Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | SECÇÃO DO CONTENCIOSO | ||
Relator: | NUNO GOMES DA SILVA | ||
Descritores: | SUSPENSÃO DO EXERCÍCIO DE FUNÇÕES SUSPENSÃO PREVENTIVA DEMISSÃO OFICIAL DE JUSTIÇA LICENÇA SEM VENCIMENTO DE LONGA DURAÇÃO PODER DISCIPLINAR SANÇÃO DISCIPLINAR DEVERES FUNCIONAIS PRESCRIÇÃO PRESCRIÇÃO DA INFRAÇÃO INÍCIO DA PRESCRIÇÃO ERRO NON BIS IN IDEM VIOLAÇÃO DE LEI PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE | ||
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Data do Acordão: | 09/23/2020 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | RECURSO DE CONTENCIOSO | ||
Decisão: | JULGADAS IMPROCENTES AMBAS AS IMPUGNAÇÕES | ||
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Sumário : | I - As infrações disciplinares sob apreciação foram praticadas pelo autor quando, ao abrigo de licença sem vencimento de longa duração como secretário judicial, exerceu funções enquanto advogado e administrador de insolvências. Não estava, portanto, em efetividade de funções ao serviço da então Direcção-Geral dos Serviços Judiciários, atual Direcção-Geral da Administração da Justiça (DGAJ). II - Pelo que a remessa da certidão (contendo a condenação penal pelo tribunal onde correra termos o processo n.º 2077/14JFLSB), em observância do disposto no art. 179.º, n.os 1 e 2, da LGTFP (de acordo com os quais, quando um trabalhador em funções públicas seja condenado pela prática de crime, a secretaria do tribunal por onde corra o processo, no prazo de 24 horas sobre o trânsito em julgado da decisão, entrega, por termo nos autos, cópia ao Ministério Público, a fim de que este a remeta ao órgão ou serviço em que o trabalhador desempenha funções), teve como destinatários a Ordem dos Advogados e a Comissão de Acompanhamento dos Administradores Judiciais o que não permite dar como seguro que o COJ tomou conhecimento dessa condenação antes da data em que alegou ter tomado conhecimento. III - Os elementos que relevam para determinar esta prescrição de curto prazo são os constituídos por todo o expediente que foi coligido e apresentado ao Plenário do COJ com vista a deliberar sobre a instauração, ou não, de processo disciplinar. Tais diligências iniciaram-se com um email de 27-09-2018, no âmbito do qual o COJ foi pela primeira vez alertado para a existência de inquéritos em que o aqui autor figurava como arguido, antes ainda de ter conhecimento de que o ora demandante fora condenado noutro processo crime; e só depois disso, nomeadamente a 09-11-2018, é que deram entrada no COJ os acórdãos proferidos no processo criminal que haviam condenado o aqui demandante. IV - Por último, não há qualquer elemento que comprove que o autor tenha dado conhecimento ao COJ dessa anterior condenação. O autor não alega sequer que, quando solicitou ao Diretor-Geral da Administração da Justiça o regresso ao serviço, a 15-11-2017, tenha apresentado certificado de registo criminal, nem que informou que tinha sofrido a referida condenação. De resto, dos autos resulta agora, afinal, que essa indicação não estava aí vertida. V - Sendo assim, nada permite infirmar que o COJ só teve conhecimento da referida condenação em 09-11-2018, como está assente no relatório final. Pelo que tem de se julgar que o procedimento disciplinar, instaurado que foi a 06-12-2018 foi instaurado antes de decorrido o prazo de 60 dias sobre aquela data de 09-11-2018, em que o COJ a quem compete, funcionando em plenário, nos termos do art. 94.º, n.º 1, 111.º, al. a), e 113.º da EFJ, a instauração do procedimento disciplinar tomou conhecimento das infrações. VI - Como é jurisprudência firme desta Secção do Contencioso o vício de violação de lei ocorre quando é efetuada uma interpretação errónea da lei, aplicando-a à realidade a que não devia ser aplicada ou deixando-a de aplicar à realidade que devia ser aplicada" O erro de direito pode respeitar à lei a aplicar, ao sentido da lei aplicada ou à qualificação jurídica dos factos: no primeiro caso, aplicou-se por engano ou por ignorância uma norma quando era outra a aplicável (erro na aplicação); no segundo caso, aplicou-se a lei correta, mas interpretou-se mal (erro na interpretação); no terceiro caso, qualificaram-se certos factos numa figura jurídica quando deviam sê-lo noutra (erro na qualificação). VII - O vício de violação de lei configura, assim, uma ilegalidade de natureza material, sendo a própria substância do ato administrativo que contraria a lei. A ofensa da lei não se verifica aqui nem na competência do órgão nem nas formalidades ou na forma que o ato reveste nem no fim tido em vista, mas no próprio conteúdo ou no objeto do ato. Tal vício produz-se normalmente no exercício de poderes vinculados, mas também pode ocorrer no exercício de poderes discricionários, quando, designadamente, sejam infringidos os princípios gerais que limitam ou condicionam, de forma genérica, a discricionariedade administrativa, maxime os princípios constitucionais da imparcialidade, da igualdade, da justiça e da boa fé. VIII - A licença sem vencimento de longa duração, concedida ao autor ao abrigo do art. 78.º, n.os 1 e 2, do DL n.º 497/88, de 30 de dezembro, com os efeitos previstos no art. 80.º do mesmo diploma legal, não afastou os direitos, deveres e garantias das partes, na medida em que não pressupunham a efetiva prestação de trabalho. Isso mesmo decorria de preceitos normativos vigentes à data, quer da concessão da licença sem vencimento, quer da prática das infrações, e resulta hoje igualmente da LGTFP, vigente à data da aplicação da sanção. IX - Dispunha o art. 2.º do DL n.º 398/83, de 2 de novembro (revogado pela Lei n.º 99/2003, de 27 de agosto), com o âmbito de aplicação previsto no art. 1.º, que «durante a redução ou suspensão mantêm-se os direitos, deveres e garantias das partes, na medida em que não pressuponham a efetiva prestação de trabalho». Também o art. 231.º, n.º 1, da Lei n.º 59/2008, de 11 de novembro, que aprovou o RCTFP (revogado pela Lei n.º 35/2014) veio a dispor: "Durante a redução ou suspensão mantêm-se os direitos, deveres e garantias das partes na medida em que não pressuponham a efectiva prestação do trabalho". Finalmente, em redação similar, dispõe atualmente o n.º 1 do art. 277.º da LGTFP: "Durante a redução ou suspensão mantêm-se os direitos, deveres e garantias das partes, na medida em que não pressuponham a efetiva prestação do trabalho." X - O próprio regime jurídico disciplinar contido no EDTFP e na LGTFP enuncia claramente essa submissão a (alguns) deveres disciplinares, independentemente das vicissitudes que a relação jurídica de emprego pública venha a sofrer. Assim era com o art. 4.º, n.os 3 e 4, do EDTFP, e assim se mantém com o art. 176.º, n.os 3 e 4, da LGTFP. Dispõe este preceito: "3 - Os trabalhadores ficam sujeitos ao poder disciplinar desde a constituição do vínculo de emprego público, em qualquer das suas modalidades. 4 - A cessação do vínculo de emprego público ou a alteração da situação jurídico-funcional do trabalhador não impedem a punição por infrações cometidas no exercício da função". XI - Como unanimemente tem assinalado a doutrina «[a] alteração da relação jurídica de emprego não prejudica a aplicação de sanção disciplinar até porque mantém a relação de emprego». Se o empregador público tem o poder disciplinar sobre o trabalhador ao seu serviço enquanto durar o vínculo de emprego público (art. 76.º da LGTFP) e, além disso, todos os trabalhadores são disciplinarmente responsáveis perante os seus superiores hierárquicos (art. 176.º, n.º 1, da LGTFP), compreende-se a solução normativa dos n.os 3 e 4 do mesmo art. 176.°, ao estabelecer que a sujeição ao poder disciplinar se inicia com a constituição do vínculo de emprego público, em qualquer das suas modalidades, sem que a alteração da situação jurídico-funcional impeça a punição por infrações cometidas no exercício da função ou suscetíveis de comprometer a dignidade desta». XII - De acordo com a natureza da licença sem vencimento, enquanto vicissitude da relação funcional, o que nela se verifica é tão somente uma modificação da relação jurídica de emprego público decorrente da mera suspensão do vínculo, mas não cessação da relação funcional. Como refere a jurisprudência, mantendo-se embora o vínculo à função pública, ficam suspensos os deveres dos funcionários que sejam inerentes à efetividade da prestação de serviço público, entre os quais se incluem os deveres gerais de zelo, obediência, lealdade, correção, assiduidade e pontualidade Porém, tal não invalida que se mantenham outros deveres funcionais gerais, nomeadamente aqueles que não pressuponham a manutenção do exercício efetivo de funções, como o sejam os deveres da prossecução de interesse público, da imparcialidade, da isenção e da lealdade (cfr. arts. 66.°, n.º 1, do EFJ e 73.º, n.os 2, als. a), b), c) e g), 3, 4, 5 e 9, da LGTFP). XIII - A doutrina e a jurisprudência são unânimes em considerar que pode normalmente ser qualificada como infração disciplinar qualquer conduta de um agente que caiba na definição legal, uma vez que a infração disciplinar é atípica. É, assim, disciplinarmente ilícita qualquer conduta do agente que transgrida a conceção dos deveres funcionais válida para as circunstâncias concretas da sua posição de atuação. Podem constituir motivo de ação disciplinar os factos que estão indexados com a vida pública do funcionário e os que colidam com a imagem de dignidade associada às funções que se relacionam com a administração da justiça. Como tal, o COJ, quer quando mandou instaurar o procedimento disciplinar, quer quando suspendeu preventivamente o autor de funções, quer quando o puniu, atuou no exercício legítimo do poder disciplinar que lhe assistia. XIV - O princípio ne bis in idem tem previsão constitucional e, por isso, é dotado de particular força cogente, pelo que, apesar de reportado às garantias do arguido em sede criminal, é aplicável também nos outros direitos sancionatórios públicos, no âmbito respetivo. XV - Como ensina a doutrina sendo «caso de acumulação de empregos públicos, a aplicação de uma sanção no âmbito de uma das relações de emprego não deve ter efeitos sobre a outra, sem prejuízo de os factos integrativos da infração punida poderem consubstanciar violação de deveres e obrigações do trabalhador no âmbito da outra, caso em que não é de excluir a instauração de procedimento disciplinar. Com efeito, sendo os empregadores públicos diferentes, é no quadro de cada uma das relações jurídicas de emprego que tem de ser aferida a não observância pelo trabalhador dos deveres e obrigações a que está vinculado no quadro das mesmas». Vale isto por dizer que a prática de uma infração criminal pode ter respaldo disciplinar em tantas as carreiras/ordens profissionais quantas o trabalhador tenha vínculo ou inscrição ativa, com diferentes consequências, sem que tal viole o princípio ne bis in idem ou o disposto no art. 180.º, n.º 3, da LGTFP. XVI - O que é tanto mais pertinente quanto é certo que, no caso, nem sequer se está perante o mesmo e exato regime disciplinar, aplicável transversalmente a todos os substratos profissionais em que se moveu o autor. Não está designadamente em causa a submissão a um quadro normativo exatamente comum, como seria o caso de o autor ter estado em tribunais diversos durante a prática das infrações em causa, ou no caso mais comum de mobilidade entre pessoas coletivas de direito público submetidas ao mesmo regime disciplinar (designadamente, o da LGTFP). | ||
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Decisão Texto Integral: | Processos apensos 44/19.0YFLSB e 54/19.6YFLSB
I. Relatório 1. AA, oficial de justiça, vem, nos termos dos artigos 168.º e seguintes do Estatuto dos Magistrados Judiciais (EMJ), aprovado pela Lei n.º 21/85, de 30 de Julho, apresentar recurso contencioso[1] da deliberação do Conselho Superior da Magistratura (CSM) com o n.º 2019/……, de ……...2019, que indeferiu o recurso hierárquico interposto da deliberação do Conselho dos Oficiais de Justiça (COJ) de …...2019, que suspendeu o recorrente preventivamente de funções pelo limite temporal máximo previsto no artigo 96.º, n.º 3, do Estatuto dos Funcionários de Justiça (EFJ), nos termos e com os fundamentos seguintes: “1.° A decisão recorrida julgou improcedente o recurso hierárquico por si apresentado, "confirmando na íntegra a deliberação recorrida do Conselho dos Oficiais de Justiça". 2.° Da sua leitura, resulta que nenhum dos argumentos levados aos autos, na interposição de recurso de deliberação do C.O.J para o C.S.M foi tido em conta pelo órgão ora recorrido, exceto no que se refere o seguinte: 3.° "Quanto a este argumento, é inequívoco que o recorrente, à data da prática dos factos pelos quais foi condenado, não exercia as funções de oficial de justiça, uma vez que gozava de uma licença de longa duração desde 1996 e só retomou as funções de secretário de justiça por despacho de ……….2018. No entanto, tal situação não pressupõe a extinção do vínculo existente entre o recorrente e a administração pública, de onde decorre não se extinguirem também os deveres que sobre o mesmo impendem, enquanto oficial de justiça que não pressuponham a efetiva prestação de trabalho. Sublinhe-se a este propósito o que preceitua o já citado art.º 90 do EFJ que constitui infração disciplinar não apenas os atos praticados pelos oficiais de justiça com violação dos seus deveres profissionais, mas também os actos e omissões da sua vida pública, ou que nela se repercutam, incompatíveis com a dignidade indispensável ao exercício das suas funções". 4.° Deriva do exposto com o que se concorda de forma que se reputa clara, que o recorrente não está sujeito disciplinarmente pela sua condenação penal, mas pela sua, dela condenação, repercussão nos atos e omissões da sua vida pública incompatível com a dignidade indispensável ao exercício das funções de O.J.. 5.° Dito de outro modo, a repercussão da condenação penal nos atos e omissões da vida pública do requerente não consubstancia qualquer infração disciplinar. 6.° Assim sendo, como é, o normativo aplicável é o da 1.ª parte do artigo 178.° da LGTFP, Ex vi artigo 123.° EFJ. 7.° Estabelecida a data repercussão como a do trânsito, ……./2017, facto 2 P.A 2, 8.° Aquando da instauração do P.D., ……./2018, facto 12, p.ª 4, já a infração disciplinar se encontrava prescrita, como, aliás, o direito de instaurar P.D.. 9.° No mais e porque nenhum argumento foi sufragado, aparte o exposto, todos mantêm atualidade, pelo que se dão como reproduzidos como motivação de recurso para todos os legais efeitos. Face à patente ilegalidade da decisão recorrida, confia o recorrente no imanente sentido da Justiça desse alto Tribunal, dando provimento ao presente recurso.” 2. Por despacho de ……..2020, foi ordenada, ao abrigo do disposto nos artigos 4.º, 28.º, 61.º e 27.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), aqui aplicável ex vi artigo 178.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais /EMJ), a apensação, a este processo, do processo n.º 54/19.6YFLSB, em que impugna a deliberação de ……..2019 do CSM, que, negando provimento ao recurso hierárquico interposto pelo recorrente da deliberação do COJ de ……..2019, lhe aplicou a pena de demissão. 3. No processo apenso, o autor AA apresentou recurso nos termos e com os fundamentos seguintes (transcrição): “1.º A decisão recorrida julgou improcedente o recurso hierárquico "confirmando na íntegra a deliberação recorrida do Conselho dos Oficiais de Justiça". 2.º Da sua leitura, resulta que nenhum dos argumentos levados aos autos, na interposição de recurso de deliberação do C.O.J para o C.S.M foi tido em conta pelo órgão ora recorrido, exceto no que refere ao seguinte: 3.º "Quanto a este argumento, é inequívoco que o Recorrente, à data da prática dos factos pelos quais foi condenado, não exercia as funções de Oficial de Justiça, uma vez que gozava de uma licença de longa duração desde 1996 e só retomou as funções de secretário de justiça por despacho de …....2018. No entanto, tal situação não pressupõe a extinção do vínculo existente entre o recorrente e a administração pública, de onde decorre não se extinguirem também os deveres que sobre o mesmo impendem, enquanto Oficial de Justiça que não pressuponham a efetiva prestação de trabalho. Sublinhe-se a este propósito o que preceitua o já citado artigo 90.° do EFJ que constitui infração disciplinar não apenas os atos praticados pelos Oficiais de Justiça com violação dos seus deveres profissionais, mas também os actos e omissões da sua vida pública, ou que neia se repercutam, incompatíveis com a dignidade indispensável ao exercício das suas funções." 4.º Deriva do exposto, com o que se concorda, de forma que se reputa clara, que o recorrente não está sujeito disciplinarmente pela sua condenação penai, mas pela sua, dela condenação, repercussão nos "atos e omissões da sua vida pública incompatível com a dignidade indispensável ao exercício das suas funções de O.J.." 5.º Dito de outro modo, a repercussão da condenação penal nos atos e omissões da vida pública do requerente não consubstancia qualquer infração disciplinar. 6.º Assim sendo, como é, o normativo aplicável é o da 1a parte do artigo 178.° da LGTFP, Ex vi artigo 123.° EFJ 7.º Estabelecida a data de repercussão como a do trânsito, ……./2017, facto 2 P.A2, 8.º Aquando da instauração do P.D., ……/2018, facto 12, p.a 4 já a infração disciplinar se encontrava prescrita, como, aliás, o direito de instaurar P.D. 9.º No mais e porque nenhum argumento foi sufragado, aparte o exposto, todos mantêm atualidade, pelo que se dão corno reproduzidos como motivação de recurso para todos os legais efeitos. 10.º Acresce, conforme anteriormente referido, que o próprio CSM já reconheceu que "...é inequívoco que o recorrente, à data dos factos pelos quais foi condenado, não exercia as funções de Oficial de Justiça..." 11.º Pressupondo-se que tal situação não extingue do vínculo, daí decorrendo não se extinguirem os deveres, enquanto O.J., que não pressuponham efetiva prestação de trabalho. 12.º Daqui deriva que a acusação contra o recorrente não é repercutida pela condenação penal, mas sim pelos atos e omissões da sua vida pública, ou que nela se repercutam. Ou seja, 13.º Não é aqui aplicável o artigo 178.° da LGTFP, 2.ª parte. 14.º A infração disciplinar, a existir, não consubstancia, também, infração penal. 15.º Pelo que o prazo de prescrição é o da 1.ª parte daquele artigo. 16.º Assim, já prescreveu, de há muito a eventual infração disciplinar. 17.º Por todo o exposto, deve ser corrigido o feito do recurso para suspensão, conforme requerido autonomamente - artigo 170.° EM. 18.º Parece ser pacífico que os atos do instrutor que o arguido considere ser contrárias à Lei são passíveis de recurso e dúvidas não restam que esse recurso (para o C.O.J.) tem efeito suspensivo. 19.º Tal efeito suspensivo tem repercussões na marcha do processo e contribuiu, desnecessariamente, para a diminuição das garantias de defesa do arguido designadamente, a instrutora, já depois de interposto o recurso com efeito suspensivo, elaborou relatório final, mesmo tendo obrigação de proceder ex ofício à apreciação de todas as posições de arguido plasmadas nos autos, inquirição de testemunha e descoberta da verdade material, designadamente quanto ao alegado "alarme social", que não passou de uma notícia "plantada" numa revista e, no mesmo dia, transcrita em jornal local. 20.º O Requerente, viu-se privado de poder continuar a trabalhar e a auxiliar a família, violando-se, assim, o artigo 58.° n.° 1 da Constituição da República Portuguesa, "1. Todos têm direito ao trabalho." 21.º Parece-nos justo verificar que, em consequência desta situação, a falta de meios que permitam o seus sustento e do seu agregado familiar, estamos perante uma violação dos Direitos Humanos. Assim, por tudo quanto aqui se expôs, motivos não faltam para que a decisão final deste processo não deixe de ser o simples e imediato arquivamento, o que se requer seja julgado, fazendo-se JUSTIÇA! CONCLUSÕES: a) A decisão recorrida julgou improcedentes os recursos hierárquicos "confirmando na íntegra as deliberações recorridas do COJ" b) Nenhum dos argumentos levados aos autos, nas interposições de recurso das deliberações do C.O.J para o C.S.M foi tido em conta pelo órgão ora recorrido, exceto: c) "Quanto a este argumento, é inequívoco que o Recorrente, à data da prática dos factos pelos quais foi condenado, não exercia as funções de Oficial de Justiça, uma vez que gozava de uma licença de longa duração desde 1996 e só retomou as funções de secretário de justiça por despacho de …...2018. No entanto, tal situação não pressupõe a extinção do vínculo existente entre o recorrente e a administração pública, de onde decorre não se extinguirem também os deveres que sobre o mesmo impendem, enquanto Oficial de Justiça que não pressuponham a efetiva prestação de trabalho. Sublinhe-se a este propósito o que preceitua o já citado artigo 90.° do EFJ que constitui infração disciplinar não apenas os atos praticados pelos Oficiais de Justiça com violação dos seus deveres profissionais, mas também os actos e omissões da sua vida pública, ou que nela se repercutam, incompatíveis com a dignidade indispensável ao exercício das suas funções." d) Deriva que o recorrente não está sujeito disciplinarmente pela sua condenação penal, mas pela sua, dela condenação, repercussão nos "atos e omissões da sua vida pública incompatível com a dignidade indispensável ao exercício das suas funções de O.J.." e) A repercussão da condenação penal nos atos e omissões da vida pública do recorrente não consubstancia em si, qualquer infração disciplinar. f) O normativo aplicável é o da 1.ª parte do artigo 178.º da LGTFP, Ex vi artigo 123.º EFJ g) Estabelecida a data de repercussão como a do trânsito, ……/2017, facto 2 P.A 2, h) Aquando da instauração do P.D., ……/2018, facto 12, p.a 4 já a infração disciplinar se encontrava prescrita, assim, como o direito de instaurar P.D. i) Porque nenhum argumento foi sufragado, aparte o exposto, todos mantêm atualidade, pelo que se dão como reproduzidos como motivação de recurso para todos os legais efeitos. j) O CSM reconhece que "...é inequívoco que o recorrente, à data dos factos pelos quais foi condenado, não exercia as funções de Oficial de Justiça..." k) Tal situação não extingue o vínculo, decorrendo não se extinguirem os deveres, enquanto O.J., que não pressuponham efetiva prestação de trabalho. I) A acusação contra o recorrente não é repercutida pela condenação penal, mas sim pelos atos e omissões da sua vida pública, ou que nela se repercutam. m) Não é aqui aplicável o artigo 178.º da LGTFP, 2.ª parte. n) A infração disciplinar, a existir, não consubstancia, também, infração penal. o) O prazo de prescrição é o da 1.