria de direito, dirige-o, «de facto e de direito», à Relação, caso em que da decisão desta, se não for «irrecorrível nos termos do art. 400.º», poderá depois recorrer para o STJ (art.º 432.º b).
VIII - Só que, nesta hipótese, o recurso - agora, puramente, de revista - terá que visar exclusivamente o reexame da decisão recorrida (a da Relação) em matéria de direito (com exclusão, por isso, dos eventuais vícios, processuais ou de facto, do julgamento de 1.ª instância), embora se admita que, para evitar que a decisão de direito se apoie em matéria de facto ostensivamente insuficiente, fundada em erro de apreciação ou assente em premissas contraditórias detectadas por iniciativa do Supremo para além do que tenha de aceitar-se já decidido definitivamente pela Relação, em último recurso, aquele se abstenha de conhecer do fundo da causa e ordene o reenvio nos termos processualmente estabelecidos.
IX - E é só aqui - com este âmbito restrito - que o Supremo Tribunal de Justiça pode ter de avaliar da subsistência dos aludidos vícios da matéria de facto, o que significa que está fora do âmbito legal do recurso a reedição dos vícios apontados à decisão de facto da 1.ª instância, em tudo o que foi objecto de conhecimento pela Relação.
X - Depois de muitas reservas patenteadas por adversa jurisprudência quanto à competência do Supremo Tribunal de Justiça para conhecer deste aspecto do recurso, a jurisprudência mais recente tem dado acolhimento ao conhecimento possível da legalidade de aplicação pelas instâncias do princípio in dubio pro reo e da livre apreciação da prova.
XI - Em regra, porém, o Supremo não poderá ir além da análise da objectivação/motivação da convicção expressa pelo tribunal recorrido, da qual, naturalmente, poderá concluir ou não pela correcta aplicação daqueles princípios, nomeadamente nos casos em que aquela objectivação/motivação fique aquém do desejável.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


1. Em processo comum e para serem julgados por tribunal colectivo, foram pronunciados os arguidos: NMBS também conhecido por ..., AFFB, também conhecido por ..., CEMG, também conhecido por Di, LFCF, FALM, conhecido por ..., PRCV, conhecido por ..., PMHC, conhecido por ..., JJCPL, conhecido por ..., todos devidamente identificados, a quem era imputada respectivamente a prática dos seguintes crimes:
- aos arguidos NBS, AFB, PRV, PMC e JJL, a prática de um agravado, previsto e punível pelos artigos 21.º, n.º 1 e 24.º, b) do Decreto-Lei 15/93, de 22/1;
- Aos arguidos FAM, CEG e LFF, a prática de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, previsto e punível pelos artigos 21º, n.º 1 e 24º, b) e h) do mencionado diploma.

Efectuado o julgamento veio a ser proferido acórdão em que, além do mais, foi decidido:

A. Condenar o arguido NMBS, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punível pelo artigo 21º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22/1, na pena de seis (6) anos de prisão, à qual será descontado o tempo de prisão preventiva já sofrido (artigo 80º, n.º 1 do Código Penal), absolvendo-se o mesmo do crime de tráfico agravado, previsto e punível pelo artigo 24º, b) do mesmo diploma legal, de que era acusado;
B. Condenar o arguido AFFB, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punível pelo artigo 21º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22/1, na pena de quatro (4) anos e nove (9) meses de prisão, à qual será descontado o tempo de prisão preventiva já sofrido (artigo 80º do Código Penal), absolvendo-se o mesmo do crime de tráfico agravado, previsto e punível pelo artigo 24º, b) do aludido diploma, de cuja prática estava acusado;
C. Condenar o arguido CEMG, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, previsto e punível pelos artigos 21º e 24º, h) do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22/1, na pena de sete (7) anos de prisão;
D. Condenar o arguido LFCF, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, na forma tentada, previsto e punível pelos artigos 21º e 24º, h) do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22/11, 22º, 23º do Código Penal, na pena de dezoito (18) meses de prisão;
E. Condenar o arguido FALM, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, previsto e punível pelos artigos 21º e 24º, h) do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22/1, na pena de seis (6) anos e seis (6) meses de prisão, à qual será descontado o tempo de prisão já sofrido (artigo 80º, nº 1 do Código Penal);
F. Condenar o arguido PRCV, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punível pelo artigo 21º do Decreto-Lei n.º 15/93, na pena de quatro (4) anos e três (3) meses de prisão, absolvendo-o da prática do crime de tráfico agravado, previsto e punível pelo artigo 24º, b) do mencionado diploma;
G. Condenar o arguido PMHC, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punível pelo artigo 21º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22/1, na pena de quatro (4) anos de prisão, absolvendo-se o mesmo do crime de tráfico agravado de cuja prática foi acusado;
H. Condenar o arguido JJCPL, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punível pelo artigo 21º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22/1, na pena de quatro (4) anos de prisão, absolvendo-se o mesmo do crime de tráfico agravado de que foi acusado.

Inconformados, recorreram à Relação de Lisboa os arguidos NBS, AFFB, CEMG, PRCV, PMHC e JJCPL, mas em vão o fizeram, já que, por acórdão de 10 de Julho de 2003, aquele tribunal superior negou provimento aos recursos e confirmou integralmente o acórdão recorrido.
Ainda inconformados, recorreram ao Supremo Tribunal de Justiça, os arguidos
1. CEMG, com apoio judiciário, concluindo:
1 - O tráfico de 8,117 gramas de heroína, quando resulta dos autos que durante quatro meses nada mais foi traficado, deve ser qualificado como tráfico de menor gravidade, punível nos termos do n.º 1 do artigo 25.º do Decreto-Lei 15/93, disposição legal que foi violada pelo acórdão recorrido.
2 - A actuação criminosa do recorrente configura a prática de um crime tentado simples, não agravado.
3- O produto destinado a tráfico nunca chegou a dar entrada no local onde seria objecto de tráfico, em virtude de ter sido impedido por agentes da Polícia Judiciária.
4 - O próprio Tribunal configura o crime como tentativa impossível mas punível da prática de um crime de tráfico de estupefacientes.
5 - O Tribunal considera estarmos perante um crime consumado na medida em que o agente teria anteriormente praticado um outro crime, prática essa que não resulta provada nos autos.
6 - Não ficaram provados factos suficientes para se ter como assente a prática de qualquer outro crime, pelo que foi violado o artigo 1.º do Código Penal.
7 - O artigo 1.º do Código Penal, entendido como sendo suficiente para uma incriminação a indicação vaga da prática de um crime, sem circunstanciar os factos praticados, nomeadamente sem indicar quando, de que modo, e que quantidade de droga teria sido traficada, viola o disposto nos artigos 29.º, 1, e 32.º, 1, da Constituição da República, inconstitucionalidades da supra citada norma que se invocam.
8 - Um co-arguido foi punido pelos mesmo factos com pena de 18 meses de prisão, e o recorrente foi punido com a pena de sete anos de prisão.
9 - Foi assim violado o disposto nos artigos 22.º e 23.º do Código Penal.
10 - A pena aplicada ao crime foi excessiva, tendo em conta quer as circunstâncias do crime, quer as penas encontradas para os co-arguidos, tendo sido violado o disposto no artigo 71.º do Código Penal.
2. PRCV, concluindo:
1 - O recorrente não tem quaisquer antecedentes criminais e não há contra ele, pendentes, quaisquer processos.
2 - O recorrente foi consumidor de pastilhas, ácidos e haxixe - nunca drogas duras.
3 - Neste momento não consome quaisquer produtos estupefacientes.
4 - Esteve envolvido no consumo durante cerca de 3 meses, enquanto frequentou festas "Rave".
5 - Já não frequenta estes meios.
6 - Desde que deixou de estudar trabalha por conta de outrem.
7 - Está inserido socialmente.
8 - Tem tido apoio familiar.
9 - À data do início da prática dos factos tinha 20 anos de idade.
10 - Os factos praticados e o modo como o foram, demonstram que o recorrente visou, tão somente, obter como finalidade exclusiva, meio para a aquisição de produtos estupefacientes para o seu consumo próprio.
11 - O Tribunal teve como única prova os factos constantes da transcrição das escutas telefónicas, já que toda a prova testemunhal ouvida nada disse ou conhecia acerca do recorrente.
12 - E de tais transcrições não decorre que o recorrente tenha praticado os factos que preencham o tipo legal de crime p. e p. pelo artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 15/93, ou, se assim se não entender, o previsto no artigo 25.º do mesmo diploma.
13 - A haver crime é o previsto no artigo 26.º do Decreto-Lei 15/93, ou, se assim se não entender, o previsto no artigo 25.º do mesmo diploma.
14 - Havendo condenação deve ser aplicada uma pena de multa, ou, sendo de prisão, deve ser suspensa na sua execução.
15 - O recorrente praticou os factos que preenchem o crime quando tinha ainda 20 anos, pelo que lhe deve ser aplicado o Decreto-Lei 401/82, de 23/9, sendo a pena especialmente atenuada.
16 - Tal aplicação justifica-se porque não tem antecedentes criminais, não consome drogas, trabalha com regularidade desde que deixou de estudar, está inserido familiar e socialmente e é de prever que jamais praticará actos penalmente censuráveis.
17 - Nunca o recorrente pode ser condenado numa pena privativa de liberdade.
18 - E se lhe for aplicada uma pena de prisão deve ser suspensa na sua execução.
19 - O douto acórdão recorrido violou o disposto nos artigos 40.º, 50.º, 70.º e 73.º do Código Penal, 26.º ou 25.º do Decreto-Lei 15/93, de 22/1, e 4.º do Decreto-Lei 401/82, de 23/9.
20 - Pelo que deve ser revogado, sendo proferido outro, em que ao recorrente não seja aplicada uma pena de prisão efectiva.
21 - Já que, se assim não fosse, a vertente do direito penal de ressocialização, reintegração e prevenção geral e especial não seria cumprida.
22 - E um jovem que trabalha, integrado social e familiarmente, veria o futuro comprometido e a vida destruída.
23 - Do seu comportamento só ele saiu lesado e sofreu já as más consequências.
24 - A sociedade ainda não tinha sentido os efeitos nefastos da sua actividade, pelo que, através do Tribunal, lhe deve ser dada uma oportunidade de vida sã e conforme ao direito.
Assim se fazendo Justiça.

3. PMHC:
1 - O recorrente não tem quaisquer antecedentes criminais.
2- Não tem qualquer processo pendente em que seja arguido.
3 - Foi consumidor de pastilhas, ácidos e haxixe - nunca drogas duras.
4 - Há cerca dois anos que não consome quaisquer produtos estupefacientes, encontrando-se completamente livre dessa dependência.
5 - Esteve envolvido no consumo durante cerca de um ano, enquanto frequentou festas "Rave".
6 - Já não frequenta estes meios.
7 - Desde que deixou de estudar trabalhou com o pai e agora trabalha por conta de outrem.
8 - Está inserido socialmente.
9 - Tem todo o apoio familiar.
10 - Os factos praticados e o modo como o foram, demonstram que o recorrente visou, tão somente, obter como finalidade exclusiva, meio para a aquisição de produtos estupefacientes para o seu consumo próprio.
11 - O Tribunal teve como única prova os factos constantes da transcrição das escutas telefónicas, já que toda a prova testemunhal ouvida nada disse ou conhecia acerca do recorrente.
12 - De tais transcrições não decorre que o recorrente tenha praticado os factos que preencham o tipo legal de crime p. e p. pelo artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22/1.
13 - A haver crime é o previsto no artigo 26.º do Decreto-Lei 15/93, ou, se assim se não entender, o previsto no artigo 25.º do mesmo diploma.
14 - Havendo condenação deve ser aplicada uma pena de multa, ou, sendo de prisão, deve ser suspensa na sua execução.
15 - Nunca o recorrente pode ser condenado numa pena privativa de liberdade.
16 - Se lhe for aplicada uma pena de prisão deve ser suspensa na sua execução.
17 - O douto acórdão recorrido violou o disposto nos artigos 40.º, 50.º, 70.º e 73.º do Código Penal, 26.º ou 25.º do Decreto-Lei 15/93, de 22/1, e 4.º do Decreto-Lei 401/82, de 23/9.
18 - Pelo que deve ser revogado, sendo proferido outro, em que ao recorrente não seja aplicada uma pena de prisão efectiva.
19 - Já que, se assim não fosse, a vertente do direito penal de ressocialização, reintegração e prevenção geral e especial não seria cumprida.
20 - E um jovem que trabalha, integrado social e familiarmente, veria o futuro comprometido e a família destruída.
21 - Do seu comportamento só ele saiu lesado e sofreu já as más consequências.
22 - A sociedade ainda não tinha sentido os efeitos nefastos da sua actividade, pelo que, através do Tribunal, lhe deve ser dada uma oportunidade de vida sã e conforme ao direito.
23 - À data em que os demais arguidos foram detidos, já o ora recorrente tinha abandonado, definitivamente, o consumo de estupefacientes.
24 - Não foram essas detenções que o motivaram.
Deste modo, ao revogar o acórdão recorrido, far-se-á Justiça.

4. JJCPL:
1 - O Tribunal de Comarca não fez boa apreciação e utilização da prova produzida em audiência de julgamento e demais elementos de prova valoráveis constantes do processo, erro em que o Tribunal da Relação reincidiu ao apreciar o recurso interposto.
2 - O Tribunal manteve como provados actos que o arguido não cometeu e comportamentos que lhe são imputáveis, designadamente os que tipificam a conduta punível nos termos da norma incriminadora pelo qual foi punido( tráfico de estupefacientes)
3 - A sua interpretação extrapola as regras do princípio da livre apreciação da prova, sustentando-se em meras presunções, meios lógicos ou mentais sem suporte na prova disponível no processo, sem obediência aos critérios lógicos do homem médio, suposto pela ordem jurídica.
4 - Violou, por isso, entre outros, o disposto nos artigos 127.º, 340.º, n.º 1, do CPP, integrando a previsão da alínea c), do n.º 2, do artigo 410.º do mesmo diploma - erro notório na apreciação da prova - que é um dos fundamentos deste recurso.
5 - O processo não contém factos objectivos ou objectiváveis, apesar de cinco meses de vigilância policial no âmbito da investigação levada a cabo nos autos, que possam materializar que o arguido - por uma só vez, sequer! - vendeu pastilhas de ecstasy.
6 - Não foram feitas quaisquer buscas à residência, automóvel ou locais de trabalho do arguido, nem este foi objecto de detenção em flagrante delito ou de apreensão de qualquer tipo de produto estupefaciente.
7 - Não foi individualizado qualquer acto de venda de droga, nem constam dos autos quaisquer exames que determinem o tipo de estupefaciente usado pelo arguido nos seus consumos, dos quais dependia.
8 - Inexistem nos autos elementos materiais de prova, ou perícias, que permitam, concreta e seriamente, identificar e qualificar como produto estupefaciente (nos termos das tabelas anexas ao DL), as pastilhas de ecstasy que o arguido declarou consumir.
9 - Pelo que se torna impossível qualificar como substância estupefaciente ou subsumível ao conceito de droga para aplicação da lei penal, as alegadas "pastilhas", donde, os autos, em relação ao arguido, estão feridos de nulidade por inexistência de corpo de delito (o que constitui violação dos princípios da tipicidade e da legalidade da lei penal - art.º 1.º, n.º 1, do Código Penal, e 29.º, n.º 1, da Constituição da República), nulidade invocada em sede de recurso mas que a Relação, sequer aflorou no acórdão recorrido.
10 - É insustentável a conclusão - que também se não apoia na prova disponível nos autos - expressa no item 91 da matéria provada, na parte em que o recorrente "procedia À compra e venda de produtos estupefacientes, desde, pelo menos, Dezembro de 2000 a Maio de 2001, utilizando parte dos lucros dessa actividade para sustentar o próprio consumo".
11 - Incumbia ao tribunal apurar a quantidade de produto estupefaciente (nem o produto se provou !!!) destinado a um e outro dos mencionados fins (tráfico e consumo próprio).
12 - Tal falta de investigação configura insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, previsto no artigo 410.º, n.º 2, alínea a), do CPP.
13 - A não ter relevado os factos dos quais pudesse configurar-se a inocência do arguido perante os factos que lhe são imputados na pronúncia, deveria o tribunal, pelo menos em apelo ao forte grau de incerteza da prática pelo recorrente de factos puníveis, lançado mão do princípio "dubio pro reo", absolvendo com base nele, o arguido (agiu, por isso, com violação do disposto no artigo 32.º, n.º 2, da CR).
14 - O Tribunal não valorou, por outro lado, na tese do tráfico - à qual se não concede - circunstâncias fundamentais que permitiriam a sua qualificação noutra norma punitiva menos grave (art.ºs 25.º - tráfico de menor gravidade e art.º 26.º - traficante consumidor).
15 - Sendo que os elementos que apodíctica e inabalavelmente constam do processo apontam sempre: para a situação de consumidor-dependente do recorrente; para envolvimentos de muito pequena escala, quer em volume, quer em pastilhas, quer pelos meios económicos envolvidos; que estupefaciente (?) envolvido se enquadra nas denominadas "drogas ligeiras"; que as relações do arguido no domínio da droga se circunscreviam a dois dos arguidos que também o forneciam;
16 - Tais elementos só poderiam configurar - a entender-se pela existência de matéria com dignidade penal - a previsão do artigo 26.º do DL 15/93.
17 - Ou na pior das hipóteses, na previsão do artigo 25.º do mesmo diploma.
18 - O tribunal, mesmo a entender-se pela existência de actos de venda ou de tráfico, fez incorrecto enquadramento dos factos na norma que os prevê e pune (em expressa violação dos artigos 21.º, 25.º e 26.º do DL 15/93).
19 - A pena de prisão efectiva imposta ao arguido foi, em termos de justiça relativa, e por comparação a alguns dos co-arguidos, gritantemente injusta, por excessiva.
20 - O tribunal não relevou factos que deu como provados, demonstrativos da reinserção social e reintegração do co-arguido recorrente, após ter abandonado o consumo (tem contrato de trabalho até Novembro de 2004 e é estudante do ensino recorrente) não atendendo como devia aos valores que inspiram a determinação da medida da pena (adequação da pena à medida da culpa e às demais circunstâncias concretas do agente e da acção) e os fins das penas (art.ºs 40.º, n.º 1 e 2 do CP).
21 - Não tendo o recorrente praticado os factos pelos quais foi condenado, como resulta da prova disponível nos autos (designadamente dos registos magnetofónicos, especialmente dos depoimentos dos senhores agentes da Polícia Judiciária a quem esteve cometida a investigação) e pelas demais razões já enunciadas nas conclusões precedentes, impõe-se, de acordo com a prova produzida ou pela ausência dela, a absolvição do arguido.
22 - Termos em que se pede a revogação do acórdão recorrido na parte em que condena o recorrente nos termos expressos.
23 - Quando assim se não entender, o que só por hipótese académica se admite, não poderá a condenação do arguido ir além da prevista para o traficante-consumidor, u, também sem conceder, para a do tráfico de menor gravidade, situando-se no mínimo da moldura penal adequada a tais incriminações a pena concretamente aplicável, suspendendo-se a execução respectiva.
24 - Finalmente o tribunal da Relação não tomou posição sobre vários pontos invocados pelo recorrente em sede de recurso. Designadamente, a Relação não se pronunciou sobre a inexistência de corpo de delito, insuficiência da matéria de facto provada, sobre a aplicação ao caso concreto do in dubio pro reo.
25 - Ao ser chamado a decidir o Tribunal da Relação tinha por obrigação apreciar todos os fundamentos alegados pelo recorrente em sua defesa. O que não fez, facto que também inquina irremediavelmente o douto acórdão recorrido e deve levar à competente revogação.
26 - Sempre, e em qualquer caso, se revogando o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação.

