Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
07B4496
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: SALVADOR DA COSTA
Descritores: CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
PUBLICIDADE
MEIO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL
CONTRATO DE EXECUÇÃO CONTINUADA OU PERIÓDICA
INCUMPRIMENTO DO CONTRATO
JUROS DE MORA
CRÉDITO ILÍQUIDO
ABUSO DE DIREITO
NULIDADE DE SENTENÇA
MATÉRIA DE FACTO
Nº do Documento: SJ200712180044967
Data do Acordão: 12/18/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário :

1. Integra-se no tema da selecção e da decisão da matéria de facto e não o de nulidade da sentença por falta de fundamentação, a afirmação de reprodução de um documento de inserção do contrato e a motivação da resposta negativa a quesitos por via da expressão nada se ter provado ou não ter sido produzida prova suficiente.
2. É de execução continuada, para efeitos do artigo 781º do Código Civil, o contrato em que uma parte, mediante o pagamento pela outra de determinada quantia, em onze mensais e sucessivas, se obriga a prestar-lhe, durante um ano apoio técnico não jurídico na negociação e aquisição de espaços publicitários televisivos e de aconselhamento no planeamento estratégico e de consultadoria de concepção e produção de suportes destinados à respectiva emissão.
3. A suspensão da emissão do filme publicitário, concebido por entidade diversa da que se obrigou a prestar os serviços mencionados acima mencionados, por iniciativa da estacão televisiva, na sequência de decisão nesse sentido do júri da ética publicitária, não obstante a referida obrigação de aconselhamento e consultadoria, não justifica a conclusão de incumprimento do contrato de prestação de serviço pela sociedade que se vinculou a prestá-los.
4. Incumpre o contrato de prestação de serviço a parte credora da prestação de serviços que, na sequência do insucesso da emissão do segundo filme publicitário reformulado, acabou por inviabilizar a continuação da prestação do mencionado serviço e recusou o pagamento do serviço efectivamente prestado.
5. A mera circunstância de a prestadora do serviço publicitário ter subscrito a selling idea do filme publicitário não justifica a conclusão de exercício com abuso do seu direito de crédito.
6. O direito de crédito contrapartida dos mencionados serviços não é ilíquido, pelo que os juros de mora são devidos à parte que os prestou desde a data do vencimento de cada uma das mencionadas prestações e não desde o trânsito em julgado da sentença.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


I
AA, SA intentou, no dia 19 de Setembro de 2002, contra BB, SA, CC Para DD, SA e EE, SA, acção declarativa de condenação, com processo ordinário, pedindo a sua condenação no pagamento de € 593 569,54, acrescidos de juros de mora vencidos e vincendos e de indemnização pelos prejuízos decorrentes da revisão do preço na publicidade contratada na FF, SA na medida da diferença entre o preço que acordou com a Radiotelevisão Comercial, SA e o que viesse a resultar de tal revisão e a que se liquidasse em execução pelos danos derivados do não cumprimento dos objectivos do contrato na sua imagem no mercado publicitário de televisão e ainda pela previsível diminuição da sua capacidade negocial nesse mercado.
Afirmou, em síntese, que, no exercício da sua actividade comercial de prestação de serviços na área da publicidade, ter celebrado um contrato com as rés nos termos do qual, mediante o pagamento de determinadas quantias, se comprometeu a obter junto da FF, SA o espaço publicitário para promoção dos produtos daquelas, que cumpriu, mas que elas não procederam ao pagamento do preço dos serviços que lhe prestou.
Em contestação, as rés afirmaram que nem toda a publicidade emitida a partir de 2 de Abril de 2002 foi executada de acordo com a sua vontade nem em conformidade com o estabelecido no contrato, ter sido imposta unilateralmente pela FF, SA, recusando-se a transmitir a sua campanha publicitária nos moldes por elas gizado, concluindo no sentido de que não devem o preço pela transmissão de tal publicidade.
Em reconvenção, pediram as rés a condenação da autora a indemnizá-las pelo prejuízo derivado do incumprimento do contrato, no montante de € 272 046,01 e no que se liquidasse em execução, e por litigância de má fé, e, na réplica, a autora impugnou a matéria da reconvenção, concluindo pela sua improcedência, incluindo o pedido relativo à litigância de má fé.
Realizado o julgamento, foi proferida sentença no dia 21 de Abril de 2005, por via da qual a reconvenção e o pedido de condenação por litigância de má fé foram julgados improcedentes e a acção foi julgada parcialmente procedente e as rés condenadas a pagar à autora € 593 569, 50, acrescidos de juros vencidos à taxa legal desde a data de vencimento das facturas por ela apresentadas.
Considerou-se na sentença recorrida não ser imputável à autora a suspensão da transmissão do filme publicitário pela FF, SA nem a decisão do Júri de Ética Publicitária do Instituto Civil da Autodisciplina da Publicidade nem o efeito negativo que o segundo filme publicitário teve no público.
Apelaram as rés, e a Relação, por acórdão proferido no dia 31 de Maio de 2007, reduziu a condenação das rés para o montante de € 296 784,75 acrescido de juros de mora à taxa desde a data de cada uma das facturas, mantendo no restante o conteúdo da sentença apelada.
Considerou-se ser o contrato em causa de execução continuada e que, por isso, o incumprimento em relação a uma das prestações do preço dos serviços não implicava o vencimento das restantes, e que não havia incumprimento do contrato por parte da apelada.

As apelantes, por um lado, e a apelada, por outro, interpuseram recursos de revista.
A última formulou, em síntese útil, as seguintes conclusões de alegação:
- o objecto do contrato foi a intermediação da recorrente na contratação de uma empresa de meios para a colocação de publicidade na televisão;
- a sua a principal e única prestação foi a negociação e aquisição de espaços publicitários para emissão de filmes e produtos das recorridas no Canal .. da FF, SA
- obrigou-se, como intermediária, a disponibilizar às recorridas a sua capacidade negocial no mercado da publicidade, de modo a obter para elas descontos especiais nos preços normais praticados pela FF, SA e garanti-los em 2002 sem encargos superiores para elas apesar de oscilação acima do valor assegurado ou da variação do desconto inicialmente conseguido;
- obrigou-se lateralmente a apoiar as recorridas com o seu conhecimento e saber na tomada de decisão quanto ao planeamento daquela publicidade e a sua realização, cuja obrigação correspondente se resume a aspectos de execução da prestação principal, a meras concepção e criação dos inerentes suportes publicitários, reservadas à iniciativa e vontade das recorridas;
- as obrigações decorrentes para a recorrente da cláusula terceira do contrato não são prestações autónomas, essenciais ou diferenciadas da prestação que constitui o seu objecto;
- como se trata de obrigações meramente acessórias ou complementares que só interessam à realização da finalidade última e única que levou as recorridas as contratar os seus serviços, não importa que sejam exigíveis e se cumpram em actos múltiplos ao longo da execução do contrato, porque não alteram a essência do interesse das recorridas e a forma como e com que ele é satisfeito a final;
- a actividade que se obrigou a efectuar durante o tempo convencionado suporta, admite e supunha operações materiais diversas ao longo da sua execução, preparatórias ou acessórias da inserção de publicidade no referido canal de televisão, a qual, segundo as regras da experiência comum constitui a razão pela qual as recorridas contrataram e com ela se realiza plenamente o seu interesse enquanto credoras da prestação;
- a prestação da recorrente é instantânea, esgotando-se o comportamento que lhe é exigível com a aquisição do espaço publicitário no canal televisivo para emissão em 2002 de publicidade previamente e aprovada pelas recorridas, independentemente dos actos que a recorrente tivesse de praticar ou tenha praticado com vista à colocação dessa publicidade;
- a recorrente negociou e adquiriu o espaço publicitário destinado ao volume global da publicidade que as recorridas pretenderam e que assegurou ao longo da execução do contrato nas condições acordadas para a colocação dessa publicidade no mencionado canal, com o que cumpriu integralmente a prestação principal a que se obrigou perante elas;
- a contraprestação das recorridas também consistia no pagamento do preço global dos serviços que constituem o objecto do contrato nos prazos convencionados, cujas prestações não têm qualquer relação com a quantidade nem com o tipo de serviços prestados ou a prestar pela recorrente nos períodos correspondentes;
- a prestação principal a que as recorridas de vincularam é a de pagamento integral do preço convencionado, fraccionado quanto à sua realização, no seu interesse;
- é uma prestação fraccionada cujo cumprimento se protela no tempo através de sucessivas prestações instantâneas, mas cujo objecto está previamente fixado, sem dependência da duração da relação contratual;
- recebeu ordens das recorridas para cessar imediatamente a colocação publicidade, conforme planificação previamente por elas aprovada, e nunca mais lhe deram instruções ou aceitaram que retomasse a inserção da campanha publicitária no aludido canal;
- fizeram-no por reveses da campanha publicitária resultantes de anterior suspensão temporária da transmissão televisiva do filme da campanha, por facto a que foi alheia e não é responsável, em razão do que as sua obrigações acessórias deixaram de poder ser por si cumpridas, sem sua culpa ou responsabilidade;
- as recorridas deixaram de pagar as prestações fraccionadas do preço global acordado apesar de instadas para cumprirem;
- é aplicável o artigo 781º do Código Civil, pelo que a falta de pagamento de uma das fracções do preço global convencionado, por facto exclusivamente imputável às recorridas, implicou o imediato vencimento das demais;
- tem a recorrente direito de obter das recorridas o pagamento da quantia peticionada, porque optou pela manutenção do contrato e de exigir a indemnização pelos danos positivos correspondentes à parte não cumprida;
- deve revogar-se o acórdão na parte em que absolveu as recorridas do pagamento do que lhe era pedido a título de prestações vincendas e manter-se a decisão da primeira instância.