ª parte daquele artigo. p) Prescreveu, a eventual infração disciplinar. q) Deve ser corrigido o feito do recurso para suspensão, conforme requerido autonomamente - artigo 170.º EMJ. r) Os atos do instrutor que o recorrente considere ser contrários à Lei são passíveis de recurso, e esse recurso (para o C.O.J.), tem efeito suspensivo. s) Tal efeito suspensivo tem repercussões na marcha do processo e contribuiu, para a diminuição das garantias de defesa do arguido designadamente, a instrutora, já depois de interposto o recurso com efeito suspensivo, elaborou relatório final, mesmo tendo obrigação de proceder ex ofício à apreciação de todas as posições de arguido plasmadas nos autos, inquirição de testemunha e descoberta da verdade material, designadamente, quanto ao alegado "alarme social", uma notícia "plantada" numa revista e, no mesmo dia, transcrita em jornal local. t) O Requerente, viu-se privado de poder continuar a trabalhar e a auxiliar a família, violando-se, assim, o artigo 58.º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, "1. Todos têm direito ao trabalho." u) A falta de meios que permitam o seu sustento e do seu agregado familiar, enquadra uma violação dos Direitos Humanos. v) A decisão final deste recurso não pode ser outro senão o simples e imediato arquivamento, o que se requer seja julgado, fazendo-se JUSTIÇA!” 4. O Conselho Superior da Magistratura apresentou resposta, dizendo (transcrição na parte que se relaciona com as questões suscitadas): 4.1. No processo n.º 44/19.9YFLSB, defendendo a improcedência do recurso: “II) Da pretensa prescrição do procedimento disciplinar 6º) O recorrente começa por invocar a prescrição da infração disciplinar, bem como do direito de instaurar procedimento disciplinar, por decurso dos prazos previstos nos termos do disposto no artigo 178.º, n.ºs 1 e 2 da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (LGTFP), aplicável ex vi artigo 123.º do EFJ. 7º) Porém, sem qualquer margem para dubitar não lhe assiste qualquer razão, como se demonstrará. Assim, 8º) Em ……/2018, em sessão ordinária do Conselho dos Oficiais de Justiça (COJ), foi decidido o seguinte: “(…) a) ….../18 – Apreciação da situação funcional do secretário de justiça do Núcleo de ……., AA. Deliberação: O Plenário depois de analisar todo o expediente apresentado à sessão respeitante ao oficial de justiça AA, considerando que a notícia da infração contém já uma descrição de factos, com indicação das circunstâncias de tempo, lugar e modo de ocorrência do evento, reportada ao secretário de justiça AA, com o número mecanográfico ……, em termos de permitir configurar e imputar objetivamente ao identificado oficial de justiça a prática de uma infração disciplinar, deliberou instaurar processo disciplinar, ficando a instrução do mesmo a cargo da senhora Inspetora BB. O Plenário deliberou, ainda, que se dê conhecimento da presente deliberação à Exm.ª Juíza Presidente, à Exm.ª Magistrada do Ministério Público Coordenadora, da Comarca de ………….. e, bem assim, ao senhor Administrador Judiciário da mesma Comarca. Mais deliberou o Plenário no sentido de o visado ser notificado para a audiência prévia, nos termos e para os efeitos dos art.ºs 121.º e 122.º do Código do Procedimento Administrativo, considerando a eventual possibilidade de aplicação da medida cautelar de suspensão preventiva do exercício de funções com os seguintes fundamentos: Resulta da certidão judicial emitida a ………. de 2018, referente aos acórdãos proferidos no âmbito do processo crime n.º …………….., ambos transitados em julgado, que o senhor oficial de justiça AA foi condenado na pena única de três anos e quatro meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, pela prática de um crime de peculato de uso, p. e p, pelo art.º 376.º, n.º 2, do Código Penal, e um crime de corrupção passiva, p. e p. pelos art.ºs 373.º, n.º 2, 374.º-A, n.ºs 1 e 3 do Código Penal, bem como, na pena acessória de proibição do exercício de funções de administrador judicial por igual período. Atenta a condenação criminal a que foi sujeito e os factos que a sustentam, mostra-se indiciada, por parte do senhor oficial de justiça acima identificado, a prática de infração disciplinar consubstanciada na violação dos deveres funcionais ínsitos no art. 73.º, n.º 1, n.º 2, alíneas a), b), c) e g), n.ºs 3, 4, 5 e 9, da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (Lei n.º 35/2014, de 20/06), aplicável ex vi do art.º 123.º do Estatuto dos Funcionários de Justiça (EFJ – Dec. Lei n.º 343/99, de 26/08), em conjugação com o disposto nos art.ºs 90.º do EFJ; Dec- Lei n.º 244/93, de 08/07 e art.º 80.º do Dec. Lei n.º 497/88, de 03/12. Considerando que à infração disciplinar indiciada é suscetível de aplicação a pena de suspensão ou, inclusive, demissão, nos termos do disposto nos art.ºs 186.º, alíneas e), k), l) e m) e 187.º da LGTFP, respetivamente, o Plenário pondera a eventual aplicação da medida cautelar de suspensão preventiva prevista no art.º 211.º da LGTFP”. 9º) No que releva para a situação que nos ocupa, o artigo 178.º da LGTFP, a respeito da prescrição do procedimento disciplinar, dispõe o seguinte: Artigo 178.º Prescrição da infração disciplinar e do procedimento disciplinar 1 - A infração disciplinar prescreve no prazo de um ano sobre a respetiva prática, salvo quando consubstancie também infração penal, caso em que se sujeita aos prazos de prescrição estabelecidos na lei penal à data da prática dos factos. 2 - O direito de instaurar o procedimento disciplinar prescreve no prazo de 60 dias sobre o conhecimento da infração por qualquer superior hierárquico. 3 - Suspendem os prazos prescricionais referidos nos números anteriores, por um período até seis meses, a instauração de processo de sindicância aos órgãos ou serviços, ou de processo de inquérito ou disciplinar, mesmo que não dirigidos contra o trabalhador a quem a prescrição aproveite, quando em qualquer deles venham a apurar-se infrações por que seja responsável. 4 - A suspensão do prazo prescricional da infração disciplinar opera quando, cumulativamente: a) Os processos referidos no número anterior tenham sido instaurados nos 30 dias seguintes à suspeita da prática de factos disciplinarmente puníveis; b) O procedimento disciplinar subsequente tenha sido instaurado nos 30 dias seguintes à receção daqueles processos, para decisão, pela entidade competente; c) À data da instauração dos processos e procedimento referidos nas alíneas anteriores, não se encontre já prescrito o direito de instaurar procedimento disciplinar. 5 - O procedimento disciplinar prescreve decorridos 18 meses, a contar da data em que foi instaurado quando, nesse prazo, o trabalhador não tenha sido notificado da decisão final. 6 - A prescrição do procedimento disciplinar referida no número anterior suspende-se durante o tempo em que, por força de decisão ou de apreciação judicial de qualquer questão, a marcha do correspondente processo não possa começar ou continuar a ter lugar. 7 - A prescrição volta a correr a partir do dia em que cesse a causa da suspensão. 10º) Na sua petição de recurso o recorrente pugna pela declaração de prescrição da infração disciplinar em causa nos presentes autos. 11º) Para tal, considera, em suma, que o fundamento do presente processo disciplinar é a repercussão de atos e omissões da sua vida pública incompatíveis com a dignidade indispensável ao exercício de funções, a qual não consubstancia infração penal, pelo que seria aplicável a primeira parte do n.º 1 do artigo 178.º da LGTFP, e não a segunda parte da mesma disposição legal (“…salvo quando consubstancie também infração penal, caso em que se sujeita aos prazos de prescrição estabelecidos na lei penal à data da prática dos factos). 12º) Ora, compulsado o teor da deliberação do Plenário do COJ, resulta claro e textualmente expresso que: «(…) Atenta a condenação criminal a que foi sujeito e os factos que a sustentam, mostra-se indiciada, por parte do senhor oficial de justiça acima identificado, a prática de infração disciplinar consubstanciada na violação dos deveres funcionais ínsitos no art. 73.º, n.º 1, n.º 2, alíneas a), b), c) e g), n.ºs 3, 4, 5 e 9, da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (Lei n.º 35/2014, de 20/06), aplicável ex vi do art.º 123.º do Estatuto dos Funcionários de Justiça (EFJ – Dec. Lei n.º 343/99, de 26/08), em conjugação com o disposto nos art.ºs 90.º do EFJ; Dec- Lei n.º 244/93, de 08/07 e art.º 80.º do Dec. Lei n.º 497/88, de 03/12. 13º) Nestes termos, dúvidas inexistem de que, nos termos legalmente previstos, está em causa um conjunto de factos apurados em sede de responsabilidade criminal, que consubstanciam infração penal e que, inclusivamante, levaram à condenação, em processo crime, pela prática de um crime de peculato de uso e um crime de corrupção passiva. E, 14º) Decorre da segunda parte do artigo 178.º, n.º 1 da LGTFP que, caso a infração disciplinar consubstancie também infração penal, se aplica o prazo prescricional previsto para esta última. 15º) In casu, tendo em conta os crimes em causa (peculato de uso e corrupção passiva), o prazo de prescrição do procedimento criminal é, assim, de 15 anos sobre a prática do crime – cfr. artigo 118.º, n.º 1 alínea a), ex vi artigo 373.º, n.º 1 do Código Penal. 16º) Assim, afigura-se indiscutível que os factos apurados em sede de processo criminal constituem infração penal e põem em causa a dignidade indispensável ao exercício de funções, tendo determinado a condenação no respetivo processo crime, pelos crimes de peculato de uso e de corrupção passiva. E, 17º) Não subsistem igualmente quaisquer dúvidas de que, entre a data de instauração do presente procedimento disciplinar (…..2018) e a data da verificação dos factos consubstanciadores de infração penal (….. a ….. de 2014), decorreu um período de tempo muito aquém do referido prazo de prescrição de 15 anos. 18º) Sendo, pois, irrepreensível a deliberação impugnada na parte em que, tratando a invocada prescrição, considerou o seguinte: «(…) Como ficou plasmado na factualidade dada por provada, o recorrente foi condenado, entre o mais, por um crime de corrupção passiva agravada p.p pelos art.ºs 373.º n.º 2 e 374.º -A n.ºs 1 e 3 do Código Penal, por referência a factos praticados entre ….. e ……. de 2014. Dispõe o art.º 118.º n.º 1 al. a) do Código Penal referente aos prazos de prescrição que o procedimento criminal extingue-se, por efeito de prescrição, logo que sobre a prática do crime tiverem decorrido os seguintes prazos: a) 15 anos, quando se tratar de crimes puníveis com pena de prisão cujo limite máximo for superior a 10 anos ou dos crimes previstos nos artigos 335.º, 372.º, 373.º, 374.º, 374.º-A, 375.º, n.º 1, 377.º, n.º 1, 379.º, n.º 1, 382.º, 383.º e 384.º do Código Penal, 16.º, 17.º, 18.º e 19.º da Lei n.º 34/87, de 16 de julho, alterada pelas Leis n.ºs 108/2001, de 28 de novembro, 30/2008, de 10 de julho, 41/2010, de 3 de setembro, 4/2011, de 16 de fevereiro, e 4/2013, de 14 de janeiro, 7.º, 8.º e 9.º da Lei n.º 20/2008, de 21 de abril, e 8.º, 9.º, 10.º e 11.º da Lei n.º 50/2007, de 31 de agosto, e ainda do crime de fraude na obtenção de subsídio ou subvenção. Se assim é, necessariamente não se mostra prescrito o procedimento disciplinar, por força do disposto no artº 178º nº 1 da LGTFP. (…)» 19º) Ademais, no que respeita ao prazo prescricional previsto no n.º 2 do artigo 178.º da LGTFP, o recorrente refere de forma conclusiva o seguinte: “ (…) 8.º Aquando da instauração do P.D., ……/2018, facto 12, p.ª 4, já a infração disciplinar se encontrava prescrita, como, aliás, o direito de instaurar P.D.”. 20º) A tal respeito o recorrente nada demonstra. Ora, 21º) Tem sido entendido que o “conhecimento da infração” referido no n.º 2 do artigo 178.º da LGTFP não se basta com o conhecimento, em termos genéricos, de anomalias da prestação funcional ou do mero conhecimento de factos subsumíveis a uma norma disciplinar sancionadora. 22º) Citando a título de exemplo os doutos Acórdãos desse Supremo Tribunal de 22.09.2011 e de 13.01.2010, correspondentes respetivamente aos processos n.ºs 429/07.3PRT e 1321/06.4TTLSB, “antes se tornando necessário o conhecimento destes e do circunstancialismo que os rodeou, de forma a tornar possível a formulação de um juízo fundado de que integram infracção disciplinar”, por parte da entidade com competência disciplinar, apenas se iniciando esse prazo “quando o dirigente tiver conhecimento de fortes indícios da prática de infracção, não bastando para isso uma mera participação ou denúncia não suficientemente concretizada e individualizada” (Ac. do STA de 07.07.1992 citado por Leal Henriques, in “Procedimento Disciplinar”). 23º) Resulta indiscutivelmente dos autos que, designadamente em …….2018, inexistia ainda o conhecimento pleno dos circunstancialismos concretos, suscetíveis de constituir infração disciplinar (Doc. 1). 24º) Donde, àquela data, ainda não havia concreto conhecimento da infração por parte de qualquer sujeito, ou órgão, com competência para instaurar processo disciplinar. 25º) De tudo resulta que, in casu, só quando o Plenário do COJ teve conhecimento dos factos com relevância disciplinar, é que se iniciou o prazo de contagem da prescrição do exercício do poder disciplinar – cfr. art. 178.º, n.º 2, última parte, da LGTFP e o arts. 94.º do EFJ. E, 26º) Tendo o processo disciplinar sido instaurado por deliberação do Plenário do COJ, de ……..2018, dúvidas inexistem de que, àquela data, não estava transcorrido o prazo de prescrição de 60 dias sobre o conhecimento da infracção por qualquer superior hierárquico. 27º) Fica, pois, demonstrada de forma inequívoca a inexistência da invocada prescrição do direito de instaurar o presente procedimento disciplinar. 28º) Pelo que se mostra irrepreensível a deliberação sub judice ao não declarar a prescrição do direito de instaurar o procedimento disciplinar. III) Da deliberação impugnada e dos vícios imputados 29º) Na sua petição recursória, uma vez mais de forma conclusiva e sem nada acrescentar nem demonstrar, o recorrente refere: “(…) 9.º No mais e porque nenhum argumento foi sufragado, aparte o exposto, todas mantém atualidade, pelo que se dão como reproduzidos como motivação de recurso para todos os legais efeitos.” 30º) O recorrente, parece-nos, pretende ver assim reapreciadas por esse Colendo Supremo Tribunal as questões que suscitara no recurso (recurso administrativo especial), interposto perante o ora recorrido. 31º) Concretamente, no recurso da deliberação do COJ, para o CSM, o ora recorrente suscitava as seguintes questões: (i) desadequação do procedimento disciplinar por não estar em causa exercício de funções de oficial de justiça; (ii) desnecessidade da medida cautelar de suspensão preventiva; (iii) prescrição dos factos com relevância disciplinar; (iv) violação do princípio ne bis in idem. 32º) No que respeita à invocada prescrição, a mesma encontra-se tratada à saciedade no ponto II supra da presente Resposta, pelo que nos dispensamos de repetir a análise ali efetuada, sendo certo que, como demonstrado, nenhuma prescrição se verifica. 33º) Relativamente à invocada desadequação do procedimento disciplinar instaurado pelo COJ, o recorrente considera que uma vez que os factos que originaram condenação em processo crime foram praticados no exercício de funções de administrador judiciário e quando tinha a qualidade de advogado, não estando àquela data em exercício de funções de oficial de justiça, o COJ não seria competente para a instauração de processo disciplinar relativamente a tais factos. 34º) Afigura-se, porém, que o recorrente esquece um aspeto da maior relevância: os factos em questão foram praticados quando o recorrente se encontrava em gozo de licença sem vencimento de longa duração, a qual, todavia, não tem por efeito a extinção do vínculo de exercício de funções públicas. 35º) Como tal, ainda que em gozo de licença, o vínculo em questão não se extinguiu, pelo que o recorrente se mantinha obrigado ao cumprimento dos deveres decorrentes do exercício de funções públicas, concretamente previstos no artigo 66.º do EFJ, que dispõe o seguinte: Artigo 66.º Deveres 1 - Os funcionários de justiça têm os deveres gerais dos funcionários da Administração Pública. 2 - São ainda deveres dos funcionários de justiça: a) Não fazer declarações ou comentários sobre processos, sem prejuízo da prestação de informações que constituam actos de serviço; b) Colaborar na normalização do serviço, independentemente do lugar que ocupam e da carreira a que pertencem; c) Colaborar na formação de estagiários; d) Frequentar as acções de formação para que sejam convocados; e) Usar capa nas sessões e audiências a que tenham de assistir. 3 - O modelo da capa a que se refere a alínea e) do número anterior é aprovado por portaria do Ministro da Justiça e os encargos com a sua aquisição são suportados pelo orçamento de delegação do Cofre Geral dos Tribunais. 36º) Por seu turno, os deveres gerais dos funcionários da Administração Pública constam no artigo 77.º da LGTFP, com o seguinte teor: Artigo 73.º Deveres do trabalhador 1 - O trabalhador está sujeito aos deveres previstos na presente lei, noutros diplomas legais e regulamentos e no instrumento de regulamentação coletiva de trabalho que lhe seja aplicável. 2 - São deveres gerais dos trabalhadores: a) O dever de prossecução do interesse público; b) O dever de isenção; c) O dever de imparcialidade; d) O dever de informação; e) O dever de zelo; f) O dever de obediência; g) O dever de lealdade; h) O dever de correção; i) O dever de assiduidade; j) O dever de pontualidade. 3 - O dever de prossecução do interesse público consiste na sua defesa, no respeito pela Constituição, pelas leis e pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos. 4 - O dever de isenção consiste em não retirar vantagens, diretas ou indiretas, pecuniárias ou outras, para si ou para terceiro, das funções que exerce. 5 - O dever de imparcialidade consiste em desempenhar as funções com equidistância relativamente aos interesses com que seja confrontado, sem discriminar positiva ou negativamente qualquer deles, na perspetiva do respeito pela igualdade dos cidadãos. 6 - O dever de informação consiste em prestar ao cidadão, nos termos legais, a informação que seja solicitada, com ressalva daquela que, naqueles termos, não deva ser divulgada. 7 - O dever de zelo consiste em conhecer e aplicar as normas legais e regulamentares e as ordens e instruções dos superiores hierárquicos, bem como exercer as funções de acordo com os objetivos que tenham sido fixados e utilizando as competências que tenham sido consideradas adequadas. 8 - O dever de obediência consiste em acatar e cumprir as ordens dos legítimos superiores hierárquicos, dadas em objeto de serviço e com a forma legal. 9 - O dever de lealdade consiste em desempenhar as funções com subordinação aos objetivos do órgão ou serviço. 10 - O dever de correção consiste em tratar com respeito os utentes dos órgãos ou serviços e os restantes trabalhadores e superiores hierárquicos. 11 - Os deveres de assiduidade e de pontualidade consistem em comparecer ao serviço regular e continuamente e nas horas que estejam designadas. 12 - O trabalhador tem o dever de frequentar ações de formação e aperfeiçoamento profissional na atividade em que exerce funções, das quais apenas pode ser dispensado por motivo atendível. 13 - Na situação de requalificação, o trabalhador deve observar os deveres especiais inerentes a essa situação. 37º) No que releva, o artigo 90.º do EFJ vem estabelecer que “Constituem infracção disciplinar os factos, ainda que meramente culposos, praticados pelos oficiais de justiça com violação dos deveres profissionais, bem como os actos ou omissões da sua vida pública, ou que nela se repercutam, incompatíveis com a dignidade indispensável ao exercício das suas funções.” Assim, 38º) Para além dos deveres gerais estabelecidos na LGTFP para todos os funcionários que exerçam funções públicas, também os deveres especificamente previstos no artigo 66.º do EFJ e os comportamentos da vida pública do funcionário, ou que nela se repercutam, que se prefigurem como incompatíveis com a dignidade dessas funções, são suscetíveis de determinar a instauração de processo disciplinar. 39º) Como assinalou a Exm.ª Juíza de Direito, Vogal do COJ, Maria Hermínia Néri de Oliveira, no Colóquio de Direito Disciplinar Público, promovido em 28 de junho p.p., pelo COJ (Cfr. http://coj.justica.gov.pt/coloquio_2019.php): «Existe, assim, uma malha mais apertada na apreciação do comportamento do oficial de justiça para que possam ser considerados como violador dos respectivos deveres profissionais todos aqueles que não correspondendo ao efectivo exercício da sua função, sejam praticados (ou omitidos) no desenvolvimento da sua vida pública como cidadãos, ou mesmo da sua vida privada, com repercussão na esfera pública, e que se apresentem como um desvalor dessa qualidade de oficial de justiça, com base num pressuposto prestígio, ou respeito, interligado ao exercício da função de oficial de justiça». 40º) Salvo o devido respeito por entendimento diverso, a regra que emana da parte final do citado artigo 90.º do EFJ, conjugada com a expressa referência ao dever de isenção e em face dos factos apurados no processo crime, objetivamente não parece suscitar reservas ou margem para dúvidas acerca da violação desse dever de isenção. 41º) Assim, embora não estivesse no exercício de funções como oficial de justiça, verificaram-se factos com repercussões incompatíveis com a dignidade indispensável ao exercício dessas mesmas funções, por violadoras do dever de isenção inerente a tal exercício. 42º) Em face do exposto, a deliberação impugnada não padece de nenhuma ilegalidade e mostra-se irrepreensível na parte em que considera, conforme se transcreve: «(…) Alega ainda o recorrente que os factos pelos quais foi condenado no âmbito do processo crime foram praticados no exercício das suas funções de administrador judiciário, detendo ainda a qualidade de advogado e não no exercício das suas funções de oficial de justiça. Por essa razão, segundo alega, a sentença condenatória foi comunicada quer ao CAAJ e à Ordem dos Advogados e não ao COJ. Quanto a este argumento, é inequívoco que o recorrente, à data da prática dos factos pelos quais foi condenado, não exercia as funções de oficial de justiça, uma vez que gozava de uma licença de longa duração desde 1996 e só retomou as funções de secretário de justiça por despacho de …..2018. No entanto, tal situação não pressupõe a extinção do vínculo existente entre o recorrente e a administração pública, de onde decorre não se extinguirem também os deveres que sobre o mesmo impendem, enquanto oficial de justiça que não pressuponham a efectiva prestação de trabalho. Sublinhe-se a este propósito o que preceitua o já citado artº 90º do EFJ que constitui infracção disciplinar não apenas os actos praticados pelos oficiais de justiça com violação dos seus deveres profissionais, mas também os actos e omissões da sua vida pública, ou que nela se repercutam, incompatíveis com a dignidade indispensável ao exercício das suas funções.» 