Respondeu o MP em defesa do julgado, manifestando-se pelo improvimento de todos os recursos.

Subidos os autos, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto manifestou-se em questão prévia, pela irrecorribilidade da decisão, assentando na ideia já muitas vezes aqui invocada, segundo a qual, sendo os recursos apenas dos arguidos, em face do princípio da proibição da reformatio in pejus, as penas aplicadas não podem ser ultrapassadas. Assim, porque tais penas - confirmadas pela Relação - não vão além de oito anos de prisão e porque as penas aplicadas, coincidem, in casu, com as penas aplicáveis, nos termos do disposto no artigo 400.º, n.º 1, f), do CPP, devidamente interpretado, o caso seria de irrecorribilidade para o Supremo Tribunal de Justiça.

Além da referida questão prévia, são estas as questões a decidir:
1. a) A qualificação jurídica dos factos praticados pelo arguido CEMG, para quem o tráfico de 8,117 gramas de heroína deve ser qualificado como tráfico de menor gravidade, punível nos termos do n.º 1 do artigo 25.º do Decreto-Lei 15/93.
b) Aliás, ainda sob este ponto de vista qualificativo, a actuação criminosa do recorrente configura a prática de um crime tentado simples, não agravado.
2. «O artigo 1.º do Código Penal, entendido como sendo suficiente para uma incriminação a indicação vaga da prática de um crime, sem circunstanciar os factos praticados, nomeadamente sem indicar quando, de que modo, e que quantidade de droga teria sido traficada, viola o disposto nos artigos 29.º, 1, e 32.º, 1, da Constituição da República, inconstitucionalidades da supra citada norma que se invocam.»
3. Um co-arguido foi punido pelos mesmo factos com pena de 18 meses de prisão, e o recorrente foi punido com a pena de sete anos de prisão, e, assim, foi violado o disposto nos artigos 22.º e 23.º do Código Penal.
4. A pena aplicada ao crime foi excessiva, tendo em conta quer as circunstâncias do crime, quer as penas encontradas para os co-arguidos, tendo sido violado o disposto no artigo 71.º do Código Penal.
5. Os factos praticados pelo arguido PRCV, e o modo como o foram, demonstram que o recorrente visou, tão somente, obter como finalidade exclusiva, meio para a aquisição de produtos estupefacientes para o seu consumo próprio.
6. A haver crime é o previsto no artigo 26.º do Decreto-Lei 15/93, ou, se assim se não entender, o previsto no artigo 25.º do mesmo diploma.
7. Havendo condenação deve ser aplicada uma pena de multa, ou, sendo de prisão, deve ser suspensa na sua execução.
8. O recorrente praticou os factos que preenchem o crime quando tinha ainda 20 anos, pelo que lhe deve ser aplicado o Decreto-Lei 401/82, de 23/9, sendo a pena especialmente atenuada.
9. Nunca o recorrente pode ser condenado numa pena privativa de liberdade.
10. E se lhe for aplicada uma pena de prisão deve ser suspensa na sua execução.
11. A haver crime por parte do arguido PMHC, é o previsto no artigo 26.º do Decreto-Lei 15/93, ou, se assim se não entender, o previsto no artigo 25.º do mesmo diploma.
12. Havendo condenação deve ser aplicada uma pena de multa, ou, sendo de prisão, deve ser suspensa na sua execução.
13. Nunca o recorrente pode ser condenado numa pena privativa de liberdade.
14. A interpretação do tribunal recorrido no tocante à actuação do recorrente JJCPL, extrapola as regras do princípio da livre apreciação da prova, sustentando-se em meras presunções, meios lógicos ou mentais sem suporte na prova disponível no processo, sem obediência aos critérios lógicos do homem médio, suposto pela ordem jurídica, integrando a previsão da alínea c), do n.º 2, do artigo 410.º do mesmo diploma - erro notório na apreciação da prova - um dos fundamentos do recurso.
15. Inexistem nos autos elementos materiais de prova, ou perícias, que permitam, concreta e seriamente, identificar e qualificar como produto estupefaciente (nos termos das tabelas anexas ao DL), as pastilhas de ecstasy que o arguido declarou consumir, pelo que se torna impossível qualificar como substância estupefaciente ou subsumível ao conceito de droga para aplicação da lei penal, as alegadas "pastilhas", donde, os autos, em relação ao arguido, estão feridos de nulidade por inexistência de corpo de delito ( o que constitui violação dos princípios da tipicidade e da legalidade da lei penal - art.º 1.º, n.º 1, do Código Penal, e 29.º, n.º 1, da Constituição da República), nulidade invocada em sede de recurso mas que a Relação, sequer aflorou no acórdão recorrido.
16. Incumbia ao tribunal apurar a quantidade de produto estupefaciente destinado a um e outro dos mencionados fins (tráfico e consumo próprio), pelo que tal falta de investigação configura insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, previsto no artigo 410.º, n.º 2, alínea a), do CPP.
17. A não ter relevado os factos dos quais pudesse configurar-se a inocência do arguido perante os factos que lhe são imputados na pronúncia, deveria o tribunal, pelo menos em apelo ao forte grau de incerteza da prática pelo recorrente de factos puníveis, lançado mão do princípio "dubio pro reo", absolvendo com base nele, o arguido (agiu, por isso, com violação do disposto no artigo 32.º, n.º 2, da CR).
18. O Tribunal não valorou, por outro lado, na tese do tráfico - à qual se não concede - circunstâncias fundamentais que permitiriam a sua qualificação noutra norma punitiva menos grave (art.ºs 25.º - tráfico de menor gravidade e art.º 26.º - traficante consumidor), sendo que os elementos que apodíctica e inabalavelmente constam do processo apontam sempre: para a situação de consumidor-dependente do recorrente; para envolvimentos de muito pequena escala, quer em volume, quer em pastilhas, quer pelos meios económicos envolvidos; que estupefaciente envolvido se enquadra nas denominadas "drogas ligeiras"; que as relações do arguido no domínio da droga se circunscreviam a dois dos arguidos que também o forneciam; tais elementos só poderiam configurar - a entender-se pela existência de matéria com dignidade penal - a previsão do artigo 26.º do DL 15/93 ou, na pior das hipóteses, na previsão do artigo 25.º do mesmo diploma.
19. A pena de prisão efectiva imposta ao arguido foi, em termos de justiça relativa, e por comparação a alguns dos co-arguidos, injusta, por excessiva.
20. Não tendo o recorrente praticado os factos pelos quais foi condenado, pelas demais razões já enunciadas nas conclusões precedentes, impõe-se, de acordo com a prova produzida ou pela ausência dela, a absolvição do arguido. Quando assim se não entender, não poderá a condenação do arguido ir além da prevista para o traficante-consumidor, ou, também sem conceder, para a do tráfico de menor gravidade, situando-se no mínimo da moldura penal adequada a tais incriminações a pena concretamente aplicável, suspendendo-se a execução respectiva.
21. O tribunal da Relação não tomou posição sobre vários pontos invocados pelo recorrente em sede de recurso. Designadamente, a Relação não se pronunciou sobre a inexistência de corpo de delito, insuficiência da matéria de facto provada, sobre a aplicação ao caso concreto do in dubio pro reo, facto que também inquina o acórdão recorrido e deve levar à competente revogação.

2. Colhidos os vistos legais e realizada a audiência cumpre decidir.

Previamente impõe-se ultrapassar a questão prévia a que supra se fez referência.
Não é, aliás, a primeira vez que este Supremo Tribunal sobre ela se debruça, havendo posições divergentes, mesmo a nível interno da cada uma das secções criminais.
Por nós, e salvo sempre o devido respeito, temos como boas as razões invocadas na declaração de voto apresentada em 26/6/03, no recurso n.º 1797/03-5. (1)
Por isso, temos os recursos como admissíveis.
Eis a repetição das razões então adiantadas:
O princípio geral nesta matéria - ampla admissibilidade dos recursos - é enunciado pelo artigo 399.º do Código de Processo Penal que dispõe: «É permitido recorrer dos acórdãos, das sentenças e dos despachos cuja irrecorribilidade não estiver prevista na lei».
«A regra é, pois, que se pode sempre recorrer, salvo nos casos expressamente exceptuados por lei. Assim, para em determinado caso sabermos se pode haver ou não recurso, temos de ver se o caso se encontra exceptuado por lei, nomeadamente no artigo 400.º (...)» (2)
Por seu lado, não é admissível recurso, entre outros, «de acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de primeira instância, em processo por crime a que seja aplicável pena de prisão não superior a oito anos, mesmo em caso de concurso de infracções» - art.º 400.º, n.º 1, f), do mesmo diploma adjectivo.
Poderá esta disposição excepcional (3) comportar o sentido restritivo do direito ao recurso que lhe empresta o Ministério Público junto do Supremo Tribunal?
A resposta, a meu ver, não poderá deixar de ser negativa.
Desde logo, porque a letra da lei parece não oferecer grande margem para dúvidas quando estatui, por forma muito clara, que a irrecorribilidade de que fala a alínea f), do artigo 400.º supra transcrita, há-de referir-se a «processo por crime a que seja aplicável pena de prisão não superior a oito anos».
Sendo de presumir, nos termos do disposto no artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil - princípio geral em matéria de interpretação de leis - «que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados», dificilmente poderá aceitar-se que, por um lado, se referisse a pena aplicável com o mesmo sentido de pena aplicada [mas insusceptível de agravamento em recurso]. A ser assim, o mínimo que se exigiria de quem sabe exprimir-se naqueles termos presumidamente correctos, é que à expressão pena aplicável, tivesse sido equiparada expressamente a situação mencionada de pena aplicada insusceptível de agravação em recurso, ou outra equivalente.
É que - não o esqueçamos - a regra é a recorribilidade das decisões, sendo a irrecorribilidade, sempre, excepcional. E quando se tratasse de impor uma tão lata extensão do regime de excepção, como a proposta na posição do Ministério Público, importaria, sobremaneira, que tal fosse expresso ou explícito, de forma inequívoca, ou, pelo menos, colhesse da lei um mínimo, ainda que porventura imperfeito, de tradução literal, o que não é o caso.
Por outro lado, se é certo, face ao preceituado no artigo 11.º, ainda do Código Civil, que as normas excepcionais, não comportando, embora, ao menos para a nossa lei, aplicação analógica, admitem interpretação extensiva, não é menos verdade que, mesmo aqui, importa actuar com cautelas, tal como de resto se pronunciou o Parecer da Procuradoria-Geral da República, de 8/7/76 (4), segundo o qual «a interpretação extensiva só é possível quando o intérprete conclua pela certeza de que o legislador se exprimiu restritivamente, dizendo menos do que pretendia (minus dixit quam voluit)».
Debruçando-se sobre o sentido da citada alínea f), escreve o Prof. Germano Marques da Silva (5) que tal norma constitui uma aplicação do princípio da dupla conforme. «Se a decisão condenatória da 1.ª instância for confirmada em recurso pela relação, só é admissível recurso se a pena aplicável for superior a oito anos».
É este sentido estrito da excepção que resulta do texto da lei, supostamente elaborada por um legislador capaz de exprimir-se convenientemente.
Não parece, assim, resultar da lei qualquer suspeita e, muito menos, certeza, de que o legislador disse menos do que queria.
Ademais há razões jurídicas de fundo que se erguem contra a interpretação extensiva do preceito - mas, como se viu, restritiva do princípio geral do direito ao recurso - proposta pelo Ministério Público.
Na verdade, por um lado, os critérios de recorribilidade e ou irrecorribilidade expressos no Código de Processo Penal, para assegurarem a necessária previsibilidade do direito em causa, são, em geral, pelas razões expostas, tributários de fixação apriorística, por isso ligados, como penhor dessa desejável previsibilidade, às penas abstractas aplicáveis e não, como é pretendido, de alguma forma dependentes das penas aplicadas pelas instâncias, portanto de verificação a posteriori e, assim, de aplicação mais ou menos empírica ou casuística, tornando-se, por essa via, num direito em larga medida imprevisível e incerto, já que dependente do resultado do julgamento de cada caso concreto, o que para uma previsão de tão largo espectro como o direito ao recurso não parece consagrar a melhor opção legislativa.
Por outro lado, ressalvando sempre o devido respeito por diversa posição, há ou parece haver uma certa petição de princípio na tese proposta, ao assentar em que, nos casos como o caso sujeito, «pena aplicável se confunde com pena aplicada», uma vez que não havendo recurso do MP, e face à proibição da reformatio in pejus, ao tribunal de recurso já não seria possível ir para além da pena em que as instâncias convergiram.
É que, em primeiro lugar, bem pode dar-se o caso de a pena aplicada poder ter sido o resultado infeliz de um (pouco provável mas, ainda assim, sempre possível) eventual erro de direito por parte das duas instâncias. E não parece aceitável, do ponto de vista da defesa efectiva dos direitos do arguido, que este não possa levar o caso perante o Supremo Tribunal de Justiça, não só - como será legítimo - para ver reduzida a pena, se for esse o caso, como, mais do que isso, para, junto do Mais Alto Tribunal, defender, mesmo, a sua absolvição, (6) (7) - caso em que, a triunfar essa pretensão absolutória, não há lugar, como é óbvio, a falar em pena aplicada ou aplicável, e, muito menos, de coincidência entre ambas. Em tal caso a pena aplicada não subsiste, deixando, assim, de existir, e seria impossível equipará-la a pena aplicável que, por seu lado, também deixa de ter lugar. Daí, a razão de ser da falada petição de princípio que parte do pressuposto, não demonstrado e inaceitável, de que a pena aplicada no caso é uma realidade imodificável, uma espécie de caso julgado...unilateral (8).
Depois - e não menos importante - não me parece aceitável, do ponto de vista do princípio constitucional da igualdade de armas (logrando portanto, duvidosa cobertura nas atinentes previsões, entre outras, nomeadamente a do artigo 32.º, n.º 1, da Constituição). Na verdade, na interpretação proposta, verificando-se dupla conforme, isto é, convergência de posições entre as instâncias quanto à condenação, só à acusação fica reservado o direito ao recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, direito que, assim, é incompreensivelmente negado ao condenado, o que, privilegiando sem razão aparente a «parte acusadora», coloca a defesa numa injustificada situação de inferioridade e incomportável desigualdade processual.
Nem se argumente, ex adverso, que, se o Ministério Público decidir recorrer, então já o arguido o poderá fazer também em igualdade de armas...e que, enfim, a existir aqui alguma ofensa a tal princípio, ela compensaria de algum modo a que - pendendo a favor do arguido - já resulta da irrecorribilidade em caso de dupla conforme absolutória contemplada na alínea d) do n.º 1, do mesmo artigo 400.º
É que, por um lado, não se vê onde possa residir a reclamada igualdade de posições processuais ou de armas, quando o direito ao recurso do arguido é subtraído à sua própria avaliação e fica dependente de ponderação e avaliação alheias, e por outro, tratando-se, ali - na dupla conforme absolutória - de preservar a absolvição, dá-se, por essa via, corpo visível à regra da liberdade consagrada, nomeadamente, no artigo 27.º, n.º 1, da Lei Fundamental - e, sobretudo, a garantia constitucional de processo criminal, decorrente da «dignidade da pessoa humana» (art.º 1.º), de que «todo o arguido se presume inocente (art.º 32.º, n.º 2) - o que não sucede no caso vertente, em que a violação favorece a parte acusadora (na decorrência de uma qualquer presunção de culpabilidade do arguido) em detrimento precisamente da parte constitucionalmente presumida inocente. Além de que, e salvo o devido respeito, a haver, ali, violação de tal princípio (9), não seria digno da melhor solução jurídica, remediar um mal, contrapondo-lhe outro igual... Finalmente, a dupla conforme absolutória - ao contrário também do que sucede na situação ora em apreço - aporta consigo a reposição definitiva da paz social de algum modo afectada pelo caso, o que, só por si, justificaria a discriminação positiva que a lei lhe confere.
Afirma-se por outra via que a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça deve estar reservada para casos de «maior gravidade» e aquele deve ser preservado da apreciação de bagatelas penais, como o que não pode deixar-se de concordar. Mas o que não pode é aceitar-se que, por via da interpretação proposta, possa justamente cair-se no exagero do oposto que é, eventualmente, privar o Mais Alto Tribunal de intervir justamente nesses casos de maior gravidade para que está vocacionado, o que, em teoria, de acordo com a tese de que divergimos, em todos pode acontecer, (bastando, para tanto, que as instâncias, porventura até «interessadamente», sejam concordantes na aplicação de penas de prisão não superiores a oito anos...), o que, por absurdo, não pode lograr apoio legal.
Não parece razoável, com efeito, até do ponto de vista constitucional do eficaz direito ao recurso, condicionar a sua existência, afinal, ao concreto entendimento das instâncias, que, para o bem e para o mal, teriam ao seu alcance o poder imenso de decidir, em última instância (!), da recorribilidade ou não da decisão por elas proferida. E muito menos, deixá-lo na dependência de avaliação alheia, na certeza de que o Código de Processo Penal só admite a figura do recurso subordinado «em caso de recurso interposto por uma das partes civis» - art.º 401.º, n.º 1).
Daí que, nomeadamente, por razões de previsibilidade e segurança jurídica, o critério da recorribilidade ou irrecorribilidade para o Supremo Tribunal de Justiça não possa, e não deva, ser ligado, casuisticamente, a posteriori, às penas concretas aplicadas, antes devendo ser aferido, em abstracto e a priori, pelas molduras legais abstractas aplicáveis.
Não se desconhece o argumento de existência de alguma contradição no sistema, esgrimido em defesa da tese proposta pelo MP, segundo o qual, haverá casos de crimes puníveis, em abstracto, com pena de prisão não superior a oito anos, que, em face das penas concordantes aplicadas se tornam irrecorríveis, por aplicação do regime daquela alínea f), enquanto outros, por crimes a que corresponde moldura penal abstracta de máximo superior a oito anos, mas objecto de condenação mais leve que os primeiros, logram o benefício do recurso. O que seria um paradoxo.
Mas a contradição é, apenas, aparente. Com efeito, trata-se aqui de uma clara questão de política legislativa a que só o legislador pode dar resposta e que os tribunais, independentemente da visão crítica que sobre ela possam ter, devem respeitar. A resposta é simples: a gravidade dos últimos casos supra mencionados, aferida, como deve ser, pela moldura abstracta, é bastante, para, independentemente qualquer que tenha sido a pena concreta, justificar, daquela óptica político- legislativa, que uns devam ser recorríveis e outros não. Se tal critério se revelar desajustado ao legislador compete alterá-lo, não competindo ao tribunal substituir-se-lhe.
Por estas razões, esquematizadas, julga-se improcedente a questão prévia suscitada, considerando recorrível a decisão da Relação, seguido-se o prosseguimento dos autos.