As primeiras, por seu turno, formularam, também em síntese útil, as seguintes conclusões de alegação:
- a sentença é nula, nos termos dos artigos 668º, nº 1, alínea b) e 659º, nº 3, do Código de Processo Civil, porque na fixação da matéria de facto provada, no que se refere ao contrato, o tribunal limitou-se a dar o mesmo por integralmente reproduzido;
- a sentença é nula devido à falta de fundamentação dos factos não provados, nos termos dos artigos 653º, nº 2 e 668º, nº 1, alínea b), do Código de Processo Civil, porque expressões como nada mais se provou ou não foi produzida prova suficiente não constituem adequada fundamentação dos factos não provados;
- ao não reconhecer e declarar a nulidade da sentença, a Relação violou os artigos 659º, nº 2 e 668º, nº 1, alínea b), do Código de Processo Civil;
- o Instituto Civil da Autodisciplina da Publicidade, organização privada, não tinha legitimidade para em relação às partes analisar, julgar ou decidir acerca do eventual cumprimento das regras do Código da Publicidade nem do seu Código de Conduta, porque não eram seus membros nem lhe submeteram qualquer questão;
- não podia valer-se da presunção de inexactidão das afirmações contidas na mensagem publicitária, porque só poderia ser suscitada e utilizada pelas instâncias competentes, e a não apresentação das provas da veracidade das qualidades do produto publicitadas, que sempre tiveram, não constitui violação de qualquer norma legal a que estivessem obrigadas, nem permite a presunção de inexactidão das afirmações;
- deverá ser reputada ilegítima e ilícita a actuação daquele Instituto na medida que levou à suspensão pela FF, SA da publicidade em curso;
- é de imputar à FF, SA a não concretização, no ano de 2002, do volume de publicidade televisiva prevista no contrato, ficando as recorrentes desresponsabilizadas, seja a que titulo for, perante a recorrida;
- a Relação não podia considerar lícita e legítima a decisão daquele Instituto nem o ónus de prova pela EE, SA da veracidade das propriedades do produto publicitado;
- cabia à recorrida, que se apresentava como dispondo de saber fazer e de conhecimentos especializados relativamente às áreas de planeamento estratégico, concepção e produção de suportes de comunicação adequados à emissão televisiva, a obrigação de lhe prestar consultadoria sobre o filme publicitário, o que só cumpriu parcialmente;
- não pode a recorrida, sob pena de incorrer em abuso do direito na modalidade de venire contra factum próprio, assumir postura de absoluto distanciamento e indiferença relativamente ao anúncio publicitário para o qual contribuiu e estava contratualmente obrigada a prestar serviços de consultadoria e aconselhamento;
- face ao convencionado com a recorrida e a suspensão unilateral da emissão publicitária pela FF, SA, as recorrentes não podem ser responsabilizadas pelo não cumprimento da publicidade contratada;
- ao invés do decidido no acórdão recorrido, a situação em análise é prevista no nº 2 da cláusula 2ª do contrato, por ser directamente imputável à FF, SA o não cumprimento do volume de publicidade contratada, ao interromper unilateralmente as emissões do anúncio publicitário;
- ao considerar que à recorrida não podem ser imputadas a suspensão da emissão da publicidade nem pelos prejuízos daí advenientes, desprezou a Relação as obrigações contratualmente por ela assumidas;
- como a recorrida não facultou às recorrentes a utilização do espaço publicitário, da forma que lhes aprouvesse, sem prejuízo do cumprimento da lei, de tal modo que pudessem executar os planos de marketing, incumpriu as suas obrigações contratuais;
- face ao disposto no artigo 1158º, nº 2, do Código Civil, só os serviços efectivamente prestados pela recorrida deverão ser objecto de retribuição;
- exigindo a recorrida o pagamento de quantias excedentes dos serviços efectivamente prestados, considerando a suspensão da execução do contrato aceite pelas partes, as recorrentes não incumpriram qualquer das suas obrigações contratuais;
- a resolução do contrato pela recorrida carece de fundamento e, por isso, é ilegítima;
- a recorrida, no máximo, deverá receber o montante correspondente aos serviços prestados efectivamente consumidos, no montante de € 624 721,12, e, tendo as recorrentes já pago € 498 767,64, aquela só tem a receber € 125 953,48, sem prejuízo da compensação com o montante a liquidar objecto da reconvenção;
- como aquela quantia não estava devidamente liquidada e não correspondia ao valor das facturas apresentadas a pagamento pela recorrida, os juros de mora só devem ser contados, nos termos do nº 3 do artigo 805º do Código Civil, a partir da data do trânsito em julgado da decisão que vier a ser proferida;
- por isso, e como a execução do contrato se encontrava à data suspenso por convenção das partes, o não pagamento pelas recorrentes das facturas apresentadas não pode significar o seu incumprimento contratual, pelo que não havia fundamento para a resolução do contrato ou para a obrigação de indemnizar;
- à recorrida cabia uma prestação de resultado, não instantânea nem única, num contrato de execução continuada, a cumprir no período convencionado, até à realização das inserções acordadas, sem prejuízo das demais obrigações do mesmo emergentes para a recorrida, nomeadamente das da cláusula terceira, ao qual não tem aplicação o regime do artigo 781º do Código Civil;
- a entender-se haver incumprimento contratual pelas recorrentes, a recorrida só teria direito a receber o remanescente da retribuição dos serviços que lhes prestou, no montante de € 125 953,48;
- foi a recorrida que incumpriu o contrato, porque não lhe facultou a utilização de espaço publicitário do aludido canal depois de a FF, SA haver suspendido a emissão;
- a recorrida adoptou a censurável conduta, após ter concordado com o pedido de suspensão das emissões e se haver comprometido a envidar esforços no sentido de as recorrentes virem a ser compensadas pela atitude FF, SA enquanto debatia com as recorrentes questão fundamental respeitante ao cumprimento do contrato, de intentar a acção com fundamento no pretenso atraso no pagamento das facturas que emitiu, que não correspondiam à prestação efectiva de qualquer serviço e, por isso, não era devido;
- para além da indemnização pelo incumprimento contratual por parte da recorrida, cuja fixação deverá ser remetida para execução de sentença, as recorrentes devem ser ressarcidas por aquela de todos os montantes pagos pelos Gross Rating Points despendidos a partir da modificação do seu filme publicitário imposta pela FF, SA;
- o acórdão violou os artigos 805º, nº 3, 1156º, 1158º, nº 2, 1161º, alínea a) e 1172 do Código Civil, 659º, nº 3 e 668º, nº 1, alínea b), do Código de Processo Civil, 10º, nº 2, 37º e 38º do Código da Publicidade;
- deverá ser declarada a nulidade da sentença por força dos artigos 659º, nº 3 e 668º, nº 1, alínea b), do Código de Processo Civil e ordenada a baixa do processo a fim de ser efectuada a reforma da decisão;
- deverá ser revogado o acórdão recorrido e substituído por outro que absolva as recorrentes dos pedidos, com excepção do pagamento de € 125 953,48, sem juros e condenada a recorrida no pedido reconvencional, operando-se a correspondente compensação.