43º) O acima exposto, demonstra igualmente a necessidade da medida cautelar de suspensão preventiva do exercício de funções de oficial de justiça, em face da demonstrada verificação das repercussões incompatíveis com a dignidade e prestígio indispensáveis ao exercício dessas mesmas funções e face aos inconvenientes para o respetivo serviço. 44º) Assim é à luz do disposto no artigo 211.º da LGTFP, que ora se transcreve (negritos e sublinhados nossos): Artigo 211.º Suspensão preventiva 1 - O trabalhador pode, sob proposta da entidade que tenha instaurado o procedimento disciplinar ou do instrutor, e mediante despacho do dirigente máximo do órgão ou serviço, ser preventivamente suspenso do exercício das suas funções, sem perda da remuneração base, até decisão do procedimento, mas por prazo não superior a 90 dias, sempre que a sua presença se revele inconveniente para o serviço ou para o apuramento da verdade. 2 - A suspensão prevista no número anterior só pode ter lugar em caso de infração punível com sanção disciplinar de suspensão ou superior. 3 - A notificação da suspensão preventiva é acompanhada de indicação, ainda que genérica, da infração ou infrações imputadas ao trabalhador. 45º) Bem como à luz do artigo 96.º do EFJ: Artigo 96.º Suspensão preventiva 1 - O oficial de justiça arguido em processo disciplinar pode ser preventivamente suspenso das suas funções desde que haja fortes indícios de que à infracção caberá, pelo menos, a pena de suspensão, e a continuação na efectividade de serviço seja prejudicial à instrução do processo, ao serviço ou ao prestígio e à dignidade da função. 2 - A suspensão preventiva é executada por forma a assegurar-se a defesa da dignidade pessoal e profissional do oficial de justiça. 3 - A suspensão preventiva não pode exceder 120 dias, determina a perda da remuneração de exercício e não prejudica a contagem do tempo de serviço. 4 - A perda da remuneração de exercício será reparada ou levada em conta pela entidade competente após a decisão final do processo. 46º) Uma vez mais bem andou a deliberação ora impugnada, por em ponderação das questões suscitadas pelo recorrente a respeito da (des) necessidade de aplicação de suspensão preventiva, ter considerado o seguinte: «(…) Cabem analisar, por último, os argumentos do recorrente que se prendem com a (des)necessidade da suspensão preventiva. Preceitua o artº 96 nº 1 do EFJ que o oficial de justiça arguido em processo disciplinar pode ser preventivamente suspenso das suas funções desde que haja fortes indícios de que à infracção caberá, pelo menos, a pena de suspensão, e a continuação na efectividade de serviço seja preducial à instrução do processo, ao serviço ou ao prestígio e à dignidade da função. Os factos pelos quais o recorrente foi condenado infringem o disposto no artº 186º alíneas k), l) e m) da LGTFP, sendo os mesmos são susceptíveis de inviabilizar a manutenção do vínculo de emprego público, pelo que podem implicar a pena de suspensão e mesmo de demissão. Por outro lado, como decorre do mapa 1 alínea b) anexo ao EFJ cabem aos secretários de justiça dirigir os serviços da secretaria; elaborar e gerir o orçamento da secretaria; assegurar o expediente do Serviço Social do Ministério da Justiça, na qualidade de seu delegado; proferir nos processos despachos de mero expediente, por delegação do magistrado respectivo; corresponder-se com as entidades públicas e privadas sobre assuntos referentes ao funcionamento do tribunal e ao normal andamento dos processos, por delegação do magistrado respectivo; dirigir o serviço de contagem de processos, providenciando pelo correcto desempenho dessas funções, assumindo-as pessoalmente quando tal se justifique; distribuir, coordenar e controlar o serviço externo; providenciar pela conservação das instalações e equipamentos do tribunal; nas secretarias-gerais, dirigir o serviço da secretaria por forma a assegurar a prossecução das respectivas atribuições e desempenhar as demais funções conferidas por lei ou por determinação superior. Perante tão amplas funções, só nos resta concluir que a permanência ao serviço do recorrente é prejudicial à instrução do processo e ao serviço, sendo que a manutenção em funções do recorrente, condenado pela prática de ilícitos relacionados com o recebimento de vantagens indevidas, põem indiscutivelmente em causa a imagem dos tribunais e do sistema judicial, pelo que se justifica inteiramente a medida de suspensão preventiva que lhe foi aplicada. (…)» 47º) Importa ainda apreciar a invocada verificação de ne bis in idem, por o recorrente ter sido já condenado pelos mesmos factos em processo crime. 48º) Não assiste, porém, razão ao recorrente, sendo unanimemente aceite e pacífico, na doutrina e na jurisprudência, a total autonomia entre o procedimento disciplinar e o processo penal, estando em causa ilícitos e processos distintos, com finalidades e desenvolvimentos também distintos, não se verificando qualquer relação de consumpção do processo penal, relativamente ao procedimento disciplinar, nem de prejudicialidade deste em relação àquele. 49º) Citando a este respeito Luís Vasconcelos Abreu, In, Para o Estudo do Procedimento Disciplinar no Direito Administrativo Português Vigente: As Relações Com o Processo Penal, Almedina, 1993, págs. 32 e 33: “A autonomia do ilícito disciplinar encontra-se expressa na possibilidade de cumulação das responsabilidades disciplinar e criminal pela prática do mesmo facto, sem violação do ne bis in idem. Reafirmando um lugar-comum: o ilícito disciplinar não é um minus relativamente ao criminal, mas sim um aliud. Aliás, a conhecida subsidiariedade da intervenção do direito penal é suficiente para justificar a referida possibilidade de aplicação cumulativa de uma medida disciplinar e de uma sanção criminal pela prática do mesmo facto.” 50º) Acresce que, “Entre o procedimento disciplinar e o processo penal (e os processos de apuramento de outras formas de responsabilidade) não existe, no entanto, consumpção, por serem diferentes os fundamentos, o recorte da relação jurídica pertinente e os fins.” Cfr. NEVES, Ana, “O Direito da Função Pública”, in Tratado de Direito Administrativo Especial, Volume IV, Almedina, 2010, pág. 527. 51º) No mesmo sentido, afirmando a autonomia do poder e do procedimento disciplinar face ao processo penal têm vindo a ser tomadas decisões na jurisdição administrativa, remetendo-se a tal respeito para a abundante jurisprudência citada no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, relativo ao processo 28/18.4BESNT, concretamente: Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 21-09-2004, Processo n.º 047146; Acórdão do STA, de 12-01-2005, Processo n.º 0930/04; Acórdão do STA, de 06-12-2005, Processo n.º 42203; Acórdão do STA, de 27-01-2011, Processo n.º 01079/09, todos disponíveis em www.dgsi.pt. 52º) Não se alcança, assim, como poderá resultar violadora do princípio de ne bis in idem a circunstância de matéria de facto apurada no âmbito de processo criminal relevar nesse âmbito e, cumulativamente, ter relevância no âmbito de processo disciplinar. 53º) Importa a este respeito transcrever a seguinte passagem da deliberação impugnada, que traduz exatamente o acima exposto e se mostra irrepreensível nos seus exatos termos: «(…) Alega ainda o recorrente haver violação do princípio ne bis in idem porquanto o poder disciplinar pelos factos em causa já foi exercido, tendo a sua culpa sido apreciada no âmbito dos procedimentos próprios, com as respectivas cominações. Ainda que tal tenha sucedido, o que não se encontra demonstrado nos autos, cumpre dizer que o invocado princípio caracteriza-se, em síntese, que ninguém possa ser julgado duas vezes pelos mesmos factos. Preceitua o artº 179º nº 3 da LGTFP que a condenação em processo penal não prejudica o exercício da acção disciplinar quando a infracção penal constitua também infracção disciplinar. E quanto ao exercício da acção disciplinar, como bem refere a deliberação do COJ, uma infracção criminal pode ter respaldo disciplinar em tantas carreiras ou ordens profissionais, quantas o visado tenha vínculo ou inscrição activa. Por essa ordem de razões terá sido, segundo alega, quer sancionado pelo CAAJ, na qualidade de administrador de insolvência quer pela Ordem dos Advogados, na qualidade de advogado, nada obstando a que a sua actuação possa também ser apreciada disciplinarmente pelo COJ, na qualidade de oficial de justiça, sem que tal ofenda o princípio do ne bis in idem ou o disposto no artº 180º nº 3 da LGTFP. Posto isto e apelando de novo para o artº 90º do EFJ, uma condenação por parte do recorrente pelos crimes de peculato de uso e de corrupção passiva na pena de 3 anos e 4 meses de prisão, ainda que suspensa não pode deixar de se reflectir na dignidade indispensável ao exercício das funções do recorrente enquanto secretário de justiça, mostrando-se indiciada a prática dos deveres funcionais previstos no artº 73º nºs 1 e 2 alíneas a) a c) e g), concretizados nos nºs 3 a 5 e 9, da LGTFP. (…)». 54º) Tudo visto e ponderado, considerando o procedimento disciplinar encetado e o sentido da deliberação do COJ, bem como o teor da deliberação do CSM ora impugnada, não se vislumbra ter ocorrido nenhum vício no processo deliberativo levado a efeito. 55º) Em conformidade com o exposto, por não resultar demonstrada a ofensa de qualquer norma legal ou de algum dos princípios jurídico-administrativos fundamentais que ordenam e regem a atividade do Conselho Superior da Magistratura, relativamente à deliberação em crise nos presentes autos e tomada pelo Plenário do Conselho Superior da Magistratura de …………. de 2019, a pretensão deduzida pelo recorrente deverá, em qualquer caso, soçobrar.” 4.2. No processo n.º 54/19.6YFLSB, defendendo igualmente a improcedência do recurso: “(...) 6º) O recorrente apresentou requerimento de recurso cuja técnica jurídica dificulta de sobremaneira a defesa que ora se apresenta, não podendo deixar o recorrido de lamentar a «confusão petitória» que flui desse mesmo arrazoado. 7º) Todavia, como se demonstrará e com todo o respeito que nos merece a opinião contrária, não assiste qualquer razão ao recorrente quanto à alegada questão de prescrição, nem em relação aos aspetos invocados como constituindo pretensas ilegalidades da deliberação impugnada. 8º) Assim, antes de se passar à análise do (des)mérito do recurso, cumpre apreciar uma questão preliminar, qual seja a invocada prescrição. Vejamos, pois: II) Da pretensa prescrição da infração e do direito de instaurar processo disciplinar 9º) O recorrente começa por invocar a prescrição da infração disciplinar, bem como do direito de instaurar procedimento disciplinar, por decurso dos prazos previstos nos termos do disposto no artigo 178.º, n.ºs 1 e 2 da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (LGTFP), aplicável ex vi artigo 123.º do EFJ. 10º) Porém, sem qualquer margem para dubitar não lhe assiste qualquer razão, como se demonstrará. Assim, 11º) No que releva para a situação que nos ocupa, o artigo 178.º da LGTFP, a respeito da prescrição do procedimento disciplinar, dispõe o seguinte: Artigo 178.º Prescrição da infração disciplinar e do procedimento disciplinar 1 - A infração disciplinar prescreve no prazo de um ano sobre a respetiva prática, salvo quando consubstancie também infração penal, caso em que se sujeita aos prazos de prescrição estabelecidos na lei penal à data da prática dos factos. 2 - O direito de instaurar o procedimento disciplinar prescreve no prazo de 60 dias sobre o conhecimento da infração por qualquer superior hierárquico. 3 - Suspendem os prazos prescricionais referidos nos números anteriores, por um período até seis meses, a instauração de processo de sindicância aos órgãos ou serviços, ou de processo de inquérito ou disciplinar, mesmo que não dirigidos contra o trabalhador a quem a prescrição aproveite, quando em qualquer deles venham a apurar-se infrações por que seja responsável. 4 - A suspensão do prazo prescricional da infração disciplinar opera quando, cumulativamente: a) Os processos referidos no número anterior tenham sido instaurados nos 30 dias seguintes à suspeita da prática de factos disciplinarmente puníveis; b) O procedimento disciplinar subsequente tenha sido instaurado nos 30 dias seguintes à receção daqueles processos, para decisão, pela entidade competente; c) À data da instauração dos processos e procedimento referidos nas alíneas anteriores, não se encontre já prescrito o direito de instaurar procedimento disciplinar. 5 - O procedimento disciplinar prescreve decorridos 18 meses, a contar da data em que foi instaurado quando, nesse prazo, o trabalhador não tenha sido notificado da decisão final. 6 - A prescrição do procedimento disciplinar referida no número anterior suspende-se durante o tempo em que, por força de decisão ou de apreciação judicial de qualquer questão, a marcha do correspondente processo não possa começar ou continuar a ter lugar. 7 - A prescrição volta a correr a partir do dia em que cesse a causa da suspensão. 12º) Na sua petição de recurso o recorrente pugna pela declaração de prescrição da infração disciplinar em causa nos presentes autos. 13º) Para tal, considera, em suma, que o fundamento do presente processo disciplinar é a repercussão de atos e omissões da sua vida pública incompatíveis com a dignidade indispensável ao exercício de funções, a qual não consubstancia infração penal, pelo que seria aplicável a primeira parte do n.º 1 do artigo 178.º da LGTFP, e não a segunda parte da mesma disposição legal (“…salvo quando consubstancie também infração penal, caso em que se sujeita aos prazos de prescrição estabelecidos na lei penal à data da prática dos factos). 14º) Ora, compulsado o teor da deliberação do Plenário do COJ na parte em que ponderou a invocada prescrição, resulta claro e textualmente expresso que: (negritos nossos) «(…) Prescrição da infração disciplinar quanto aos factos praticados no exercício das funções de Administrador Judicial. Quanto à prescrição referida parece-nos que a mesma não se verifica pelas razões que passamos a expender: Dispõe o art.º 178.º da Lei n.º 35/2014, de 20/06 (LTFP) no seu n.º 1 que “A infração disciplinar prescreve no prazo de um ano sobre a respetiva prática, salvo quando consubstancie também infração penal, caso em que se sujeita aos prazos de prescrição estabelecidos na lei penal à data da prática dos factos”. E o n.º 2 que “O direito de instaurar o procedimento disciplinar prescreve no prazo de 60 dias sobre o conhecimento da infração por qualquer superior hierárquico”. Os factos em causa no processo criminal n.º ……………… em que o Sr. Secretário foi condenado, foram praticados em ……… de 2012 – os respeitantes ao crime de peculato de uso -, e entre …….. e …….. de 2014 – os respeitantes ao crime de corrupção passiva. Os prazos de prescrição para os crimes indicados são os seguintes: Quanto ao crime de peculato de uso – 5 anos (art.ºs 376.º/2 e 118.º/n.º 1, al. c)); Quanto ao crime de corrupção passiva – 15 anos (art.ºs 373.º/2, 374.º-A e 118º, n.º 1, al. a)) Tendo em conta a data da prática dos factos no que se reporta ao crime de corrupção passiva (2014), não haverá dúvidas de que ainda não ocorreu a prescrição. Considerando a data da prática dos factos que levaram à condenação pela prática de um crime de peculato de uso, cremos, igualmente, que também não ocorreu a prescrição. Senão, vejamos: O prazo de prescrição é de 5 anos; Os factos foram praticados em …….. de 2012; O processo criminal foi instaurado em 2014 (n.º ………); No decurso do processo (a partir de 2014), o prazo foi interrompido, ou por força da constituição de arguido ou com a notificação da acusação - art.º 121.º, n.º 1, al. a) e b), n.º 2 e n.º 3 e fls. 81 verso, o que significa que mesmo que se considere que o prazo se reiniciou em 2014, ainda não ocorreu a prescrição. Assim sendo e em qualquer das situações, a infração disciplinar não prescreveu na medida em que o prazo da prescrição aplicável é o estalecido na lei penal, conforme se prevê no n.º 1 do artigo 178.º da LTFP acima transcrito, sendo certo que os factos não chegaram ao conhecimento do COJ antes da instauração deste processo. Prescrição do direito de instaurar procedimento disciplinar Os factos ou elementos que relevam para determinar esta prescrição de curto prazo são os constituídos por todo o expediente que foi coligido e apresentado ao Plenário do COJ com vista a deliberar sobre a instauração, ou não, de processo disciplinar. Assim, as diligências tiveram início com o e-mail de ………… de 2018 – fls. 4-A. Após recolha de diversos elementos, deram entrada no COJ os Acórdãos proferidos no processo criminal n.º ……………. que haviam condenado o Sr. funcionário, o que ocorreu em …………… de 2018. Em …………… de 2018, antes de decorridos 30 dias sobre o conhecimento, o COJ tomou posição, instaurando procedimento disciplinar pelo que também não ocorreu a prescrição do direito de instaurar procedimento disciplinar.” 15º) Compulsados os autos, está em causa um conjunto de factos apurados em sede de responsabilidade criminal, que consubstanciam infração penal e que, inclusivamente, levaram à condenação, em processo crime, pela prática de um crime de peculato de uso e um crime de corrupção passiva. E, 16º) Decorre da segunda parte do artigo 178.º, n.º 1 da LGTFP que, caso a infração disciplinar consubstancie também infração penal, se aplica o prazo prescricional previsto para esta última. 17º) In casu, tendo em conta os crimes em causa - peculato de uso e corrupção passiva - o prazo de prescrição do procedimento criminal é, assim, respetivamente, de 5 anos e de 15 anos sobre a prática dos crimes – cfr. artigo 118.º, n.º 1 alínea a) e c), ex vi artigos 373.º, n.º 1 e 376.º todos do Código Penal. E, 18º) Não subsistem quaisquer dúvidas de que, entre a data de instauração do presente procedimento disciplinar (…...2018) e a data da verificação dos factos consubstanciadores de infração penal (……. de 2012, com interrupção e suspensão do prazo de prescrição com a constituição de arguido em ……2014 e, posteriormente, com a notificação da acusação; e …… a ……. de 2014), decorreu um período de tempo muito aquém dos referidos prazos de prescrição de 5 e 15 anos. 19º) Sendo, pois, irrepreensível a deliberação impugnada na parte em que, tratando a invocada prescrição, considerou o seguinte: «(…) O Recorrente parece questionar a aplicabilidade do art. 178.º n.º1, 2ª parte da Lei 35/2014, de 20-06 (LTFP), ex vi art. 123.º do Estatuto dos Funcionários de Justiça ( DL n.º 343/99), que regula a matéria relativa à prescrição do procedimento disciplinar, partindo do pressuposto que não era na altura da prática dos factos oficial de justiça. No entanto, partindo do pressuposto contrário, ou seja, que o Recorrente apesar de estar em licença sem vencimento, continua vinculado aos deveres dos oficiais de justiça, que não pressuponham o exercício efectivo de funções, o citado art. 178º na sua totalidade é aplicável. De resto, é totalmente infundado afastar a aplicação da 2ª parte do n.º 1 do art. 178º, que estabelece serem aplicáveis os prazos de prescrição quando os factos imputados ao funcionário integram a prática de crimes e pretender beneficiar do prazo geral de 1 ano estabelecido na primeira parte. Constituindo os factos que fundamentaram a aplicação da pena de demissão ao Recorrente infracções criminais, tendo o Recorrente sido condenado por acórdão transitado em julgado pela prática dos crimes de peculato de uso e corrupção, nos termos do n.º 1 do citado art. 178º, os prazos de prescrição a aplicar são os estabelecidos na lei penal à data da prática dos factos, como consta do relatório atrás transcrito. Assim, é manifesto que quando foi instaurado o procedimento disciplinar …...2018, ainda não tinha decorrido o prazo de 15 anos estabelecido pela lei penal relativamente ao crime de corrupção, praticado em …….. de 2014. Também relativamente ao crime de peculato de uso, praticado em …….. de 2012, considerando a interrupção do prazo de prescrição com a constituição de arguido em ……..2014, mesmo sem considerar a posterior notificação da acusação que não consta da factualidade assente, em ……..2018, quando foi instaurado o procedimento disciplinar ainda não tinha decorrido o prazo prescricional de 5 anos. (…)» 20º) Ademais, no que respeita ao prazo prescricional previsto no n.º 2 do artigo 178.º da LGTFP, o recorrente refere de forma conclusiva o seguinte: “ (…) 8.º Aquando da instauração do P.D., ……../2018, facto 12, p.ª 4, já a infração disciplinar se encontrava prescrita, como, aliás, o direito de insturar P.D.” (negrito nosso). 21º) A tal respeito o recorrente nada demonstra. Ora, 22º) Tem sido entendido que o “conhecimento da infração” referido no n.º 2 do artigo 178.º da LGTFP não se basta com o conhecimento, em termos genéricos, de anomalias da prestação funcional ou do mero conhecimento de factos subsumíveis a uma norma disciplinar sancionadora. 23º) Citando a título de exemplo os doutos Acórdãos desse Supremo Tribunal de 22.09.2011 e de 13.01.2010, correspondentes respetivamente aos processos n.ºs 429/07.3PRT e 1321/06.4TTLSB, “antes se tornando necessário o conhecimento destes e do circunstancialismo que os rodeou, de forma a tornar possível a formulação de um juízo fundado de que integram infracção disciplinar”, por parte da entidade com competência disciplinar, apenas se iniciando esse prazo “quando o dirigente tiver conhecimento de fortes indícios da prática de infracção, não bastando para isso uma mera participação ou denúncia não suficientemente concretizada e individualizada” (Ac. do STA de 07.07.1992 citado por Leal Henriques, in “Procedimento Disciplinar”). 24º) Resulta indiscutivelmente dos autos que, designadamente em …...2018, inexistia ainda o conhecimento pleno dos circunstancialismos concretos, suscetíveis de constituir infração disciplinar (Doc. 1). 25º) De resto, isso mesmo resulta do Relatório final, conforme se transcreve e se encontra devidamente documentado no processo administrativo junto com a presente Resposta: «(…) Assim, as diligências tiveram início com o e-mail de ………… de 2018 – fls. 4-A. Após recolha de diversos elementos, deram entrada no COJ os Acórdãos proferidos no processo criminal n.º …………… que haviam condenado o Sr. Funcionário, o que ocorreu em ………… de 2018. Em …………… de 2018, antes de decorridos 30 dias sobre o conhecimento, o COJ tomou posição, instaurando procedimento disciplinar pelo que também não ocorreu a prescrição do direito de instaurar procedimento disciplinar.». 