Aqui chegados, vejamos então os factos dados como provados na 1.ª instância, para depois se indagar o tratamento que mereceram do tribunal recorrido - a Relação de Lisboa.
1. Os arguidos AFFB (...), PRCV (...), PMHC (...) e JJCPL (...), pelo menos, eram habitualmente frequentadores de festas de música "Techno" e "House", vulgarmente designadas por "Raves";
2. O arguido NMBS - ... -, fornecia haxixe, ecstasy e ácidos aos arguidos PRC V - ... -, PMHC - ...- e FALM - ...;
3. Estes também transaccionavam entre si e forneciam o arguido AFFB - ...;
4. Os arguidos AFFB, PRC V e PMHC forneciam JJCPL - ....
5. No dia 9 de Fevereiro de 2001, o arguido JL-... -, antes de actuar numa festa na Discoteca ... no Cartaxo, tem um encontro com um indivíduo não identificado;
6. No dia 9 de Abril de 2001, o arguido JL- ...- contacta telefonicamente o arguido AFB- ... -, fazendo uma encomenda de "pastilhas" (comprimidos de ECSTASY);
7. Nesse mesmo dia, 9 de Abril de 2001, o arguido L- ...- mantém um contacto telefónico com o arguido PC -...-, que lhe diz que se lhe comprar mais ou menos todas as semanas vinte "pastilhas" lhe fazia a "mil paus".
8. No dia 10 de Abril de 2001, na sequência da conversa tida no dia anterior, o arguido L-... -, encomenda "pastilhas" de ECSTASY ao arguido PC - ....
9. No dia 28 de Abril de 2001, o arguido L-...- fala com o arguido C, que lhe diz que só tem "Coroas Brancas" e que só lhe pode fazer a "mil e duzentos paus", ficando de se encontrar mais tarde.
10. No dia 30 de Abril de 2001 o arguido AF - ...- liga ao arguido FM -...- a encomendar 50 "pastilhas" (ECSTASY) e dois "bugos" (sabonetes de HAXIXE com cerca de 250 gramas cada).
11. No dia 25 de Maio de 2001, o arguido PC- ...- fala com o arguido L- ...- dizendo que vai mandar alguém receber o dinheiro das pastilhas ao que aquele responde que vai devolver parte das pastilhas e o resto em dinheiro.
12. No dia 26 de Junho de 2001, o arguido PC - ...- fala com um "Xuxa" (indivíduo não identificado), acerca de um negócio que envolve a troca de "pastilhas" (ECSTASY) por "ácidos" (LSD).
13. No dia 27 de Junho de 2001, o arguido FM- ...- liga ao arguido AFB- ...- a confirmar o negócio de 50 "pastilhas" e combinam encontrar-se.
14. No mesmo dia, 27 de Junho de 2001, o arguido PC- ...- fala com o arguido NB- ...- sobre produto estupefaciente, nomeadamente marcas e preços de ÁCIDOS e o ... propõe fornecer-lhe "à consigna".
15. Ainda nesse dia, 27 de Junho de 2001, o arguido PV - ...- liga do telefone do arguido FM- ...- a um indivíduo de nome Mendes (não identificado), propondo-lhe a troca de 50 ÁCIDOS por 50 PASTILHAS.
16. No dia seguinte, 28 de Junho de 2001, o PC- ...- liga ao FM- ...- e conversam sobre o negócio com o Mendes; o PV passa o telefone ao Mendes que diz ao FM que não quer nem as "pastilhas" nem os "ácidos" de volta, quer é o dinheiro.
17. No dia 29 de Junho de 2001 o PC- ...- é contactado por um indivíduo de nome Gonçalo (não identificado), que lhe encomenda "ácidos"(Micro Points) ; fixam o preço de sete «Micro-Points» em 11.000$00.
18. No mesmo dia, 29 de Junho de 2001, o PC- ...- é contactado por um indivíduo com a alcunha de Pachá (não identificado), que lhe pergunta o preço de 100 "selos" (ÁCIDO) «Marylin Monroe», fixando o ... o preço de 900$00 por unidade.
19. No dia 30 de Junho de 2001, o FM-...- liga ao arguido NB-... - a pedir 2 ÁCIDOS ("micros"), e este diz-lhe que se comprar 10 lhe faz o preço de 1.000$00 por unidade.
20. No dia 1 de Julho de 2001 o PC- ...- fala com o NB- ...- que lhe diz que tem "coisos" guardados para ele, falam de ácidos e o ... diz-lhe que lhe vai arranjar cerca de 60 ÁCIDOS.
21. No dia 3 de Julho de 2001, um indivíduo de nome Jorge (não identificado) liga ao FM- ... -, perguntando-lhe o preço de ÁCIDOS e HAXIXE; o FM- ...- fixa o preço de 1.000$00 para a unidade de ácido, 210.000$00 para 1 kg de haxixe e 55.000$00 para 1 "sabonete" de haxixe.
22. No dia 4 de Julho de 2001, um indivíduo de nome Mendes (não identificado), fala com o PC -... -, a pedir o dinheiro que este lhe deve, mais de 100.000$00, porquanto vai precisar do dinheiro nesse dia porque o "chavalo" vai lá.
23. Nesse dia, 4 de Julho de 2001, cerca das 19.00 horas, junto do ... de Rio Maior, o FM- ... -, acompanhado por um outro indivíduo não identificado, encontra-se com o AFB- ... -, tendo tal encontro sido marcado através do telefone, cerca das 18 horas desse mesmo dia.
24. No dia 5 de Julho de 2001, dia seguinte, ás 02.15 horas, o FB- ... - liga ao FM- ...- e diz-lhe que precisa mais ½ Kg de haxixe (dois "bugos") para o dia seguinte;
25. Às 02.58 horas, o FB envia uma mensagem escrita ao FM-...- com o seguinte conteúdo: "Já tenho a nota pro kg. Tens isso amanhã? 9.30 h";
26. Às 13.59 horas, o FM- ...- responde à mensagem do FB- ...- nos seguintes termos: "O Kilo sai a 230 a que horas vens 9.30 na Benedita";
27. Às 13.54 horas, o FM- ...- liga ao NB- ...- e pede 1 Kg (Kapa) para as 6.30 horas da tarde, proposta que aquele aceitou.
28. No dia 7 de Julho de 2001, um indivíduo de alcunha Rato (não identificado) liga ao PC-... - para comprar HAXIXE, ECSTASY E ÁCIDOS e combinam encontrar-se.
29. No mesmo dia ,7 de Julho de 2001, cerca das 19.53 horas, o FB-... - liga ao FM- ...- e pede-lhe "pastilhas" de ECSTASY "Super-Homens" e combinam encontrar-se na Aldeia do Meco.
30. Ainda nesse dia, 7 de Julho de 2001, cerca das 20.09 horas, o FM- ...- liga a um indivíduo de nome Mendes (não identificado) e encomenda 50 "... daquele material novo que tu tens ...verdinhas e coiso vermelhas ..." (pastilhas de ECSTASY).
31. No dia 10 de Julho de 2001, o PC- ...- liga para o NB-... - a propor-lhe a troca de 500 "pastilhas" de ECSTASY por 500 "selos" de ÁCIDO.
32. No mesmo dia, 10 de Julho de 2001, um indivíduo não identificado liga para o PC- ...- a encomendar meio "bugo" de HAXIXE , respondendo-lhe aquele que custa 30.000$00 e referindo ainda que se aquele quiser também arranja ÁCIDOS e ECSTASY.
33. Ainda nesse dia, 10 de Julho de 2001, um indivíduo de nome Salcedas (não identificado) liga ao PC- ...- e encomenda 50 "pastilhas" de ECSTASY; acordam o preço de 900$00 a unidade.
34. No dia 11 de Julho de 2001, o PC- ...- acorda com um indivíduo de alcunha Pachá (não identificado), o preço de 50.000$00 para lhe vender 50 ÁCIDOS.
35. No dia 13 de Julho de 2001, o indivíduo já referenciado como Salcedas liga novamente para o PC- ...- e diz que quer 100 "pastilhas" mas quer pagar o preço de 600$00 cada; por desacordo relativamente ao preço o negócio não se realiza.
36. No dia 14 de Julho de 2001, o PC- ...- liga ao FM-...- e pergunta-lhe se tem ÁCIDOS, respondendo-lhe este que só tem PASTILHAS; o PC -...- pergunta-lhe quantas é que consegue com 70.000$00 e o FM responde que por 70.000$00 lhe dá 90 PASTILHAS.
37. No mesmo dia, 14 de Julho de 2001, o PC-... - liga ao NB- ... -, e combinam aquele ir entregar a este 85.000$00 e 15.000$00 na segunda feira seguinte.
38. No dia 8 de Agosto de 2001, o FM-... -, que está no Algarve, liga ao PC- ...- e pede-lhe 1 kg de HAXIXE, para ser mandado pelo PC-...; o V- ...- diz que o C-...- não pode e avisa o FM-...- de que o B também está no Algarve; o FM- ...- pede, de seguida 100 PASTILHAS para o AFB- ....
39. No dia 27 de Setembro de 2001, um indivíduo não identificado liga para o FB- ...- a propor-lhe um negócio de PASTILHAS a bons preços; este refere que tem negócios com alguém das Caldas da Rainha mas ficam de contactar-se mais tarde.
40. No mesmo dia, 27 de Setembro de 2001, um indivíduo não identificado telefona ao PC- ...- a perguntar se tem PASTILHAS para vender pois quer comprar 20; este responde-lhe que se arranjam, mas o preço é de 1.000$00 a unidade.
41. No dia 28 de Setembro de 2001, o PC- ...- fala com um indivíduo de nome Mendes (não identificado), a quem encomenda 60 PASTILHAS de várias marcas e cores, combinando encontrar-se no próprio dia.
42. No dia 29 de Outubro de 2001, um indivíduo não identificado telefona ao NB- ...- a quem pede o quilo do costume ("o Kapa, o costume") e combinam a estratégia para a entrega.
43. No dia 2 de Outubro de 2001, o FB -...- liga ao PC- ...- e pede-lhe HAXIXE ainda para aquele dia; este compromete-se a providenciar.
44. No mesmo dia, 2 de Outubro de 2001, o FB- ...- liga para o FM-...- e este pergunta-lhe se quer 1 kg ("Kapa"); o FB- ...- diz que quer saber como é que as coisas andam a nível de qualidade e ficam de falar mais tarde.
45. No dia 3 de Outubro de 2001, um indivíduo de alcunha Americano (não identificado) liga para o FB- ...- dizendo que, em princípio no dia seguinte já ia dar para arranjar; este pergunta qual a marca e o símbolo e pergunta ainda por HAXIXE.
46. No dia 4 de Outubro de 2001, o NB- ...- liga para um indivíduo de nome Mendes (não identificado) a quem pede para encomendar 6 kg (seis "Kapas").
47. No mesmo dia, 4 de Outubro de 2001, um indivíduo não identificado liga ao PC- ...- e pergunta-lhe que PASTILHAS é que ele pode arranjar ao que aquele responde que consegue várias; falam de determinada marca e o PC- ...- refere que o ... tinha dessa marca; refere ainda que não há ninguém nas Caldas da Rainha a vender PASTILHAS a "sete e meio", excepto se forem quinhentas.
48. Ainda nesse dia, 4 de Outubro de 2001, o NB-... - fala com um indivíduo de alcunha XuXa (não identificado), que se auto-intitula "amigo do Mendes" e encomenda o produto, combinando a entrega na Foz do Arelho.
49. No dia 8 de Outubro de 2001, cerca das 22.40 horas, junto da sua residência em Caldas da Rainha o arguido NMBS (...) foi detido tendo consigo 5892,700 gr (6,20 kg - peso bruto) de um produto vegetal prensado que, sujeito a Exame Toxicológico no LPC, revelou tratar-se de CANABIS (resina).
50. Tal produto estava acondicionado num saco de desporto, que fora transportado no interior do veículo Alfa Romeo 145, cor verde, matrícula ...-FE, pertencente ao arguido NB.
51. No dia 15 de Outubro de 2001, o PC- ...- fala com o FM- ...- que se encontra em Lisboa a tentar "resolver essas coisas", ficando o PC- ...- com a incumbência de arranjar clientes para 2/3 kg de HAXIXE ("Kapas"), que o PC- ...- se encarregaria de fazer chegar ao(s) comprador(es), referindo, quanto ao preço, que nas Caldas "sai a dois".
52. No mesmo dia, 15 de Outubro de 2001, o PC- ...- fala novamente com o FM- ...- e diz-lhe que um indivíduo de nome Mendes (não identificado) lhe vai emprestar dinheiro para 5 kg; acordam entretanto que o preço é fixado em "cento e noventa e cinco".
53. No dia 17 de Outubro de 2001, um indivíduo de nome Marco (não identificado) liga ao AFB- ...- e diz-lhe que está à espera de receber 4/5 "Kapas de grande pomadão" e pergunta-lhe se está interessado; o FB- ...- responde que se for bom e a bom preço interessa; ficam de se contactar.
54. No mês de Outubro de 2001 o arguido FALM (...) encetou diligências para ir para a Holanda, assinando contrato de trabalho com uma empresa contactada na Holanda por CFBVC .
55. Na sequência de uma busca efectuada ao quarto que ocupava numa pensão de Caldas da Rainha, foi encontrado no mesmo 2,315 gramas (peso líquido)- [3,15 gramas, peso bruto] de um produto vegetal prensado que, sujeito a Exame Toxicológico no LPC , revelou tratar-se de CANABIS (resina), bem como 1 spray, marca Body Guard de gás CS - substância lacrimogénia e tóxica que, quando aplicada, prejudica as funções vitais;
56. Após realização de busca, foi encontrado na sua residência 1, 074 (peso líquido) [1,65 gramas, peso bruto] de um produto vegetal prensado que, sujeito a Exame Toxicológico no LPC, se revelou como CANABIS (resina).
57. No dia 31 de Outubro de 2001, na sequência de uma busca realizada à residência do arguido AFFB (...), foram aí encontrados 118 comprimidos - 45 cor azul, 49 cor azul e 24 cor rosa -, 1 bolsa contendo 60,3111 gramas e 1 bolsa contendo 41,500 gramas (pesos líquidos) de uma substância vegetal prensada que, sujeitos a Exame Toxicológico no LPC, se revelaram como sendo MDMA (comprimidos) e CANABIS (resina) - o produto vegetal prensado.
58. Os arguidos FALM (...), CEMG (Di), este em cumprimento de pena no Estabelecimento Prisional de Alcoentre por crime de tráfico de estupefacientes, acordaram entre si fazerem introduzir naquele estabelecimento prisional produtos estupefacientes, nomeadamente HEROÍNA e HAXIXE, destinado à revenda junto dos outros reclusos.
59. O arguido CEMG (Di) passou a dar contactos de fornecedores ao arguido FAM (...), aconselhando-o acerca de como se comportar e mantendo sempre o contacto com o mesmo, acompanhando o desenrolar dos acontecimentos.
60. Tendo na sua posse um telemóvel, CEMG (Di), estabelecia os contactos com os fornecedores, combinava os preços, combinava os encontros entre os fornecedores e o FAM (...) e acompanhava o decurso das transacções.
61. Por seu lado, FALM (...), encarregava-se de fazer chegar ao local combinado o produto estupefaciente que se destinava a ser introduzido na cadeia, efectuando no mesmo local a recolha do dinheiro que CEMG (...) enviava para fora da cadeia para pagar o produto.
62. Este procedimento, só foi possível de concretizar com o auxílio de um homem da confiança do arguido C, que tinha acesso ao exterior e ao local combinado para as entregas.
63. No dia 29 de Julho de 2001, o FM-...- conversa com o CEMG- ...- acerca de um negócio que vai realizar - 200 "pastilhas" de ECSTASY e 8 kg de HAXIXE - com um fornecedor que lhe foi apresentado por este; O CEMG- ...- aconselha-o acerca do modo de trabalhar, alerta-o para os perigos e indica-lhe a forma de gerir os ganhos.
64. No dia 3 de Julho de 2001, - cerca das 13.03 horas, o CEMG- ... - liga ao FM- ...- e conversam sobre o fornecedor que deve ter mudado e que não conseguem contactar, a quem este pretendia comprar 5 kg de HAXIXE e 1000 "pastilhas" de ECSTASY; o CEMG- ...i- tranquiliza o FALM- ... - dizendo que estas mudanças de número do telefone são habituais; depois o C- ...- diz-lhe que vai mandar dinheiro, 50.000$00, para fora da cadeia pelo "gajo", descrevendo o local onde será colocado - dentro do chafariz num maço de tabaco Malboro; pede ao FALM- ...- que lhe leve HAXIXE, comprometendo-se este a ir a casa buscar e cortá-lo, para deixar no local combinado;
65. Cerca das 20.54 horas, o FALM- ...- liga ao C- ... - e pergunta-lhe se já recebeu o HAXIXE, respondendo este que sim e perguntando o preço; o FALM- ...- diz que são 25.000$00; depois pergunta pelo fornecedor ao C- ...- que lhe diz que vai tentar contactá-lo.
66. No dia 6 de Julho de 2001, o FM- ...- desloca-se a Lisboa para adquirir 500 "pastilhas" de ECSTASY e 5 kg de HAXIXE a um fornecedor indicado pelo C- ... -, com quem tinha previamente combinado encontrar-se; porque não existisse disponível a quantidade de produto que o FALM-... - pretendia, este pede HEROÍNA "para desenrascar"; na posse do produto, este liga ao C- FALM- para o informar que o encontro correu bem e que já tem o que é para ele (...), referindo que vem em "quartas"; então o C- ...- diz-lhe para ir lá ás 16.00 horas entregar aquele produto ao "outro"; mais tarde o FALM- ...- telefona ao C- Di- para lhe dizer que lhe foi de todo impossível ir lá deixar "aquilo" para ele; o C- Di- dá indicações específicas ao FALM-...- sobre o local onde deve deixar o "mambo" (produto), ao que este responde que vai já ver isso; o C- ... - manda a seguir uma mensagem ao FALM- ...- com o seguinte texto "vais trazer fumo? já não tenho népia" à qual este responde "vou ver isso agora"; mais tarde o FALM - ...- telefona ao C- ... - para lhe dizer que já lá está aquilo, mas que o sítio não é bom; refere ainda que não deixou lá "chichon" (HAXIXE) como ele tinha pedido.
67. Na sequência daquele acordo, no dia 9 de Julho de 2001, cerca das 22.00 horas, FALM (...) deslocou-se ao bairro de funcionários do Estabelecimento Prisional de Alcoentre.
68. Ali chegado, dirigiu- se ao chafariz existente no local, levantou o tampo de pedra da coluna do mesmo e colocou no seu interior um maço de tabaco de marca Marlboro.
69. Dentro do aludido maço de tabaco, encontravam-se 30 embalagens (quartas) com peso líquido total de 8,117g (10,15 gramas, peso bruto) de um pó, que submetido a Exame Toxicológico no LPC, revelou tratar-se de HEROÍNA.
70. Aquele maço de tabaco foi substituído, por agentes da P.J. que montaram vigilância ao local, por outro da mesma marca, mas vazio de produto estupefaciente.
71. Cerca das 10.25 horas do dia seguinte, 10 de Julho de 2001, aproximou-se do local o arguido LFCF, que levantou o tampo de pedra da coluna do chafariz e dali retirou o maço de tabaco Marlboro (que já havia sido substituído pelos agentes da PJ), tendo ocultado o mesmo no interior da t-shirt que envergava e saído do local.
72. Nesse dia 10 de Julho de 2001, pelas 11.51 horas, o arguido C E-... - envia uma mensagem escrita ao arguido FAM- ...- com o seguinte conteúdo: "puto aconteceu alguma coisa diz que o mambo não estava lá";
73. Cerca das 12.31 horas o FA- ...- telefona ao C G- Di- e começa a conversa com a frase :"... eu deixei lá aquela merda dentro do maço de tabaco pá ..." e o C G- ...- pergunta se foi dentro do Marlboro ao que o FAlM - ...- responde afirmativamente, reafirmando que deixou lá o Marlboro com aquilo e que o outro é que devia estar a ficar com o produto; o C- ... - refere que aquilo eram 8/9 gramas, segundo o fornecedor lhe havia dito; concordaram em que ambos pagariam ao fornecedor; mais tarde o FM - ...- liga ao C- ...- para lhe perguntar quanto é que têm de pagar pelo produto que desapareceu, respondendo este que são 50.000$00; o mesmo fica de falar com o fornecedor para pagarem em duas vezes e trazerem mais produto; depois liga ao FM- ...- e acordam em não falar do desaparecimento do produto ao fornecedor.
74. No dia 11 de Julho de 2001, o FM- ...- liga ao C- ... - para lhe dizer que só vai ficar com o dinheiro para "pastilhas" e ECSTASY e pede a este para falar com o fornecedor para que lhe arranje 1 kg de HAXIXE "à consigna"; o C E- Di- pede HAXIXE ao FA-... - que lhe responde que tem, mas não tem maneira de o lá deixar.
75. No dia 24 de Julho de 2001 o C- Di - liga ao FA- ...- e pergunta-lhe a quanto é que o fornecedor lhe está a fazer o kg de HAXIXE; ao que este responde a uns 190/200.000$00; o ... diz-lhe então que lhe consegue arranjar por intermédio de outro indivíduo a 180.000$00.
76. No dia 26 de Julho de 2001, o fornecedor de Lisboa (não identificado), deixa uma mensagem no telemóvel do FM- ...- dizendo para este falar com ele porque já está em Lisboa e que está a precisar dele, pois já tratou do que tinham falado; pergunta ainda pelo C G- ... -, preocupado por este não atender o telefone.
77. O telefone do C G- ...- tinha sido apreendido no interior do estabelecimento prisional.
78. No dia 27 de Julho de 2001, o C G- ...- liga ao FM- ...- para lhe perguntar porque é que este não atende o fornecedor e este mostra-se relutante devido ao negócio que correu mal e que se refere aos 5 kg de HAXIXE, no valor de 1.000.000$00; o FM- ...- diz ao C G- ... - que está a ser pressionado pelo fornecedor a entregar o produto que tem e que só tem parte do dinheiro para pagar uma dívida de 235.000$00 ao fornecedor.
79. No dia 26 de Setembro de 2001 o FM- ...- fala com o C- ...- e diz-lhe que precisa de uns ÁCIDOS, uns 100 para começar e que já tem clientes para mais.
80. No mesmo dia, 26 de Setembro de 2001, o FM- ...- liga novamente para o C- ... -, que lhe diz que já falou com alguém, mas que o que tem são pastilhas, ao que o FALM - ...- responde que se não for de uma coisa é de outra pois anda tudo escasso.
81. Ainda nesse dia, 26 de Setembro de 2001, o FM- ...- torna a ligar ao C G- ... -, que lhe diz já ter falado com o fornecedor e que ÁCIDOS só arranja a um preço elevado, 850$00 cada, mas que pastilhas arranja a 500$00, umas e 800$00, outras.
82. No dia 12 de Outubro de 2001, o FM- ...- liga ao C- ...- a pedir se este não arranjava ninguém que fornecesse uns quilos de HAXIXE, porque não há em lado nenhum; discutem os moldes em que se irá realizar o negócio, referindo o preço de 180/175.000$00 kg; o F- ...- diz que quanto mais tivesse mais vendia porque está tudo esgotado; por fim pede ao C- ...- para lhe arranjar 1 ou 2 kg para o Domingo próximo, afirmando que o vai vender a 230/240.000$00 kg.
83. No dia 13 de Outubro de 2001, o FM-... -, que está no Algarve, liga ao C G- ...- para acertarem pormenores acerca do negócio; mais tarde este liga ao FALM- ...- e diz-lhe que se ele tiver cabeça, consegue agarrar os clientes todos nas Caldas.
84. No dia 17 de Outubro de 2001, o C G- ...- liga ao FM- ...- e diz-lhe que o telemóvel, que estava escondido na casa de banho foi descoberto numa rusga que houve na cadeia; falam ainda da ida do FM -...- para a Holanda, referindo o C- ...- que as PASTILHAS na Holanda são muito mais baratas e que se consegue arranjar contactos para as mandar para Portugal.
85. No dia 18 de Outubro de 2001, o C- ...- telefona ao FM- ...- e este diz-lhe que saiu de casa dos pais e está a dormir numa pensão nas Caldas; o C- ... - diz-lhe então que vai tentar fazer com que lhe entreguem (ao ...) nas Caldas a 200.000$00 kg ou 180.000$00 se ele for buscar; o FM- ...- responde que vai tentar reunir o dinheiro para 2 ou 3 quilos.
86. Os arguidos comunicavam entre si através de telefones celulares, de que eram proprietários com os seguintes números:
- NMBS - ... - 96...;
- PRCV - ... - 96... e 96... - PMHC - ... - 91..., 91... e 96...;
- AFFB - ... - 93..., 96... e
91...;
- JJCPL - DJL - 91...;
- FALM - ... - 96... e 96...;
- CEMG - ... - 96... e 96...,
que foram apreendidos e examinados.
87. O arguido NMBS ( ...), dedicou-se, pelo menos, entre Junho de 2001 e 8 de Outubro de 2001, data em que foi detido, à compra e venda de ECSTASY, ÁCIDOS e HAXIXE, fazendo desta actividade exclusivo modo de vida.
88. O arguido AFFB (...), que adquiria produtos estupefacientes a FALM , PRCV e PMHC, da zona de Caldas da Rainha, procedia depois à revenda dos mencionados produtos, o que fez, pelo menos, desde inícios de Abril de 2001 a 31 de Outubro do mesmo ano, obtendo lucros dessa actividade.
89. O arguido PMCV (...), não obstante ter uma situação profissional regular, procedia à compra, venda e troca de produtos estupefacientes, entre, pelo menos, meados de Junho de 2001 a meados de Outubro do mesmo ano, obtendo lucros dessa actividade.
90. O arguido PMHC (...), procedia à compra, e venda de produtos estupefacientes, o que fez, pelo menos, desde inícios de Abril de 2001 a meados de Julho de 2001;
91. O arguido JJCP (...), procedia à compra e venda de produtos estupefacientes, desde, pelo menos, Dezembro de 2000 a Maio de 2001, utilizando parte dos lucros dessa actividade, para sustentar o próprio consumo.
92. O arguido FALM (...) procedia à compra e venda de produtos estupefacientes (ECSTASY, ÁCIDOS, HAXIXE e HEROÍNA), com o intuito de obter lucros.
93. Planeou sair do País para a Holanda. com o propósito de fazer introduzir produtos estupefacientes em Portugal.
94. O arguido CEMG, negociava com os fornecedores e revendia aos reclusos da Cadeia de Alcoentre os produtos estupefacientes que o arguido FM (...) lhe fazia chegar, obtendo lucros dessa actividade.
95. Os arguidos NMBS, AFFB, CEMG, PRCV, PMHC, JJCPL e FALM dedicaram-se à venda de produtos estupefacientes, com o propósito de obterem lucros, correspondente à diferença entre valor da compra e o valor da venda, o que conseguiram, obtendo cada um deles um ganho de montante não concretamente apurado.
96. Os mesmos arguidos venderam, nos períodos atrás referidos, produtos estupefacientes a um número não concretamente apurado de compradores.
97. Os arguidos FALM e CEMG comercializaram produtos estupefacientes, introduzindo os mesmos no Estabelecimento Prisional de Alcoentre.
98. O arguido LFF acordou com o arguido C E (...) entregar-lhe a heroína deixada pelo arguido FM no chafariz, no dia 9 de Julho de 2001, fazendo-a entrar no Estabelecimento Prisional de Alcoentre para, no seu interior, ser vendida a reclusos.
99. Tal entrega só não ocorreu por o maço de tabaco Marlboro em que estava acondicionada ter sido substituído, momentos antes por agentes da PJ, que, no seu lugar deixaram um outro maço de Marlboro, com um volume no seu interior, desconhecendo o arguido LF que o mesmo não continha a heroína.
100. Todos os arguidos conheciam as características estupefacientes de tais produtos. Agiram livre e conscientemente, conhecendo a natureza proibida das suas condutas.
101. O arguido NB, antes de detido, vivia, em casa própria, com uma companheira, tendo uma filha em comum, com 4 anos de idade.
102. À data da prática dos factos era, juntamente com seu pai, sócio da sociedade "...- Construções Civis, Ld ª";
103. A sua companheira trabalha na firma "...", auferindo um vencimento mensal de cerca de € 450.
104. Começou a consumir produtos estupefacientes no início da adolescência, iniciando tratamento no CAT de Peniche em 24 de Maio de 1999, comparecendo com regularidade às consultas.
105. Completou o 9º ano de escolaridade.
106. Iniciou o seu percurso laboral depois de ter desistido dos estudos, registando àquele nível dificuldades de integração, tendo apenas desenvolvido tarefas indiferenciadas, por conta do pai, na área da construção civil, actividade que não o satisfazia.
107. Depois de detido, continua a contar com o apoio familiar, propondo-se o pai a apoiá-lo também profissionalmente quando for restituído à liberdade.
108. Foi condenado, por decisão de 11/12/98, no proc. n.º 1768/96.2TBLSB, do 5º Juízo Criminal de Lisboa, 2ª secção, por crime de consumo de estupefacientes, na pena de 10 dias de multa, à taxa diária de 500$00;
109. Foi condenado no processo n.º 17/98, do TMT Lisboa, por acórdão de 12/4/99, por prática de crime de furto, na pena de três meses de prisão, substituídos por igual tempo de multa, à taxa de 300$00 por dia, a qual foi declarada perdoada por decisão de 17/5/99;
110. Foi ainda julgado no Tribunal de Círculo de Caldas da Rainha, onde, por acórdão de 29/4/99, proferido no processo comum colectivo n.º 315/98.6GBCLD, por prática de crime de tráfico de menor gravidade, foi condenado na pena de 14 meses de prisão, cuja execução foi suspensa pelo período de 3 anos, sendo a suspensão condicionada a acompanhamento pelo IRS e submissão a tratamento de desintoxicação.
111. O arguido AFB trabalha para a firma "...", fábrica de móveis, desde 3/2/92, tendo estado ausente do serviço desde 29/6/2001 a 21/10/2001, por "baixa" em consequência de acidente de trabalho.
112. Auferia por mês cerca de € 670.
113. Vivia com os pais, em casa destes, contribuindo para as despesas domésticas.
114. Completou o 6º ano de escolaridade.
115. Começou a consumir haxixe com cerca de 18 anos de idade, consumindo pontualmente este tipo de substância.
116. Há cerca de dois anos, com a frequência de festas e locais de diversão nocturna, iniciou-se no consumo de ecstasy, que, até à sua detenção, se foi intensificando.
117. No período da sua reclusão tem recebido visitas semanais dos pais e dos irmãos, que manifestam disponibilidade para o apoiarem no seu regresso à liberdade, tendo garantido trabalho na empresa onde trabalhava quando foi detido.
118. Não lhe é conhecida prática de qualquer outra infracção.
119. O arguido C G completou o 10º ano escolaridade aos 19 anos.
120. Iniciou actividade laboral aos 20 anos de idade, na área da construção civil, actividade que exercia à data da sua detenção.
121. Iniciou-se no consumo de haxixe com cerca de 16 anos de idade, produto que consumia antes de detido.
122. Estabeleceu relacionamento afectivo com uma companheira, com a qual viveu durante cerca de ano e meio antes da data da sua detenção, tendo-se extinguido essa relação.
123. Encontra-se ininterruptamente detido desde 28/1/2001, estando recluso no Estabelecimento Prisional de Alcoentre desde 15/2/2001.
124. O seu comportamento, enquanto recluso, tem sido irregular, tendo sofrido infracção disciplinar por agressão a um companheiro, além de repreensão por posse de telemóvel.
125. Em 13/9/2002 foi colocado em Regime Aberto Voltado para o Interior (RAVI), do qual foi retirado em 20/9/2002.
126. É visitado no estabelecimento prisional pelos progenitores e irmã, nos quais encontra suporte logístico e afectivo.
127. Em liberdade, perspectiva a reactivação laboral na área da construção civil.
128. Foi condenado no processo comum singular n.º 930/97.5PBCLD, do 1º Juízo do Tribunal Judicial de Caldas da Rainha, por decisão de 3/3/99, pela prática de crime de condução em estado de embriaguez, na pena de multa correspondente a 30.000$00 e inibição de conduzir pelo período de dois meses, tendo cumprido a pena subsidiária de 20 dias de prisão;
129. Foi condenado por crime da mesma natureza, por decisão de 31/1/01, proferida no processo comum singular n.º 59/98.9GAPNI, do 1º Juízo do Tribunal Judicial de Caldas da Rainha, na pena de cinco meses de prisão, cuja execução foi suspensa pelo período de um ano, além de proibição de conduzir pelo período de 5 meses.
130. Na mesma data- 31/1/01-, e por crime da mesma natureza, foi condenado no processo comum singular n.º 328/98.8GBCLD, do 1º Juízo do Tribunal Judicial de Caldas da Rainha, na pena de 4 meses de prisão, com execução suspensa por 4 meses, e proibição de conduzir por igual período.
131. Por prática de crime de tráfico de estupefacientes, foi condenado em 19/6/2002, no processo comum colectivo n.º 1065/99.1SRLSB, da 6ª Vara Criminal de Lisboa, 3ª secção, na pena de cinco anos de prisão.
132.. O arguido LFF concluiu o 6º ano de escolaridade.
133. O falecimento da mãe ocorreu quando tinha 7 anos.
134. Com 15 anos de idade, relacionando-se de forma conflituosa com a madrasta, abandonou a casa paterna, passando a viver na casa de amigos, período coincidente com o início de comportamentos aditivos.
135. O seu percurso laboral regista a precariedade de emprego e indiferenciação, tendo, como última ocupação profissional, trabalhado como empregado de mesa.
136. À data da sua detenção, encontrava-se desempregado, sendo consumidor de estupefacientes.
137. Iniciou cumprimento de pena em 27/9/98, tendo sido transferido para o E.P. de Alcoentre em 22/2/2000.
138. Frequentou, com aproveitamento, curso de formação profissional na área da construção civil.
139. Beneficiou de Regime Aberto Virado para o Interior, que lhe foi revogado em 20/9/2001, na sequência dos factos discutidos nestes autos.
140. Foi condenado, por acórdão de 26/5/99, proferido no processo n.º 65/99 da 6ª Vara Criminal de Lisboa, 2ª secção, na pena de cinco anos e seis meses de prisão, pela prática de crime de tráfico de estupefacientes.
141. Por prática de crime de tráfico agravado, foi condenado, em 6/4/01, no processo n.º 107/00, da 6ª Vara Criminal de Lisboa, 3ª secção, na pena de cinco anos e seis meses de prisão.
142. O arguido FM concluiu o 9º ano de escolaridade aos 17 anos.
143. Trabalhou com o pai, deixando de o fazer por desavenças entre ambos.
144. À data da sua detenção, trabalhava, há cerca de 6 meses, na "SDL", empresa de decoração de interiores, de Caldas da Rainha.
145. Há cerca de 2 anos começou a consumir haxixe, produto que consumia esporadicamente, aos fins de semana.
146. Inicialmente intimidado pela sua situação prisional, passou a movimentar-se no meio de uma forma não muito frequente em indivíduos que têm o seu primeiro contacto com a instituição prisional.
147. No Estabelecimento Prisional relaciona-se sobretudo com indivíduos ligados ao consumo e tráfico de droga.
148. É visitado assiduamente pela mãe, por jovens residentes em Caldas da Rainha e arredores e pelos seus últimos empregadores, mas nunca pelo pai, que não se mostra motivado nem disponível para futuramente o apoiar.
149. É-lhe garantida colocação na empresa em que trabalhava.
150. Em liberdade, não irá integrar o agregado dos progenitores.
151. Não lhe é conhecida prática de qualquer outra infracção.
152. O arguido PC abandonou a escolaridade após concluir o 8º ano.
153. Actualmente trabalha como serralheiro de alumínios na empresa "Caixirei", auferindo cerca de € 450 por mês.
154. Na sequência do convívio mantido com grupos associados ao consumo de produtos estupefacientes, iniciou-se nesse consumo por volta de Junho/Julho de 2001, tendo consumido durante cerca de três meses.
155. Não lhe é conhecida prática de qualquer outra infracção.
156. O arguido PC concluiu o 7º ano de escolaridade aos 17 anos de idade.
157. Trabalhou alguns meses com o pai, na área da fruticultura.
158. Por curto espaço de tempo, trabalhou numa empresa de confecção de calçado.
159. Com 20 anos passou a relacionar-se com grupos conotados com o consumo de substâncias tóxicas e a frequentar "Raves", passando a consumir produtos estupefacientes.
160. Manteve os consumos durante cerca de seis meses, período em que frequentou aquelas festas, tendo cessado os mesmos há cerca de um ano, tendo contado com apoio familiar.
161. Trabalha há cerca de 8 meses na "Cooperativa ...", na Benedita, mantendo hábitos de trabalho.
162. Não lhe é conhecida prática de qualquer infracção.
163. O arguido JL interrompeu os estudos aos 17 anos de idade, para iniciar actividade laboral.
164. Trabalhou na rádio de Rio Maior até 1994.
165. Simultaneamente, trabalhava em discotecas como disco-jokey, actividade que intensificou após terminar o trabalho na rádio, dedicando-se à venda de discos e a organizar espectáculos de música e festas RAVE.
166. Iniciou-se no consumo de ecstasy por volta dos 24 anos de idade, produto de que tornou dependente.
167. Essa dependência alterou a sua vivência quotidiana, diminuindo a sua capacidade de trabalho e o centralizar da sua atenção na necessidade de consumo, bem como nos meios de obter aquele produto.
168. Actualmente, vive com a esposa, em casa que arrendaram em Rio Maior, pagando € 255 de renda.
169. Trabalha como calceteiro na Junta de Freguesia de Asseiceira, Rio Maior, tendo celebrado contrato por dois anos, com início em 1/11/2002, auferindo cerca de € 430.
170. Está inscrito no Ensino Secundário Recorrente, frequentando o 11º e 12º anos de escolaridade em regime nocturno na Escola Secundária de Rio Maior.
171. A esposa é funcionária pública, auferindo cerca de € 425 por mês.
172. Não lhe é conhecida prática de anterior infracção.