II
É a seguinte a factualidade considerada provada no acórdão recorrido:
1. Em Novembro de 2001, a autora e rés celebraram o contrato com as cláusulas constantes do documento de folhas 22 a 28, do qual constam, alem do mais, as seguintes declarações:
“1ª: 1. Pelo presente contrato, a AA obriga-se a prestar à BB, SGPS serviços de apoio técnico, não jurídico, à negociação e aquisição de espaços publicitários na FF (de ora em diante designada apenas como FF), para o ano de 2002. 2. A publicidade a realizar na FF pelas CC e EE integrar-se-á nos serviços a prestar, nos termos do número anterior, tendo em vista a sua uniformização no âmbito dos serviços de marketing e publicidade do "Grupo BB"… 2ª - 1. Para efeitos do integral preenchimento do objecto do presente contrato e para sua boa execução, estabelecem as outorgantes que: a) A negociação e aquisição de espaços publicitários por parte da AA será exclusivamente realizada para emissão no canal .. da FF; b) A emissão da publicidade objecto do presente contrato será realizada num número mínimo de mil e oitenta inserções de quinze segundos cada, correspondendo a um mínimo de quatro mil seiscentos e sessenta e sete "Gross Rating Points", entre os dias 1 de Janeiro e 31 de Dezembro de 2002; e) A AA declara e garante que já obteve junto da FF para as Segundas Outorgantes o espaço publicitário referido nas alíneas anteriores com um desconto médio de 74%, (setenta e quatro por cento) relativamente à tabela de preços da FF para o ano 2001, bem como a que a eventual alteração de tal tabela de preços no ano de 2002 não motive qualquer alteração nas condições acordadas nos termos do presente contrato; f) A AA assegurará às Segundas Outorgantes, no ano de 2002, a efectivação de emissões publicitárias na FF que, com aplicação do desconto médio estipulado na alínea anterior, correspondam a 997.596 euros (…), o que declara e garante assegurar a efectiva obtenção do desconto referido na alínea anterior; g) Todos e quaisquer pagamentos devidos à FF, em contrapartida da aquisição de espaço publicitário no âmbito da execução do presente contrato serão da exclusiva conta da AA, pelo que os únicos pagamentos a que as Segundas Outorgantes se obrigam neste contrato são os que resultam do disposto na cláusula sexta 2. As Outorgantes expressamente estabelecem que as Segundas Outorgantes não serão responsáveis, seja a que título for, perante a AA ou perante a FF, caso no ano de 2002 o volume de publicidade televisiva previsto no número anterior não venha a ser concretizado por causa imputável, directa ou indirectamente, por acção ou por omissão, à AA e/ou à FF, bem como por causa de força maior devidamente comprovada.
3ª - 1. Sem prejuízo do disposto noutras cláusulas do presente contrato, constituem obrigações da AA: a) Prestar serviços de aconselhamento para planeamento estratégico, no que se refere à realização de publicidade na FF; b) Prestar serviços de planeamento e produção dos suportes de comunicação publicitária destinados a emissão na FF;
4ª - 1. No âmbito da execução, sem prejuízo da consultoria a prestar por parte da Primeira Outorgante, compete exclusivamente às Segundas Outorgantes: a) Elaborar e aprovar os seus planos de marketing, publicidade e comunicação; b) Contratar com terceiros a concepção e produção dos suportes de comunicação publicitária destinados a emissão na FF;
6ª- 1. Em contrapartida dos serviços prestados em execução do presente contrato, a AA terá exclusivamente direito ao pagamento do preço anual de 200 000 000$00 (duzentos milhões de escudos ou 997.595,79 euros, novecentos e noventa e sete mil quinhentos e noventa e cinco euros e setenta e nove cêntimos). 2 O preço convencionado nos termos do número anterior será pago pelas Segundas Outorgantes em onze prestações mensais e sucessivas de 16 666 666$00 (dezasseis milhões seiscentos e sessenta e seis mil seiscentos e sessenta e seis escudos ou 83.132,98 euros, oitenta e três mil cento e trinta e dois euros e noventa e oito cêntimos) com início no mês de Dezembro de 2001, e sendo a décima segunda e última prestação de 16 666 674$00 (dezasseis milhões seiscentos e sessenta e seis mil seiscentos e setenta e quatro escudos ou 83 133,02 euros, oitenta e três mil cento e trinta e três euros e dois cêntimos. 3. Aos valores indicados nos números anteriores acresce IVA à taxa legal aplicável 4. A facturação será realizada mensalmente pela AA, com prazo para pagamento até ao último dia desse mês.”.
2. Em execução do referido contrato, a autora contratou com a FF, Ldª, empresa participada da FF, SA, que procede à comercialização do espaço publicitário desta, a transmissão dos filmes da campanha publicitária de um produto da EE
3. Foi com base no volume global de transmissões previsto que a AA SA obteve o desconto contratualmente garantido de 74% relativamente ao preço de tabela, conforme cláusula 2.a, n.° 1, alínea e), do contrato, desconto que foi concedido à autora atendendo ao volume de publicidade adquirida à FF, SA.
4. A concepção, produção e realização da campanha publicitária, com forte componente televisiva, do referido produto da EE SA, foi contratada por esta, com uma outra empresa, sem qualquer intervenção da autora.
5. A autora acompanhou a execução do contrato de transmissão publicitária e aconselhou frequentemente a EE, SA, por telefone, por correio electrónico, por fax e em reuniões com administradores e quadros da EE, SA, sobre o planeamento da utilização do espaço publicitário em televisão.
6. GG, administrador delegado da autora, e HH, funcionária daquela, estiveram presentes na apresentação do story board, e foram consultados sobre ele no momento da sua apresentação.
7. Depois, por deliberação de Março de 2002, o Júri de Ética Publicitária do Instituto Civil da Autodisciplina da Publicidade decidiu a cessação imediata da transmissão de um filme publicitário da marca "Mimo", por entender que ele violava normas dos Códigos da Publicidade e de Conduta do Instituto Civil da Autodisciplina da Publicidade, e, perante tal decisão, a FF, SA suspendeu, a partir de 29 de Março de 2002, a transmissão do filme publicitário em causa.
8. Da referida deliberação consta, além do mais, o seguinte: “O princípio da veracidade está consagrado no art.° 14º do CCICAP (e não no art.º 4°, como a Requerente, certamente por lapso, indica) e no art.° 10° do C.Pub. e tem por objectivo contribuir para uma escolha consciente e racional do consumidor entre bens e serviços concorrentes. O art. 11° do C.Pub. define publicidade enganosa. O que caracteriza a publicidade enganosa, para além dos casos de pura e simples mentira, é que a mensagem publicitária seja produzida em termos de tal modo ambíguos que o destinatário "médio, eventual ou desprevenido possa ser induzido em erro. Por outro lado, o n° 5 do art.° 11° do C.Pub. estabelece uma presunção de inexactidão relativa às afirmações contidas em mensagens publicitárias, no caso de as provas exigidas não serem apresentadas ou serem insuficientes. As afirmações formuladas pela EE e contestadas pela Requerente, consubstanciadas nas expressões "FRITOS MENOS GORDOS", 'MAIS SECOS”, “MAIS SAUDE" representam uma promessa objectiva e concreta e não podem ser confundidas com o mero uso da hipérbole inconsequente (dolus bonus), tão costumeira na prática publicitária. Devem, por isso, ser provadas pelo anunciante, neste caso, a EE, sob pena de se presumirem inexactas. Ora sucede que a EE não fez prova, nestes autos, como obriga o n° 2 do art 10º do Regulamento deste Júri, da exactidão daquelas afirmações. Nem se diga que releva o argumento aduzido pela EE de que as referidas afirmações respeitam ao resultado da utilização do óleo "Mimo”, a saber, as características dos alimentos fritos com o mesmo, e não às propriedades intrínsecas do produto. Para além do evidente sofisma, tal distinção infirma, não resiste ao estatuído no n° 2, a) do art.° 11° do C.Pub., no qual expressamente se consagra que os "resultados que podem ser esperados da sua utilização "constituem um dos critérios por que se há de avaliar a natureza enganosa ou não de qualquer mensagem publicitária em suporte de qualquer produto. Em qualquer caso, como já ficou dito, teria a EE de ter feito prova do que afirma, o que não fez”.
9. Notificada da decisão do Júri de Ética Publicitária, a ré EE, SA recorreu para o Pleno do mesmo Júri de Ética Publicitária do Instituto Civil da Autodisciplina da Publicidade, que manteve a decisão da secção, por deliberação de 30 de Abril de 2002.
10. Entretanto, deixaram de ser transmitidas catorze emissões do mesmo filme, nos dias 29, 30 e 31 de Março e 1 de Abril de 2002, as quais foram retomadas em 2 de Abril de 2002, com o filme alterado.
11. Face à informação de que a FF, SA iria suspender a emissão dos filmes publicitários do óleo "Mimo", o administrador da autora disse às rés que iria interceder junto da primeira no sentido de tentar dissuadir aquele canal público de televisão de levar por diante a decisão de suspender a emissão do anúncio da EE, SA, tendo vindo a comunicar, mais tarde, nesse mesmo dia 28 de Março, que não tinha tido êxito nas diligências efectuadas e que, consequentemente, a FF, SA iria efectivamente suspender a emissão daquela campanha publicitária.
12. No dia 27 de Agosto de 2002, a EE, SA pediu a suspensão da inserção de filmes da campanha nos dias 29 de Agosto a 1 de Setembro de 2002, pedido que foi de imediato executado pela AA, SA, para vigorar enquanto EE, SA e AA, SA não chegassem a acordo sobre investimentos/ inserções/GRP’s.
13. EE, SA decidiu, então, providenciar pela alteração do filme referido, de modo a conformá-lo com a deliberação do Júri de Ética Publicitária do Instituto Civil da Autodisciplina da Publicidade, o que fez com a empresa que contratara para a sua concepção, produção e realização iniciais.
14. A modificação do filme publicitário consistiu na substituição da expressão " fritos menos gordos, mais secos, mais saúde", pela seguinte " não seja gordurosa, frite com Mimo, seja feliz", e o impacto do novo anúncio publicitário sobre o mercado foi muito inferior ao primeiro.
15. As rés obtiveram informações técnicas segundo as quais os consumidores alvo do anúncio se mostravam indiferentes relativamente ao mesmo, sendo que a indiferença constitui o pior dos resultados que pode ser atribuído a um anúncio e/ou campanha publicitária, e, em termos publicitários, é preferível que o público reaja negativamente a determinada campanha porque, ainda assim, a marca "passa", torna-se conhecida, é comentada.
16. No dia 29 de Agosto de 2002, a EE, SA devolveu as facturas emitidas pela autora relativas aos meses de Julho e Agosto n.°s 491, 492, 625 e 626 que constituem os documentos 4, 5, 6,7 e 8, juntos com a petição inicial.
17. No dia 17 de Setembro de 2002, EE, SA devolveu as facturas emitidas pela autora, relativamente ao mês de Setembro, a saber: a) n.° 733, de 11 de Setembro de 2002, com vencimento a 30 de Setembro de 2002 emitida em nome da Ré EE, SA, no valor de € 71722,98 (incluindo € 11 451,57 de imposto sobre o valor acrescentado; b) n.° 734, de 11 de Setembro de 2002, com vencimento a 30 de Setembro de 2002 emitida em nome da CC, SA no valor de € 27 205,27(incluindo € 4 343,70 de imposto sobre o valor acrescentado).
18. As rés não pagaram as referidas facturas, nem na data do seu vencimento, nem posteriormente, e, a partir de 29 de Agosto de 2002, a autora suspendeu a prestação dos seus serviços, deixando de dar à FF, SA as ordens de transmissão das inserções publicitárias previstas.
19. Da suspensão das transmissões resultará uma diminuição do volume global das transmissões previstas para o ano de 2002 no âmbito do contrato celebrado.
20. As inserções publicitárias deveriam recomeçar, de acordo com o planeamento feito, a partir do dia 26 de Setembro de 2002.
21. A autora comprometeu-se a envidar esforços no sentido de as Rés virem a ser compensadas pela atitude da FF de suspender a emissão do filme publicitário da EE, SA.
22. As rés efectuaram o pagamento de € 498 767,64, a autora suspendeu a prestação dos seus serviços face ao não pagamento das facturas referidas nos pontos 12 e 13 dos factos assentes.
23. Até 19 de Setembro de 2002 foram realizadas 817 inserções, correspondendo a 2 922,6 GRP's.