26º) Donde, previamente àquela data, ainda não havia concreto conhecimento da infração por parte de qualquer sujeito, ou órgão, com competência para instaurar processo disciplinar. 27º) De tudo resulta que, in casu, só quando o Plenário do COJ teve conhecimento dos factos com relevância disciplinar é que se iniciou o prazo de contagem da prescrição do exercício do poder disciplinar – cfr. art. 178º, n.º 2, última parte, da LGTFP e o arts. 94.º do EFJ. E, 28º) Tendo o processo disciplinar sido instaurado por deliberação do Plenário do COJ, de ……..2018, dúvidas inexistem de que, àquela data, não estava transcorrido o prazo de prescrição de 60 dias sobre o conhecimento da infração por qualquer superior hierárquico. 29º) Fica, pois, demonstrada de forma inequívoca a inexistência da invocada prescrição do direito de instaurar o presente procedimento disciplinar. 30º) Pelo que se mostra irrepreensível a deliberação sub judice ao não declarar a prescrição do direito de instaurar o procedimento disciplinar, antes considerando: «(…) A posição sustentada pelo Recorrente que o prazo de 1 ano referido no n.º 1 do art. 178º do LTFP se conta a partir do trânsito em julgado do acórdão condenatório ( …….2017), carece de fundamento legal. Por outro lado, não há qualquer elemento que comprove que o Recorrente deu conhecimento ao COJ dessa condenação. Não alega sequer que quando solicitou ao Director Geral da Administração da Justiça o regresso ao serviço, em …….2017, tenha apresentado certificado de registo criminal, nem que informou que tinha sofrido a referida condenação. Assim, nada permite infirmar que o COJ só teve conhecimento da referida condenação em …….2018, como está assente no relatório final. De referir ainda que o procedimento disciplinar foi instaurado antes de decorrido o prazo de 60 dias sobre o conhecimento das infracções pelo COJ, a quem compete, funcionando em Plenário, nos termos do art. 94º n.º 1, 111 al. a) e 113º da EFJ, a instauração do procedimento disciplinar. Como consta do relatório final do processo disciplinar, este foi instaurado na sequência da junção de vário expediente, designadamente: “Correio eletrónico comunicando a pendência de Carta Precatória com origem na ...ª Secção do DIAP de ….., solicitando a constituição e interrogatório como arguido do senhor Secretário de Justiça AA – fls. 4-D, 4-B e 4-C; certidão extraída dos Acórdãos proferidos no Processo Comum (Tribunal Coletivo) n.º ……………… que correm termos no Juízo Central Criminal de …… – Juiz ..., com entrada no Conselho dos Oficiais de Justiça a ……… de 2018 e junto a fls. 78 a 265 verso. Para além disso, está assente que o processo disciplinar foi instaurado por deliberação do Conselho dos Oficiais de Justiça (COJ) de ….2018, ou seja, antes de decorrido um mês sobre a data em que o COJ teve conhecimento da prática das infracções pelo secretário de justiça.» 31º) Em face de tudo o exposto, salvo melhor entendimento, deverá ser considerada improcedente a prescrição invocada pelo recorrente, não merecendo a deliberação impugnada qualquer censura a tal respeito. III) Da deliberação impugnada e dos vícios imputados 32º) Na sua petição recursória, uma vez mais de forma conclusiva e sem nada acrescentar nem demonstrar, o recorrente refere: “(…) 9.º No mais e porque nenhum argumento foi sufragado, aparte o exposto, todas mantém atualidade, pelo que se dão como reproduzidos como motivação de recurso para todos os legais efeitos.” 33º) O recorrente, parece-nos, pretende ver assim reapreciadas por esse Colendo Supremo Tribunal as questões que suscitara no recurso (recurso administrativo especial), interposto perante o ora recorrido. 34º) Concretamente, no recurso da deliberação do COJ, para o CSM, no que releva para os presentes autos o ora recorrente suscitava as seguintes questões: (i) desadequação do procedimento disciplinar por não estar em causa exercício de funções de oficial de justiça; (ii) vício nos pressupostos da aplicação da pena de demissão; (iii) violação do princípio ne bis in idem. 35º) Relativamente à invocada desadequação do procedimento disciplinar instaurado pelo COJ, o recorrente considera que uma vez que os factos que originaram condenação em processo crime foram praticados no exercício de funções de administrador judiciário e quando tinha a qualidade de advogado, não estando àquela data em exercício de funções de oficial de justiça, o COJ não seria competente para a instauração de processo disciplinar relativamente a tais factos. 36º) Afigura-se, porém, que o recorrente esquece um aspeto da maior relevância: os factos em questão foram praticados quando o recorrente se encontrava em gozo de licença sem vencimento de longa duração, a qual, todavia, não tem por efeito a extinção do vínculo de exercício de funções públicas. 37º) Como tal, ainda que em gozo de licença, o vínculo em questão não se extinguiu, pelo que o recorrente se mantinha obrigado ao cumprimento dos deveres decorrentes do exercício de funções públicas, concretamente previstos no artigo 66.º do EFJ, que dispõe o seguinte: Artigo 66.º Deveres 1 - Os funcionários de justiça têm os deveres gerais dos funcionários da Administração Pública. 2 - São ainda deveres dos funcionários de justiça: a) Não fazer declarações ou comentários sobre processos, sem prejuízo da prestação de informações que constituam actos de serviço; b) Colaborar na normalização do serviço, independentemente do lugar que ocupam e da carreira a que pertencem; c) Colaborar na formação de estagiários; d) Frequentar as acções de formação para que sejam convocados; e) Usar capa nas sessões e audiências a que tenham de assistir. 3 - O modelo da capa a que se refere a alínea e) do número anterior é aprovado por portaria do Ministro da Justiça e os encargos com a sua aquisição são suportados pelo orçamento de delegação do Cofre Geral dos Tribunais. 38º) Por seu turno, os deveres gerais dos funcionários da Administração Pública constam no artigo 77.º da LGTFP, com o seguinte teor: Artigo 73.º Deveres do trabalhador 1 - O trabalhador está sujeito aos deveres previstos na presente lei, noutros diplomas legais e regulamentos e no instrumento de regulamentação coletiva de trabalho que lhe seja aplicável. 2 - São deveres gerais dos trabalhadores: a) O dever de prossecução do interesse público; b) O dever de isenção; c) O dever de imparcialidade; d) O dever de informação; e) O dever de zelo; f) O dever de obediência; g) O dever de lealdade; h) O dever de correção; i) O dever de assiduidade; j) O dever de pontualidade. 3 - O dever de prossecução do interesse público consiste na sua defesa, no respeito pela Constituição, pelas leis e pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos. 4 - O dever de isenção consiste em não retirar vantagens, diretas ou indiretas, pecuniárias ou outras, para si ou para terceiro, das funções que exerce. 5 - O dever de imparcialidade consiste em desempenhar as funções com equidistância relativamente aos interesses com que seja confrontado, sem discriminar positiva ou negativamente qualquer deles, na perspetiva do respeito pela igualdade dos cidadãos. 6 - O dever de informação consiste em prestar ao cidadão, nos termos legais, a informação que seja solicitada, com ressalva daquela que, naqueles termos, não deva ser divulgada. 7 - O dever de zelo consiste em conhecer e aplicar as normas legais e regulamentares e as ordens e instruções dos superiores hierárquicos, bem como exercer as funções de acordo com os objetivos que tenham sido fixados e utilizando as competências que tenham sido consideradas adequadas. 8 - O dever de obediência consiste em acatar e cumprir as ordens dos legítimos superiores hierárquicos, dadas em objeto de serviço e com a forma legal. 9 - O dever de lealdade consiste em desempenhar as funções com subordinação aos objetivos do órgão ou serviço. 10 - O dever de correção consiste em tratar com respeito os utentes dos órgãos ou serviços e os restantes trabalhadores e superiores hierárquicos. 11 - Os deveres de assiduidade e de pontualidade consistem em comparecer ao serviço regular e continuamente e nas horas que estejam designadas. 12 - O trabalhador tem o dever de frequentar ações de formação e aperfeiçoamento profissional na atividade em que exerce funções, das quais apenas pode ser dispensado por motivo atendível. 13 - Na situação de requalificação, o trabalhador deve observar os deveres especiais inerentes a essa situação. 39º) No que releva, o artigo 90.º do EFJ vem estabelecer que “Constituem infracção disciplinar os factos, ainda que meramente culposos, praticados pelos oficiais de justiça com violação dos deveres profissionais, bem como os actos ou omissões da sua vida pública, ou que nela se repercutam, incompatíveis com a dignidade indispensável ao exercício das suas funções.” Assim, 40º) Para além dos deveres gerais estabelecidos na LGTFP para todos os funcionários que exerçam funções públicas, também os deveres especificamente previstos no artigo 66.º do EFJ e os comportamentos da vida pública do funcionário, ou que nela se repercutam, que se prefigurem como incompatíveis com a dignidade dessas funções, são suscetíveis de determinar a instauração de processo disciplinar. 41º) Como assinalou a Exm.ª Juíza de Direito, Vogal do COJ, Maria Hermínia Néri de Oliveira, no Colóquio de Direito Disciplinar Público, promovido em 28 de junho p.p., pelo COJ (Cfr. http://coj.justica.gov.pt/coloquio_2019.php): «Existe, assim, uma malha mais apertada na apreciação do comportamento do oficial de justiça para que possam ser considerados como violador dos respectivos deveres profissionais todos aqueles que não correspondendo ao efectivo exercício da sua função, sejam praticados (ou omitidos) no desenvolvimento da sua vida pública como cidadãos, ou mesmo da sua vida privada, com repercussão na esfera pública, e que se apresentem como um desvalor dessa qualidade de oficial de justiça, com base num pressuposto prestígio, ou respeito, interligado ao exercício da função de oficial de justiça». 42º) Na situação que nos ocupa, embora o recorrente não estivesse no exercício de funções como oficial de justiça, verificaram-se factos com repercussões incompatíveis com a dignidade indispensável ao exercício dessas mesmas funções, por violadoras do dever de isenção inerente a tal exercício. 43º) Em face do exposto, a deliberação impugnada não padece de nenhuma ilegalidade e mostra-se irrepreensível na parte em que considera, conforme se transcreve: «(…) Segundo se depreende a defesa do Recorrente no decurso do processo disciplinar assenta quanto aos factos que estiveram na base da sua condenação pelos crimes de peculato de uso e corrupção que não pode ser sancionado pelos mesmos dado não estar no período em que os mesmos foram praticados não estava a exercer as funções com oficial de justiça. Quanto a esta questão acompanhamos a fundamentação da deliberação recorrida, que se transcreve: “Os oficiais de justiça são disciplinarmente responsáveis nos termos do regime geral dos funcionários e agentes da Administração Pública e dos artigos 89º e seguintes do Estatuto dos Funcionários de Justiça aprovado pelo Dec. Lei n.º 343/99, de 26/08 (EFJ). A infração disciplinar está prevista no artigo 90º do EFJ e é definida como “os factos, ainda que meramente culposos, praticados pelos oficiais de justiça com violação dos deveres profissionais, bem como os atos ou omissões da sua vida pública, ou que nela se repercutam, incompatíveis com a dignidade indispensável ao exercício das suas funções”. Face ao disposto no artigo 66º do EFJ, os funcionários de justiça estão sujeitos aos deveres especiais estabelecidos no referido Estatuto aprovado pelo Dec. Lei n.º 343/99, de 26/08, e ainda aos gerais dos funcionários da Administração Pública - estes previstos agora no art.º 73.º da Lei n.º 35/2014, de 20/06 que aprovou a Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (LTFP) e anteriormente no artigo 3.º da Lei 58/2008, de 09/09 -, designadamente aos deveres gerais de prossecução do interesse público que consiste na sua defesa, no respeito pela Constituição, pelas leis e pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos; de isenção, que consiste em não retirar vantagens, diretas ou indiretas, pecuniárias ou outras, para si ou para terceiro, das funções que exerce; de imparcialidade, que consiste em desempenhar as funções com equidistância relativamente aos interesses com que seja confrontado, sem discriminar positiva ou negativamente qualquer deles, na perspetiva do respeito pela igualdade dos cidadãos; de lealdade, que consiste em desempenhar as funções com subordinação aos objetivos do órgão ou serviço e de zelo, que consiste em conhecer e aplicar as normas legais e regulamentares e as ordens e instruções dos superiores hierárquicos, bem como exercer as funções de acordo com os objetivos que tenham sido fixados e utilizando as competências que tenham sido consideradas adequadas. Conforme se referiu na acusação (…) ainda que os factos indicados nos n.ºs 9.º a 26.º se reportem ao período em que o Sr. Dr. AA desempenhou funções de Administrador Judicial (de insolvências) e numa situação de licença sem vencimento de longa duração, mantinha-se sujeito aos deveres acima indicados. A licença sem vencimento de longa duração foi-lhe concedida ao abrigo do art.º 78.º, n.ºs 1 e 2, do Dec. Lei n.º 497/88, de 30/12, com os efeitos previstos no art.º 80.º do mesmo diploma legal e que aqui se reproduz: “Efeitos da licença 1 - A concessão da licença determina abertura de vaga e a suspensão do vínculo com a Administração, a partir da data do despacho referido no n.º 2 do artigo 78.º 2 - A licença sem vencimento de longa duração implica a perda total da remuneração e o desconto na antiguidade para efeitos de carreira, diuturnidades, aposentação e sobrevivência”. No período da licença e de acordo com o preceito em análise, o vínculo com a Administração encontrava-se suspenso. Essa suspensão, contudo, não afasta os direitos, deveres e garantias das partes, na medida em que não pressuponham a efectiva prestação de trabalho, como será o caso dos deveres de zelo, assiduidade e pontualidade, por exemplo. Ora, no caso, os deveres violados em que se fundamentou a aplicação da pena de demissão não estão ligados à efectiva prestação de trabalho. Acresce que os factos foram praticados pelo Sr. AA na qualidade de “funcionário” - no conceito definido pelo artigo 386.º do Código Penal -, encontrando-se sujeito, por isso, e concretamente no exercício das funções de Administrador Judicial, aos deveres de isenção, transparência e prossecução do interesse público, como, aliás, se escreveu no douto acórdão proferido no processo criminal “sabia o arguido das responsabilidades e deveres funcionais a que se encontrava vinculado no exercício de funções públicas, concretamente os de isenção, transparência e prossecução do interesse público e, ainda assim, violou-os; atuou o arguido com consciência de que as suas descritas condutas atentavam contra a probidade que carateriza o exercício de funções públicas; o arguido agiu de forma voluntária, livre e consciente, bem sabendo que as suas descritas condutas eram proibidas e punidas por lei”. Concluiu-se, em face do referido, e no que se reporta àqueles factos, que o Sr. AA cometeu infracções disciplinares por violação dos deveres supra indicados (excepto o de zelo), quer porque enquanto oficial de justiça se encontrava sujeito aos que não pressupusessem a efectiva prestação de trabalho, quer porque actuou no exercício de funções públicas. Esta questão também foi objecto de apreciação no recurso da deliberação do COJ de ……..2019 que o suspendeu de funções, tendo o Plenário do CSM na deliberação de …….2019, decidido: “Alega ainda o recorrente que os factos pelos quais foi condenado no âmbito do processo crime foram praticados no exercício das suas funções de administrador judiciário, detendo ainda a qualidade de advogado e não no exercício das suas funções de oficial de justiça. Por essa razão, segundo alega, a sentença condenatória foi comunicada quer ao CAAJ e à Ordem dos Advogados e não ao COJ. Quanto a este argumento, é inequívoco que o recorrente, à data da prática dos factos pelos quais foi condenado, não exercia as funções de oficial de justiça, uma vez que gozava de uma licença de longa duração desde 1996 e só retomou as funções de secretário de justiça por despacho de …….2018. No entanto, tal situação não pressupõe a extinção do vínculo existente entre o recorrente e a administração pública, de onde decorre não se extinguirem também os deveres que sobre o mesmo impendem, enquanto oficial de justiça que não pressuponham a efectiva prestação de trabalho. Sublinhe-se a este propósito o que preceitua o já citado artº 90º do EFJ que constitui infracção disciplinar não apenas os actos praticados pelos oficiais de justiça com violação dos seus deveres profissionais, mas também os actos e omissões da sua vida pública, ou que nela se repercutam, incompatíveis com a dignidade indispensável ao exercício das suas funções.” Importa referir que a circunstância do Recorrente ter sido condenado pela prática do crime de corrupção e peculato de uso na pena única de 3 (três) anos e 4 (quatro) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período da respectiva pena, com regime de prova legal obrigatório, não obsta a que lhe seja aplicada uma sanção disciplinar pelos factos que integram os referidos crimes..» 44º) No que respeita à verificação de factualidade e pressupostos suscetíveis de determinar a aplicação da pena de demissão, compulsado o teor do recurso administrativo especial, nele o Recorrente não suscitava nenhuma questão concreta, nem apresentava qualquer argumentação. Assim, 45º) Importa a este respeito recuperar o impressivo teor do despacho da Exm.ª Senhora Vice-Presidente do COJ de …...2019, ratificado pelo Plenário do COJ em …....2019: «(…) Os factos que consubstanciaram a aplicação das referidas penas deram causa aos presentes autos disciplinares que culminaram na deliberação acima referida que aplicou ao Visado a sanção única de demissão. Os factos praticados afrontam a dignidade indispensável ao exercício das funções de um oficial de justiça, o que vem agravado pelo facto de o visado exercer um cargo de chefia. Atenta a dignidade das funções que desempenha, ao oficial de justiça é exigido um grau especialmente qualificado na correção da sua conduta, que deve ser exemplar. Os eventuais desvios que se apurem deverão ser, por isso alvos de um maior grau de censura do que aquele seria devido a um cidadão comum. Um secretário de justiça é responsável pelo cumprimento dos deveres que decorrem do EFJ, bem como de outros de que estejam incumbidos em colaboração com os órgãos de gestão da Comarca, em particular com o administrador judiciário. As suas funções envolvem particulares e intensas responsabilidades ao nível da gestão de recursos humanos, de recursos patrimoniais e de supervisão e acompanhamento do cumprimento de objectivos processuais estabelecidos pelos órgãos de gestão das comarcas. No âmbito da condenação penal e, consequentemente, em sede disciplinar, ficou demonstrado que o Visado deu uso indevido a recursos públicos e incumpriu deveres em troca de vantagem patrimonial. Tal actuação inviabiliza a sua continuidade nas funções de chefia, enquanto secretário de justiça do Núcleo de …….. do Tribunal Judicial da Comarca de …………, sendo a sua permanência claramente comprometedora de uma sã relação laboral de cooperação e lealdade, quer em relação aos funcionários sobre quem exerce poder hrárquico, quer em relação aos órgãos de gestão do Tribunal Judicial da Comarca de ……….... O regresso do Visado ao exercício de funções correspondentes à sua categoria – secretário de justiça – desestabiliza o próprio serviço, bem como o trabalho de todos os magistrados, funcionários judiciais e pessoal do regime geral que, com zelo e excelência, diariamente se esforçam pela concretização da função jurisdicional no Núcleo de ……… do Tribunal Judicial da Comarca de …………, colocando em causa o prestígio e dignidade do próprio cargo. Ademais, tendo esta situação já sido noticiada em diversos meios de comunicação social, compromete nessa medida a imagem do próprio tribunal enquanto órgão de soberania constitucionalmente incumbido de administrar a justiça em nome do povo. (…)». 46º) Não obstante, e para dissipar quaisquer dúvidas que pudessem subsistir a tal respeito, atente-se na irrepreensível apreciação efetuada na deliberação sub judice: (…) Por outro lado, os factos acima referidos sob os n.ºs 14.º e 16.º als. d) a g), que levaram à condenação do Recorrente pela prática do crime de corrupção passiva, integram infracção disciplinar por violação dos deveres gerais de prossecução do interesse público, isenção, imparcialidade e lealdade, prevista pelas disposições conjugadas dos artigos 90.º do EFJ e 73.º, n.º 1, alíneas a), b), c) e g) e nºs 3, 4, 5, e 9 da Lei n.º 35/2014 de 20/06 (LTFP). Quanto às sanções disciplinares a aplicar, o artigo 180º da referida Lei n.º 35/2014, prevê na al. d) o despedimento disciplinar ou demissão. O art. 187º da mesma lei estabelece que estas sanções são aplicáveis em caso de infracção que inviabilize a manutenção do vínculo de emprego e o art. 297º n.º 3, prevê, sem caracter taxativo, entre as várias infracções que inviabilizam a manutenção do vínculo, na al. j), o comportamento do trabalhador que “ em resultado da função que exerce solicite ou aceite, directa ou indirectamente, dádivas, gratificações, participação em lucros ou outras vantagens patrimoniais, ainda que sem o fim de acelerar ou retardar qualquer serviço ou procedimento.” Ora, no caso está provado, por acórdão transitado em julgado, que o Recorrente, enquanto Administrador Judicial, com funções relevantes no processo de insolvência, designadamente proceder à administração e liquidação da massa insolvente e repartir pelos credores o respectivo produto final, praticou o crime de corrupção, afectando de forma séria o prestígio da administração pública e dos tribunais, por estar a sua actividade inserida no processo de insolvência, sendo o administrador de insolvência um órgão determinante neste tipo de processos, a quem o Código de Insolvência de Recuperação de Empresas (CIRE) conferiu poderes que anteriormente competiam ao Juiz, minando gravemente a confiança dos cidadãos nas instituições públicas. O comportamento do Recorrente é especialmente censurável, pois, ingressou na carreira judicial, com a categoria de secretário judicial, por anteriormente ter exercido funções de Administrador na extinta ………………….. e desde 1996, estando perfeitamente consciente das funções que desempenhava e das consequências gravemente lesivas para o prestígio da administração pública do seu comportamento. De resto ficou provado no acórdão condenatório transitado em julgado, que o Recorrente “sabia das responsabilidades e deveres funcionais a que se encontrava vinculado no exercício de funções públicas, concretamente as de isenção, transparência e prossecução do interesse público e ainda assim violou-a” e “atuou com consciência de que as suas descritas condutas atentavam contra a probidade que caracteriza o exercício de funções públicas” e “de forma voluntária livre e consciente”. É, pois, incontroverso que o Recorrente no exercício de funções, equiparadas a funções públicas, de forma dolosa, afectou o prestígio, legalidade, imparcialidade e credibilidade da administração, comprometendo, de forma irremediável, a manutenção do vínculo de emprego público, como oficial de justiça. Relativamente à restante factualidade e ao seu enquadramento jurídico, o Recorrente não suscitou na sua alegação de recurso qualquer questão. Importa, no entanto, referir que nenhuma censura merece essa subsunção jurídica. O factos descritos sob os n.