Factos não provados:
Com relevância para a causa, não se provaram os seguintes factos:
- que os arguidos constituíram uma rede intermediária de tráfico de estupefacientes que operava na zona centro do País;
- que os arguidos estabeleceram entre si relações muito estreitas decorrentes da frequência, por parte dos mesmos, do meio ligado às festas de música "Techno" e "House";
- que os arguidos NMB e FAL frequentavam essas festas;
- que os arguidos forneciam produtos estupefacientes a um vasto número de clientes, alguns deles comuns, nomeadamente nas festas "RAVE";
- que o indivíduo com quem o arguido JL se encontra, no dia 9 de Fevereiro de 2001, antes de actuar na Discoteca "...", no Cartaxo, posteriormente vende "pastilhas" (comprimidos Ecstasy) no interior da discoteca;
- que o arguido FM considerou a hipótese de ir para a Holanda com o propósito de manter actividades ligadas ao tráfico de estupefacientes a partir daquele país, nomeadamente fazer introduzir em Portugal Pastilhas de Ecstasy;
- que o PC - ...- acompanhou o arguido FAM - ...- quando este se deslocou, no dia 9 de Julho de 2001, ao bairro de funcionários do Estabelecimento Prisional de Alcoentre;
- que o arguido ..., para além da venda, cedeu ou trocou produtos estupefacientes, no período referido no artigo 87º dos Factos Provados;
- que o arguido AFF- ...- fazia de elo de ligação à zona de Alcanede e de Alcanena, onde maioritariamente procedia à revenda dos produtos estupefacientes;
- que o mesmo arguido, para além da venda, cedeu e trocou produtos estupefacientes, no período referido no período mencionado na alínea 88º dos Factos considerados provados;
- que o arguido PC- ...- procedia à actividade referida na alínea 89º dos factos considerados provados na zona de Caldas da Rainha;
- que o mesmo, para além da venda e da troca, procedia, por outra forma, à cedência de produtos estupefacientes, no período mencionado na alínea 89º dos factos provados;
- que o arguido PC- ...- procedia à venda dos produtos estupefacientes na zona de Caldas da Rainha e que utilizava parte dos lucros dessa actividade para sustentar o próprio consumo;
- que o mesmo, para além da venda referida na alínea 90º dos factos provados, procedia ainda à troca e cedência, por outra forma, de produtos estupefacientes;
- que o arguido JL - ...- procedia à compra e venda de produtos estupefacientes em festas RAVE;
- que o arguido FA- ...- fazia da compra e venda de estupefacientes "o seu modo de vida preferencial, com o intuito de a qualquer custo obter o máximo de lucros";
- que o mesmo planeou ir para a Holanda com o propósito de fazer introduzir produtos estupefacientes em Portugal;
- que, para além do produto estupefaciente que no dia 10 de Julho de 2001 pretendeu entregar ao arguido C E (...), o arguido LFCFtenha introduzido produtos estupefacientes no interior da cadeia de Alcoentre, servindo de correio entre o arguido FM (...) e o arguido C G (...), obtendo lucros dessa actividade;
- que o mesmo arguido, LF, tenha participado no acordo mencionado na alínea 58º dos factos provados;
- que o mesmo era o homem da confiança do arguido C, referido no artigo 62º dos factos provados;
- que o arguido LF apenas conhece o arguido C (...);
- que nunca ouviu falar do arguido F (...);
- que o mesmo se dirigia várias vezes por dia ao chafariz para beber água, por ser o único existente naquela zona;
- que o arguido AFB só ocasionalmente procedeu à venda de produtos estupefacientes e que o fez "praticamente para sustentar o seu consumo".