III
A questão essencial decidenda em ambos os recursos é a de saber se a recorrente AA, SA tem ou não direito a exigir de BB, SA, CC, SA e de EE, SA o pagamento € 593 569, 50, acrescidos de juros vencidos à taxa legal desde a data de vencimento das facturas por ela apresentadas.
Tendo em conta o conteúdo do acórdão recorrido e das conclusões de alegação das recorrentes, a resposta à referida questão complexa pressupõe a análise da seguinte problemática.
- delimitação negativa do objecto do recurso;
- regime legal da actividade publicitária e natureza do Instituto Civil da Autodisciplina da Publicidade;
- natureza e efeitos essenciais do contrato em causa;
- imputação subjectiva do incumprimento contratual;
- exerceu AA, SA abusivamente o seu direito?
- têm ou não BB, SA, CC, SA e EE, SA o pretendido direito de indemnização?
- âmbito quantitativo do direito de crédito de AA, SA;
- âmbito temporal dos juros de mora.

Vejamos, de per se, cada uma das mencionadas subquestões.

1.
Comecemos pela delimitação negativa do objecto do recurso.
O objecto do recurso é essencialmente delimitado pelas conclusões da alegação dos recorrentes (artigos 684º º 3 e 690º, nº 1, do Código de Processo Civil).
As recorrentes BB,SA, CC,SA e EE, SA impugnaram no recurso de revista o acórdão da Relação que decidiu no sentido de se não verificar a nulidade da sentença por elas invocada no recurso de apelação.
Elas imputaram à sentença proferida pelo tribunal da primeira instância a nulidade por falta de fundamentação, sob o argumento da referência, na fixação da matéria de facto, à reprodução do documento de inserção do contrato, e de, na decisão daquela matéria, o referido tribunal, na fundamentação da resposta negativa a quesito, se haver limitado a expressar nada mais se ter provado ou não ter sido produzida prova suficiente.
Com efeito, na audiência preliminar, no dia 28 de Abril de 2003, na selecção da matéria de facto, sob a rubrica dos factos assentes, expressou-se que em Novembro de 2001, a autora e as rés celebraram o contrato com as cláusulas constantes do documento de folhas 22 a 28, cujo teor foi dado como reproduzido.
Acresce que, na decisão da matéria de facto, no dia 31 de Janeiro de 2005, quanto aos quesitos quarto, quinto, sétimo, décimo-sétimo e décimo-oitavo, a Juíza do tribunal da primeira instância respondeu não provado e, na respectiva fundamentação, expressou que quanto aos quesitos cuja resposta foi negativa que tal se devia ao facto de não ter sido produzida prova suficiente para convencer o tribunal.
Nos actos de selecção da matéria de facto e de leitura da decisão da mesma era permitido às partes formular a respectiva reclamação (artigos 508º-A. nº 1, alínea e) e 653º, nº 4, do Código de Processo Civil).
Todavia, não o fizeram, dispensando assim o exercício dessa faculdade de reclamação.
Na sentença, porém, atenuou-se a afirmação de reprodução do instrumento contratual, porque a sua autora reproduziu significativa parte das cláusulas do contrato em causa.
Ao invés do que as recorrentes BB, SA, CC, SA e EE, SA alegaram, não se trata de nulidade da sentença por falta de fundamentação de facto, a que se reporta o artigo 668º, nº 1, alínea b), do Código de Processo Civil, mas de vícios relativos à selecção e decisão da matéria de facto.
Este Tribunal, em regra, apenas conhece de matéria de direito (artigos 729º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil e 26º da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais).
A referida matéria, que é de facto, inscreve-se na competência da Relação, (artigos 712º, nºs 1, alínea a) e 5 do Código de Processo Civil).
E da decisão da Relação sobre matéria de facto, como aconteceu no caso vertente, não há recurso para o Supremo Tribunal de Justiça (artigo 712º, nº 6, do Código de Processo Civil).
Em consequência, não pode a mencionada matéria processual ser objecto do recurso de revista em análise.
AA, SA pediu na acção a condenação de BB, SA, CC, SA e de EE, SA a indemnizá-la dos prejuízos causados pela diminuição da sua capacidade negocial no mercado publicitário de televisão em virtude do incumprimento das últimas, a liquidar posteriormente.
A referida pretensão foi julgada improcedente no tribunal da primeira instância, e dessa parte da sentença AA, SA não interpôs recurso, pelo que transitou em julgado (artigos 677º do Código de Processo Civil).
Em consequência, não pode essa matéria ser objecto de conhecimento no recurso de revista (artigo 684º, nº 4, do Código de Processo Civil).