ºs 13.º e 16.º, alíneas a) a d), que fundamentaram a sua condenação pela prática do crime de peculato de uso integram a prática de infracção disciplinar por violação dos deveres gerais de prossecução do interesse público, isenção e imparcialidade, prevista e punida pelas disposições conjugadas dos artigos 90.º do EFJ; 3.º, n.ºs 1 e 2, alíneas a), b), e c) e n.ºs 3, 4 e 5 e 17.º, al. n), da Lei n.º 58/2008, de 09/09 (EDTFP), em vigor à data da prática dos factos ( actualmente nos artigos 73º als. a), b), c) e n.ºs 3,4, e 5, 180 n.º 1 al. c), 186 al. l) da LTFP), com a sanção em abstracto de suspensão. Por outro lado, com os factos e nas circunstâncias indicadas nos n.ºs 32.º a 46.º e nos n.ºs 47º a 56º, cometeu duas infracções disciplinares (no exercício de funções de Secretário de Justiça) por violação do dever geral de zelo, prevista e punida pelas disposições conjugadas dos artigos 90.º do EFJ, 73.º, n.º 2, alíneas e) e n.º 7, 180.º, n.º 1, al. b) e 181.º, n.º 2, da Lei n.º 35/2014 de 20/06 (LTFP), com a sanção em abstracto de multa. Atento o art. 180º n.º 3 da LTFP foi-lhe correctamente aplicada a pena única de demissão. 47º) Importa ainda apreciar a invocada verificação de ne bis in idem, por o recorrente ter sido já condenado pelos mesmos factos em processo crime. 48º) Não assiste, porém, razão ao recorrente, sendo unanimemente aceite e pacífico, na doutrina e na jurisprudência, a total autonomia entre o procedimento disciplinar e o processo penal, estando em causa ilícitos e processos distintos, com finalidades e desenvolvimentos também distintos, não se verificando qualquer relação de consumpção do processo penal, relativamente ao procedimento disciplinar, nem de prejudicialidade deste em relação àquele. 49º) Citando a este respeito Luís Vasconcelos Abreu, In, Para o Estudo do Procedimento Disciplinar no Direito Administrativo Português Vigente: As Relações Com o Processo Penal, Almedina, 1993, págs. 32 e 33: “A autonomia do ilícito disciplinar encontra-se expressa na possibilidade de cumulação das responsabilidades disciplinar e criminal pela prática do mesmo facto, sem violação do ne bis in idem. Reafirmando um lugar-comum: o ilícito disciplinar não é um minus relativamente ao criminal, mas sim um aliud. Aliás, a conhecida subsidiariedade da intervenção do direito penal é suficiente para justificar a referida possibilidade de aplicação cumulativa de uma medida disciplinar e de uma sanção criminal pela prática do mesmo facto.” 50º) Acresce que, “Entre o procedimento disciplinar e o processo penal (e os processos de apuramento de outras formas de responsabilidade) não existe, no entanto, consumpção, por serem diferentes os fundamentos, o recorte da relação jurídica pertinente e os fins.” Cfr. NEVES, Ana, “O Direito da Função Pública”, in Tratado de Direito Administrativo Especial, Volume IV, Almedina, 2010, pág. 527. 51º) No mesmo sentido, afirmando a autonomia do poder e do procedimento disciplinar face ao processo penal têm vindo a ser tomadas decisões na jurisdição administrativa, remetendo-se a tal respeito para a abundante jurisprudência citada no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, relativo ao processo 28/18.4BESNT, concretamente : Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 21-09-2004, Processo n.º 047146; Acórdão do STA, de 12-01-2005, Processo n.º 0930/04; Acórdão do STA, de 06-12-2005, Processo n.º 42203; Acórdão do STA, de 27-01-2011, Processo n.º 01079/09, todos disponíveis em www.dgsi.pt. 52º) Não se alcança, assim, como poderá resultar violadora do princípio de ne bis in idem a circunstância de matéria de facto apurada no âmbito de processo criminal relevar nesse âmbito e, cumulativamente, ter relevância no âmbito de processo disciplinar. 53º) Importa a este respeito transcrever a seguinte passagem da deliberação impugnada, que traduz exatamente o acima exposto e se mostra irrepreensível nos seus exatos termos: «(…) Sobre a arguida violação do princípio ne bis in idem arguida pelo Recorrente por alegadamente a sua responsabilidade disciplinar já ter sido apreciada nos procedimentos próprios, foi objecto do recurso da suspensão do exercício de funções e sobre a questão este CSM já se pronunciou na deliberação do Plenário de …….2019, nos seguintes termos: “Ainda que tal tenha sucedido, o que não se encontra demonstrado nos autos, cumpre dizer que o invocado princípio caracteriza-se, em síntese, que ninguém possa ser julgado duas vezes pelos mesmos factos. Preceitua o art.º 179.º n.º 3 da LGTFP que a condenação em processo penal não prejudica o exercício da acção disciplinar quando a infracção penal constitua também infracção disciplinar. E quanto ao exercício da acção disciplinar (…), uma infracção criminal pode ter respaldo disciplinar em tantas carreiras ou ordens profissionais, quantas o visado tenha vínculo ou inscrição activa. Por essa ordem de razões terá sido, segundo alega, quer sancionado pelo CAAJ, na qualidade de administrador de insolvência quer pela Ordem dos Advogados, na qualidade de advogado, nada obstando a que a sua actuação possa também ser apreciada disciplinarmente pelo COJ, na qualidade de oficial de justiça, sem que tal ofenda o princípio do ne bis in idem ou o disposto no artº 180º nº 3 da LTFP.” Não há pois violação do princípio ne bis in idem.». 54º) Cumpre apreciar uma outra questão suscitada pelo recorrente no recurso a que ora se responde e que se prende, parece-nos, com a pretensão de conferir efeito suspensivo a este mesmo recurso. 55º) Efetivamente o Recorrente deu entrada nesse Supremo Tribunal Justiça, autonomamente e a título cautelar, de um requerimento de suspensão de eficácia para os efeitos previstos no artigo 170.º do EMJ. 56º) Tal requerimento correu termos como Processo n.º ……….. e, em ……….. 2019, foi proferida decisão singular pelo Exm.º Juiz Conselheiro relator, determinando a rejeição liminar de tal requerimento, por não se encontrarem especificados, de forma articulada, os fundamentos do pedido, nos termos do disposto no artigo 116.º, n.º 2, alínea a) do CPTA. 57º) Donde, em face de tal decisão, nos termos previstos na 1.ª parte do artigo 170.º, n.º 1 do EMJ, a interposição do recurso em apreço não suspende a eficácia do ato recorrido. 58º) Por último, em face de toda factualidade apurada e da gravidade da mesma, afigura-se no mínimo caricata a invocação pelo Recorrente do preceito constitucional “Todos têm direito ao trabalho”, previsto no n.º 1 do artigo 58.º da Constituição da República Portuguesa – cfr. artigo 20.º e conclusão t) da petição de recurso. 59º) O mesmo se diga, dispensando acrescidos comentários, em relação à forma manifestamente vaga, imprecisa e inconsequente, como o Recorrente alega que “estamos perante uma violação de Direitos Humanos”. 60º) Retomando ao que releva, tudo visto e ponderado, considerando o procedimento disciplinar encetado e o sentido da deliberação do COJ, bem como o teor da deliberação do CSM ora impugnada, não se vislumbra ter ocorrido nenhum vício no processo deliberativo levado a efeito. Em conformidade com o exposto, por não resultar demonstrada a ofensa de qualquer norma legal ou de algum dos princípios jurídico-administrativos fundamentais que ordenam e regem a atividade do Conselho Superior da Magistratura, relativamente à deliberação em crise nos presentes autos e tomada pelo Plenário do Conselho Superior da Magistratura de …………….. de 2019, a pretensão deduzida pelo recorrente deverá, em absoluto, soçobrar.” 5. Cumprido o disposto no artigo 176.º do EMJ, foram apresentadas alegações pelo recorrente (demandante) e pelo recorrido (demandado), defendendo as posições anteriormente assumidas. 6. O Ministério Público não alegou, por considerar que está legalmente vedada a sua intervenção em virtude de o EJF não conter norma idêntica à do artigo 176.º do EMJ.
* 7. São as seguintes as questões suscitadas pelo recorrente (demandante): (i) prescrição (a) da infracção disciplinar e (b) do direito de instaurar processo disciplinar; (ii) erro sobre os pressupostos de aplicação da medida de suspensão preventiva e da sanção disciplinar; (iii) violação do princípio ne bis in idem; (iv) desadequação (por desnecessidade e desproporcionalidade): (a) da medida cautelar de suspensão preventiva; (b) do procedimento disciplinar, por não estar em causa o exercício de funções de oficial de justiça. Cumpre apreciar e decidir.
* II. Fundamentação
A) Factos com relevância para a decisão da causa
8. 1) Factos Provados
Tendo em atenção a posição das partes expressas nos seus articulados e o acervo documental junto aos autos, está provada, com relevância para a decisão a proferir nos presentes autos de acordo com as várias soluções de direito plausíveis, a seguinte matéria de facto (a qual se passa a enunciar sob numeração): 1.1. O autor é Oficial de Justiça e exerceu funções [cf. apenso, não numerado nem paginado, ao processo administrativo junto ao processo n.º 54/19.6YFLSB (na aceção dos artigos 1.º, n.º 2, do Código de Procedimento Administrativo e 84.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, doravante designado abreviadamente por “processo administrativo instrutor II”), contendo nota biográfica resumida do demandante]: a. de Administrador da …………….….. entre …….1981 e ……..1996; b. de Secretário Judicial no ....º Juízo Cível de …….. entre …..1996 e …..1996. 1.2. Por Despacho de …...1996 do Director-Geral dos Serviços Judiciários, foi concedida ao autor licença sem vencimento de longa duração, pelo prazo máximo de 10 anos, ao abrigo do disposto no artigo 78.º do Decreto-Lei n.º 497/88, de 30 de Dezembro, com efeitos a partir de …….1996 (idem). 1.3. Durante o período de licença sem vencimento autorizada pelo despacho referido em 1.1.2., o autor exerceu funções enquanto advogado e administrador de insolvências (idem). 1.4. A …...2014 o aqui autor fora constituído arguido no âmbito de um processo de inquérito visando o apuramento de responsabilidades criminais apuradas no exercício das funções de administrador de insolvência reportadas a …….. de 2012, com indício da prática de crime de peculato de uso, e entre …… e …… de 2014, com indícios da prática de crime de corrupção passiva (cf. fls. 2 a 4 do “processo administrativo instrutor II”, cujo teor se dá por reproduzido). 1.5. Na sequência de dedução de acusação no âmbito do processo de inquérito referido em 1.1.4. e de subsequente julgamento no âmbito do processo crime que correu termos na ….ª Secção Criminal – Juízo .., da Instância Central de ……., sob o n.º ……………., o autor foi condenado na pena única de três anos e quatro meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, pela prática de um crime de peculato de uso, p. e p, pelo artigo 376.º, n.º 2, do Código Penal, e um crime de corrupção passiva, p. e p. pelos artigos 373.º, n.º 2, 374.º-A, n.os 1 e 3, do Código Penal, bem como, na pena acessória de proibição do exercício de funções de administrador judicial por igual período (cf. fls. 66 a 265-v. do “processo administrativo instrutor II”, cujo teor se dá por reproduzido). 1.6. A decisão referida em 1.5. transitou em julgado a ………....2017 (idem). 1.7. A ……….2017 o aqui autor apresentou requerimento na Direção-Geral da Administração da Justiça solicitando “o regresso ao serviço, através da figura da afectação, prevista no EFJ para qualquer um dos núcleos do Tribunal Judicial da Comarca de …………”, sem dar conta dos factos referidos em 1.4., 1.5. e 1.6. (idem). 1.8. A …….2018 o autor foi nomeado Secretário de Justiça para o Núcleo de ……. do Tribunal Judicial da Comarca de ………… (cf. fls. 379 do “processo administrativo instrutor II”, cujo teor se dá por reproduzido). 1.9. A …….2018 deu entrada nos serviços do Conselho dos Oficiais de Justiça (COJ) uma correspondência eletrónica, pelo qual o Diretor-Geral da Administração de Justiça dava conhecimento de um email oriundo do Administrador Judiciário do tribunal referido em 1.1.8., dando conta da existência de uma Carta Precatória registada sob o n.º …………, vinda da …ª Secção do DIAP de ……, mais dando conta de que o autor seria constituído arguido (cf. fls. 4-A e 4-B do “processo administrativo, na acepção dos artigos 1.º, n.º 2, do Código de Procedimento Administrativo e 84.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos II2, cujo teor se dá por reproduzido). 1.10. A …….2018 deu entrada nos serviços do COJ uma certidão contendo da decisão referida em 5., contendo a nota de trânsito em julgado referida em 6 (idem). 1.11. A ……2018, em sessão ordinária, o COJ consignou em acta deliberação com o seguinte teor: «a) ……/18 – Apreciação da situação funcional do secretário de justiça do Núcleo de ……., AA. Deliberação: O Plenário depois de analisar todo o expediente apresentado à sessão respeitante ao oficial de justiça AA, considerando que a notícia da infração contém já uma descrição de factos, com indicação das circunstâncias de tempo, lugar e modo de ocorrência do evento, reportada ao secretário de justiça AA, com o número mecanográfico ……, em termos de permitir configurar e imputar objetivamente ao identificado oficial de justiça a prática de uma infração disciplinar, deliberou instaurar processo disciplinar, ficando a instrução do mesmo a cargo da senhora Inspetora BB. O Plenário deliberou, ainda, que se dê conhecimento da presente deliberação à Exm.ª Juíza Presidente, à Exm.ª Magistrada do Ministério Público Coordenadora, da Comarca de ………….. e, bem assim, ao senhor Administrador Judiciário da mesma Comarca. Mais deliberou o Plenário no sentido de o visado ser notificado para a audiência prévia, nos termos e para os efeitos dos art.ºs 121.º e 122.º do Código do Procedimento Administrativo, considerando a eventual possibilidade de aplicação da medida cautelar de suspensão preventiva do exercício de funções com os seguintes fundamentos: Resulta da certidão judicial emitida a …………. de 2018, referente aos acórdãos proferidos no âmbito do processo crime n.º ………………., ambos transitados em julgado, que o senhor oficial de justiça AA foi condenado na pena única de três anos e quatro meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, pela prática de um crime de peculato de uso, p. e p, pelo art.º 376.º, n.º 2, do Código Penal, e um crime de corrupção passiva, p. e p. pelos art.ºs 373.º, n.º 2, 374.º-A, n.ºs 1 e 3 do Código Penal, bem como, na pena acessória de proibição do exercício de funções de administrador judicial por igual período. Atenta a condenação criminal a que foi sujeito e os factos que a sustentam, mostra-se indiciada, por parte do senhor oficial de justiça acima identificado, a prática de infração disciplinar consubstanciada na violação dos deveres funcionais ínsitos no art. 73.º, n.º 1, n.º 2, alíneas a), b), c) e g), n.ºs 3, 4, 5 e 9, da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (Lei n.º 35/2014, de 20/06), aplicável ex vi do art.º 123.º do Estatuto dos Funcionários de Justiça (EFJ – Dec. Lei n.º 343/99, de 26/08), em conjugação com o disposto nos art.ºs 90.º do EFJ; Dec- Lei n.º 244/93, de 08/07 e art.º 80.º do Dec. Lei n.º 497/88, de 03/12. Considerando que à infração disciplinar indiciada é suscetível de aplicação a pena de suspensão ou, inclusive, demissão, nos termos do disposto nos art.ºs 186.º, alíneas e), k), l) e m) e 187.º da LGTFP, respetivamente, o Plenário pondera a eventual aplicação da medida cautelar de suspensão preventiva prevista no art.º 211.º da LGTFP» (cf. fls. 2 a 4 do processo administrativo junto ao processo n.º 44/19.9YFLSB, doravante designado abreviadamente por “processo administrativo instrutor I”, cujo teor se dá por reproduzido). 1.12. A …….2019 deu entrada no COJ instrumento subscrito pelo aqui autor, pronunciando-se no sentido de não se verificarem os pressupostos para a suspensão preventiva de funções e pugnando pelo arquivamento do processo disciplinar (cf. fls. 319 a 322-v. do “processo administrativo instrutor I”, cujo teor se dá por integralmente reproduzido). 1.13. A ……..2019, em sessão ordinária, o COJ, reunido em Plenário, consignou na “Ata n.º .../2019” deliberação com o seguinte teor: «b) …….18— Resposta em sede de audiência prévia do secretário de justiça AA (Núcleo de …….): Deliberação: O Plenário apreciou a resposta apresentada por AA e deliberou nos seguintes termos: Em função da resposta conferida pelo Sr. Oficial de Justiça AA, impõe-se ponderar a suspensão preventiva das funções que exerce como Secretário de Justiça do Tribunal da Comarca de ………. - Núcleo de ……... Invoca o Respondente, em desabono da eventual aplicação da medida de suspensão preventiva que: (i) os factos subjacentes à condenação crime encontram-se prescritos; (ii) a violação de deveres funcionais ocorrida em 2014 está estritamente relacionados com as funções de administrador judicial; (iii) a aplicação de qualquer sanção é violadora do princípio “ne bis in idem” por já ter sido punido disciplinarmente pela Ordem dos Advogados e (iv) cumpre escrupulosamente as funções que lhe estão adstritas. Apreciando: Resulta da certidão judicial emitida a …../2018, referente aos acórdãos proferidos no âmbito do Proc. Crime n.º ………….., ambos transitados em julgado, que o Sr. Oficial de Justiça AA foi condenado na pena única de três anos e quatro meses de prisão, suspensa na sua execução, por igual período, pela prática de um crime de peculato de uso, p. e p. pelo art.° 376.°, n.° 2, do Código Penal, e um crime de corrupção passiva, p. e p. pelos art.°s 373.°, n.° 2, e 374.°-A, n°s 1 e 3 do Código Penal, bem como, na pena acessória de proibição de exercício de funções de administrador judicial por igual período. O Respondente foi nomeado Secretário de Justiça por despacho proferido a …../1996, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 376/87, de 11 de dezembro, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 364/93, de 22 de outubro, tendo-lhe sido concedida licença de longa duração, por despacho datado de ……/96, ao abrigo do disposto no Decreto-Lei n.º 497/88, de 30 de dezembro. Por sua vez, o Respondente voltou a ser nomeado Secretário de Justiça para o Núcleo de ……, por despacho proferido em …./2018. Os factos constitutivos dos tipos criminais pelos quais o Sr. Oficial de Justiça foi condenado foram praticados em ………. de 2012, no que concerne ao crime de peculato de uso, e entre …… a ……. de 2014, no que se refere ao crime de corrupção passiva. Assim sendo, ao contrário do alegado pelo Respondente, no que respeita aos factos que consubstanciaram a condenação pela prática de um crime de corrupção passiva, o procedimento disciplinar não se encontra prescrito - vide art.º 118.º, n.º 1, al. a), conjugado como os art.ºs 373.º, n.º 1, e 374.º-A do Código Penal, ex vi do art.º 178.º, n.º 1, da LGTFP. Por outro lado, não obstante o Sr. Oficial de Justiça se encontrar em licença de longa duração aquando da prática dos factos que sustentaram a condenação crime, consideramos que o mesmo se encontrava sujeito aos deveres funcionais ínsitos no art.º 73.º da LGTFP, aplicável ex vi do art.º 123.º do EFJ, que não pressupusessem a efetiva prestação de trabalho — art.º 80.º do Decreto-Lei n.º 497/88, de 30 de dezembro. Refira-se, ainda, ao contrário do alegado pelo Respondente, que a prática de uma infração criminal pode ter respaldo disciplinar em tantas as carreiras/ ordens profissionais, quantas o visado tenha vínculo ou inscrição ativa, com diferentes consequências, sem que tal viole o princípio ne bis in idem ou o disposto no art.º 180.º, n.º 3, da LGTFP. Acresce que, independentemente da data da prática dos factos que consubstanciam os ilícitos criminais pelos quais foi condenado, a condenação crime transitada em julgado em ………/2017 e a pena de prisão de três anos e quatro meses de prisão a que foi condenado, ainda que suspensa na sua execução por igual período, constitui infração disciplinar nos termos e para os efeitos previsto no art.º 90.º do EFJ, afrontam a dignidade indispensável ao exercício das funções que o Sr. Oficial de Justiça AA exerce enquanto Secretário de Justiça do Tribunal da Comarca de …………. - Núcleo de ……. - vide art.º 90.º do EFJ. Assim, atenta a condenação criminal a que foi sujeito e os factos que a sustentam, mostra-se indiciada, por parte do Sr. Oficial de Justiça, a prática de infração disciplinar consubstanciada na violação dos deveres funcionais ínsitos no art.º 73.º, n.º 1, n.º 2, nas alíneas a), b), c) e g), n.ºs 3, 4, 5 e 9, da LGTFP (Lei n.º 35/2014, de 20 de junho), aplicável ex vi do art.º 123.º do EFJ (Estatuto dos Funcionários de Justiça - DL n.º 343/99, de 26 de agosto), em conjugação com o disposto nos art.°s 90.º do EFJ; Decreto-Lei n.º 244/93 de 8.07.93 e art.º 80.º do Decreto-Lei n.º 497/88, de 30 de dezembro. Atenta a gravidade da infração disciplinar indiciada, ao Respondente é suscetível a aplicação da pena de suspensão ou, inclusive, demissão, nos termos do disposto nos art.ºs 186.º, als. e), k), l), m) e 187.º da LGTFP, impondo-se apurar se, no caso em apreço, se verificam os demais requisitos legalmente exigidos. Preceitua o art.º 96.