Motivação:
O tribunal fundamentou a sua convicção nos seguintes meios de prova:
a) Pericial: auto de exame de fls. 384 (telemóvel e carregador apreendidos ao arguido C);auto de exame de fls. 625 (telemóveis apreendidos); relatório de fls. 717 a 718; relatório de fls. 729; autos de exame de fls. 733 e 734; auto de avaliação de fls. 740; relatório de fls. 763; auto de exame de fls. 791; relatório de fls. 808; relatório de fls. 1068 a 1069; relatório de fls. 1099;
b) Documental:
- transcrição das escutas telefónicas efectuadas ao telemóvel n.º 917265700 do arguido JL, interceptado a 18/12/2000, com acesso ao registo de chamadas feitas e recebidas (trace-Back), com o código 8976- fls. 108 a 130; fls. 596 a 612: entre 8/4/2001 e 25/5/2001;
- Documentos de fls. 142 , 153, 199, 201, 203, 205, 207, 239, 241, 243, 316, 318, 320, 322, 395, 397, 399, 401, 403, 405, 457, 459, 461, 721, 723, 725,
- Fotografias de fls. 109 a 111, obtidas junto ao "..." de Rio Maior;
- Auto de apreensão de fls. 214 (heroína deixada no chafariz, em Alcoentre);
- Fotografias de fls. 216 a 218: heroína apreendida e maço de tabaco onde estava acondicionada;
- Fotografias de fls. 220 a 223: arguido LF a recolher o maço de tabaco que devia conter a heroína junto ao chafariz onde na véspera fora deixada pelo arguido FM;
- Fls. 246 e 247: identificação completa do veículo ...-...-BI, Peugeot 106, e identificação do respectivo proprietário (arguido NB) no qual, no dia 19/7/2001, o arguido FM se deslocou a Lisboa;
- Transcrição das escutas telefónicas efectuadas ao telemóvel n.º 965882455 (código 11377) do arguido FM, entre o período de 25/6/2001 e 10/7/2001, com acesso ao registo das chamadas feitas e recebidas- fls. 253 a 308; entre o período de 17/10/2001 e 18/10/2001: fls. 613 a 620;
- Termo de entrega de fls. 326: telemóvel apreendido no estabelecimento prisional de Alcoentre ao arguido C;
- Auto de apreensão de fls. 327, referente ao mesmo telemóvel;
- Auto de apreensão de fls. 406- haxixe e telemóvel apreendidos ao arguido NB;
- Auto de apreensão de fls. 408- Veículo Alfa Romeo, matrícula ...-...-FE, em poder do arguido NB;
- Auto de apreensão de fls. 411 e fls. 412 a 415: dinheiro e papeis apreendidos ao arguido NB;
- Fls. 430: auto de leitura da memória do telemóvel apreendido ao arguido NB;
- Transcrição das escutas telefónicas efectuadas ao telemóvel do arguido FM (n.º 965882455)- código 11377-, com acesso ao registo de chamadas efectuadas e recebidas, no período compreendido entre 10/7/2001 e 23/8/2001: fls. 465 a 479; entre 26/9/2001 e 15/10/2001: fls. 871 a 874; (n.º 967773517), entre 26/9/2001 e 15/10/2001: fls. 875 a 885;
- Transcrição das escutas telefónicas efectuadas ao telemóvel utilizado pelo arguido C G (n.º 963467879)- código 11788-, com acesso ao registo de chamadas efectuadas e recebidas, a 24/7/2001: fls. 480 a 483; (n.º 967104553), entre 26/9/2001 e 18/10/2001: fls. 886 a 905;
- Transcrição das escutas telefónicas efectuadas ao telemóvel do arguido PC (n.º 969609278)- código 11376-, com acesso ao registo de chamadas efectuadas e recebidas, entre 26/6/2001 e 11/7/2001: fls. 484 a 495; entre 27/9/2001 e 21/10/2001: fls. 854 a 870;
- Transcrição das escutas telefónicas efectuadas ao telemóvel do arguido AFB (n.º 934577389)- código 10548-, com acesso ao registo de chamadas efectuadas e recebidas, entre 30/4/2001 a 7/6/2001: fls. 496 a 500; (n.º 963569181) entre 27/9/2001 e 21/10/2001: fls. 913 a 918; (n.º 919652124), dia 2/10/2001: fls. 919 a 921;
- Transcrição das escutas telefónicas efectuadas ao telemóvel do arguido PC ( n.º 914849377)- código 11379-, com acesso ao registo de chamadas efectuadas e recebidas, entre 1/7/2001 e 14/7/2001: fls. 501 a 511;
- Auto de revista e apreensão de fls. 512 e documentos de fls. 513 a 515, apreendidos ao arguido FM;
- Autos de apreensão de fls. 516 e 520: haxixe e spray apreendidos ao arguido FM e documentos de fls. 522 a 546;
- Documento de fls. 548: inquérito feito ao arguido FM para assinar contrato para trabalhar na Holanda;
- Autos de leitura de memória do telemóvel do arguido FM: fls. 549 a 546;
- Auto de apreensão de fls. 626- telemóvel do arguido C e documentos de fls. 629 a 631, em poder do mesmo;
- Auto de apreensão de fls. 636- telemóvel do arguido PC e documentos de fls. 639 a 656, em poder do mesmo;
- Autos de leitura de memória de telemóvel de fls. 661-662, 663-664;
- Auto de apreensão de fls. 665: pastilhas ecstasy, haxixe, dinheiro, objectos e papeis (fls. 668 a 674), apreendidos ao arguido AFB;
- Documentos de fls. 742 a 744;
- Auto de apreensão de fls. 790: telemóvel apreendido na casa de banho do Estabelecimento Prisional de Alcoentre;
- Documentos de fls. 813 a 821;
- Transcrição das escutas telefónicas efectuadas ao telemóvel do arguido NB (n.º 965275410), com registo de chamadas efectuadas e recebidas, entre 29/9/2001 e 8/10/2001: fls. 906 a 912;
- Cópia da sentença de fls. 1006 a 1019;
- Certidão de fls. 1152 a 1161 e de fls. 1169 a 1176;
- Documentos de fls. 1626 a 1636, de fls. 1777 a 1779;
- Relatórios sociais e certificados de registo criminal juntos aos autos;
c) declarações dos arguidos:
- do arguido NB: que em audiência declarou que o telemóvel, cujo número consta da transcrição das escutas como sendo seu, lhe pertence, o qual lhe foi apreendido, confirmando estar em seu poder o haxixe apreendido, referindo que o mesmo, pelo qual deu à volta de 1.000.000$00 era para si e para doze amigos seus, os quais se recusa a identificar, dizendo que a sua parte eram 250 gramas, tendo sido confrontado, face às evidentes contradições entre ambas, com as declarações prestadas em sede de primeiro interrogatório judicial de detido (fls. 444-445), tendo sido lidas, a sua solicitação as declarações que prestou a fls. 1198 a 1200;
- AFB, que reconhece haver quem o trate por "...", que os telemóveis que lhe foram apreendidos eram seus, tal como as pastilhas que lhe foram apreendidas; refere que consumia haxixe e ecstasy nas festas Rave que frequentava e das quais conhecia alguns dos arguidos. Nunca consumiu, comprou ou vendeu ácidos, comprando apenas haxixe e ecstasy para seu consumo (10 a 15 pastilhas em cada festa, por cerca de 10.000$00). Refere que não sabia a quantidade de "pastilhas" que tinha em casa, mas que eram sobras do seu consumo, referindo que o dinheiro apreendido era dos pais, embora estivesse no seu quarto. Foi confrontado, face à discrepância detectada, com as sua declarações de fls. 687 a 689, e 682, afirmando que estava nervoso quando as prestou; continuando a afirmar que as "pastilhas" eram para seu consumo, que consumia tudo, admite que nalguma festa podia ter cedido alguma coisa, mas sem intenção de ganhar dinheiro;
- C G, que refere que conhecia o FA, com quem falava por telefone, uma vez por mês ou de dois em dois meses, do que se passava cá fora, sem assuntos de drogas, através de telemóvel que foi apreendido e que era seu e de outros companheiros, referendo ter conhecido o arguido LFCF depois dos factos, quando foram na mesma carrinha para Lisboa, sustentando que nada tem a ver com os factos que lhe são imputados e que não sabe quem é o ...;
- LF, afirma nada ter a ver com os factos de que é acusado, nunca falou com o C, a quem inadvertidamente trata por ..., reconhecendo-se nas fotografias de fls. 220-223, afirmando estar a beber água no chafariz;
- FM, que refere que o NMBS nunca o acompanhou a Carnaxide, conhecendo o ... (C) e o F, recusando-se a prestar mais declarações;
- PRV, reconhecendo que há quem lhe chame "...", refere que comprava pastilhas, ácidos e haxixe para seu consumo, que comprava nas festas (10 a 20 pastilhas e ácidos), no que gastava entre 10 a 20.000$00 (referindo que ganhava cerca de 90.000$00 por mês), esclarecendo que eram seus os telemóveis que lhe foram apreendidos e cujos números sãos os constantes da pronúncia; admite que conhecia, pelo menos, o arguido PC (seu primo), a quem tratam por ..., o FM, o L, o NMBS (de o ver no "Daiquiri);
- PC, conhecido por ..., como reconhece, desde os 12 anos, sendo seu o telemóvel que lhe foi apreendido. Diz que consumiu drogas dos 22 aos 23 anos, frequentando festas de norte a sul do país. Conhece o V, o L, o "...". O ..., de ter visto uma ou duas vezes. Sobre o teor das conversas telefónicas transcritas, mantidas por si, diz não se recordar;
- JL, que afirma consumir ecstasy, há 3 ou 4 anos, chegando a consumir por noite cerca de 10.000$00 desse produto, tendo deixado de consumir desde Outubro e deixado de por música desde o final do ano de 2001; que se lembre, nunca comprou aos restantes arguidos; confrontado com o teor da conversa de fls. 598, admite que estivesse a falar de pastilhas; o telemóvel apreendido era seu: tinha-o há 8 anos;
d) Testemunhal: depoimento das seguintes testemunhas, que mereceram credibilidade
- MLCL, AARG, RPSS, MFSB e VMA, todos inspectores da PJ, que colaboraram na investigação dos factos, relatando, cada um deles, as várias intervenções que, nessa função, tiveram, as diligências em que participaram e os factos que puderam apurar;
- LMPM, inspector da PJ, que instruiu a investigação, participando, com colegas seus, directamente em várias diligências investigatórios, tendo sido ele quem procedeu à transcrição das escutas telefónicas, que, de forma detalhada, exaustiva e com grande rigor descreveu os factos que pôde apreender no decurso dessa investigação, relativamente a cada arguido, descodificando algumas expressões constantes das transcrições das escutas;
- CJBS, PMF e FCS, respectivamente, irmão, companheira e pai do arguido NB, que depuseram acerca das condições pessoais deste;
- AFB e AMFB, irmãos do arguido AFB, que depuseram acerca da personalidade e modo de vida deste;
- JPVF, pai do arguido PC, e GAC, amigo dos pais deste arguido, a quem conhece há cerca de 12 anos, MHCS, tia do arguido PRV, que depuseram acerca das suas condições pessoais deste;
- JCC, pai do arguido PC, JSM, que conhece o arguido desde a infância de ambos, trabalhando juntos durante 4 anos, que depuseram acerca das condições pessoais deste arguido.

Entremos então na apreciação breve do mérito dos recursos.
1. Recurso do arguido CEMG

A Relação de Lisboa ora recorrida já se pronunciou sobre as questões ora reeditadas perante o Supremo Tribunal pelo mesmo recorrente.

Vejamos a essência do ali decidido:
« (...) O âmbito do recurso recai, delimitado pelas conclusões extraída pelo recorrente da sua motivação, sobre as seguintes questões:
- o tráfico de 8,117 gramas de heroína, quando resulta dos autos que durante quatro meses nada mais foi traficado, deve ser qualificado como tráfico de pequena gravidade, punível nos termos do art.º 25°, n° 1 do Decreto-Lei 15/93;
- a actuação criminosa do recorrente configura a prática de um crime tentado, e simples, não agravado.
- a pena aplicada ao crime foi excessiva, tendo em conta quer as circunstâncias do crime, quer as penas encontradas para os co-arguidos, tendo sido violado o disposto no artigo 71° do Código Penal (...).
Quanto à pretensão do recorrente em enquadrar a sua conduta como tráfico de pequena gravidade, punível nos termos do art.º 25°, n° 1 do Decreto-Lei 15/93, remetemos para o que se deixou consignado na decisão do recurso referente ao recorrente NBS (10), sendo certo que, como bem refere o Digno Magistrado do M.P. os mais de 8 gramas de heroína apreendida nos autos, que ele refere serem os únicos aos quais pode ser relacionado, só por si são suficientes para que a sua conduta não pudesse integrar o normativo atrás referido. No entanto está dado como provado também, que o mesmo revendeu produtos estupefacientes aos outros reclusos da Cadeia de Alcoentre, pelo menos entre Julho e Outubro de 2001, para além de as suas referências à compra de quilogramas daqueles produtos (e não às mais comuns gramas), vide nomeadamente ponto 85 da matéria de facto.
Razões pelas quais não tem qualquer fundamento a pretendida tipificação da sua conduta no disposto no art.º 25° do Dec. lei n° 15/93 de 22/1.

Quanto à actuação criminosa do recorrente configurar a prática de um crime tentado, e simples, não agravado, reproduzimos o que a este propósito refere o Digno Magistrado do MP. É que o recorrente labora num erro, quando refere que foi condenado por um crime consumado de tráfico de estupefacientes, no que respeita à tentativa de introdução de heroína no estabelecimento prisional onde se encontrava. Na verdade, a fls. 1930, na douta sentença dos autos refere-se que, apesar de se considerar ter o arguido praticado o crime na forma de tentativa impossível, logo se acrescenta que a mesma perde autonomia por estar numa relação de consunção impura com o crime de tráfico de estupefacientes anteriormente praticado, esse sim, pelo qual o arguido foi condenado, por terem , sido considerados provados os factos que o enformavam. E quanto ao pretendido cúmulo jurídico da pena que lhe foi aplicada neste processo, com aquele à ordem do qual se encontra a cumprir pena, basta ver, no final da sentença dos autos, que se ordenou a requisição de certidão da decisão condenatória proferida no processo respectivo, pelo que o mesmo não foi efectuado porque tal não foi possível, mas que o será logo que a certidão pedida chegue ao processo, sem que daí resulte qualquer prejuízo para o arguido.
Entende o recorrente, por último, que a pena aplicada ao crime foi excessiva, tendo em conta quer as circunstâncias do crime, quer as penas encontradas para os co-arguidos, tendo sido violado o disposto no artigo 71° do Código Penal. A aplicação das penas visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente, na sociedade, não podendo, em caso algum, a pena ultrapassar a culpa - art.º 40.0, n.o 1 e 2, do Código Penal. Dispõe o n.o 1 do artigo 71° que a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção. E o n.o 2 manda atender àquelas circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o agente.
Sem dúvida que é grave a ilicitude do facto praticado, considerando o tipo de actividade por ele (e demais arguidos) desenvolvida, as quantidades e o tipo de drogas transaccionadas, o facto de não se tratar de actos isolados, mas antes reiterados no tempo, o espaço temporal em que se dedicou à comercialização de produtos estupefacientes, as quantias monetárias envolvidas no negócio, o facto de ser essencialmente o lucro o objectivo que o movia, sendo certo que o recorrente e o arguido FM se concertaram para introduzir, como introduziram, produtos estupefacientes no interior do estabelecimento prisional de Alcoentre, comprando o F no exterior e o C vendia no interior, a outros reclusos.
Agiu com dolo directo e, portanto, com grau de culpa elevado. As necessidades de prevenção especial são prementes, como o são as necessidades de prevenção geral.
Escreve-se num recente relatório elaborado pelas Nações Unidas: "... a luta contra o abuso de drogas é, antes de mais e sobretudo um combate contra a degradação e a destruição de seres humanos. A toxicomania priva ainda a sociedade do contributo que os consumidores de drogas poderiam trazer à comunidade de que fazem parte. O custo social e económico do abuso de drogas é, pois, exorbitante, em particular se se atentar nos crimes e violências que origina e erosão de valores que provoca".
O Acórdão do S.T.J. de 23.07.1985, B.M.J. 349.0,284, expressa que, em casos desta natureza, a resposta só poderá ser a de aplicação de uma pena com severidade.
O Acórdão do S.T.J. de 01.07.1993, Processo n.º 43022, expressa que o crime de tráfico de droga é "...um dos crimes mais repugnantes e flageladores da sociedade actual.".
Graves são também as consequências do facto, como é lógico, no que se refere à saúde física e psíquica de todos aqueles que usem o produto - que é considerado droga dura e que, como é sabido, tantos malefícios ocasiona às pessoas que a utilizam, bem como às famílias respectivas e à própria comunidade - cfr. acórdão do S.T.J. de 24.02.1993, C.J.S.T.J., Tomo I, 206.
Por fim, sendo finalidades das penas, a protecção de bens e valores jurídicos e a reintegração do agente delituoso na sociedade (prevenção geral e prevenção especial, respectivamente), há que buscar um ajustado equilíbrio entre elas, equilíbrio esse que não inibe que, perante o caso concreto, uma dessas finalidades possa e deva prevalecer sobre a outra.
Tudo isto nos leva a concluir que o conjunto do circunstancialismo agravativo sobreleva, de modo expressivo, o conjunto do circunstancialismo atenuativo que se apresenta bastante ténue.
Ora, ponderando a factualidade apurada, sem perder de vista o bem jurídico ofendido nos crimes da natureza do dos autos, somos de parecer que a pena encontrada para punir a conduta do arguido não ultrapassou a medida da sua culpa e também não extravasou dos limites dentro dos quais a justiça relativa tinha de ser procurada, mostrando-se equilibrada, justa, proporcional e razoável e não deixa ficar comprometida a crença da comunidade na validade da norma incriminadora violada.
Não se mostram, portanto, violados os arts. 71.0, do CP. pelo que, em consequência, se mantém nos seus precisos termos a decisão recorrida. »
Quanto aos pontos aqui tratados - mormente a questão da qualificação jurídica, e da medida da pena aplicada - não tem o Supremo Tribunal objecções de fundo a opôr ao decidido pelo tribunal recorrido pelo que se mostra sem razão o recurso na parte em que aqueles pontos são postos em causa.
É certo, porém, como resulta do relato feito, o recorrente vai agora um pouco mais além e defende ainda, por um lado que «um co-arguido foi punido pelos mesmo factos com pena de 18 meses de prisão, e o recorrente foi punido com a pena de sete anos de prisão, e, assim, foi violado o disposto nos artigos 22.º e 23.º do Código Penal».
Obviamente que uma tal conclusão é de todo inócua e inoperante.
Está por demonstrar - como o próprio recorrente haverá de reconhecer - que todos os co-arguidos devam ser sujeitos à mesma pena, numa pretensão de igualitarismo que a própria Constituição repele, sabido como é que o princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da Lei Fundamental, não pode deixar de implicar tratamento diferente ao que é diferente, como o serão, sem dúvida, no caso, pelo menos as condições pessoais, a intensidade do dolo, e todas as circunstâncias legais atendíveis na fixação concreta da pena - art.º 71.º do Código Penal.
Por outro lado, não se vê muito bem onde pretende chegar o recorrente quando afirma que «o artigo 1.º do Código Penal, entendido como sendo suficiente para uma incriminação a indicação vaga da prática de um crime, sem circunstanciar os factos praticados, nomeadamente sem indicar quando, de que modo, e que quantidade de droga teria sido traficada, viola o disposto nos artigos 29.º, 1, e 32.º, 1, da Constituição da República», o que se traduziria em inconstitucionalidade invocada.»
«Quem, sem para tal se encontrar autorizado, cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, oferecer, puser à venda, vender, distribuir, comprar, ceder ou por qualquer outro título receber, proporcionar a outrem, transportar, importar, exportar, fazer transitar ou ilicitamente detiver, fora dos casos previstos no artigo 40º, plantas ou preparações compreendidas nas tabelas I a III, é punido com pena de prisão de 4 a 12 anos», reza o artigo 21.º, n.º 1 do Decreto Lei n.º 15/93, de 22/1, pela qual o recorrente foi incriminado.
Não se enxerga ali qualquer exigência de quantificação da droga a que o preceito se refere, e, muito menos, que tal conduta tenha de confinar-se necessariamente a um determinado âmbito temporal.
Por isso, também, se não vislumbra a reclamada inconstitucionalidade daquele artigo 1.º do Código Penal.
De todo o modo, se ler com atenção a matéria de facto provada, mormente dos n.ºs 58 a 85, o que não lhe faltarão são factos concretos da sua actuação que agora parece ter esquecido.
E se houvesse dúvidas sobre actuações concretizadas, bastava ler o que consta do n.º 94: «O arguido CEMG, negociava com os fornecedores e revendia aos reclusos da Cadeia de Alcoentre os produtos estupefacientes que o arguido FM (...) lhe fazia chegar, obtendo lucros dessa actividade.»
Improcedem assim todas as conclusões do respectivo recurso.