2.
Prossigamos com uma breve referência ao regime legal da actividade publicitária e à natureza do Instituto Civil da Autodisciplina da Publicidade – ICAP.
A publicidade, independentemente das suas formas, é regida pelo Código da Publicidade, aprovado pelo Decreto-Lei nº 330/90, de 23 de Outubro, alterado pelos Decretos-Leis nºs 74/93, de 10 de Março, 6/95, de 17 de Janeiro, 61/97, de 25 de Março, 275/98, de 9 de Setembro, 51/2001, de 15 de Fevereiro, 332/2001, de 24 de Setembro, 81/2002, de 4 de Abril, e 224/2004, de 4 de Dezembro, e pelas Leis nºs 31-A/98, de 14 de Julho, e 32/2003, de 22 de Agosto, e pelas normas de direito civil ou de direito comercial (artigos 1º e 2).
A publicidade consubstancia-se em qualquer forma de comunicação feita no âmbito de uma actividade comercial, industrial, artesanal ou liberal, com o objectivo directo ou indirecto de promover, com vista à sua comercialização ou alienação, quaisquer bens ou serviços, ou de promover ideias, princípios, iniciativas ou instituições (artigo 3º, nº 1).
A actividade publicitária é o conjunto de operações relacionadas com a difusão de uma mensagem publicitária junto dos seus destinatários, bem como as relações jurídicas e técnicas daí emergentes entre anunciantes, agências de publicidade e entidades que explorem os suportes publicitários ou que exerçam a actividade publicitária, nelas se incluindo as de concepção, criação, produção, planificação e distribuição publicitárias (artigo 4º).
Para efeito deste diploma, considera-se anunciante a pessoa singular ou colectiva no interesse de quem se realiza a publicidade; profissional ou agência de publicidade a pessoa singular que exerce a actividade publicitária ou a pessoa colectiva que tenha por objecto exclusivo o exercício da actividade publicitária; suporte publicitário o veículo utilizado para a transmissão da mensagem publicitária; e destinatário a pessoa singular ou colectiva a quem a mensagem publicitária se dirige ou que por ela, de qualquer forma, seja atingida (artigo 5º).
A publicidade rege-se pelos princípios da licitude, da identificabilidade, da veracidade e do respeito pelos direitos do consumidor, e tem de ser inequivocamente identificada como tal, qualquer que seja o meio de difusão utilizado (artigos 6º e 8º, nº 1).
A publicidade na televisão deve ser claramente separada da restante programação através da introdução de um separador no início e no fim do espaço publicitário, o qual é constituído por sinais ópticos ou acústicos, devendo conter, de forma perceptível para os destinatários, a palavra Publicidade no separador que precede o espaço publicitário (artigo 8º, nºs 2 e 3).
A publicidade deve respeitar a verdade, não deformando os factos; e as afirmações relativas à origem, natureza, composição, propriedades e condições de aquisição dos bens ou serviços publicitados devem ser exactas e passíveis de prova, a todo o momento, perante as instâncias competentes (artigo 10º).
É proibida a publicidade que, por qualquer forma, incluindo a sua apresentação, e devido ao carácter enganador, induza ou seja susceptível de induzir em erro os seus destinatários, independentemente de lhes causar qualquer prejuízo económico ou que possa prejudicar um concorrente (artigo 11º, nº 1).
Para se determinar se uma mensagem é enganosa devem ter-se em conta todos os elementos e, nomeadamente, todas as indicações que digam respeito, designadamente às características dos bens ou serviços, tais como a sua disponibilidade, natureza, execução, composição, modo e data de fabrico ou de prestação, a sua adequação, utilizações, quantidades, especificações, origem geográfica ou comercial, resultados que podem ser esperados da utilização ou ainda resultados e características essenciais dos testes ou controlos efectuados sobre os bens ou serviços (artigo 11º, nº 2, alínea a)).
É considerada publicidade enganosa a que, por qualquer forma, incluindo a sua apresentação, induza ou seja susceptível de induzir em erro o seu destinatário ao favorecer a ideia de que determinado prémio, oferta ou promoção lhe será concedido, independentemente de contrapartida económica, sorteio ou necessidade de efectuar qualquer encomenda (artigo 11º, nº 3).
Nos casos referidos, pode a entidade competente para a instrução dos respectivos processos de contra-ordenação exigir que o anunciante apresente provas da exactidão material dos dados de facto contidos na publicidade, presumindo-se inexactos se as provas exigidas não forem apresentadas ou forem insuficientes (artigo 11º, nº 5).
A fiscalização do cumprimento das regras do Código da Publicidade compete ao Instituto do Consumidor, sem prejuízo da competência das autoridades policiais e administrativas, ao qual também cabe a instrução dos processos pelas contra-ordenações nele previstas (artigos 37º e 38º).
O Instituto Civil da Autodisciplina da Publicidade é uma associação com personalidade jurídica, sem fins lucrativos, cujo objecto é a defesa dos princípios éticos e deontológicos da comunicação e actividade publicitária, de âmbito territorial nacional, integrada por pessoas colectivas simples e associações de pessoas colectivas directamente interessadas na comunicação e/ou na actividade publicitária (artigos 1º a 4º e 6º dos Estatutos).
O Júri de Ética Publicitária é, por seu turno, uma entidade especializada com competência para se pronunciar sobre assuntos em matéria de comunicação publicitária, que se rege pelos referidos Estatutos, no Código de Conduta, no Regulamento (artigo 30º dos Estatutos).