º do EFJ, que “o oficial de justiça arguido em processo disciplinar pode ser preventivamente suspenso das suas funções desde que haja fortes indícios de que à infração caberá, pelo menos, a pena de suspensão, e a continuação na efetividade de serviço seja prejudicial à instrução do processo, ao serviço ou ao prestígio e à dignidade da função”. No âmbito da categoria de secretário de justiça, inscrevem-se, entre outras, as de direção dos serviços da secretaria; elaboração e gestão de orçamento de delegação da secretaria; direção do serviço de contagem de processos e exercício das demais funções conferidas por lei ou por determinação superior - vide Mapa I anexo ao EFJ. Face a tal conteúdo funcional, consideramos que a condenação na pena única de três anos e quatro meses de prisão, suspensa na sua execução, por igual período, pela prática de um crime corrupção passiva, contende indelevelmente com o exercício das funções de chefia ora desempenhadas, as quais implicam, designadamente, a contagem de processos e o acesso informático ilimitado aos mesmos. Por outro lado, independentemente do alegado pelo Respondente no sentido de cumprir escrupulosamente as funções que lhe competem, a condenação criminal de que foi alvo, nos termos da qual recebeu vantagens indevidas no desempenho de funções de administrador judicial aquando da vigência de licença de longa duração que lhe foi concedida, associada ao exercício atual de funções de chefia num Tribunal com a dimensão e visibilidade do Núcleo de ……, põe em causa a imagem dos tribunais e do sistema judicial, tendo, inclusive, tal situação tido eco em diversos meios de comunicação social (vide fls. 27 a 29 do processo disciplinar n.º ……18). Assim, consideramos que a manutenção em funções do Respondente é manifestamente prejudicial, não só para o serviço, bem como, para o prestígio e dignidade da função, razão pela qual se justifica, verificados todos requisitos do normativo citado, a sua suspensão preventiva. Pelo exposto, o Plenário deliberou suspender preventivamente de funções o Sr. Secretário de Justiça AA, a exercer funções no Tribunal da Comarca de ……….. - Núcleo de ……., pelo limite temporal máximo previsto no art.º 96.º, n.º 3, do EFJ, devendo tal suspensão ser executada salvaguardando-se a defesa da dignidade pessoal e profissional do visado. Mais deliberou o Plenário que, por via confidencial, se dê conhecimento ao Órgão de Gestão do Tribunal da Comarca de ……….., solicitando a notificação e execução da deliberação ao Sr. Administrador D… […]» (cf. fls. 378 a 383 do “processo administrativo instrutor II”, cujo teor se dá por reproduzido). 1.14. A ……..2019 o autor interpôs recurso (administrativo especial) da deliberação referida em 1.13. para o Conselho Superior da Magistratura (CSM), aqui entidade demandada, ao abrigo do disposto no artigo 118.º do Estatuto dos Funcionários Judiciais (EFJ), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 343/99, de 26 de Agosto (cf. fls. 322 a 326 do “processo administrativo instrutor I”, cujo teor se dá por reproduzido). 1.15. Entretanto, no âmbito do processo disciplinar instaurado pelo COJ ao aqui autor pela deliberação referida em 11., e que aí fora autuado sob o n.º “……/18”, deduzida acusação, indeferida a defesa por extemporaneidade e finda a instrução, foi a …….2019 elaborado relatório final com o seguinte teor: «Nos termos do n.º 1 do artigo 219.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (LTFP), aprovada pela Lei n.º 35/2014, de 20/junho, aplicável aos funcionários de justiça por força do disposto no artigo 89.º do respetivo Estatuto aprovado pelo Dec. Lei n.º 343/99, de 26/08 (EFJ), procede-se à elaboração do seguinte: RELATÓRIO FINAL I – INTRODUÇÃO A) Razões do procedimento Por deliberação do Conselho dos Oficiais de Justiça (COJ) de …………….. de 2018, foi instaurado processo disciplinar ao senhor oficial de justiça AA, Secretário de Justiça, com o número mecanográfico ……, colocado no Núcleo de ……. do Tribunal Judicial da Comarca de …………. O processo disciplinar foi instaurado na sequência da junção de vário expediente, de que se salienta o seguinte: Correio eletrónico comunicando a pendência de Carta Precatória com origem na ...ª Secção do DIAP de ……., solicitando a constituição e interrogatório como arguido do senhor Secretário de Justiça AA – fls. 4-D, 4-B e 4-C; certidão extraída dos Acórdãos proferidos no Processo Comum (Tribunal Coletivo) n.º …………….que correm termos no Juízo Central Criminal de ……. – Juiz .., com entrada no Conselho dos Oficiais de Justiça a …………. de 2018 e junto a fls. 78 a 265 verso. Ainda e por deliberação de …………….. de 2019 do mesmo Conselho dos Oficiais de Justiça, foi instaurado processo disciplinar ao mesmo oficial de justiça com base em expediente ali entrado em ……… de 2019, junto a fls. 417 a 418 verso; entrado em …….. de 2019 junto a fls. 419 a 424; e em ………… de 2019, junto a fls. 425, tendo sido ordenada a sua incorporação no presente processo disciplinar …….., então já pendente, para que, nesse âmbito, prosseguisse os seus termos normais – fls. 414 e 415 B) Suspensão Preventiva Na deliberação de ……… de 2018 que instaurou o procedimento disciplinar inicial contra o senhor oficial de justiça AA, foi ponderada a eventual aplicação da medida cautelar de suspensão preventiva prevista no art.º 211.º da LTFP dado que se mostrava indiciada, atenta a condenação criminal a que havia sido sujeito no proc. n.º …………. e os factos que a sustentavam, a prática de infração disciplinar consubstanciada na violação dos deveres funcionais ínsitos no art.º 73.º, n.º 1, n.º 2, alíneas a), b), c) e g), n.ºs 3, 4, 5 e 9, da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (Lei n.º 35/2014, de 20/06), aplicável ex-vi do art.º 123.º do Estatuto dos Funcionários de Justiça, em conjugação com o disposto nos art.ºs 90.º do EFJ, Dec. Lei n.º 244/93, de 08/07 e art.º 80.º do Dec. Lei n.º 497/88, de 03/12, tendo-se procedido à audiência prévia do senhor oficial de justiça, nos termos e para os efeitos do disposto nos art.ºs 121.º e 122.º do Código do Procedimento Administrativo. O senhor Secretário de Justiça ofereceu a resposta junta a fls. 320 a 322, pugnando pelo arquivamento dos autos. O Conselho dos Oficiais de Justiça, após apreciar a resposta oferecida, deliberou em …………………. de 2019 suspender preventivamente o senhor Secretário de Justiça AA, pelo período temporal máximo previsto no n.º 3 do art.º 96.º do Estatuto dos Funcionários de Justiça, suspensão que que foi executada no dia …………… de 2019, por 120 dias, com efeitos imediatos – cfr. fls. 387 C) Instrução […] D) Acusação Em …………… de 2019 foi deduzida acusação contra o senhor Secretário de Justiça, AA, nos termos constantes de fls. 461 a 499, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido, imputando-lhe a prática de 4 infrações disciplinares, pela forma seguinte: 1) Pela prática dos factos e nas circunstâncias indicadas nos n.ºs 9.º a 13.º (todas as alíneas); 16.º, alíneas a), b) e c); 17.º, 18.º, 21.º, 22.º, 26.º, 28.º, 29.º, 30.º e 31.º (factos que levaram à condenação pela prática do crime de peculato de uso) da acusação, o cometimento de infração disciplinar por violação dos deveres gerais de prossecução do interesse público, isenção, imparcialidade e lealdade, prevista e punida pelas disposições conjugadas dos artigos 90.º do EFJ; 3.º, n.ºs 1 e 2, alíneas a), b), c) e g) e n.ºs 3, 4, 5 e 9 e 17.º, al. n), da Lei n.º 58/2008, de 09/09 (EDTFP), em vigor à data da prática dos factos, COM A SANÇÃO DE SUSPENSÃO. 2) Pela prática dos factos e nas circunstâncias indicadas nos n.ºs 9.º a 12.º, 13.º (introdução), 14.º (todas as alíneas); 16.º, alíneas d) a g), 17.º, alíneas a) e b), 18.º, 21.º, 22.º, 26.º, 28.º a 31.º (factos que levaram à condenação pela prática do crime de corrupção passiva) da acusação, o cometimento de infração disciplinar por violação dos deveres gerais de prossecução do interesse público, isenção, imparcialidade e lealdade, prevista e punida pelas disposições conjugadas dos artigos 90.º do EFJ, 183.º, 73.º, n.º 1, alíneas a), b), c) e g) e nºs 3, 4, 5, e 9 e 297.º, n.º 3, al. j), da Lei n.º 35/2014 de 20/06 (LTFP), em vigor ao tempo da data da prática dos factos, COM A SANÇÃO DE DEMISSÃO. Enquanto no exercício de funções de Secretário de Justiça, imputou-se-lhe a prática de duas infrações disciplinares por negligência, pela forma seguinte: 3) Pela prática dos factos e nas circunstâncias indicadas nos n.ºs 32.º a 46.º da acusação, o cometimento de infração disciplinar por violação do dever geral de zelo, prevista e punida pelas disposições conjugadas dos artigos 90.º do EFJ, 73.º, n.º 2, alíneas e) e n.º 7, 180.º, n.º 1, al. b) e 181.º, n.º 2, da Lei n.º 35/2014 de 20/06 (LTFP), COM A SANÇÃO DE MULTA. 4) Pela prática dos factos e nas circunstâncias indicadas nos n.ºs 47.º a 56.º da acusação, o cometimento de infração disciplinar por violação do dever geral de zelo, prevista e punida pelas disposições conjugadas dos artigos 90.º do EFJ, 73.º, n.º 2, alíneas e) e n.º 7, 180.º, n.º 1, al. b) e 181.º, n.º 2, da Lei n.º 35/2014 de 20/06 (LTFP), COM A SANÇÃO DE MULTA. Tendo em conta que face ao disposto no n.º 3 do art.º 180.º da Lei n.º 35/2014, (LTFP), não pode ser aplicada mais de uma sanção disciplinar pelas infrações acumuladas que sejam apreciadas num único processo, como é o caso, anunciou-se a sanção única de DEMISSÃO, tendo-se então considerado “que os factos em causa, particularmente os que conduziram à condenação pela prática do crime de corrupção passiva com a consequente aplicação da pena de prisão suspensa com sujeição a regime de prova - ainda em execução (não extinta) - são inviabilizadores da manutenção do vínculo de emprego público, tendo a sua nomeação como Secretário de Justiça causado alarme social. E) Defesa O Sr. Secretário de Justiça foi notificado pessoalmente da acusação em ……… de 2019, tendo-lhe sido concedidos 15 (quinze) dias para a defesa. Tal prazo é contado nos termos do artigo 87.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA), descontando-se os sábados, domingos e feriados. Assim, o prazo terminou no dia ……… de 2019. Por sua vez, o ilustre mandatário do trabalhador, Dr. CC, foi notificado por carta registada de ………… de 2019 (segunda feira), considerando-se a notificação efetuada no terceiro dia útil seguinte, nos termos do n.º 1 do art.º 113.º do mesmo diploma legal, ou seja e no caso, no dia ……… de 2019 (quinta feira). Contando-se 15 (quinze) dias a partir do dia……… (1.º dia do prazo), este terminou no dia ………. de 2019. Ora, no dia ………… de 2019, pelas 18 horas, foram remetidos pelo ilustre mandatário um requerimento a solicitar prazo superior, atendendo à complexidade dos autos, designadamente as questões jurídicas a tratar, e ainda uma resposta à acusação (primeira abordagem sinótica da sua defesa). Verifica-se, contudo, que qualquer das peças apresentadas entrou fora de prazo, ainda que se considere como válido o terminado em último lugar (………….. de 2019). Assim, o requerimento foi indeferido com fundamento na sua extemporaneidade dado que, a nosso ver e salvo o devido respeito por opinião diferente, teria de ser apresentado no prazo inicialmente concedido. Quanto à resposta apresentada, não poderá ser apreciada, também por se mostrar extemporânea. Questões prévias a apreciar: A) Competência para instaurar procedimento disciplinar; B) Prescrição da infração disciplinar quanto aos factos praticados no exercício de funções de Administrador Judicial; C) Prescrição do direito de instaurar procedimento disciplinar. Independentemente do referido quanto à extemporaneidade da resposta, pronunciar-nos-emos sobre a prescrição tendo em conta que se trata de questão de conhecimento oficioso. Antes, porém, de passarmos à análise concreta daquela questão, tendo em conta que parte dos factos foram praticados pelo Sr. Secretário de Justiça no exercício de funções de Administrador Judicial, dir-se-á o seguinte: A) Quanto à competência para instaurar procedimento disciplinar Conforme se referiu na deliberação do Conselho dos Oficiais de Justiça de ……… de 2019 – fls. 378 a 383 -, o trabalhador aqui visado foi nomeado Secretário de Justiça por despacho proferido a …../1996, tendo-lhe sido concedida licença sem vencimento de longa duração por despacho de ……/96, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 497/88, de 30 de dezembro. Em ……./2018 foi colocado como Secretário de Justiça no Núcleo de ……., por “transferência”. Não obstante o Sr. Oficial de Justiça se encontrar em licença de longa duração aquando da prática dos factos que sustentaram a condenação crime, o mesmo encontrava-se sujeito aos deveres funcionais ínsitos no art.º 73.º da LTFP, aplicável ex vi do art.º 123.º do EFJ, que não pressupusessem a efetiva prestação de trabalho – art.º 80.º do Decreto-Lei n.º 497/88, de 30 de dezembro. Transcrevendo-se aqui o que se disse na acusação: “A licença sem vencimento de longa duração foi-lhe concedida ao abrigo do art.º 78.º, n.ºs 1 e 2, do Dec. Lei n.º 497/88, de 30/12, com os efeitos previstos no art.º 80.º do mesmo diploma legal e que aqui se reproduz: “Efeitos da licença 1 - A concessão da licença determina abertura de vaga e a suspensão do vínculo com a Administração, a partir da data do despacho referido no n.º 2 do artigo 78.º 2 - A licença sem vencimento de longa duração implica a perda total da remuneração e o desconto na antiguidade para efeitos de carreira, diuturnidades, aposentação e sobrevivência”. No período da licença e de acordo com o preceito em análise, o vínculo com a Administração encontrava-se suspenso. Essa suspensão, contudo, não afasta os direitos, deveres e garantias das partes, na medida em que não pressuponham a efetiva prestação de trabalho. Assim, a nosso ver e salvo o devido respeito por diferente opinião, o Conselho dos Oficiais de Justiça tinha competência para instaurar o procedimento disciplinar. Acresce que e retomando a deliberação do Conselho dos Oficiais de Justiça de 24/01/2019, entendemos, na mesma senda, que “a prática de uma infração criminal por ter respaldo disciplinar em tantas as carreiras/ordens profissionais quantas o trabalhador tenha vínculo ou inscrição ativa, com diferentes consequências, sem que tal viole o princípio ne bis in idem ou o disposto no art.º 180.º, n.º 3, da LTFP”. Aliás, o senhor Secretário refere na sua resposta a fls. 334, pontos 27 e 28, que foi dado conhecimento “da condenação” (palavras nossas) à CAAJ para exercer o competente poder disciplinar, tendo-lhe sido instaurado, também, processo disciplinar pela Ordem dos Advogados, que determinou a sua suspensão. B) Prescrição da infração disciplinar quanto aos factos praticados no exercício das funções de Administrador Judicial Quanto à prescrição referida parece-nos que a mesma não se verifica pelas razões que passamos a expender: Dispõe o art.º 178.º da Lei n.º 35/2014, de 20/06 (LTFP) no seu n.º 1 que “A infração disciplinar prescreve no prazo de um ano sobre a respetiva prática, salvo quando consubstancie também infração penal, caso em que se sujeita aos prazos de prescrição estabelecidos na lei penal à data da prática dos factos”. E o n.º 2 que “O direito de instaurar o procedimento disciplinar prescreve no prazo de 60 dias sobre o conhecimento da infração por qualquer superior hierárquico”. Os factos em causa no processo criminal n.º ……….. em que o Sr. Secretário foi condenado, foram praticados em ……. de 2012 – os respeitantes ao crime de peculato de uso -, e entre ……. e ……… de 2014 – os respeitantes ao crime de corrupção passiva. Os prazos de prescrição para os crimes indicados são os seguintes: Quanto ao crime de peculato de uso – 5 anos (art.ºs 376.º/2 e 118.º/n.º 1, al. c)); Quanto ao crime de corrupção passiva – 15 anos (art.ºs 373.º/2, 374.º-A e 118º, n.º 1, al. a)) Tendo em conta a data da prática dos factos no que se reporta ao crime de corrupção passiva (2014), não haverá dúvidas de que ainda não ocorreu a prescrição. Considerando a data da prática dos factos que levaram à condenação pela prática de um crime de peculato de uso, cremos, igualmente, que também não ocorreu a prescrição. Senão, vejamos: O prazo de prescrição é de 5 anos; Os factos foram praticados em ……… de 2012; O processo criminal foi instaurado em 2014 (n.º ………); No decurso do processo (a partir de 2014), o prazo foi interrompido, ou por força da constituição de arguido ou com a notificação da acusação - art.º 121.º, n.º 1, al. a) e b), n.º 2 e n.º 3 e fls. 81 verso, o que significa que mesmo que se considere que o prazo se reiniciou em 2014, ainda não ocorreu a prescrição. Assim sendo e em qualquer das situações, a infração disciplinar não prescreveu na medida em que o prazo da prescrição aplicável é o estalecido na lei penal, conforme se prevê no n.º 1 do artigo 178.º da LTFP acima transcrito, sendo certo que os factos não chegaram ao conhecimento do COJ antes da instauração deste processo. C) Prescrição do direito de instaurar procedimento disciplinar Os factos ou elementos que relevam para determinar esta prescrição de curto prazo são os constituídos por todo o expediente que foi coligido e apresentado ao Plenário do COJ com vista a deliberar sobre a instauração, ou não, de processo disciplinar. Assim, as diligências tiveram início com o e-mail de ………………. de 2018 – fls. 4-A. Após recolha de diversos elementos, deram entrada no COJ os Acórdãos proferidos no processo criminal n.º ………… que haviam condenado o Sr. funcionário, o que ocorreu em ………… de 2018. Em …………. de 2018, antes de decorridos 30 dias sobre o conhecimento, o COJ tomou posição, instaurando procedimento disciplinar pelo que também não ocorreu a prescrição do direito de instaurar procedimento disciplinar. Inexistem quaisquer outras questões prévias que cumpra apreciar. II – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO A) Factos provados. 1.º - O senhor AA, acima identificado, foi nomeado Administrador da extinta …………….. em 1981, tendo iniciado funções, nessa qualidade, em …….. 2.º - Com a extinção das …………………………….. ocorrida em 1993 (embora se tenham mantido na situação de liquidatárias), os administradores de falências foram integrados na carreira judicial do grupo de pessoal oficial de justiça, na categoria de secretário judicial, de acordo com o previsto no Dec. Lei n.º 244/93, publicado no DR. N.º 158, I Série -A, de 08-07-1993. 3.º - Por força da extinção e integração referidas, em ……. de 1996 o senhor AA aceitou funções como secretário judicial do ..º Juízo Cível de ……... 4.º - Em ……-1996, um mês depois do início das aludidas funções, entrou de licença sem vencimento de longa duração/ilimitada, concedida por despacho de ……-1996 ao abrigo do art.º 78.º do Dec. Lei n.º 497/88, com efeitos àquela data. 5.º - No período da licença indicada no número antecedente, o senhor Dr. AA era advogado e exerceu funções de administrador judicial, vindo a ser suspenso desta última atividade no dia …………. de 2014, data em que lhe foi aplicada a medida de coação de suspensão da atividade de administrador, para além de outras. 6º - Por requerimento de ………-2017 dirigido ao Exmo. Senhor Diretor-Geral da Administração da Justiça, solicitou o regresso ao serviço - sem que tenha feito qualquer referência aos motivos desse pedido os quais também não comunicou, ainda que verbalmente, ao Sr. Técnico Superior da DGAJ que o atendeu -, e a sua colocação, como secretário de justiça, num dos Núcleos do Tribunal Judicial da Comarca de ………… e pela ordem seguinte:……., ……., ……., …….. e …….., – cfr. fls. 400 a 402 e anexo documental 7.º - O Sr. Administrador Judiciário da Comarca de ………….. foi ouvido sobre o interesse na sua afetação aos Núcleos da Comarca de ……………, tendo respondido que o Conselho de Gestão daquele Tribunal se havia pronunciado no sentido de “inexistir interesse para o serviço na afetação daquele funcionário e considerou que isso até poderia ser prejudicial uma vez que as funções de secretário de justiça, de todos os Núcleos, estavam a ser asseguradas por funcionários que vinham constituindo uma mais valia …e o serviço ficaria seriamente comprometido com a colocação de outro no lugar de qualquer deles” – cfr. apenso documental 8.º - Em …….-2018 o senhor AA veio a ser colocado como Secretário de Justiça no Núcleo de ……., por via de “transferência”, tendo iniciado funções em …….. de 2018 – cfr. apenso documental 9.º - No decurso do exercício de funções daquele senhor funcionário como Secretário de Justiça do Núcleo de ….., veio a apurar-se que por decisão proferida no processo-crime (Processo Comum Tribunal Coletivo) n.º ………… a correr termos no Juízo Central Criminal de ……… – Juiz .., do Tribunal Judicial da Comarca de ………, o senhor AA foi condenado por factos praticados no âmbito do exercício de funções de administrador judicial: a) - Pela prática de um crime de peculato de uso, na pena de 6 (seis) meses de prisão; b) - Pela prática de um crime de corrupção passiva agravado, na pena de 3 (três) anos e 2 (dois) meses de prisão e; c) - Na pena única de 3 (três) anos e 4 (quatro) meses de prisão. 10.º - A pena aplicada (indicada no número antecedente), foi suspensa na sua execução pelo período da respetiva pena, com regime de prova legal obrigatório. 11.º - Da decisão da 1.ª Instância interpuseram recurso, para o Venerando Tribunal da Relação de ………., o arguido e o Ministério Público, vindo a ser-lhes negado provimento e confirmada a decisão da 1.ª Instância – fls. 156 a 265 verso 12.º - A decisão transitou em julgado em …….-2017 – fls. 79 13.º - Os factos provados no processo criminal e aqui agora considerados, foram/são, de acordo com o douto acórdão de ………… de 2016, os seguintes: a) - O arguido AA é advogado e exercia à data dos factos as funções de administrador de insolvências, tendo sido nomeado para o efeito, designadamente, na insolvência da sociedade J….., Ld.ª, no dia ……….. de 2012 e na insolvência da sociedade P…. – Unipessoal, Lda., no dia …………… de 2014; b) - Desde há cerca de 30 anos que os arguidos DD e a sociedade “A ……….” vêm colaborando com o arguido AA nas suas funções de administrador judicial; FACTOS PRATICADOS NA INSOLVÊNCIA DA J….. c) - No dia …………. de 2010, EE e FF celebraram com GG, na qualidade de sócio-gerente da J…..., Lda, um contrato-promessa de compra e venda, pelo valor de € 70.000,00, relativo à fração “B” do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de ……… sob o n.º …..; d) - Nesse dia, EE e FF entregaram à J….., a título de sinal, o montante de € 50.000,00; e) - Por escritura pública celebrada no dia …………... de 2011, no Cartório Notarial de HH, retificada por outra a ….. desse mês, foi celebrado um aditamento ao contrato-promessa referido, através do qual foi (i) alterada a composição da fração objeto do contrato-promessa; (ii) atribuída eficácia real ao contrato-promessa e (iii) operada a tradição da fração; f) - No dia ………de 2011, II, na qualidade de sócio-gerente da G….., Ld.ª, celebrou com GG, na qualidade de sócio-gerente da J…..., um contrato-promessa de compra e venda, pelo valor de € 280.000,00, das frações “A”, “D”, “E” e “N” do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de …….. sob o n.º ……; g) - Nesse dia, a G………entregou à J….., a título de sinal, a quantia de € 197.300,00; h) - Por escritura pública celebrada no dia ………….. de 2011, no Cartório Notarial de HH, retificada por outra a 23 desse mês, foi celebrado um aditamento ao contrato-promessa referido, através do qual foi (i) alterada a descrição das frações objeto do contrato-promessa; (ii) atribuída eficácia real ao contrato-promessa e (iii) operada a tradição da fração; i) - Por sentença de ………. de 2012, o Tribunal Judicial de …….. (..