2. Recurso do arguido PRCV
Referindo-se ao recurso deste arguido, conjuntamente com o do arguido PMHC, fundamenta o tribunal recorrido:

«Recorrem os arguidos, concluindo nas suas motivações que os factos praticados e o modo como o foram, demonstram que os recorrentes visaram, tão somente, obter como finalidade exclusiva meio para aquisição de produtos estupefacientes para o seu consumo próprio.
O Tribunal teve como única prova os factos constantes da transcrição das escutas telefónicas, já que toda a prova testemunhal ouvida nada disse ou conhecia acerca dos recorrentes e, de tais transcrições não decorre que os recorrentes tenham praticado os factos que preencham o tipo legal de crime p. e p. pelo art.º 21° do Decreto-Lei 15/93 de 22/01.
A haver crime é o previsto no art.º 26° do Decreto-Lei 15/93, ou, se assim se não entender, o previsto no art.º 25° do mesmo diploma.
E, a haver condenação deve ser aplicada uma pena de multa ou, sendo de prisão, deve ser suspensa a sua execução.
O recorrente PRCV praticou os factos que preenchem o crime quando tinha ainda 20 anos, pelo que lhe deve ser aplicado o Decreto-lei 401/82, de 23/09, sendo a pena especialmente atenuada.

Quanto às questões levantadas referentes à matéria de facto dada como provada se basear, apenas, no conteúdo das escutas telefónicas, e que das mesmas não decorrem factos suficientes para considerar provada tal matéria - a de que os arguidos pretendiam apenas, com os factos que praticaram, obter meios de adquirir produtos estupefacientes para os seu próprio consumo pelo que não deveriam ter sido condenados pela prática do crime p.p. pelo art.º 21° n° 1 do De. Lei 15/93 de 22/1, mas sim pelo crime p.p. pelo art.º 26° ou, quanto muito, pelo crime p.p. pelo art.º 25.° ambos do diploma citado, e assim, nunca deveria ser aplicada aos arguidos pena de prisão efectiva, mas apenas pena de multa, ou penas de prisão cuja execução fosse suspensa, remetemos para o que, a este propósito se desenvolveu no recurso referente ao recorrente NBS e CEMG [11].
No que concerne à medida da pena aplicada, considerando os graus de culpa e ilicitude intensos e o dolo que presidiu à acção, e que as exigências de prevenção geral estão particularmente presentes neste tipo de criminalidade, não pode a mesma ser considerada excessiva.
Efectivamente o facto de os arguidos serem toxicodependente não pode ser usado como circunstância atenuante das suas responsabilidades, pois esse estado de toxicodependência é resultado do cometimento reiterado de infracções criminais (o consumo), revelador de má formação da personalidade.
Tem sido repetidamente afirmado na jurisprudência do Supremo Tribunal que o tráfico de estupefacientes constitui nos nossos dias, em Portugal e em outros países, uma verdadeira praga social que demanda repressão adequada pelos malefícios que desencadeia tanto sobre os consumidores como sobre as comunidades em geral, em especial tratando-se, como aqui se trata, de droga de tão negativo impacto como é a heroína.
Convirá igualmente não esquecer que o ser-se toxicodependente denota até uma certa culpa na formação da personalidade, donde que, indemonstradas coragem de arrepiar caminho ou vontade de cortar com os estupefacientes, deve isso ser encarado não com atenuante mas com factor agravativo (cfr. .a este respeito os Acs. deste STJ de 5.4.95, proc. n.º 47751, de 10.7.96, proc. n.º 475/96 e de 26.9.96, proc. no. 640/96). - Acórdão do S.T.J. de 18/02/99, in C.J. Acs do S.T.J. Ano VII, Tomo I, pág. 220.
Em síntese, não pode proceder o recurso interposto e nenhum reparo se afigura merecer o acórdão impugnado.
Assim, atenta a moldura da pena aplicável ao crime praticado pelos arguidos - pelo menos os 4 a 12 anos de prisão do art.º 21° n° 1 do Dec. lei n° 15/93 de 22/1 - nem é sequer legalmente admissível a substituição da prisão por multa, ou a suspensão da execução da pena.
O arguido PRV, vem criticar a não aplicação do regime - especial para jovens com idade compreendida entre os 16 e 21 anos previsto no DL 401/82 de 23/9, uma vez que, à data do início da prática dos factos tinha 20 anos de idade.
Porém, tal regime não é de aplicação automática.
Efectivamente, prescrevem os artigos 4.º n.º 1 do D.L. n.º 401/82, que a pena deve ser especialmente atenuada "quando o juiz tiver sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado com mais de dezasseis anos e menos de vinte e um anos de idade".
Conforme é orientação uniforme do S.T.J., esta atenuação especial não é de aplicação automática, sendo necessário, para que funcione, que dela resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado. É necessário, pois, existir no processo a demonstração de que, efectivamente, um regime de punição mais atenuado irá propiciar ao jovem o seu afastamento do crime e a sua aceitação pela sociedade; a demonstração de que a benevolência será bem aceite e compreendida por todos face à personalidade do jovem e ao crime cometido. Como se diz no Relatório daquele diploma legal, "...as medidas propostas não afastam a aplicação - em última ratio - da pena de prisão aos imputáveis maiores de dezasseis anos, quando isso torne se necessário para uma adequada e firme defesa da sociedade e prevenção da criminal idade e esse será o caso de a pena a aplicar ser a de prisão superior a dois anos" .
No caso sub judice, essas circunstâncias não só não estão demonstradas mas existem prova do contrário. Efectivamente, o crime imputado ao arguido é de extrema gravidade no domínio jurídico-penal e social estando provado que o recorrente, juntamente com. FAML, e PMHC, forneciam produto estupefaciente ao arguido AFFB (...), que procedia depois à revenda dos mencionados produtos. O recorrente, não obstante ter uma situação profissional regular, procedia à compra, venda e troca de produtos estupefacientes, entre, pelo menos, meados de Junho de 2001 a meados de Outubro do mesmo ano, obtendo lucros dessa actividade.
Assim, quanto à determinação da medida da pena crê-se que o quadro fáctico a ponderar aponta para uma diminuição da culpa relativamente aos restantes co-arguidos, com reflexos naturais na medida da pena mas não ao ponto de justificar uma atenuação especial, sem embargo de, para uma adequada individualização da medida da pena não poder deixar de se considerar a sua actividade profissional regular e inserção familiar, factos aliás, que foram ponderados na pena fixada, mas, como bem se refere na decisão impugnada, não poderá constituir fundamento para branquear a actuação do recorrente nem afastar o juízo de profunda censura que a mesma merece.
Assim, não obstante a idade, tem-se por acertada a decisão do Colectivo em afastar a aplicação do mencionado diploma, já que não se intui haver fortes razões para acreditar que da atenuação especial decorrente da aplicação do citado Dec.-Lei 401/82 (cfr. art.º. 4°) resultem vantagens para a sua reinserção social.»

Também aqui a Relação deu resposta a todas as questões ora reeditadas pelo arguido mas sem que este lhes tenha aditado substância bastante para que o Supremo Tribunal entenda dever alterar o entendimento do tribunal recorrido, de resto devidamente fundamentado quanto a todos aqueles pontos de discordância.
Fundamentos que, no geral, merecem a concordância deste Supremo Tribunal.
Não é preciso dizer mais para concluir pela improcedência das conclusões do recorrente.

3. Recurso do arguido PMHC
Valem para este arguido, sem tirar nem por, as considerações acabadas de tecer a respeito do co-arguido PC.
Improcedem por isso, todas as conclusões da respectiva motivação.

4. Recurso do arguido JJCPL
Resultam das conclusões respectivas, várias questões a apreciar, avultando desde logo, a pretensa nulidade do acórdão recorrido por alegada omissão de pronúncia, mormente quanto ao invocado erro na não aplicação do princípio in dubio pro reo e nulidade do processo por alegada falta de corpo de delito.
Vejamos o que em sede de fundamentação consta do acórdão recorrido sobre o recurso ali levado pelo recorrente:
«Na esteira da argumentação dos recorrentes NMBS e C G, invoca o recorrente o vício do erro notório na apreciação da prova e insuficiência da matéria de facto provada para a decisão, porquanto «o Tribunal recorrido não avaliou devidamente a matéria de facto provada, com vista a operar ou enquadrar, no princípio da culpa e na ideia de Justiça, os comportamentos cuja prática atribui ao arguido. Concluiu pela imputação ao arguido de condutas que lhe não são imputáveis, cujo resultado se não extrai das premissas, constituídas estas pelos factos provados eleitos e deu como assente matéria que não é sustentada pela prova carreada aos autos e deles constante», e ainda que «todo o espectro indiciário que envolve o recorrente, no domínio dos autos, resulta - e tão somente! - de conversas telefónicas fugidias" e "fluidas na perspectiva da aquisição das pequenas quantidades de pastilhas para alimentar o seu consumo, que os próprios investigadores não valorizaram e serviram a estes - o que o processo inequivocamente revela! - para descobrir, perseguir e capturar, alguns dos demais arguidos, sobre os quais incide, substancialmente, a matéria provada e os factos da extensa pronuncia».
Como é sabido a jurisprudência, designadamente a do Supremo Tribunal de Justiça tem considerado que existe insuficiência para a decisão da matéria de facto dada como provada quando os factos provados são insuficientes para justificar a decisão assumida ou quando o tribunal recorrido, podendo fazê-lo, deixou de investigar toda a matéria de facto relevante de tal forma que essa matéria de facto não permite por insuficiência .a aplicação do direito ao caso submetido a apreciação.
Quanto ao erro notório na apreciação da prova desde sempre se vem considerando , que esse vício só ocorre quando o erro é de tal modo manifesto que um homem médio dele se apercebe, ou quando se retira de um facto dado como provado uma conclusão logicamente inaceitável.
Como também é sabido e a própria lei estipula estes vícios hão-de resultar do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência. O que cabe ao tribunal de recurso é a verificação da coerência interna e da concludência da decisão como tem afirmado reiteradamente toda a jurisprudência mormente do STJ e do Tribunal Constitucional (cfr. quanto a este último o Ac. 98.10.13, no DR 11 Série, de 98.11.13).
Ora, no caso presente, não vislumbra qualquer dos vícios invocados pelo recorrente. Os factos provados são mais do que suficientes para permitir a conclusão a que o tribunal chegou sobre, o preenchimento do tipo legal de crime pelo qual o recorrente veio a ser condenado e o invocado erro notório também se não verifica de todo em todo se atendermos quer à matéria de facto dada como provada quer ainda, necessariamente, ao exame crítico da prova que serviu para fundamentar a decisão do tribunal.
Como resulta da fundamentação do acórdão, pese embora os depoimentos prestados em audiência no sentido de que o arguido L, mais do que traficante, era consumidor de produtos estupefacientes, e sem negar essa condição de consumidor, os factos que se retiram das escutas apontam claramente para a sua actividade de comprador/ vendedor de produtos estupefacientes, havendo alusão clara a entregas desses produtos, a pagamentos de preços, a devolução de pastilhas não vendidas e à existência de compradores. Indiscutivelmente, é ele o "elo mais fraco" nesta malha de compradores/ vendedores, verificando-se que, a certa altura, cessam dados que possam apontá-lo como vendedor de produtos estupefacientes, designadamente, "pastilhas", facto a que não e alheio a circunstância de a ausência de meios económicos para pagar a droga o ter impossibilitado de a adquirir e de, consequentemente, a vender.
Quanto ao recorrente, do conteúdo da matéria de facto dada como provada, nomeadamente das escutas telefónicas, não restam dúvidas que este arguido movimentava grandes quantidades de "ecstasy", havendo referências concretas a quantidades e preços, como se constata nomeadamente nos pontos 7 e ss. da matéria de facto provada.
Pretende o recorrente fundamentar o erro notório na apreciação da prova, porque toda a prova que envolve o recorrente ter resultado tão somente de conversas telefónicas.
Tal como defendemos acima, em relação ao recurso do arguido NMBS, o recorrente não têm razão.
As escutas telefónicas, cuja validade não foi posta em causa, previstas no art.º 187° e sgts. do C.P. Penal, são um dos vários meios de obtenção da prova, pelo que deverão ser apreciadas como qualquer outro dos meios de obtenção da prova ali consignados. Aliás, dispõe o art.º 127° do C.P.Penal que aprova, e portanto as escutas telefónicas como qualquer outra, "é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente". Ora, o que se verifica na apreciação das escutas telefónicas efectuadas, é que não resultam quaisquer dúvidas sobre a actuação do arguido em termos de confirmar a prática dos crimes que lhe vinham imputados. Com efeito, não estamos perante conversas isoladas, ou efectuadas num período limitado no tempo, mas sim em conversações telefónicas frequentes e prolongadas por um período de tempo bastante dilatado, vários meses, que se verifica não deixarem quaisquer dúvidas sobre a prática de crimes de tráfico de produtos estupefacientes, por parte do recorrente.
Nestas circunstâncias, a apreciação das escutas telefónicas dos autos, não poderiam conduzir a outra matéria de facto, senão aquela que consta da que foi considerada provada, sendo certo que a decisão foi tomada ao abrigo do princípio da livre apreciação da prova consagrado no art. 127° e fundamentada nos termos exigidos na lei.
Tem o recorrente toda a legitimidade para ter sobre a prova produzida e a sua expressão em factos uma opinião diversa daquela a que chegou o tribunal.
O que não pode é invocar a existência dos vícios mencionados pois eles não se verificam na decisão recorrida nos termos e com a dimensão assinalada.

Quanto à pretensão do recorrente de que os elementos que apodíctica e inabalavelmente constam do processo apontam sempre para a situação de consumidor-dependente do recorrente, para envolvimentos de muito pequena escala, quer em volume de pastilhas, quer pelos meios económicos envolvidos pelo que tais elementos só poderiam configurar a previsão do artigo 26° do DL 15/93, ou na pior das hipóteses, na previsão do artigo 25° do mesmo diploma, diremos apenas que, quanto a todos os arguidos, a matéria de facto indica que, como descrito no ponto 95 da matéria de facto provada, "os mesmos dedicaram-se à venda de produtos estupefacientes, com o propósito de obterem lucros, correspondente à diferença entre valor de compra e valor de venda, o que conseguiram, obtendo cada um deles um ganho de montante não concretamente apurado."
É claro que, perante isto, a hipótese de tráfico-consumo nem sequer se pode colocar, pois nessa hipótese a mira do agente é a de obter produto "exclusivamente" (como refere o art.º 26° citado) para o seu uso pessoal, e não "lucros", que podem ser utilizados das mais diversas maneiras.
Quanto ao tráfico de menor gravidade, e como acima já referimos, o que afasta de imediato a sua eventual aplicação, não só quanto ao recorrente como a qualquer um dos arguidos, é o facto de se estar, em relação a todos os arguidos, perante actos reiterados por um largo espaço de tempo, perante movimentação de quantias elevadas e de ser o lucro o motor das suas actuações, o que manifestamente impede a admissão da possibilidade de a ilicitude dos factos que praticaram ser considerada diminuída, e muito menos "consideravelmente diminuída", como exige o normativo em questão.
Pelo que, atenta a moldura da pena aplicável ao crime praticado pelo recorrente (4 a 12 anos de prisão do art.° 21.º n° 1 do Dec. lei n° 15/93 de 22/1), nem é sequer legalmente admissível a substituição da prisão por multa, ou a suspensão da execução da pena.
Quanto à pena concretamente aplicada, recorde-se que a medida abstracta da pena aplicável pelo crime de tráfico de estupefaciente é a de 4 a 12 anos de prisão.
Ora, o recorrente foi condenado numa pena mínima dos 4 anos de prisão e isto porque se ponderou que o recorrente seria o "elo mais fraco" na malha de compradores/ vendedores, desenvolve actividade profissional regular e mostra-se inserido familiarmente.
Tendo, pois, em vista a factualidade apurada, sem perder de vista o bem jurídico ofendido nos crimes da natureza do dos autos, somos de parecer que a pena encontrada para punir a conduta do arguido não ultrapassou a medida da sua culpa e também não extravasou dos limites dentro dos quais a justiça relativa tinha de ser procurada, mostrando-se equilibrada, justa, proporcional, razoável, mesmo branda, e não deixa ficar comprometida a crença da comunidade na validade da norma incriminadora violada.
Não se mostram, portanto, violados os arts. 71.º, do C.Penal e está, de todo em todo, excluída a possibilidade de se conceder a impetrada suspensão da execução de pena, dado que, atenta a moldura da pena aplicável ao crime praticado pelo arguido, (pelo menos os 4 a 12 anos de prisão do art.° 21.º n° 1 do Dec. lei n° 15/93 de 22/1), nem é sequer legalmente admissível a substituição da prisão por multa, ou a suspensão da execução da pena.(...)».