3.
Continuemos, ora com a análise da natureza e os efeitos do contrato em causa.
Este Tribunal, não obstante a limitação legal de sindicância da matéria de facto fixada pela Relação, pode sindicá-la, se estiver em causa a determinação do sentido juridicamente relevante de declarações negociais, como ocorre no caso vertente, segundo o critério estabelecido no artigo 236º, n.º 1, do Código Civil (artigos 722º, n.º 2, e 729º, n.º 2, do Código de Processo Civil).
A regra nos negócios jurídicos em geral é a de que a declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante.
A excepção ocorre nos casos em que não seja razoável imputar ao declarante aquele sentido declarativo ou o declaratário conheça a vontade real do declarante (artigo 236º do Código Civil).
O sentido decisivo da declaração negocial é o que seria apreendido por um declaratário normal, ou seja, por alguém medianamente instruído e diligente e capaz de se esclarecer acerca das circunstâncias em que as declarações negociais em causa foram produzidas.
Na interpretação da vontade dos outorgantes podem relevar várias circunstâncias, designadamente as prévias negociações entre as partes, a qualidade profissional destas, a terminologia técnico-jurídica utilizada no sector e a conduta de execução do contrato.
Resulta dos factos provados que representantes de AA, SA e BB, SA, CC, SA e EE, SA declararam por escrito, no mês de Novembro de 2001, a primeira prestar às últimas, mediante a retribuição de 200 000 000$, em onze prestações mensais e sucessivas de 16 666 666$ cada, acréscimo de imposto sobre o valor acrescentado, com início em Dezembro de 2001, por um lado, o apoio técnico não jurídico à negociação e aquisição, durante o ano de 2002, de espaços publicitários na FF, SA.
E, por outro, serviços de aconselhamento para planeamento estratégico, no que se refere à realização de publicidade na FF, SA, de planeamento e produção dos suportes de comunicação publicitária e de consultoria no âmbito da concepção e produção daqueles suportes destinados àquela emissão.
A lei caracteriza o contrato de prestação de serviços como aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição (artigo 1154º do Código Civil).
É regido, com as necessárias adaptações, pelas regras relativas ao contrato de mandato, presumindo-se oneroso se tiver por objecto actos que o prestador dos serviços pratique no exercício da respectiva profissão (artigos 1156º e 1158º, nº 1, do Código Civil).
Uma das obrigações que impende sobre quem contrata a prestação dos serviços a titulo oneroso é a de pagar a quem os presta a respectiva retribuição (artigos 1156º e 1167º, alínea b), do Código Civil).
Havendo ajuste entre as partes, a medida da respectiva remuneração é a resultante desse ajuste (artigos 1158º, nº 2, do Código Civil e 2º e 3º do Código Comercial).
Considerando as mencionadas declarações negociais das partes, estamos perante um contrato de prestação de serviços, a que se reportam, além do mais, os aludidos normativos.
Mas como as partes são sociedades comerciais e AA, SA inclui no seu objecto social a prestação dos referidos serviços mediante remuneração, a conclusão é a de que se trata um contrato de prestação de serviços oneroso e de natureza comercial (artigos 2º, 3º e 13º, nº 2, do Código Comercial).
Divergem as partes sobre se a prestação de pagamento do preço integrante da obrigação das recorrentes BB, SA, CC, SA e EE, SA é fraccionada ou periódica, ou seja, se ocorre uma situação de obrigação única ou de pluralidade de obrigações.
AA, SA, ao invés das outras recorrentes, entende que as suas obrigações derivadas da cláusula terceira do contrato não são autónomas, essenciais ou diferenciadas da prestação objecto do contrato e, por isso, são insusceptíveis de o caracterizar como sendo de execução continuada.
Equacionando o relevo da obrigação principal e das obrigações acessórias assumidas pela prestadora dos serviços, concluiu-se na sentença dever considerar-se um contrato de execução instantânea.
A Relação entendeu, por seu turno, que a componente instantânea do contrato não sobrelevava sobre a de execução continuada, e, por isso, concluiu no sentido de o qualificar como tendo esta última característica.
São contratos de execução instantânea aqueles em que esta se esgota num momento, ou seja, não se prolonga no tempo; e de execução permanente ou continuada se esta coincide com a sua vigência, operando momento a momento.
A solução desta questão, conforme já se referiu, passa pela interpretação das cláusulas contratuais em causa, de harmonia com o entendimento de um declaratário normal, colocado na posição das partes contratantes, face aos elementos de informação por si disponíveis.
Nesta perspectiva, ressalta das declarações negociais das partes ser a prestação da recorrente AA, SA complexa, envolvendo não só a imediata obtenção para as recorrentes BB, SA, CC, SA e EE, SA do direito de utilização, durante um ano, de determinado espaço publicitário em canal televisivo, mas também o acompanhamento da sua execução através da prestação de serviços de aconselhamento para planeamento estratégico e de produção dos suportes de comunicação publicitária.
Na sistemática do mencionado instrumento contratual, a remuneração de 200 000 000$ surge na sequência do clausulado relativo ao objecto mediato do contrato concernente a todos os mencionados serviços.
Estamos, pois, perante unidade de contrato envolvente para a recorrente AA, SA de uma pluralidade de obrigações conexas de prestação diversificada dirigidas ao fim último da emissão televisiva publicitária, essencialmente coexistentes no tempo da sua duração, tal como a de pagamento do preço.
A conclusão é, por isso, tal como se considerou no acórdão recorrido, no sentido de que o contrato de prestação de serviços em causa é de execução permanente ou continuada.

4.
Prossigamos com a problemática da imputação subjectiva do incumprimento contratual.
Cada uma das partes atribui à outra o incumprimento do contrato, excluindo o próprio, e as instâncias consideraram ter havido incumprimento contratual apenas por parte das recorrentes BB, SA, CC, SA e EE, SA.
Sabe-se, por um lado, que os contratos devem ser pontualmente cumpridos, ou seja, a prestação debitória deve ser realizada de acordo com o estipulado quanto ao tempo, ao modo e ao lugar respectivos (artigos 406º, nº 1 e 762º, nº 1 e 763º do Código Civil).
E, por outro, que o devedor cumpre a obrigação quando realiza a prestação a que está vinculado (artigo 762º, nº 1, do Código Civil).
Recordem-se, em síntese, as vicissitudes que envolveram as relações comerciais decorrentes do contrato em causa.
Na execução do contrato em análise, AA, SA convencionou com a FF Comercial, Ldª, participada da FF, SA que procede à comercialização do seu espaço publicitário, a transmissão do filme da campanha publicitária do produto da EE, SA consubstanciado no óleo alimentar Miimo.
A referida transmissão concretizou-se até que a FF, SA, no dia 29 de Março de 2002, a suspendeu, devido à deliberação do Júri de Ética Publicitária do Instituto Civil da Autodisciplina da Publicidade, que, em Março de 2002, decidiu a cessação imediata da transmissão do filme publicitário em causa por entender que ele violava algumas normas do Código da Publicidade e do seu Código de Conduta.
Perante tal suspensão, a EE, SA decidiu providenciar pela sua alteração de modo a conformá-lo com a deliberação do referido Júri, o que fez com a empresa que inicialmente contratara para a sua concepção, produção e realização.
Deixaram, entretanto, de ser transmitidas catorze emissões do referido filme, nos dias 29, 30 e 31 de Março e 1 de Abril de 2002, que foram retomadas, com o filme alterado, no dia 2 de Abril de 2002.
Alterado o conteúdo do filme publicitário por iniciativa da CC, SA, retomadas as emissões televisivas no dia 2 de Abril de 2002, continuou AA, SA a realizar a sua prestação de inserção publicitária televisiva, até que, no dia 27 de Agosto seguinte, a primeira lhe comunicou a sua decisão de suspensão dessa inserção dos dias 29 de Agosto a 1 de Setembro, suspensão que, por motivos não imputáveis à última se tornou definitiva.
Ora, incumbia às recorrentes BB, SA, CC, SA e EE, SA a elaboração, por um lado, e aprovação dos seus planos de marketing, publicidade e comunicação e a contratação com terceiros a concepção e a produção dos suportes de comunicação publicitária destinados às emissões televisivas.
E, por outro, a prévia aprovação da planificação das emissões quanto a tempos, horários e periodicidade, bem como relativamente à inserção antes, durante ou após a emissão de determinados programas televisivos.
AA, SA não interferiu no conteúdo do filme publicitário, que por outrem foi concebido e executado, nem lhe pode ser imputada a decisão da FF, SA de suspender a sua emissão em conformidade com a decisão do júri da ética da publicitária.
Limitou-se, com efeito, neste ponto, a obter de terceiro o espaço publicitário necessário para a publicitação do filme relativo às qualidades do óleo alimentar em causa, intermediando eficazmente a respectiva emissão televisiva, acompanhando-a e aconselhando a EE, SA sobre o planeamento da utilização daquele espaço televisivo.
A Relação considerou ligou a suspensão do filme publicitário à omissão de EE, SA de provar perante o Júri da Ética Publicitária a veracidade do seu conteúdo, e as recorrentes BB, SA, CC, SA e EE, SA põem em causa a competência do Instituto Civil da Autodisciplina da Publicidade e daquele Júri para o efeito.
No contexto da acção não relevam a natureza nem a competência do Instituto Civil da Autodisciplina da Publicidade ou do Júri da Ética Publicitária, porque a mencionada suspensão, independentemente da motivação que a envolveu, é insusceptível de ser imputada à recorrente AA, SA em termos de causalidade adequada ou de censura ético jurídica.
Com efeito, não pode imputar-se a AA, SA a responsabilidade pela suspensão pela FF, SA da emissão televisiva daquele primeiro filme publicitário nem os prejuízos advenientes da indiferença que o seguindo filme publicitário suscitou no público.
Na realidade, não resultou da acção ou omissão dos seus agentes ou representantes a incompletude da execução do contrato de prestação de serviços em causa, designadamente a suspensão da emissão do primeiro filme publicitário nem o conteúdo do segundo ou a sua indiferente recepção pelo público.
A conclusão é, por isso, tal como foi decidido nas instâncias, no sentido de que AA, SA não incumpriu o contrato de prestação de serviços que celebrou com BB, SA, CC, SA e EE, SA.
Estas últimas é que decidiram, no fundo, o termo do contrato de prestação de serviço em causa, impedindo que a primeira continuasse a executá-lo, além de que se recusaram a pagar a contrapartida dele decorrente no período em que o mesmo ainda vigorava.
Não podiam omitir a realização do pagamento a AA SA a contrapartida monetária relativa aos serviços que lhes prestara, a que estavam contratualmente vinculadas.
Assim, BB, SA, CC, SA e EE, SA não realizaram a prestação de pagamento do preço dos serviços a que estavam vinculadas, no tempo convencionado, o que significa que incumpriram o contrato em causa (artigo 762º, nº 1, do Código Civil).
Como não ilidiram a respectiva presunção legal, o incumprimento é-lhes imputável a título de culpa, tornando-se responsáveis pelo prejuízo que para AA, SA resultou dessa situação de incumprimento pontual do pagamento do preço (artigos 350º, 798º, 799º, nº 1, do Código Civil).
Assim, relativamente ao pagamento do preço, as recorrentes BB, SA, CC, SA e EE, SA constituíram-se na situação de mora de cumprimento, e, consequentemente, devem indemnizar a recorrente AA, SA pelo atraso de cumprimento, por referência ao valor correspondente ao dos juros de mora (artigos 804º e 805º, nºs 1 e 2, alínea a) e 806º, nº 1, do Código Civil).