º Juízo, processo n.º …………) declarou a insolvência da J….. e nomeou o arguido AA administrador da mesma, o qual, em ………. de 2012, aceitou essa nomeação; j) - No dia ………… de 2012, o arguido DD, na qualidade de gerente da sociedade “A ………..”, enviou ao arguido AA, na qualidade de administrador da insolvência da J….., Ld.ª, a carta junta a fls. 418 a 420, Apenso XI, vol. 3, cujo teor integral se dá por reproduzido e da qual, além do mais, consta: (…) Vimos dar-lhe conta das diligências efetuadas na presente insolvência: (…) 2. Obtivemos print da Repartição de Finanças com a descrição de todos os artigos que se encontram em nome da insolvente. 3. Em ……./2012 deslocámo-nos à Conservatória do Registo Predial afim de obtermos as descrições da Conservatória. 4. Deslocámo-nos a …….. no dia ….../2012 para localizar os imóveis e tirar fotos aos edifícios dos quais fazem parte as frações a apreender. (…) c) As frações “A”, “B”, “D”, “E” e “N” do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de ……. sob o n.º …… da freguesia de ……… foram objeto de promessa de alienação (que se encontram registadas na respetiva Conservatória do Registo Predial) mas que são passíveis de ser apreendidas a fim de se receber o restante do pagamento em falta, caso os alienantes ainda não tenham feito. d) As frações “H” e “L” e “O” foram objeto de permuta (troca de terreno onde foi construído o imóvel pelas frações mencionadas) pelo que achamos não serem passíveis de apreensão. (…)”; k) - No dia ………. de 2012, o arguido AA apreendeu, entre outras e no âmbito da insolvência da J….., as frações prometidas vender à G……… e a EE e FF; l) - No dia ……….. de 2012, o arguido AA enviou ao processo de insolvência da J…, Ld.ª, o requerimento de fls. 319 a 322, do Apenso XI, vol. 3, cujo teor integral se dá por reproduzido e do qual, além do mais, informou o Tribunal que: “(…) c) As frações “A”, “B”, “D”, “E” e “N” do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de ……… sob o n.º ……. da freguesia de ……… foram objeto de promessa de alienação (que se encontram registadas na respetiva Conservatória do Registo Predial) mas que são passíveis de ser apreendidas a fim de se receber o restante do pagamento em falta, caso os alienantes ainda não tenham feito. d) As frações “H”, “L” e “O” foram objeto de permuta (troca de terreno onde foi construído o imóvel pelas frações mencionadas), pelo que acha o signatário não serem passíveis de apreensão.” (…); m) - No dia ………. de 2012, por sentença complementar, o arguido AA foi novamente nomeado administrador da insolvência da J….; n) - No dia ……… de 2012, JJ, na qualidade de advogado da G………, Ld.ª, enviou ao arguido AA a carta de fls. 229ss, apenso XI, vol. 3, cujo teor integral se dá por reproduzida e da qual, além do mais, consta: “(…) A promitente compradora pretende cumprir o contrato-promessa, estando disponível para outorgar a competente escritura pública de compra e venda, pagando o remanescente do preço em falta, no montante € 82.700,00 (…). Nestes termos (…) requer a Vº Exª se digne marcar a competente escritura de compra e venda (…)”; o) - No dia ………. de 2012, JJ, na qualidade de advogado de EE e FF, enviou ao arguido AA a carta de fls. 254ss, apenso XI, vol. 3, cujo teor integral se dá por reproduzida e da qual, além do mais, consta: “(…) Os promitentes compradores pretende cumprir o contrato-promessa, estando disponíveis para outorgar a competente escritura pública de compra e venda, pagando o remanescente do preço em falta, no montante de € 20.000,00 (…). Nestes termos (…) requerem a Vº Exª se digne marcar a competente escritura pública de compra e venda (…)”; p) - Em resposta às cartas referidas, no dia ……….. de 2012, o arguido AA enviou ao advogado JJ a carta de fls. 224, apenso XI, vol. 3, cujo teor integral se dá por reproduzida e da qual, para além do mais, consta: “Face ao que me coloca e sendo certo que está agendada para …………. pelas 15 horas, no ...º Juízo do Tribunal de ………. a Assembleia de Credores, parece-me, salvo melhor opinião, extemporâneo que, desde já, se possa caminhar para quaisquer vendas no âmbito da liquidação do ativo. (…)” q) - No dia ………….. de 2012, pelas 16h23, o arguido DD enviou um e-mail a JJ, advogado de EE e da G…………, dando conta dos valores que estes teriam de pagar aquando das escrituras das frações prometidas vender, entre as quais e respetivamente, € 4.305,00 e € 17.220,00 à arguida A …………, relativos a alegados serviços prestados e a IVA sobre os mesmos; r) - No dia ………….. de 2012, o arguido DD entregou ao arguido AA um documento relativo aos contrato-promessa celebrados com a G…………, Lda. e com EE e FF, junto a fls. 425, apenso XI, vol. 4, cujo teor integral se dá por reproduzido, no qual conclui, pelos fundamentos legais ali indicados, que a massa insolvente não estava legalmente obrigada a vender as frações tudo dependendo da boa vontade das partes e que não haja prejuízo para a massa. s) - No dia ………….. de 2012, o arguido AA enviou aos Autos de Pº nº ……………., do ...º Juízo do Tribunal Judicial de ………., a informação trimestral junta a fls. 422ss, apenso XI, vol. 4, cujo teor integral se dá por reproduzida, na qual informa as diligências efetuadas no âmbito da insolvência da J….. e da qual, além do mais, consta: “(…) Bem assim está a dirimir uma questão com o dr.JJ, relativamente a clientes, supostamente, promitentes-compradores de frações do acervo da Massa Insolvente”. Como bem resulta do compulsar dos autos tem o signatário vindo, conjuntamente com “A …………, Lda.” a fazer um levantamento exaustivo da situação da universalidade das frações, através do mapa dos imóveis prometidos alienar (…) Irá diligenciar o signatário oportunamente pela venda dos bens apreendidos, na modalidade a que alude o disposto no art.º 906.º do CPC, através e com a colaboração da agência de leilões “A ………..”, que com o signatário colabora vai para 30 anos, metade dos quais enquanto o signatário exerceu funções de Administrador da …………………….., face à sua elevada experiência e transparência de processos, com todas as vantagens daí decorrentes para o bom resultado da venda”; t) - No dia ………… de 2012, o arguido AA enviou a JJ o fax de fls. 442, apenso XI, vol. 4, cujo teor integral se dá por reproduzido, com o seguinte teor: “(…) Tendo presente os contactos que me fez em finais de ……... relativamente aos constituintes de Vª Exª (…) sou a sugerir a marcação de uma reunião a ter lugar (…) no próximo dia ………, pelas 11 horas, a ter lugar no meu escritório (…)”; u) - Em resposta, o advogado JJ enviou ao arguido AA o fax de fls. 444, apenso XI, vol. 4, cujo teor integral se dá por reproduzido, no qual o informa da disponibilidade para a reunião proposta, mas pelas 15 horas; v) - No dia ………. de 2012, pelas 15 horas, no escritório do arguido AA, ocorreu uma reunião entre aquele e JJ, advogado dos promitentes-compradores EE, FF e G…………, Lda., cujo conteúdo em concreto não foi possível apurar; x) - A Comissão de Credores não se encontrava ainda constituída. z) - No dia …………. de 2012, no Cartório Notarial de KK, em ……, II na qualidade de sócio-gerente da G…………, e o arguido AA, na qualidade de administrador da insolvência da J….., outorgaram, escritura de compra e venda das frações “A”, D, E e N” do prédio descrito sob o n.º ….. da freguesia de ………; aa) - Nessa mesma data, o referido II emitiu o cheque n.º 2…………, sobre a conta n.º 000000000 do Crédito Agrícola, titulada por aquela sociedade, datado de …...2012, no montante de €82.700,00, e à ordem da massa insolvente da J…., e entregou-o ao arguido AA; bb) - No mesmo dia e no mesmo Cartório Notarial, EE e FF celebraram com o arguido AA, enquanto administrador da insolvência da J….., a escritura de compra e venda da fração “B” do prédio descrito sob o n.º …... da freguesia de …………; cc) - Nessa mesma data, EE e FF emitiram o cheque n.º 9………., sobre a conta n.º 00000000001, do BPI, à ordem da massa insolvente da J….. e no valor de €20.000,00, e entregaram-no ao arguido AA; dd) - Nesse mesmo dia e ocasião, A …………, representada pelo arguido DD, recebeu da G………., Lda., o montante de €13.776,00; ee) - Na fatura/recibo n.º …, datada de …………. de 2012 e remetida à G…………, Lda., a 31 desse mês, o arguido DD fez constar que o valor ali inscrito resultava de serviços prestados à G……….., no âmbito da insolvência da J…..; ff) - Também no dia ……….. de 2012, A …………., representada pelo arguido DD, recebeu de EE o montante de €3.444,00; gg) - Na fatura/recibo n.º 237, datada de ………. de 2012 e remetida a EE a .. desse mês, o arguido DD fez constar que o valor ali inscrito resultava de serviços prestados no âmbito da insolvência da J……; hh) - Na declaração de recebimento desse montante, o arguido DD fez constar que EE tinha arrematado tal fração no leilão da insolvência da J….. Lda., o que não ocorreu, como bem sabia; ii) - No dia ………….. de 2012, o arguido AA depositou na sua conta pessoal n.º 0001000000 do Banco Santander Totta, os cheques n.ºs 9………. do CA e 2…………… do BPI, nos montantes, respetivamente, de €20.000,00 e €82.700,00, que havia recebido de EE e da G…………, Lda.; jj) - No dia ………… de 2012, o arguido DD enviou ao arguido AA a carta de fls. 67, apenso XII, vol. 2, cujo teor integral se dá por reproduzido, da qual, além do mais, consta: “(…) Serve a presente para lhe apresentar a nossa proposta para liquidação do bem da massa insolvente de J….., Lda.” (…)propomos que a nossa intervenção tenha lugar de acordo com o art.º 906 do CPC que diz respeito à venda em estabelecimento de leilão”. (…) Os valores cobrados relativos aos bens serão pagos diretamente à massa insolvente cobrando A …………, Lda, pelos serviços prestados a comissão de 5% para os imóveis e 10% para os bens móveis sobre esses valores ao comprador. As despesas habituais com a preparação do leilão e da sua publicitação referente a um leilão, de mailing direto a todos os possíveis interessados e correio são por nós suportados caso a venda se faça”. kk) - No dia …………… de 2012, o arguido AA requereu ao ..º Juízo do Tribunal Judicial de ……….. a junção ao apenso de liquidação de ativos do processo de insolvência da J…... (n.º …………..) de cópias das escrituras celebradas, no dia …………… de 2012, com a G……….., Lda. e com EE e FF e cópias dos cheques recebidos; ll) - Nesse requerimento, o arguido AA informou que “irá proceder à venda dos restantes bens apreendidos para a Massa Insolvente, na modalidade de venda através de estabelecimento de leilão, nos termos do art. 906º do CPC” e que “irá oportunamente proceder à abertura de conta em nome da Massa Insolvente na CGD, como é habitual”; mm) - Em data não concretamente determinada da última semana de ………. de 2012, o arguido AA solicitou a LL, sócio-gerente da SE……, LDA. e administrador único da SA………., S.A., em reunião ocorrida no escritório do segundo, que lhe “trocasse” um cheque de €120.000,00 por outro de igual valor; nn) - Para o efeito, o arguido AA emitiria um cheque à ordem da SA…… e LL emitiria um da SE…….. à ordem da massa insolvente de MM, datado de ………… de 2012, tal e qual como o cheque emitido pela SE……… no âmbito dessa insolvência, da qual o arguido AA era administrador judicial, para pagamento do sinal de 30% do valor de aquisição do imóvel sito na Rua ………………., n.º .., em …….; oo) - Assim, no dia …………….. de 2012, o arguido AA entregou a LL os cheques n.ºs 9…………… e 8………….. da referida conta por si titulada no SANTANDER TOTTA, cada um no valor de €60.000,00 e à ordem da SA………., S.A., os quais foram depositados no dia ……………… de 2012 na conta n.º 2……………… do BPI, titulada pela SE…….; pp) - Também no dia …………. de 2012, LL, na qualidade de sócio-gerente da SE……., emitiu o cheque n.º 5……………… com data de ………….. de 2012, no montante de €120.000,00 e a sacar sobre a conta n.º 1………………. titulada por essa sociedade no BPI, à ordem da massa insolvente de MM, e entregou-o ao arguido AA, tudo em conformidade com o que este lhe havia solicitado; qq) – Esse cheque veio a ser depositado, no dia ………………., na conta n.º 0……………..0 da CGD, titulada por MM e relativamente à qual o arguido AA se encontrava, à data, autorizado a movimentar, visto que era administrador da respetiva insolvência; rr) – Esse mesmo cheque veio a ser debitado da aludida conta da SE…….. no dia …………… de 2012; ss) – Nos dias .. e ………… de 2012, respetivamente, o arguido AA emitiu dois cheques da sua conta n.º 00…………….., um no montante de €20.000,00 e outro no montante de €53.000,00 e levantou esses montantes à “boca de caixa” no balcão da Av. ………….., em ……, do BANCO SANTANDER TOTTA; tt) – No dia ……………. de 2012, o arguido AA, na qualidade de administrador da insolvência da J…., Lda., remeteu à CGD, a carta de fls. 2973, cujo teor se dá por reproduzido, através da qual solicitou “a abertura de conta nesta instituição bancária, tendo como único titular o signatário, uma vez que não existe Comissão de Credores, pelo que junto cópia da sentença donde consta a minha nomeação e bem assim os documentos identificativos, tendo, nessa sequência e na data referida foi aberta a conta na CGD, a conta à ordem n.º 0………… 0, em nome da massa insolvente de J…., Lda.; uu) – No dia …...012, o referido arguido efetuou na referida conta um depósito em numerário no montante de €7.500,00; vv) – O referido arguido efetuou pagamentos em numerário e/ou da sua conta pessoal, relativos a despesas da massa insolvente da J…., Lda., no montante global de €3.827,15; xx) – O remanescente da quantia recebida e titulada pelos cheques destinados à massa insolvente da J….., Lda. foi retida pelo arguido em numerário e/ou na sua conta pessoal, e afetada, designadamente, na gestão patrimonial dos fundos das massas insolventes, pagamento de despesas e acertos de contas entre as mesmas. 14º - FACTOS PRATICADOS NA INSOLVÊNCIA DA P…. a) - No dia ……… de 2008, NN e OO e PP, este na qualidade de único sócio e gerente da sociedade P….., UNIPESSOAL, LDA, celebraram escritura pública de permuta, na qual a primeira cedeu a esta sociedade o imóvel então descrito na primeira Conservatória do Registo Predial da ……….…… sob o artigo …. para o demolir, tendo recebido desde logo o montante de €50.000,00, assim como a propriedade de um apartamento no primeiro andar do prédio ali a construir, que atualmente corresponde à fração B do prédio urbano descrito naquela Conservatória sob o n.º ……. da freguesia de …….. e com a matriz n.º …..; b) Após a conclusão da construção do imóvel, e apesar de terem sido entregues as chaves do mesmo a NN e OO, o gerente da P…, PP, foi sempre adiando a escritura pretendida por aqueles, destinada a formalizar a propriedade do apartamento cedido pela segunda aos primeiros visto que a propriedade horizontal tinha sido entretanto constituída; c) - Por sentença de ……….. de 2014, o Tribunal do Comércio de ……. (..º Juízo do, processo n.º ……………) declarou a insolvência da P…… e nomeou como seu administrador o arguido AA; d) – No dia ………… de 2014, o arguido AA procedeu à apreensão de diversos imóveis para a insolvência da P…., entre os quais o apartamento cedido no dia ………. de 2008 a NN, o que comunicou ao Tribunal, por requerimento enviado em …….014, junto a fls. 11, ap. XI, vol. 1, cujo teor se dá por reproduzido; e) – No dia ……. de 2014, realizou-se a assembleia de credores da P…., na qual, além do mais, esteve presente QQ, na qualidade de advogado de NN e seu marido OO; f) – Nessa assembleia, NN, representada pelo seu advogado QQ, apresentou uma reclamação de créditos no montante de €200.000,00, condicionada ao facto de ser ou não realizada a escritura de aclaração que formalizasse a propriedade da fração cedida; g) – Nesse mesmo dia, QQ, em representação de NN e OO, enviou ao arguido AA a carta junta a fls. 23 e 24, cujo teor integral se dá por reproduzido, expondo a situação dos seus constituintes, e na qual, além do mais, consta: “(…) No que ora interessa, constata-se que o negócio foi totalmente cumprido pelos reclamantes tendo faltado, por parte da insolvente, apenas formalizar a propriedade do prédio após constituição da propriedade horizontal. Não está em causa o pagamento de qualquer verba por nenhum dos contratantes (nem da massa insolvente), mas apenas e como já se referiu, formalizar a propriedade. (…) Assim, (…) convida-se Vª Exª a, no prazo de 30 dias, informar em que Cartório Notarial e quando pretende formalizar o negócio retro descrito. (…)” h) – No dia …………. de 2014, pelas 15 h, o arguido AA ligou ao advogado QQ, tendo-o convidado para uma reunião e referindo-lhe ter ficado sensível com a situação dos seus clientes, mas que da mesma forma que os clientes dele valorizavam o seu tempo em honorários, ele também achava que deviam valorizar o dele, com sensibilidade. Mais pediu o arguido, nesse telefonema, a QQ que o contactasse antes de ……….. ou depois de ……….. de 2014, visto que estaria ausente de férias nesse período; i) – No dia ……………. de 2014, pelas 11h47, já após a solicitação que o arguido AA fez a NN e OO ter sido denunciada, aquele ligou a QQ, perguntando-lhe quando se reuniriam para resolver a questão dos clientes do segundo e manifestando novamente disponibilidade para a resolver desde que fossem sensíveis à mesma. Nesse telefonema, o arguido mais referiu a QQ que já tinha um requerimento redigido e que daria entrada do mesmo assim que os clientes do segundo demonstrassem essa sensibilidade; j) – No dia ……………… de 2014, pelas 15h39, QQ ligou ao arguido AA e agendaram nova reunião para o dia …………….., pelas 16h; k) – No dia ……………, pelas 16h45, o arguido AA recebeu no seu escritório o advogado QQ e RR, filho dos clientes do segundo, tendo nessa ocasião, em reunião apenas com o primeiro, reiterado aquela sua disponibilidade, a qual concretizaria mediante o pagamento, a si, de uma quantia de vinte a vinte e cinco mil euros, a ser paga antes da escritura. Mais referiu que, como os bens apreendidos para a massa seriam vendidos através da leiloeira, esta receberia uma comissão, cujo montante em concreto não foi possível apurar; l) – Nessa reunião, o arguido AA referiu ainda a QQ que tinha tido uma situação semelhante nas …………., no âmbito da insolvência da J….., e que tinha resolvido o problema de diversos proprietários de maneira idêntica à que estava a propor aos seus clientes, com “bom senso”; m) – Além do mais, o arguido AA referiu então ainda a QQ que: — De tal maneira a situação era frágil que podia ou não cumprir a escritura. — Quanto mais património liquidasse maior seria a sua remuneração. — Queria que os seus clientes percebessem que, facilitando-lhes a vida, também não queria sentir-se prejudicado por esse facto. — Tinha um requerimento preparado para os autos porque não tinha dúvidas nenhumas que as pessoas queriam resolver aquilo o quanto antes e também não queria empatar a vida às pessoas. — Achava razoável a quantia de vinte a vinte cinco mil euros para o efeito. — Iria fazer as coisas através da leiloeira, visto que era assim que resolvia tudo. — Bastaria concordarem e pagarem que as coisas se fariam e o requerimento seguiria. — O seu interesse era resolver o assunto como pretendiam mas ao fazê-lo estava a prescindir da remuneração variável. — Não iria empatar mais, pois empatados já estiveram seis anos e se calhar em seis semanas, um mês, o assunto estaria resolvido e a escritura pronta. — Não iria pedir autorização nenhuma ao Juiz mas dizer-lhe apenas o que estava a fazer, visto que não precisava de pedir autorização ao Juiz para tal. — Daria uma satisfação ao Juiz, expondo e requerendo a situação do seu cliente. — Ainda há pouco tempo tinha tido uma grande insolvência nas Caldas da Rainha chamada J….., com mais de cinquenta frações de prédios novos. — Nessa insolvência existiam situações díspares, visto que uns já tinham tudo pago, outros tinham oitenta por cento, outros tinham setenta, outros tinham cinquenta, outros tinham trinta, dez, vinte. — Também sentiu dificuldades para resolver essas situações mas teve bom senso. — Três ou quatro clientes tinham pago tudo mas juntaram-se, pagaram outra vez e tiveram que fazer a escritura; n) – A final, já à saída do escritório, o arguido AA disse a RR estar disponível para se reunir com ele e esclarecê-los sobre o processo do apartamento dos seus pais; o) – No dia ……………. de 2014, pelas 17h45, correspondendo à disponibilidade do arguido, RR ligou-lhe, dizendo que estaria em ……….. no dia … desse mês e que se poderiam então encontrar para que o primeiro lhe explicasse como iria resolver a situação do apartamento dos seus pais; p) – No dia ……………. de 2014, o arguido AA recebeu e reuniu-se no seu escritório apenas com RR, ocasião na qual o esclareceu dos termos em que resolveria o assunto dos seus pais, através da celebração de uma escritura e, uma vez mais, que o faria caso lhe pagassem uma quantia, em numerário, de vinte a vinte cinco mil euros. Mais referiu que, como os bens apreendidos para a massa seriam vendidos através da leiloeira, teriam de pagar a esta uma comissão correspondente a 5% do valor do bem mais IVA; q) – Além do mais, o arguido AA referiu ainda então a RR que: — Tinha agora uma janela de oportunidade para resolver a situação do apartamento dos seus pais. — Tinha dito ao seu advogado que moralmente era de ir ao encontro das pretensões do cliente dele, pais de RR. — Podia dizer logo ao seu advogado que ia vender o bem e acabou, porque era uma possibilidade, visto que havia um plano A e um plano B. — Enquanto administrador de insolvência tinha uma remuneração fixa do tribunal e uma remuneração variável em função dos ativos liquidados. — A remuneração fixa era uma “merda” e nem mesmo essa sabia quando a recebia. — Só pedia que tivessem a sensibilidade para perceber que, ao optar pela situação que lhe estavam a pedir, a qual lhe parecia justa e sensata, também tinham de perceber que estava a abdicar de muito dinheiro. — O administrador nunca podia estar à espera da remuneração fixa, são duas prestações de mil euros, uma no princípio e outra no fim. E havia a remuneração variável, essa sim relevante, visto que era apurada em função da satisfação do passivo, aquilo que o administrador conseguisse liquidar para satisfazer os créditos. — Se lhe estavam a pedir para os ajudar, tivessem a sensibilidade de perceber que não seria justo que ajudasse sem nada receber. — O dinheiro que fizesse na venda do bem iria para os pais de RR apenas dali a uns anos. — Foi isso que chamou à atenção do seu advogado. — Caso lhe pagassem o que solicitou, os seus pais ficariam com a fração em nome deles muito rapidamente. — A escritura teria de ser feita por intermédio da leiloeira, visto que fez a apreensão do bem e, sendo uma empresa, os pais de ficariam mais garantidos e ele próprio também ficaria mais salvaguardado assim. — O apartamento seria vendido pela massa insolvente aos pais de RR. — Só teriam que pagar lá depois a comissão de cinco por cento do valor da fração, mais IVA, à leiloeira e o preço da escritura e abater. — Em qualquer leiloeira é cinco por cento nos imóveis e dez por cento nos móveis. — Não tinha nada a ver com o preço da escritura nem com a leiloeira. — Estando apreendido o apartamento para os autos quem vendia era a leiloeira, não ele, se bem que tivesse de ir à escritura, para assinar. — Os “timings” seriam tão breves quanto possível e as suas condições eram as que tinha dito ao seu advogado. — Aquilo representava para si, em termos de perder dinheiro, entre vinte e cinco a vinte mil euros, se optar por essa solução. — Queria fazer parte da solução, não do problema. — Queria que percebesse que aquele “dinheirinho” era um “dinheirinho” que tinha direito se não optasse pela solução que lhe estava a pedir. E nesse caso estaria a fazer as coisas “by the book”. — Quanto mais depressa o salvaguardasse da situação da qual ficaria lesado se fosse pela solução proposta pelos seus pais, mais depressa aquele requerimento iria para os autos. “Tão simples como isso!” — Tinha percebido tudo imediatamente e fez um requerimento que lhe pareceu justo, esperando então que essa justiça fosse abrangente. — Nunca deixava de ser o mesmo nos processos e de tentar ajudar na medida das suas possibilidades. — Quanto mais depressa pagassem mais depressa tinham a sua situação resolvida. r) - No dia …………. de 2014, pelas 15h49, o arguido AA ligou a RR e, não tendo sido possível contactar com este, deixou uma mensagem de voz no gravador de chamadas do telemóvel do segundo, referindo querer saber da evolução da reunião; s) – No dia …………. de 2014, RR telefonou ao arguido AA, tendo-lhe referido, além do mais, que estavam a ultimar a recolha da verba que lhes tinha pedido na terça-feira, ao que o arguido respondeu que não tinha percebido, pedindo-lhe para retificar isso porque de facto não tinha pedido verba nenhuma. Nesse telefonema, RR perguntou ao arguido AA se se podiam reunir na 3.