Por uma questão de sequência lógica, há que indagar do alegado vício de omissão de pronúncia, já que condicionante do conhecimento das demais questões.
Em abono da verdade, deve dizer-se que quanto a tal aspecto, o aresto recorrido não será um modelo de escola, já que, confrontado com a invocação explícita das aludidas questões, era seu dever, como resulta, nomeadamente, das disposições conjugadas dos artigos 374.º, n.º 2, e 379.º, n.º 1, c), do Código de Processo Penal, dar-lhe correspondente visibilidade no tratamento.
Mas como tem sido jurisprudência há muito tornada pacífica neste Supremo Tribunal, só a total ausência de fundamentação constitui a apontada nulidade. (12)
Ora, no caso, sendo embora parcimoniosa, quase ao limite, não pode dizer-se que falhe por completo a fundamentação quanto a tais questões.
Por um lado, embora sem menção formal ao princípio in dubio, lá está afirmado, «preto no branco» que «no caso presente, não vislumbra qualquer dos vícios invocados pelo recorrente. Os factos provados são mais do que suficientes para permitir a conclusão a que o tribunal chegou (13) sobre, o preenchimento do tipo legal de crime pelo qual o recorrente veio a ser condenado e o invocado erro notório também se não verifica de todo em todo se atendermos quer à matéria de facto dada como provada quer ainda, necessariamente, ao exame crítico da prova que serviu para fundamentar a decisão do tribunal.»
E se esses factos são «mais que suficientes» para fundar a conclusão - positiva - do tribunal quanto à responsabilização penal do recorrente nos termos em que foi feita, então, não tem sentido falar-se em dúvida ou no princípio in dubio, já que, claramente, ante a suficiência dos factos para aquela conclusão, está forçosamente arredada a existência da dúvida que, na ausência daquela, haveria de favorecer o arguido em sede de apreciação da prova.
Tanto mais que, segundo ainda o acórdão recorrido «o que se verifica na apreciação das escutas telefónicas efectuadas, é que não resultam quaisquer dúvidas (14) sobre a actuação do arguido em termos de confirmar a prática dos crimes que lhe vinham imputados. Com efeito, não estamos perante conversas isoladas, ou efectuadas num período limitado no tempo, mas sim em conversações telefónicas frequentes e prolongadas por um período de tempo bastante dilatado, vários meses, que se verifica não deixarem quaisquer dúvidas sobre a prática de crimes de tráfico de produtos estupefacientes, por parte do recorrente.
Nestas circunstâncias, a apreciação das escutas telefónicas dos autos, não poderiam conduzir a outra matéria de facto, senão aquela que consta da que foi considerada provada, sendo certo que a decisão foi tomada ao abrigo do princípio da livre apreciação da prova consagrado no art. 127.° e fundamentada nos termos exigidos na lei.»
Improcede, pois, este segmento da arguição de nulidade mencionada.
E o mesmo se diga, quanto à alegada omissão de pronúncia quanto à pretensa nulidade por falta de corpo de delito.
Corpo de delito, é como se sabe, o facto material em que se baseia a prova de um crime.
Mas, se assim, a existência daquela prova - escutas telefónicas - tida por inultrapassável e decisiva para conduzir à conclusão da prática do crime, aliada à existência de factos tidos por «mais que suficientes» para alicerçar essa conclusão implicam, necessariamente, que se tem como muito afastada do horizonte processual aquela alegada falta de corpo de delito.
Tanto mais que, voltando à sentença da 1.ª instância, lá se encontra material bastante para ter como afirmação, pelo menos pouco consistente, aquela da falta de corpo de delito, face à panóplia de meios de prova em que aquele tribunal firmou a sua convicção, tal como de resto já consta do relato que antecede:

«O tribunal fundamentou a sua convicção nos seguintes meios de prova:
e) Pericial: auto de exame de fls. 384 (telemóvel e carregador apreendidos ao arguido C);auto de exame de fls. 625 (telemóveis apreendidos); relatório de fls. 717 a 718; relatório de fls. 729; autos de exame de fls. 733 e 734; auto de avaliação de fls. 740; relatório de fls. 763; auto de exame de fls. 791; relatório de fls. 808; relatório de fls. 1068 a 1069; relatório de fls. 1099;
f) Documental:
- transcrição das escutas telefónicas efectuadas ao telemóvel n.º 917265700 do arguido JL, interceptado a 18/12/2000, com acesso ao registo de chamadas feitas e recebidas (trace-Back), com o código 8976- fls. 108 a 130; fls. 596 a 612: entre 8/4/2001 e 25/5/2001;
- Documentos de fls. 142 , 153, 199, 201, 203, 205, 207, 239, 241, 243, 316, 318, 320, 322, 395, 397, 399, 401, 403, 405, 457, 459, 461, 721, 723, 725,
- Fotografias de fls. 109 a 111, obtidas junto ao "..." de Rio Maior;
- Auto de apreensão de fls. 214 (heroína deixada no chafariz, em Alcoentre);
- Fotografias de fls. 216 a 218: heroína apreendida e maço de tabaco onde estava acondicionada;
- Fotografias de fls. 220 a 223: arguido LF a recolher o maço de tabaco que devia conter a heroína junto ao chafariz onde na véspera fora deixada pelo arguido FM;
- Fls. 246 e 247: identificação completa do veículo BI, Peugeot 106, e identificação do respectivo proprietário (arguido NB) no qual, no dia 19/7/2001, o arguido FM se deslocou a Lisboa;
- Transcrição das escutas telefónicas efectuadas ao telemóvel n.º 965882455 (código 11377) do arguido FM, entre o período de 25/6/2001 e 10/7/2001, com acesso ao registo das chamadas feitas e recebidas- fls. 253 a 308; entre o período de 17/10/2001 e 18/10/2001: fls. 613 a 620;
- Termo de entrega de fls. 326: telemóvel apreendido no estabelecimento prisional de Alcoentre ao arguido C;
- Auto de apreensão de fls. 327, referente ao mesmo telemóvel;
- Auto de apreensão de fls. 406- haxixe e telemóvel apreendidos ao arguido NB;
- Auto de apreensão de fls. 408- Veículo Alfa Romeo, matrícula ...-FE, em poder do arguido NB;
- Auto de apreensão de fls. 411 e fls. 412 a 415: dinheiro e papeis apreendidos ao arguido NB;
- Fls. 430: auto de leitura da memória do telemóvel apreendido ao arguido NB;
- Transcrição das escutas telefónicas efectuadas ao telemóvel do arguido FM (n.º 965882455)- código 11377-, com acesso ao registo de chamadas efectuadas e recebidas, no período compreendido entre 10/7/2001 e 23/8/2001: fls. 465 a 479; entre 26/9/2001 e 15/10/2001: fls. 871 a 874; (n.º 967773517), entre 26/9/2001 e 15/10/2001: fls. 875 a 885;
- Transcrição das escutas telefónicas efectuadas ao telemóvel utilizado pelo arguido C G (n.º 963467879)- código 11788-, com acesso ao registo de chamadas efectuadas e recebidas, a 24/7/2001: fls. 480 a 483; (n.º 967104553), entre 26/9/2001 e 18/10/2001: fls. 886 a 905;
- Transcrição das escutas telefónicas efectuadas ao telemóvel do arguido PC (n.º 969609278)- código 11376-, com acesso ao registo de chamadas efectuadas e recebidas, entre 26/6/2001 e 11/7/2001: fls. 484 a 495; entre 27/9/2001 e 21/10/2001: fls. 854 a 870;
- Transcrição das escutas telefónicas efectuadas ao telemóvel do arguido AFB (n.º 934577389)- código 10548-, com acesso ao registo de chamadas efectuadas e recebidas, entre 30/4/2001 a 7/6/2001: fls. 496 a 500; (n.º 963569181) entre 27/9/2001 e 21/10/2001: fls. 913 a 918; (n.º 919652124), dia 2/10/2001: fls. 919 a 921;
- Transcrição das escutas telefónicas efectuadas ao telemóvel do arguido PC ( n.º 914849377)- código 11379-, com acesso ao registo de chamadas efectuadas e recebidas, entre 1/7/2001 e 14/7/2001: fls. 501 a 511;
- Auto de revista e apreensão de fls. 512 e documentos de fls. 513 a 515, apreendidos ao arguido FM;
- Autos de apreensão de fls. 516 e 520: haxixe e spray apreendidos ao arguido FM e documentos de fls. 522 a 546;
- Documento de fls. 548: inquérito feito ao arguido FM para assinar contrato para trabalhar na Holanda;
- Autos de leitura de memória do telemóvel do arguido FM: fls. 549 a 546;
- Auto de apreensão de fls. 626- telemóvel do arguido C e documentos de fls. 629 a 631, em poder do mesmo;
- Auto de apreensão de fls. 636- telemóvel do arguido PC e documentos de fls. 639 a 656, em poder do mesmo;
- Autos de leitura de memória de telemóvel de fls. 661-662, 663-664;
- Auto de apreensão de fls. 665: pastilhas ecstasy, haxixe, dinheiro, objectos e papeis (fls. 668 a 674), apreendidos ao arguido AFB;
- Documentos de fls. 742 a 744;
- Auto de apreensão de fls. 790: telemóvel apreendido na casa de banho do Estabelecimento Prisional de Alcoentre;
- Documentos de fls. 813 a 821;
- Transcrição das escutas telefónicas efectuadas ao telemóvel do arguido NB (n.º 965275410), com registo de chamadas efectuadas e recebidas, entre 29/9/2001 e 8/10/2001: fls. 906 a 912;
- Cópia da sentença de fls. 1006 a 1019;
- Certidão de fls. 1152 a 1161 e de fls. 1169 a 1176;
- Documentos de fls. 1626 a 1636, de fls. 1777 a 1779;
- Relatórios sociais e certificados de registo criminal juntos aos autos;
g) declarações dos arguidos:
- do arguido NB: que em audiência declarou que o telemóvel, cujo número consta da transcrição das escutas como sendo seu, lhe pertence, o qual lhe foi apreendido, confirmando estar em seu poder o haxixe apreendido, referindo que o mesmo, pelo qual deu à volta de 1.000.000$00 era para si e para doze amigos seus, os quais se recusa a identificar, dizendo que a sua parte eram 250 gramas, tendo sido confrontado, face às evidentes contradições entre ambas, com as declarações prestadas em sede de primeiro interrogatório judicial de detido (fls. 444-445), tendo sido lidas, a sua solicitação as declarações que prestou a fls. 1198 a 1200;
- AFB, que reconhece haver quem o trate por "..", que os telemóveis que lhe foram apreendidos eram seus, tal como as pastilhas que lhe foram apreendidas; refere que consumia haxixe e ecstasy nas festas Rave que frequentava e das quais conhecia alguns dos arguidos. Nunca consumiu, comprou ou vendeu ácidos, comprando apenas haxixe e ecstasy para seu consumo (10 a 15 pastilhas em cada festa, por cerca de 10.000$00). Refere que não sabia a quantidade de "pastilhas" que tinha em casa, mas que eram sobras do seu consumo, referindo que o dinheiro apreendido era dos pais, embora estivesse no seu quarto. Foi confrontado, face à discrepância detectada, com as sua declarações de fls. 687 a 689, e 682, afirmando que estava nervoso quando as prestou; continuando a afirmar que as "pastilhas" eram para seu consumo, que consumia tudo, admite que nalguma festa podia ter cedido alguma coisa, mas sem intenção de ganhar dinheiro;
- C G, que refere que conhecia o FA, com quem falava por telefone, uma vez por mês ou de dois em dois meses, do que se passava cá fora, sem assuntos de drogas, através de telemóvel que foi apreendido e que era seu e de outros companheiros, referendo ter conhecido o arguido Figueiredo depois dos factos, quando foram na mesma carrinha para Lisboa, sustentando que nada tem a ver com os factos que lhe são imputados e que não sabe quem é o ...;
- LF, afirma nada ter a ver com os factos de que é acusado, nunca falou com o C, a quem inadvertidamente trata por ..., reconhecendo-se nas fotografias de fls. 220-223, afirmando estar a beber água no chafariz;
- FM, que refere que o NMBS nunca o acompanhou a Carnaxide, conhecendo o ... (C) e o F, recusando-se a prestar mais declarações;
- PRV, reconhecendo que há quem lhe chame "...", refere que comprava pastilhas, ácidos e haxixe para seu consumo, que comprava nas festas (10 a 20 pastilhas e ácidos), no que gastava entre 10 a 20.000$00 (referindo que ganhava cerca de 90.000$00 por mês), esclarecendo que eram seus os telemóveis que lhe foram apreendidos e cujos números sãos os constantes da pronúncia; admite que conhecia, pelo menos, o arguido PC (seu primo), a quem tratam por ..., o FM, o L, o Nuno (de o ver no "Daiquiri);
- PC, conhecido por ..., como reconhece, desde os 12 anos, sendo seu o telemóvel que lhe foi apreendido. Diz que consumiu drogas dos 22 aos 23 anos, frequentando festas de norte a sul do país. Conhece o V, o L, o "...". O ..., de ter visto uma ou duas vezes. Sobre o teor das conversas telefónicas transcritas, mantidas por si, diz não se recordar;
- JL, que afirma consumir ecstasy, há 3 ou 4 anos, chegando a consumir por noite cerca de 10.000$00 desse produto, tendo deixado de consumir desde Outubro e deixado de por música desde o final do ano de 2001; que se lembre, nunca comprou aos restantes arguidos; confrontado com o teor da conversa de fls. 598, admite que estivesse a falar de pastilhas; o telemóvel apreendido era seu: tinha-o há 8 anos;
h) Testemunhal: depoimento das seguintes testemunhas, que mereceram credibilidade
- MLCL, AARG, RPSS, MFSB e VMA, todos inspectores da PJ, que colaboraram na investigação dos factos, relatando, cada um deles, as várias intervenções que, nessa função, tiveram, as diligências em que participaram e os factos que puderam apurar;
- LMPM, inspector da PJ, que instruiu a investigação, participando, com colegas seus, directamente em várias diligências investigatórios, tendo sido ele quem procedeu à transcrição das escutas telefónicas, que, de forma detalhada, exaustiva e com grande rigor descreveu os factos que pôde apreender no decurso dessa investigação, relativamente a cada arguido, descodificando algumas expressões constantes das transcrições das escutas;
- CJBS, PMF e FCS, respectivamente, irmão, companheira e pai do arguido NB, que depuseram acerca das condições pessoais deste;
- AFB e AMFB, irmãos do arguido AFFB, que depuseram acerca da personalidade e modo de vida deste;
- JPCF, pai do arguido PC, e GAC, amigo dos pais deste arguido, a quem conhece há cerca de 12 anos, MHCS, tia do arguido V, que depuseram acerca das suas condições pessoais deste;
- JCC, pai do arguido PC, JSM, que conhece o arguido desde a infância de ambos, trabalhando juntos durante 4 anos, que depuseram acerca das condições pessoais deste arguido.»

Embora - repete-se- fosse dever do tribunal recorrido pronunciar-se explicitamente sobre esses pontos da impugnação do recorrente, sendo esta uma deficiência técnica que não deve ser porfiada, até porque implica trabalhos escusadamente dobrados em sede de recurso como agora aqui se comprova, o exposto mostra que tal obrigação resultou sofrivelmente cumprida.
Improcedendo, pois esta objecção preliminar ao acórdão recorrido, que importaria a sua nulidade, importa, prosseguir no conhecimento do recurso.