5.
Vejamos agora a subquestão de saber se AA, SA exerceu ou não abusivamente o seu direito.
Expressa a lei ser ilegítimo o exercício de um direito quando o seu titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito (artigo 334º do Código Civil).
Reporta-se, pois, este artigo à existência de um direito substantivo exercido com manifesto excesso em relação aos limites decorrentes do seu fim social ou económico, em contrário da boa fé ou dos bons costumes, proibindo essencialmente a utilização do poder contido na estrutura do direito para a prossecução de interesses exorbitantes do fim que lhe inere.
O fim económico e social de um direito traduz-se, essencialmente, na satisfação do interesse do respectivo titular no âmbito dos limites legalmente previstos; e os bons costumes são, grosso modo, o conjunto de regras de comportamento relacional, acolhidas pelo direito, variáveis no tempo e, por isso, mutáveis conforme as concepções ético-jurídicas dominantes na colectividade de referência em determinada unidade de tempo.
O seu funcionamento, como excepção peremptória imprópria de direito adjectivo que é, não depende da sua consciencialização por parte do respectivo sujeito.
O entendimento da jurisprudência, no seguimento da doutrina, tem sido no sentido de que este instituto funciona como limite ao exercício de direitos quando a atitude do seu titular se manifeste em comportamento ofensivo do sentido ético-jurídico da generalidade das pessoas em termos clamorosamente opostos aos ditames da lealdade e da correcção imperantes na ordem jurídica.
Uma das vertentes do abuso do direito é o designado venire contra factum proprium, no confronto com o princípio da tutela da confiança, como é o caso de ser exercido contra alguém que, com base em convincente conduta positiva ou negativa de quem o podia exercer, confiou em que tal exercício não ocorresse e programou em conformidade a sua actividade.
Dir-se-á, nessa hipótese, que o titular do direito opera o seu exercício no confronto de outrem depois de a este fazer crer, por palavras ou actos, que o não exerceria, ou seja, depois de gerar uma situação objectiva de confiança em que ele não seria exercido.
Aproximemos do caso concreto em análise as referidas considerações de ordem jurídica.
Alegaram BB,SA, CC, SA e EE, SA não poder AA, SA, sob pena de incorrer em abuso do direito na modalidade de venire contra factum próprio, assumir postura de absoluto distanciamento e indiferença relativamente ao anúncio publicitário para o qual contribuiu e estava obrigada a prestar serviços de consultadoria e aconselhamento.
Referiram, ademais, que AA, SA se apresentou como dispondo de saber fazer e de conhecimentos especializados relativamente às áreas de planeamento estratégico, concepção e produção dos suportes de comunicação adequados à emissão televisiva e lhe caber a prestação de consultadoria sobre o filme publicitário e ter subscrito a selling idea.
Ignoram-se as circunstâncias e a medida em que AA, SA apoiou a selling idea do filme publicitário; mas sabe-se que aquela tentou dissuadir a FF, SA da suspensão da sua emissão, o que exclui a conclusão de alheamento.
Acresce que a sua subscrição da selling idea não revela que conhecesse ir ser recusada a emissão do filme publicitário por alguma ilegalidade de conteúdo face às normas que regem a publicidade.
Em suma, os factos provados não revelam que AA, SA tenha, ao exercer por via da acção o direito de crédito em causa, assumido alguma conduta contraditória em termos de gerar nas recorrentes BB, SA, CC, SA e EE, SA a fundada convicção de que não o exerceria.
A conclusão é, por isso, no sentido de que inexiste fundamento legal para se concluir que AA, SA motivou a excepção peremptória imprópria de abuso do direito.

6.
Atentemos, ora, sobre se recorrentes BB, SA, CC, SA e EE, SA têm ou não o direito de indemnização que invocam no confronto de AA, SA.
Os pressupostos da responsabilidade civil contratual consubstanciam-se no ilícito – violação do direito do credor – na culpa do devedor, no prejuízo e no nexo de causalidade entre este e aquele (artigos 406º, nº 1, 562º, 563º, 564º, 762º, nº 1 e 798º do Código Civil).
Conforme resulta do acima exposto, não está verificada a ilicitude da acção ou da omissão de AA, SA no confronto de BB, SA, CC, SA e EE, SA em relação às obrigações decorrentes do contrato de prestação de serviço em causa.
Ora, tal circunstância negativa implica, só por si, a exclusão da indemnização pretendida pelas últimas face à primeira.
Em consequência, queda prejudicada a análise das restantes vertentes do pedido reconvencional por aquelas formulado (artigos 660º, nº 2, 713º, nº 2 e 726º do Código de Processo Civil).

7.
Vejamos agora qual o âmbito quantitativo do direito de crédito de AA, SA no confronto de BB, SA, CC, SA e EE, SA.
No tribunal da primeira instância, sob a aplicação do disposto no artigo 781º do Código Civil, considerou-se que a omissão de pagamento pelas últimas da prestação de preço concernente ao mês de Julho de 2002 implicou o vencimento das restantes.
Nessa perspectiva, foi reconhecido a AA, SA, no confronto de BB, SA, CC, SA e EE, SA, o direito de crédito no montante de € 593 569, 50, acrescido de juros vencidos à taxa legal desde a data do vencimento das facturas em causa.
A Relação, por seu turno, entendendo não ser aplicável na espécie o disposto no artigo 781º do Código Civil, por estar em causa um contrato de execução continuada,
considerou ter AA, SA direito a exigir de BB, SA, CC, SA e EE, SA o pagamento de € 296 784,75 acrescidos de juros de mora à taxa legal desde a data de cada uma das facturas nºs 491 e 492, 625 e 626 e 733 e 734.
Conforme acima se deixou expresso, tal como foi decidido na Relação, não estamos no caso-espécie perante um contrato de prestação de serviço de execução instantânea, mas de execução permanente ou continuada, pelo que o incumprimento por BB, SA, CC, SA e EE, Ldª da obrigação de pagamento da prestação relativa a Julho de 2002 não implicou o vencimento das restantes prestações.
A falta de cumprimento de uma obrigação periódica não gera a imediata exigibilidade das prestações futuras, apenas facultando ao credor o pedido em juízo da condenação do devedor no pagamento do valor das prestações vencidas e, porventura, das vincendas (artigo 662º, nº 1, do Código de Processo Civil).
O direito de crédito de AA, SA, no confronto de BB, SA, CC, SA e de EE, Ldª, cinge-se, por isso, às prestações relativas aos serviços por ela efectivamente prestados às últimas e por elas não pagos.
Alegaram as primeiras não serem obrigadas ao pagamento dos valores facturados sob os nºs 491, 492, 625, 733 e 734, referentes ao período de tempo compreendido entre 29 de Agosto e 1 de Setembro de 2002, por então estar suspenso o contrato por acordo das partes até convenção sobre investimentos/inserções/Gross Rating Points.
Todavia, AA, SA realizou a sua prestação, providenciando pelas inserções publicitárias, nomeadamente as do segundo filme, resultante da alteração do primeiro pela EE, SA para o conformar a deliberação do Júri de Ética Publicitária do Instituto Civil da Autodisciplina da Publicidade.
Assiste-lhe, por isso, o direito à contraprestação das recorrentes BB, SA, CC, SA e EE, SA, que foi convencionada, certo que corresponde a actividade por ela desenvolvida ainda em cumprimento do contrato de prestação de serviço em causa.
Assim, a suspensão das transmissões do filme publicitário por iniciativa das recorrentes BB, SA, CC, SA e EE, SA era insusceptível de as dispensar do pagamento das facturas apresentadas e vencidas, respeitantes a inserções publicitárias efectuadas.
Os factos provados revelam que a não emissão do volume de publicidade inicialmente prevista no contrato em causa não resultou de acção ou omissão de AA, SA.
Eles também não revelam que a decisão da FF SA, titular do canal emissor, de suspender a emissão do filme publicitário, face ao conteúdo das mensagens em causa, na sequência da decisão do Jurí da Ética Publicitária, lhe seja censurável do ponto de vista ético-jurídico.
De qualquer modo, o direito de crédito de AA, SA, no confronto de BB, SA, CC, SA e de EE, SA não é reconhecido com base na diminuição do volume de publicidade previsto no contrato, mas na contrapartida do serviço efectivamente prestado.
Por isso, não tem fundamento legal a alegação de BB, SA, CC, SA e de EE, SA no sentido de que o nº 2 da cláusula segunda do contrato lhes excluiu a responsabilidade contratual em causa.
Segue-se a problemática do erro de cálculo da quantia devida por BB, SA, CC, SA e de EE, SA a AA, SA, que as primeiras invocaram.
Afirmaram ter havido 817 inserções correspondentes a 922, 6 Gross Rating Points, ao preço de € 213 755, 258 cada, e que, como pagaram a AA, SA € 498 767, 64, só lhe deverem € 125 953,48.
Resulta dos factos provados que, em contrapartida da prestação de AA, SA consubstanciada na aquisição de espaço televisivo publicitário à FF, SA e de aconselhamento no planeamento estratégico e de produção de suportes de comunicação instrumentais à emissão do filme publicitário, BB, SA, CC, SA e de EE, SA declararam vincular-se ao pagamento à primeira do montante de 200 000 000$ em onze prestações mensais no valor de 16 666 666$ cada com início Dezembro de 2001.
A Relação, aderindo ao critério seguido no tribunal da primeira instância, ao calcular o montante do débito de BB, SA, CC, SA e de EE, SA no confronto de AA, SA, teve em conta, além do âmbito quantitativo das referidas inserções publicitárias, o demais que elas convencionaram no que concerne à determinação da aludida retribuição.
E, assim, calculou o referido direito de crédito no montante de 296 784,75, em quadro quase exclusivo de juízos de facto, face ao serviço facturado prestado e ao preço convencionado pelas partes.
O referido critério de cálculo não diverge da vontade das partes manifestada por via das suas declarações negociais, interpretadas nos termos do artigo 236º, nº 1, do Código Civil.
Acresce que, quanto aos juízos de facto envolventes operados pela Relação, no âmbito dos seus poderes que lhe são próprios, não tem este Tribunal, pelos motivos acima mencionados, competência funcional para os sindicar.
8.
Atentemos agora na subquestão de saber desde quando são devidos pelas recorrentes BB, SA, CC, SA e EE, SA juros de mora.
Elas alegaram só deverem juros de mora desde o trânsito em julgado deste acórdão, sob o argumento de a quantia que reconhecem dever a AA, SA ser ilíquida.
A Relação considerou que elas devem a AA, SA juros de mora à taxa legal sobre cada quantia facturada por se tratar de obrigações pecuniárias de prazo certo.
A simples mora constitui o devedor na obrigação de reparar os danos causados ao credor, o qual se constitui nessa situação quando, por causa que lhe seja imputável, a prestação, ainda que possível, não foi efectuada no tempo devido (artigo 804º do Código Civil).
Mas ele só fica constituído em mora, não havendo interpelação, quanto a obrigação tiver prazo certo (artigo 805º, nºs 1, e 2, alínea a), do Código Civil).
Na hipótese de se tratar de obrigações pecuniárias, como ocorre no caso vertente, a indemnização corresponde aos juros de mora a contar do dia da constituição do devedor em mora (artigo 806º, nº 1, do Código Civil).
Todavia, se o crédito derivado de responsabilidade civil contratual for ilíquido, não há mora enquanto se não tornar líquido, salvo se a falta de liquidez for imputável ao devedor (artigo 805º, nº 3, do Código Civil).
A obrigação pecuniária é ilíquida quando não estiver determinada relativamente ao seu quantum.
Ora, no caso em análise, estamos perante uma obrigação pecuniária de expressão quantificada, pelo que, ao invés do que BB, SA, CC, SA e EE, SA alegaram, o direito de crédito da titularidade de AA, SA não assume a característica de ilíquido.
Em consequência, os juros de mora relativos ao atraso de pagamento em causa são contados desde a data concernente a cada uma das prestações em débito, por referência à da mencionada facturação (artigos 805º, nº 2, alínea a) e 559º do Código Civil).

9.
Finalmente a síntese da solução do caso-espécie decorrente dos factos provados, da dinâmica processual envolvente e da lei.
A decisão a proferir em ambos os recursos é insusceptível de envolver, por um lado, os vícios da decisão da matéria de facto que BB, SA, CC,SA e EE, SA invocaram sob o argumento da nulidade da sentença e a mera quantificação por via de dados de facto do crédito de AA, SA.
E, por outro, o direito de indemnização invocado por AA, SA, no confronto de BB, SA, CC,SA e EE, SA, com base na quebra de capacidade negocial por enfraquecimento de imagem de mercado publicitário televisivo.
As partes celebraram um contrato de prestação de serviços de natureza comercial, de execução permanente ou continuada.
Os factos não revelam que AA, SA tenha incumprido o referido contrato, ao invés do que ocorreu com BB, SA, CC, SA e EE, SA, nem que a primeira tenha exercido, face às mesmas, abusivamente o seu direito de crédito
BB, SA, CC, SA e EE, SA não têm direito de indemnização no confronto de AA, SA; mas esta tem direito a exigir àquelas a contrapartida do serviço que efectivamente lhes prestou.
O referido direito de crédito não é ilíquido, pelo que os juros de mora são devidos desde a data em que ocorreu o vencimento de cada uma das prestações do preço referenciada na concernente factura.

Improcedem, por isso, ambos os recursos.
Vencidas são as recorrentes responsáveis pelo pagamento das custas respectivas por referência a cada um dos recursos (artigo 446º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).

IV
Pelo exposto, nega-se provimento aos recursos interpostos por AA, SA, por um lado, e por BB, SA, CC Para DD, SA e EE, SA, por outro, e condenam-se uma e outras no pagamento das custas respectivas.

Supremo Tribunal de Justiça, 18 de Dezembro de 2007

Salvador da Costa (Relator)

Ferreira de Sousa
Armindo Luis