Um dos maiores «cavalos de batalha» do recorrente assenta no ataque à matéria de facto apurada a que continua a apontar os vícios de insuficiência e de erro notório.
Neste capítulo, há que dizê-lo já, o Supremo Tribunal de Justiça, tem capacidade de intervenção assaz limitada.
Com efeito (15), em regra, «o recurso da decisão proferida por tribunal de 1.ª instância interpõe-se para a relação» (art. 427.º do Código de Processo Penal).
E só excepcionalmente (16) - em caso «de acórdãos finais proferidos pelo tribunal colectivo, visando exclusivamente o reexame de matéria de direito» - é que é possível recorrer directamente para o STJ (art.s 432.º, d), e 434.º).
Ora, como resulta do exposto, os actuais recursos - provenientes da Relação (e não, directamente, do tribunal colectivo) - visam, ao menos incidentalmente, reexame de matéria de facto
De qualquer modo, não visam, exclusivamente, o reexame da matéria de direito (art.º 434.º do CPP).
Aliás, o reexame pelo Supremo Tribunal exige a prévia definição (pela Relação) dos factos provados.
E, no caso, a Relação manteve-os, definitivamente, no rol dos «factos provados».
De resto, a revista alargada prevista no art. 410.º, n.ºs 2, e 3 do Código de Processo Penal, pressupunha (e era essa a filosofia original, quanto a recursos, do Código de Processo Penal de 1987) um único grau de recurso (do júri e do tribunal colectivo para o STJ e do tribunal singular para a Relação) e destinava-se a suavizar, quando a lei restringisse a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito (o recurso dos acórdãos finais do júri ou do colectivo; e o recurso, havendo renúncia ao recurso em matéria de facto, das sentenças do próprio tribunal singular), a não impugnabilidade (directa) da matéria de facto (ou dos aspectos de direito instrumentais desta, designadamente «a inobservância de requisito cominado sob pena de nulidade que não devesse considerar-se sanada»).
Essa revista alargada para o Supremo deixou, por isso, de fazer sentido - em caso de prévio recurso para a Relação - quando, a partir da reforma processual de 1998 (Lei 59/98), os acórdãos finais do tribunal colectivo passaram a ser susceptíveis de impugnação, «de facto e de direito», perante a Relação (art.s 427.º e 428.º n.º 1).
Actualmente, com efeito, quem pretenda impugnar um acórdão final do tribunal colectivo, de duas uma: - se visar exclusivamente o reexame da matéria de direito (art. 432.º d), dirige o recurso directamente ao Supremo Tribunal de Justiça (17-18) - ou, se não visar exclusivamente o reexame da matéria de direito, dirige-o, «de facto e de direito», à Relação (19), caso em que da decisão desta, se não for «irrecorrível nos termos do art. 400.º», poderá depois recorrer para o STJ (art.º 432.º b).
Só que, nesta hipótese, o recurso - agora, puramente, de revista - terá que visar exclusivamente o reexame da decisão recorrida (a da Relação) em matéria de direito (com exclusão, por isso, dos eventuais vícios, processuais ou de facto, do julgamento de 1.ª instância), embora se admita que, para evitar que a decisão de direito se apoie em matéria de facto ostensivamente insuficiente, fundada em erro de apreciação ou assente em premissas contraditórias detectadas por iniciativa do Supremo para além do que tenha de aceitar-se já decidido definitivamente pela Relação, em último recurso, aquele se abstenha de conhecer do fundo da causa e ordene o reenvio nos termos processualmente estabelecidos.
E é só aqui - com este âmbito restrito - que o Supremo Tribunal de Justiça pode ter de avaliar da subsistência dos aludidos vícios da matéria de facto.
O que significa que está fora do âmbito legal do recurso a reedição dos vícios apontados à decisão de facto da 1.ª instância, em tudo o que foi objecto de conhecimento pela Relação.
Pois bem.
Como resulta das conclusões respectivas, o recorrente insurge-se contra a não inclusão no elenco dos factos, nomeadamente das quantidades de droga por si destinadas a tráfico e a consumo respectivamente.
Para além do que se disse supra a outro propósito quanto à desnecessidade de quantificação da droga para efeitos de incriminação e também sem necessidade de agora tomar posição sobre se tal alegada ausência de indagação configurará uma verdadeira insuficiência de factos, ou antes, uma eventual omissão de diligências a que se reporta o artigo 120.º n.º 1, d), do Código de Processo Penal, o certo é que a Relação já decidiu a questão nos termos que lhe forma propostos e ora reeditados como vícios da matéria de facto sendo certo que para além do já exposto, ao tribunal de revista não cumpre ir mais além nessa apreciação.
Tanto mais que, lido o texto do acórdão recorrido - o da Relação - nele não vislumbra o Supremo Tribunal de Justiça nenhum dos apontados vícios da matéria de facto - art.º 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.
Não deixará contudo de abordar-se a questão da violação do princípio in dubio pro reo assim como o da livre apreciação das provas, a que o recorrente faz alusão expressa nas suas conclusões motivantes.
Depois de muitas reservas patenteadas por adversa jurisprudência quanto à competência do Supremo Tribunal de Justiça para conhecer deste aspecto do recurso, a jurisprudência mais recente tem dado acolhimento ao conhecimento possível deste aspecto da decisão.
Assim sendo, importa continuar. (20)
Para tanto há que tentar encontrar alguma definição do princípio in dubio pro reo e estabelecer alguma ligação com o princípio que processualmente por ele é complementado: a livre apreciação da prova.
A dificuldade e delicadeza da questão implica que deitemos mão de uma mais alongada excursão teórica.
Apesar de praticamente inoperante ao longo de vários séculos da história processual penal, a solução «pro reo» dos casos de dúvida ou empate judicial apresenta-se como uma quase constante teórica do património cultural da humanidade.
A ideia segundo a qual é preferível absolver um culpado a condenar um inocente aparece, com estas mesmas palavras em inúmeros documentos do pensamento filosófico e jurídico.
Mas o que deve entender-se por dúvida insanável a motivar uma decisão «pro reo»?
Não é, naturalmente, qualquer dúvida sobre os factos que autoriza sem mais uma solução favorável ao arguido.
Refere-se a doutrina à dúvida razoável - «a doubt for which reasons can be given».
A velha teologia moral distinguia - ao tratar de saber se era ou não lícito actuar com consciência duvidosa - entre dúvida positiva e a dúvida negativa, sendo a primeira «a que se apoia em fortes argumentos» e a segunda «a que se funda sobre um motivo leve ou insuficiente». Só seria lícito actuar com consciência positivamente duvidosa. A dúvida negativa, segundo um antiga adágio, há-de desprezar-se, pela irracionalidade e por não ilidir a certeza contrária. Explicavam os moralistas que nos actos humanos nunca se dá uma certeza contra a qual não militem alguns motivos de dúvida. Pedir uma certeza absoluta para orientar a actuação, seria, por conseguinte, o mesmo que exigir o impossível e, em termos práticos, paralisar as decisões morais.
Mutatis mutandis, poder-se-ia dizer que a dúvida que há-de levar o tribunal a decidir «pro reo», tem de ser uma dúvida positiva, uma dúvida racional que ilida a certeza contrária. Por outras palavras ainda, uma dúvida que impeça a convicção do tribunal. A relação «in dubio pro reo»/prova livre começa deste modo a desenhar-se.
E uma tal definição suficiente da dúvida que acciona o princípio supõe um entendimento objectivo da livre apreciação da prova.
Enquanto se não afastar a compreensão do livre convencimento do juiz como sinónimo se uma liberdade sem freio, de um respeito (jurídico-culturalmente anacrónico) por uma decisão de consciência infranqueável, a fronteira da dúvida oscilará sem critério, carecerá daquele mínimo de objectividade necessário para que o princípio que se propõe resolvê-lo possa considerar-se, com rigor, uma regra de direito.
A uma convicção subjectiva corresponderá sempre uma dúvida subjectiva.
Só a uma convicção objectivável e motivável terá de corresponder a uma dúvida também ela objectivável e motivável. Mais concretamente: ao pedir-se ao juiz, para a prova dos factos, uma convicção objectivável e motivável está-se a impedi-lo de decidir quando não tenha chegado a esse convencimento; ou seja: quando possa objectivar e motivar uma dúvida.
Espera-se deste modo, que a decisão convença. Convença o juiz, no seu íntimo, mas contenha em si igualmente a virtualidade de convencer o arguido e, nele, a inteira comunidade jurídica. Esta aspira a reconhecer na sentença a marca do socialmente considerado (sem manipulações) justo; mas já não crê que essa solução brote - à maneira setecentista - de uma radical sinceridade do julgador (ou do encontro de subjectividades, quando de um júri se tratar). Confia agora na razoabilidade mesma da decisão, na limpeza da argumentação, que conduz ao veredicto final. Confia nos mecanismos de recurso, que supõem e exigem que se fale a mesma linguagem, que a uma razão se possa contrapor outra. Olha menos para a irrepetível singularidade do juiz da causa - não importa tanto saber se aquela concreta pessoa teve ou não dúvida sobre o facto - do que para a ciência e discernimento que deve possuir em comum com qualquer outro julgador e o há-de levar, portanto, a uma avaliação da prova admissível por todos (ao menos no seu conteúdo essencial). Um «juiz médio» (neste sentido) ter-se-ia convencido da veracidade daquele testemunho, da autenticidade daquele documento, da espontaneidade daquela confissão? Ou, pelo contrário, não poderia deixar de duvidar, com razoabilidade, da ocorrência de determinado facto perante a prova produzida?
O princípio da livre apreciação da prova, entendido como esforço para alcançar a verdade material, como tensão de objectividade, encontra assim no «in dubio pro reo» o seu limite normativo: ao mesmo tempo que transmite carácter objectivo à dúvida que acciona este último.
Livre convicção e dúvida que impede a formação são a face e contra-face de uma mesma intenção: a de imprimir a marca da razoabilidade ou da racionalidade objectiva."
E, prossegue a autora:
"Ao ordenar que a dúvida seja resolvida a favor do réu, o princípio que analisamos funciona também como complemento irrenunciável do princípio da prova livre.
O facto de existir uma orientação vinculativa para os casos duvidosos limita a liberdade de apreciação do juiz. Impede-o de decidir com o seu critério pelo menos uma parte do objecto da prova: os factos duvidosos desfavoráveis ao arguido.
O universo fáctico - de acordo com o «pro reo» - passa a compor-se de dois hemisférios que receberão tratamento distinto no momento da emissão do juízo: o dos factos favoráveis ao arguido e o dos que lhe são desfavoráveis. Diz o princípio que os primeiros devem dar-se como provados desde que certos ou duvidosos, ao passo que para prova dos segundos se exige certeza.
Sem esta opção, o princípio da prova livre poderia desembocar num impasse, uma vez que, recorrendo a ele, os factos apenas se podem classificar em certos e duvidosos. O que o princípio ordena ao juiz é que decida sobra toda a matéria que não se veja afectada pela dúvida; (daí resultará o assentar de factos favoráveis e desfavoráveis ao arguido que terão, muito embora, em comum a característica fundamental de serem factos sobre os quais há certeza). Todavia, quanto aos factos duvidosos, o princípio da livre convicção não fornece, não pode fornecer, qualquer critério decisório. A sua formulação - a linguagem, poder-se-ia dizer, que utiliza - não permite entrar no conteúdo dos factos, nomeadamente no seu carácter favorável ou desfavorável. A regra da prova livre tem como último horizonte a verdade histórica ou material. Detém-se, por isso mesmo, aí onde essa verdade se revelar impossível de alcançar (em tempo oportuno, ao menos) dentro do processo.
A condição da possibilidade de uma decisão sobre factos duvidosos está na afirmação de um princípio diferente, que mergulhe as suas raízes num terreno aberto a outro tipo de critérios, que forneça a chave valorativa, qualquer que ela seja. É neste ponto, proporcionando o remate da prova, que intervém o «in dubio pro reo»."
Já o Prof. Figueiredo Dias (21) ensina sobre o entendimento do princípio processual da livre apreciação da prova e valoração desta segundo a livre convicção do juiz:
"Uma coisa é desde logo certa: o princípio não pode de modo algum querer apontar para uma apreciação imotivável e incontrolável - e portanto arbitrária - da prova produzida.
Se a apreciação da prova é, na verdade, discricionária, tem evidentemente esta discricionaridade (...) os seus limites que não podem ser licitamente ultrapassados: a liberdade de apreciação da provas é, no fundo, uma liberdade de acordo com um dever - o dever de perseguir a chamada "verdade material" - de tal sorte que a apreciação há-de ser, em concreto, recondutível a critérios objectivos e, portanto, em geral susceptível de motivação e controlo (possa embora a lei renunciar à motivação e ao controlo efectivos).
(...) Do mesmo modo, a "livre" ou "íntima" convicção do juiz, de que se fala a este propósito, não poderá ser uma convicção puramente subjectiva, emocional e portanto imotivável. Certo que, (...) a verdade "material" que se busca em processo penal não é o conhecimento ou apreensão absolutos de um acontecimento, que todos sabem escapar à capacidade de conhecimento humano; tanto mais que aqui intervêm, irremediavelmente, inúmeras fontes de possível erro, quer porque se trata do conhecimento de acontecimentos passados, quer porque o juiz terá as mais das vezes de lançar mão de meios de prova que, por sua natureza - e é o que se passa sobretudo com a prova testemunhal -, se revelam particularmente falíveis.
Mas nem por isso, repete-se, ficará em aberto o caminho da pura convicção subjectiva. Se a verdade que se procura é, já o dissemos, uma verdade prático-jurídica, e se, por outro lado, uma das funções primaciais de toda a sentença (maxime da penal) é a de convencer os interessados do bom fundamento da decisão, a convicção do juiz há-de ser, é certo, uma convicção pessoal - até porque nela desempenha um papel de relevo não só a actividade puramente cognitiva, mas também elementos racionalmente não explicáveis (v.g., a credibilidade que se concede a um certo meio de prova) e mesmo puramente emocionais -, mas, em todo o caso, também ela uma convicção objectivável e motivável, portanto capaz de impor-se aos outros.
Uma tal convicção existirá quando e só quando - parece-nos este um critério prático adequado, de que se tem servido com êxito a jurisprudência anglo-americana - o tribunal tenha logrado convencer-se da verdade dos factos para além de toda a dúvida razoável. Não se tratará pois, na "convicção", de uma mera opção "voluntarista" pela certeza de um facto e contra a dúvida, ou operada em virtude da alta verosimilhança ou probabilidade do facto, mas sim de um processo que só se completará quando o tribunal, por uma via racionalizável ao menos a posteriori, tenha logrado afastar qualquer dúvida para a que pudessem ser dadas razões, por pouco verosímil ou provável que ela se apresentasse.
As considerações feitas dão fundamento à exigência de que as comprovações judiciais sejam sempre motiváveis, exigência que decorre expressamente dos artigos 365.º, n.º 3, e 374.º, n.º 2."

Feito este já longo, mas necessário percurso doutrinal, é altura de descermos ao caso concreto que nos ocupa.
E aqui cumpre, naturalmente, lembrar que, na fundamentação do acórdão recorrido, a convicção, dentro de alguma margem de arbítrio que esta opção sempre tem de acarretar, assentou em elementos objectivos inequívocos -as provas enunciadas como fundamento da decisão - acompanhados da devida motivação quanto ao valor dado a cada uma delas, mormente as escutas telefónicas, cuja valia não foi posta em causa, e, assim, compreensivelmente, tidas por decisivas.
Ficou, pois, escancarada a via racional seguida pelo tribunal para atingir a conclusão a que chegou, sem que, de modo algum, possa defender-se que, perante os dados objectivos em que assenta o decidido, o processo devesse ter conduzido à dúvida em vez da convicta certeza processual a que aportou.
Ou, sequer, que foi violado por excesso, o princípio da livre convicção do tribunal.
E não podendo o Supremo ir mais longe nesta sindicância sobre estes aspectos da valoração da produzida, outra solução não resta que negar provimento a tal aspecto da impugnação recursiva, nomeadamente por não haver violação alguma do disposto nos artigos 127.º, 340.º e 410.º do Código de Processo Penal, assim como do princípio constitucional ínsito no artigo 29.º, n.º 1, da Constituição da República.
Nem se mostram violadas as demais normas indicadas naquelas conclusões, mormente as respeitantes à incriminação e correspondente medida da pena, sendo aqui acolhida a motivação a propósito produzida no acórdão recorrido, que se mostra pertinente.
É impressiva, neste aspecto esta passagem do acórdão de 1.ª instância:
«Pese embora os depoimentos prestados em audiência no sentido de que o arguido L, mais do que traficante, era consumidor de produtos estupefacientes, e sem negar essa condição de consumidor, os factos que se retiram das escutas apontam claramente para a sua actividade de comprador/vendedor de produtos estupefacientes, havendo alusão clara a entregas desses produtos, a pagamentos de preços, a devolução de pastilhas não vendidas e à existência de compradores (...) ».
Improcedem assim as conclusões da motivação do recorrente.
Honorários de tabela pela defesa oficiosa.
3. São termos em que, negando provimento a todos os recursos, confirmam a decisão recorrida.
Cada um dos recorrentes - sem prejuízo do apoio judiciário do que deles beneficia - pagará taxa de justiça que se fixa em 8 Uc.

Supremo Tribunal de Justiça, 16 de Outubro 2003
Pereira Madeira (relator)
Simas Santos
Santos Carvalho
Costa Mortágua
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(1) - Com texto integral em www.verbojuridico.net
(2) - Cfr. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, 2.ª edição Verbo, 2000, págs. 322.
(3) - No verdadeiro sentido do termo porque na realidade estabelece uma excepção ao falado princípio geral da admissibilidade dos recursos.
(4) - Publicado no Boletim do Ministério da Justiça, n.º 263, págs. 103,
(5) - Ob. cit. págs. 325.
(6) - Para mais nos casos de maior gravidade «abstracta», ou seja nos crimes a que corresponde pena de máximo aplicável superior a oito anos de prisão.
(7) - Como acontece no caso dos autos.
(8) - Porque eficaz apenas contra o arguido.
(9) - E não é seguro que tal se possa afirmar, ante a evidente superioridade de meios processuais que o MP dispõe, em geral, no processo penal, quando confrontado com a situação do arguido.
(10) - [Defende o recorrente que a pena deveria ser inferior à que lhe foi aplicada, uma vez que não se considerou minimamente uma atenuação pelo grau da culpa aplicando-se o art. 25°, al. a) ambos do DL 15/93 de 22 de Janeiro assim como os art. 1°, n.º l, art. 10.º, n.º 1, art. 11°, art. 13° 14 n.º l e art. 19° todos do C. Penal, além de que não considerou nem sequer equacionou a suspensão da pena.
Como é sabido o artigo citado é normalmente considerado como prevendo um tipo de crime privilegiado relativamente ao art. 21° do mesmo diploma levando em conta para o efeito a menor ilicitude do facto que, por conseguinte, há-de ser significativamente inferior do que a pressuposta neste. Para aferir dessa menor ilicitude deve o julgador avaliar de uma forma global e complexiva as concretas circunstâncias que resultem dos factos apurados e que são não só as enumeradas no dito art. 25°, a saber, os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção, a qualidade ou a quantidade dos estupefacientes, como ainda quaisquer outras que o tribunal fundadamente repute de relevantes para suportar a conclusão sobre essa diminuição da ilicitude.
Em última análise, terá sido intenção do legislador estabelecer uma certa destrinça entre tipos de traficantes, como parece resultar do conjunto das regras incriminadoras que se estende, para lá das mencionadas, à do art. 26° cuja finalidade é a punição dos traficantes consumidores. O objectivo terá sido o de estabelecer um maior equilíbrio e um mais rigoroso sentido de justiça no resultado final decorrente da aplicação das penas, em contraponto com as normas do Dec. Lei n° 430/83 que, por prever um tipo privilegiado abordando apenas a vertente da quantidade de droga ("Tráfico de quantidades diminutas" era a epígrafe do seu art. 24°) terá conduzido a resultados de alguma forma desproporcionados relativamente às concretas exigências de prevenção geral e especial, apesar do recurso, que se foi vulgarizando, ao mecanismo de atenuação especial da pena, mormente quando estava em causa o tráfico de drogas ditas "leves" (cfr. v. g. os Acs. STJ de 01.03.01, CJ, STJ, 1/01-234 e de 02.03.20, CJ, STJ, 1/02-239, este com abundantíssima recensão de outros arestos de igual orientação ).
No caso concreto, e relativamente a todos os arguidos, a matéria de facto indica que, como descrito no ponto 95 da matéria de facto provada, "os mesmos dedicaram-se à venda de produtos estupefacientes, com o propósito de obterem lucros, correspondente à diferença entre valor de compra e valor de venda, o que conseguiram, obtendo cada um deles um ganho de montante não concretamente apurado.
É claro que, perante isto, a hipótese de tráfico-consumo nem sequer se pode colocar, pois nessa hipótese a mira do agente é a de obter produto "exclusivamente" (como refere o art. 26° citado) para o seu uso pessoal, e não "lucros", que podem ser utilizados das mais diversas maneiras. Quanto ao tráfico de menor gravidade, o que afasta de imediato a sua eventual aplicação, não só quanto ao recorrente como a qualquer um dos arguidos, é o facto de se estar, em relação a todos os arguidos, perante actos reiterados por um largo espaço de tempo, perante movimentação de quantias elevadas e de ser o lucro o motor das suas actuações, o que manifestamente impede a admissão da possibilidade de a ilicitude dos factos que praticaram ser considerada diminuída, e muito menos "consideravelmente diminuída", como exige o normativo em questão.
Pelo que, atenta a moldura da pena aplicável ao crime praticado pelo recorrente ( 4 a 12 anos de prisão do art. 210 n° 1 do Dec. lei n° 15/93 de 22/1), nem é sequer legalmente admissível a substituição da prisão por multa, ou a suspensão da execução da pena.
Quanto à pena concretamente aplicada, recorde-se que a medida abstracta da pena aplicável pelo crime de tráfico de estupefaciente é a de 4 a 12 anos de prisão.
Ora, o recorrente foi condenado numa pena que se situa ligeiramente acima do limite mínimo dos 4 anos de prisão. Isto apesar da reiteração da conduta criminosa e de a decisão recorrida considerar que houve da sua parte um grau de culpa elevado com um dolo directo e intenso. Note-se que de entre os factos provados, pouco ou nada é aproveitável para um funcionamento eficaz das atenuantes de carácter geral. A defesa a outrance da reinserção social do delinquente, como parece pretender o recorrente, para justificar a complacência das decisões judiciais, em particular nos crimes de tráfico de estupefacientes, postergando prementes necessidades de prevenção geral, é caminho que, em geral e no caso concreto, não se crê justificado.
Decide-se, pois, negar provimento ao recurso, também quanto à medida da pena aplicada],
(11) - Cfr. supra, nota de rodapé n.º 10.
(12) - Cfr., entre todos, o Ac. STJ de 9/1/91 in AJ n.ºs 15-16, 2, citado por Maia Gonçalves, Código de Processo Penal Anotado e Comentado, 1999, 11.ª edição.
(13) - Sublinhado agora
(14) - Como na nota anterior.
(15) - A fundamentação que segue imediatamente é parcialmente coincidente, porque concordante, com a expendida no acórdão deste Supremo Tribunal proferido no recurso n.º 1292/01-5 relatado pelo Ex.mo Conselheiro Carmona da Mota e subscrito pelo ora relator como 1.º adjunto, de resto seguida em muitos outros posteriores que versam o tema em causa e que seria ocioso enumerar aqui.
(16) - «Exceptuados os casos em que há recurso directo para o Supremo Tribunal de Justiça»
(17) - Caso em que o recurso, pois que de revista alargada se trata, poderá ter como fundamentos «a inobservância de requisito cominado sob pena de nulidade que não deva considerar-se sanada» (art.º 410.º n.º 3) e, «desde que o vício resulte da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum: a) a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, b) a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão; e c) erro notório na apreciação da prova» (art. 410.º n.º 2).
(18) - E há mesmo quem advogue, mesmo a nível da jurisprudência do Supremo, que o pode fazer também para Relação, optando por um dos dois.
(19) - «As relações conhecem de facto e de direito» - art.º 428.º n.º 1.
(20) - Nessa caminhada vamos lançar mão e seguir de perto o estudo de Cristina Líbano Monteiro ....In dubio pro reo...Stvdia Jurídica n.º 24, Universidade de Coimbra e Coimbra Editora, 1997, págs. 48 e segs.
(21) - Ob. cit., págs. 138, -7.2