ª feira, dia ……………., no seu escritório, pois estava em condições de apresentar uma solução, ao que o segundo anuiu; t) – No dia ………….. de 2014, RR, munido da quantia de €20.000,00 em numerário, acondicionada num envelope com o timbre do MILLENNIUM BCP na frente e janela no verso, que lhe foi entregue pela Polícia Judiciária a fim daquele o entregar ao arguido AA, no âmbito da solicitação que este havia feito a NN e OO por intermédio de QQ e RR, deslocou-se ao escritório do arguido; u) – No circunstancialismo descrito e no decurso da reunião havida entre ambos, RR entregou ao arguido AA no envelope referido, o montante em numerário de €20.000,00, que lhe havia solicitado na reunião anterior, que o arguido aceitou e guardou; v) – Após receber o referido envelope com €20.000,00 em numerário, o arguido disse a RR, além do mais, que iria enviar um requerimento ao Tribunal, já redigido por si e cujo teor lhe leu, a solicitar que a fração dos seus pais fosse retirada da massa insolvente e, simultaneamente, que notificaria a comissão de credores para se pronunciar no prazo de oito dias; x) – Mais referiu o arguido a RR, nessa ocasião, que posteriormente os seus pais seriam avisados pela leiloeira da data da escritura e teriam que vir a ……… para a celebrar, onde ele próprio também estaria presente, e que, nessa altura, teriam de pagar à leiloeira o valor da comissão; z) – Mais ainda referiu o arguido que no dia anterior tinha almoçado, em …….., com o arquiteto dono da P…… e com os seus advogados e que estes lhe tinham dito para reconhecer o crédito dos seus pais, e que também esteve a falar ao telefone com o senhor DD, d’A…………., o qual viria falar consigo a seguir; aa) – No final dessa reunião, o arguido AA, apresentando-o ao arguido DD como sendo o senhor daquele requerimento, cujos pais têm um apartamento na …………… e foram apanhados na embrulhada da P….., disse a RR para dar o seu contacto telefónico ao arguido DD, para que este o pudesse contactar posteriormente e combinarem a documentação necessária para a escritura e respetiva data; bb) – Ainda com o arguido DD presente, o arguido AA voltou a dizer a RR que, no dia da escritura, os seus pais teriam de pagar, além do valor da mesma, a comissão d’A …………; cc) – No circunstancialismo descrito, e no momento da abordagem policial, o arguido AA detinha no bolso interior direito do seu casaco o referido envelope contendo €20.000,00 em numerário, o qual lhe havia sido entregue por RR na sequência de solicitação sua. 15.º - FACTOS PRATICADOS APÓS 1.º INTERROGATÓRIO JUDICIAL a) – No dia ……………. de 2014, após o 1.º interrogatório judicial, foram aplicadas ao arguido AA, além do termo de identidade e residência então já prestado, as seguintes medidas de coação: — Suspensão da sua atividade como administrador de insolvência e de advogado; — Proibição de contactos diretos com ou através de interposta pessoa com as testemunhas QQ, RR e DD; — Prestação de uma caução no valor de €200.000,00, a prestar por depósito bancário, no prazo de 10 dias; b) – No decurso dessa diligência, o arguido AA tomou conhecimento que, no dia ………………. de 2014, (i) a Polícia Judiciária procedeu à colocação de equipamento de gravação de som no casaco de QQ, (ii) esta testemunha levou consigo esse dispositivo para a reunião entre ambos, ocorrida nesse dia, e (iii) o teor da conversação havida entre ambos e com RR foi, desse modo, objeto de registo; c) – No dia ……………. de 2014, o …………………. publicou uma missiva remetida pelo arguido AA, e na qual este consta como signatário, necessariamente em data anterior, na qual afirma, além do mais, o seguinte: “3. A factualidade trazida a público no órgão de comunicação social que V. Exa. dirige tem subjacente uma negociação entre o signatário e um colega [advogado], de seu nome QQ, que – enquanto advogado e nessa expressa qualidade – se prestou a servir de agente policial e efetuar escutas com o objetivo de procurar incriminar o signatário; 4. No âmbito da negociação referida no ponto anterior, o signatário não emitiu qualquer parecer desconforme ao cumprimento dos seus deveres profissionais, legal ou estatutariamente consagrados, nem praticou qualquer ato que atentasse contra o cumprimento dos seus deveres funcionais; 5. Como advogado que é, e administrador judicial nomeado que foi num concreto processo de insolvência, entendeu ser seu dever cumprir um contrato de promessa de permuta, de validade incontestável, nos termos do disposto no art.º 102 do CIRE, e disso informou o referido colega que ia dar conhecimento ao Tribunal; 6. O já mencionado QQ, advogado em ………. – por sua iniciativa e/ou a mando de terceiros – dispôs-se a exercer funções policiais prestando-se a um sórdido e abjeto papel de inquiridor/acusador, dando a conversas entre advogados a sensacionalista coloração tão do agrado de quem condena pessoas e destrói reputações à velocidade da informação digital; 7. A atuação do referido advogado QQ – que trocou a sua qualidade de advogado por aquela outra de bufo – será, naturalmente, objeto da competente participação criminal e do procedimento disciplinar (por violação de regras deontológicas que o signatário reputa de sagradas) que ao caso couberem; 8. Acusações de corrupção ou desonestidade a advogados não são, como é sabido, novidade noticiosa. Atuações abjetas e repulsivas de advogados que pedem ajuda a colegas – como foi manifestamente o caso por V. Exas. Noticiado – para, com base em tais pedidos de ajuda, procurar inculpá-los passam agora a ter uma marca de origem certificada “QQ”. Se os tempos fossem de Monarquia, caber-lhe-ia, a justo título, o epigrama de “O Bufo do Reino”. Em tempos de “República”, cada advogado ajuizará, por si, o distintivo que cabe ao ainda advogado “QQ”; d) – Nesse dia os autos ainda se encontravam sujeitos ao regime do segredo de justiça, o qual tinha sido decretado pelo Ministério Público no dia 5 de setembro de 2014 e validado pelo Mmo Juiz de Instrução Criminal de turno no dia seguinte; e) – Com o envio dessa missiva ao referido jornal para publicação, como veio a ocorrer, o arguido revelou a terceiros o nome, profissão e a área da residência e de trabalho de uma testemunha e dos termos da sua colaboração com a investigação nesse sentido, querendo e conseguindo trazer, assim, para a praça pública as circunstâncias concretas em que foram levadas a cabo diligências de obtenção de prova, tudo ainda durante a vigência do regime do segredo de justiça. 16.º - FACTOS RELATIVOS À IMPUTAÇÃO SUBJETIVA a) – O arguido AA sabia que os montantes de €20.000,00 e de €82.700,00 depositados na sua conta pessoal não lhe pertenciam e que apenas lhe foram entregues por força e no âmbito do exercício de funções públicas de administrador de insolvência da J…., Lda., e para o aludido fim; b) – Ao reter em seu poder o remanescente em numerário, descontadas as quantias referidas em 11.º - uu) e 11.º - vv), sem ter procedido ao depósito na conta da massa insolvente da J…., Lda. após a abertura desta, e ao confundir tal quantia com quantias monetárias de outras massas insolventes, utilizando-a na gestão patrimonial efetuada, designadamente para pagamento de despesas de outras massas insolventes e acerto de contas entre estas, sabia o arguido que estava a dar às quantias um destino diverso daquele ao qual se destinavam; c) – O arguido agiu de forma voluntária, livre e consciente, bem sabendo que a sua descrita conduta era proibida e punida por lei; d) – Ao solicitar a NN e OO, por intermédio do seu advogado QQ e do seu filho RR, o pagamento, a si e em numerário, de €20.000,00 a €25.000,00 para agendar e outorgar a escritura que aqueles pretendiam, sob pena de vender aquela fração em leilão, o arguido AA, mercadejando com as suas funções públicas, quis obter vantagens patrimoniais indevidas para si; e) – Sabia o arguido das responsabilidades e deveres funcionais a que se encontrava vinculado no exercício de funções públicas, concretamente os de isenção, transparência e prossecução do interesse público e, ainda assim, violou-os; f) – Atuou o arguido com consciência de que as suas descritas condutas atentavam contra a probidade que carateriza o exercício de funções públicas; g) – O arguido agiu de forma voluntária, livre e consciente, bem sabendo que as suas descritas condutas eram proibidas e punidas por lei. 17.º - OUTROS FACTOS a) – O arguido AA admitiu parcialmente os factos; b) – No dia …………… de 2014, na sequência da busca efetuada ao escritório do arguido AA, foram apreendidas (para além da quantia de €20.000,00 referida pertencente ao Banco de Portugal e já entregue), várias quantias monetárias acondicionadas em vários envelopes com o timbre de várias instituições bancárias, num total de €257.800,00; c) – Parte da quantia total apreendida corresponde ao montante da massa insolvente da J…., titulada pelos cheques recebidos pelo arguido, referidos em 11-aa) e 11-cc), e por este retida, descontados os montantes referidos em 11-uu) e 11-vv). 18.º - FACTOS RELATIVOS À LIQUIDAÇÃO a) – AA foi constituído arguido nestes autos no dia …………………. de 2014; b) – O arguido exerceu as funções de administrador judicial de insolvências durante cerca de 30 anos e até ao …………………….. de 2014, data em que o Tribunal de Instrução Criminal decretou, entre outras medidas de coação, a sua suspensão dessa atividade, a qual ainda se mantém (na data da prolação da decisão); c) – Até à data, o arguido não apresentou declaração de rendimentos da categoria B relativa ao ano de 2014, razão pela qual no quadro relativo aos seus rendimentos não consta o referido exercício; d) – Nos exercícios fiscais de 2009 a 2013, o arguido declarou, em termos brutos, €93.466,44, relativamente ao qual se calculou o rendimento líquido, subtraindo-se as despesas declaradas pelo arguido para efeitos fiscais, bem como os montantes retidos na fonte, somando-se a este valor as devoluções feitas em sede de IRS, o que resultou no apuramento do rendimento líquido no total de €46.225,67; e) – Desde ………….. de 2009 foram creditadas nas contas bancárias do arguido montantes no total de €1.599.206,47; f) – Do valor total referido: • A quantia de €59.236,55, diz respeito a pensões oriundas da Caixa Geral de Aposentações e do Instituto de Segurança Social recebidas por SS, mãe do arguido, na conta da CGD PT500035……………………. titulada pelo arguido, no período de 2009 a 2015. • A quantia de €154.336,98, creditada na conta do SANTANDER TOTTA PT500018……………….., co-titulada pelo arguido e por SS, sua mãe, diz respeito a pagamentos ao arguido do IGFIJ (Instituto de Gestão Financeira e de Infraestruturas da Justiça, I.P.) e a reembolsos do IRS, no período de 2009 na 2015. • A quantia de €24.680,00, diz respeito a depósitos efetuados na conta titulada pelo arguido no BCP PT500033………………… e provenientes das suas contas na CGD e no SANTANDER TOTTA, no período de 2009 a 2011. • A quantia total de €13.155,60 diz respeito a pagamentos do IGFIJ, seguros e honorários creditados na conta do arguido na CGD PT500035…………………….., no período de 2009 a 2013. • A quantia de €46,00 diz respeito ao crédito de estorno referente ao ano de 2013. • A quantia total de €30.940,12 diz respeito a fundos recebidos e utilizados no âmbito de processos de insolvência, nos quais o arguido exerceu as funções de administrador judicial, no ano de 2009. • A quantia de €3.588,00 diz respeito a fundos recebidos e utilizados no âmbito de processos de insolvência, nos quais o arguido exerceu as funções de administrador judicial, no ano de 2010. • A quantia total de €59.164,20 diz respeito a fundos recebidos e utilizados no âmbito de processos de insolvência, nos quais o arguido exerceu as funções de administrador judicial, no ano de 2011. • A quantia total de €378.294,00 diz respeito a fundos recebidos e utilizados no âmbito de processos de insolvência, nos quais o arguido exerceu as funções de administrador judicial, no ano de 2012. • A quantia de €542.905,30 diz respeito a fundos recebidos e utilizados no âmbito de processos de insolvência, nos quais o arguido exerceu as funções de administrador judicial, no ano de 2013. • A quantia total de €82.700,00 diz respeito a fundos recebidos e utilizados no âmbito de processos de insolvência, nos quais o arguido exerceu as funções de administrador judicial, no ano de 2014. • A quantia total de €18.000,00 diz respeito a depósitos de quantias recebidas em nome da sociedade F………., Lda, da qual o arguido era administrador, a título de rendas referentes à cessão de estabelecimento comercial, nos anos de 2009 e 2010. g) - Os saldos encontrados nas contas do arguido cingem-se a €2.932,45; h) - No total e durante o período referido, o arguido efetuou levantamentos, compras e pagamentos de serviços a partir das contas tuteladas por si no valor total de €303.360,03, não estando incluídos neste valor despesas bancárias ou pagamentos ao Estado; i) – Do total de €303.360,03, €117.733,04 corresponderam a levantamentos em numerário; j) – No dia …………. de 2014, o arguido AA efetuou um depósito em numerário de €63.000,00 no MILLENNIUM BCP, assim conseguindo reduzir nesse valor o empréstimo CLS n.º ………….1; k) – No dia ……… de 2011, o arguido AA emprestou €30.000,00 em numerário a TT; l) – Para garantia do empréstimo foi dado ao arguido AA o veículo de marca Ferrari ..-..-..; m) – Em consequência da não liquidação do empréstimo, o veículo referido integrou a posse do arguido, apesar de ainda estar registado a favor de UU; n) – No dia ……./014 foi apreendido o veículo Ferrari e o veículo Mercedes, de matrícula ..-..-.., estacionados na garagem da residência do arguido; o) – O veículo Mercedes está registado em nome de VV, por acordo deste com o arguido AA, sempre tendo o referido veículo estado na posse do arguido; 19.º - O arguido não tinha condenações averbadas. 20.º - DO RELATÓRIO SOCIAL DO ARGUIDO, CONSTA QUE: I – Dados relevantes do processo de socialização AA é o mais novo de uma fratria de dois irmãos e desenvolveu-se num contexto sócio familiar aparentemente bem estruturado, coeso, emocionalmente gratificante e com preocupação em veicular princípios e normas socialmente adaptadas aos descendentes. As relações intra familiares são referidas como harmoniosas, não se registando separações ou conflitos relevantes. A irmã, mais velha 12 anos, ter-se-á constituído igualmente como uma importante referência durante o seu crescimento, sendo associada a um papel mais maternal e afetivo. A família dispunha de uma boa condição financeira decorrente do trabalho do pai como diretor de um laboratório farmacêutico e da mãe como professora do liceu, bem como de património familiar proveniente da família paterna. Este contexto económico favorecido proporcionou ao arguido boas condições de desenvolvimento e a estabilidade necessária para durante a sua infância e juventude usufruir de atividades extracurriculares para si caraterizadas como gratificantes. A nível escolar, AA fez um percurso regular até ao antigo 7.º ano do liceu (atual 11.º ano), onde teve uma reprovação que atribuiu a alguma irresponsabilidade própria da adolescência. No ano seguinte, aos 18 anos, optou por se tomar trabalhador estudante, começando a trabalhar no …………………….., na elaboração de …………………………….. Exerceu essas funções entre os 18 e 25 anos, período durante o qual, completou o liceu e a licenciatura em Direito. Alguns meses após completar a formação universitária deixou o ……………………… para assumir as funções de administrador da …………………….., que exerceu continuamente até 1996. Nesse ano e já com uma boa situação financeira, requereu licença sem vencimento de longa duração e optou por trabalhar por conta própria, no mesmo ramo de atividade. Estabeleceu-se inicialmente junto de um escritório de advogados e posteriormente, com o aumento do volume de solicitações, num espaço próprio, com 2 colaboradores do setor administrativo. O volume de negócios adquirido permitiu-lhe diversificar os seus contactos e alargar a sua rede relacional, bem como dispor de condições económicas para investir e desenvolver interesses lúdicos como viagens e automóveis antigos. Há cerca de 17 anos iniciou vida em comum com uma companheira, da qual veio a ter duas filhas. Esta relação que durou aproximadamente 7 anos, caracterizou-se por uma dinâmica relacional harmoniosa, mas terminou por opção da companheira, que veio a reorientar a sua vida afetiva. Apesar de separados, o arguido e a companheira mantiveram uma relação de proximidade, assegurando assim o convívio regular entre o arguido e as filhas durante os fins de semana e férias. Considerado como um pai preocupado em assegurar o bem estar económico das filhas apoiou também a ex-companheira numa fase que esta se encontrava com algumas dificuldades financeiras. AA iniciou novo relacionamento afetivo com uma cidadã brasileira há cerca de 7 anos e meio, assente sobretudo em contactos/encontros de fins-de-semana ou férias, sem o estabelecimento de uma vida ou de projetos de vida em comum. II – Condições sociais e pessoais À data dos alegados factos, o arguido encontrava-se a viver sozinho, em casa arrendada na zona de ……., com boas condições de conforto. As filhas, de 15 e 16 anos, conviviam regularmente com o pai, permanecendo na habitação do mesmo habitualmente aos fins de semana e durante a semana se assim o desejassem. AA mantinha também uma relação de proximidade com a mãe das filhas. Mantinha o relacionamento com a namorada, embora o mesmo já refletisse algum distanciamento entre o casal. Ao nível dos tempos e espaços de lazer, o arguido dispunha de pouco tempo livre, partilhando-o geralmente com as filhas, namorada e com a família de origem (prestava apoio à mãe idosa, que residia num lar privado e à irmã, doente do foro oncológico). No entanto, mantinha contactos regulares com um grupo de amigos, com os quais partilhava alguns interesses (como carros antigos) e com quem convivia nos períodos de férias. Ao nível profissional e com um aumento progressivo de trabalho pelas inúmeras falências de empresas nos anos mais recentes, AA tinha um negócio ativo e de sucesso na sua área de atividade, onde se revelava uma pessoa organizada e dinâmica. Auferia rendimentos variáveis, que não quantificou, mas segundo o próprio suficientes para suportar os encargos pessoais e familiares que tinha na época, nomeadamente com o arrendamento e manutenção da habitação, mensalidades escolares das filhas, pagamento do lar da progenitora e ajuda económica à irmã e à mãe das suas filhas. A sua postura relativamente à economia familiar era habitualmente restritiva e contentora nos gastos do quotidiano, sendo caraterizado como uma pessoa organizada e responsável a este nível. AA ainda não tem projetos definidos para o futuro, e embora pretenda retomar trabalho na área da advocacia, contando para o efeito com o apoio de conhecidos que tem no meio, receia que a exposição pública do presente processo contribua negativamente para a prossecução desse objetivo. O arguido refere estar atualmente impedido de aceder às contas bancárias, não podendo por isso, garantir a sua sustentabilidade e o pagamento do arrendamento da habitação, que tem sido assegurado por um amigo. Por outro lado, a mãe teve também que transitar para um lar da Santa Casa da Misericórdia compatível com a pensão que recebe. A relação do arguido com a namorada foi abalada com o presente processo, e terminou no decurso da sua prisão preventiva, se bem que a mesma continue a visitá-lo pontualmente e a prestar-lhe algum apoio. Dispõe ainda do suporte das filhas e da mãe destas, que o visitam regularmente e mostram disponibilidade para o continuar a apoiar. As pessoas do círculo de amizades próximas do arguido bem como os familiares, apesar de surpreendidos com a prisão preventiva de AA, não parecem ter alterado significativamente a imagem de confiança e respeito associada ao seu papel social e familiar. Do exposto afigura-se que o arguido dispunha à data dos factos de condições financeiras para garantir os diversos compromissos económicos que mantinha, bem como de um volume de trabalho, atual e futuro, suficiente para assegurar um modo de vida acima da média, não evidenciando, aparentemente, fragilidade a este nível. No entanto, verificam-se algumas caraterísticas individuais como alguma ambição pessoal e a necessidade de desenvolver um bom padrão de vida quer para si quer para a família e a manutenção de uma imagem de sucesso e respeitabilidade perante os outros, tanto do ponto de vista profissional como pessoal. III – Impacto da situação jurídico-penal No estabelecimento prisional o arguido tem tido uma conduta normativa e ajustada às exigências institucionais, evidenciando capacidade para cumprir regras em contexto limitativo e contentor. Encontra-se presentemente ocupado com tarefas ligadas à biblioteca do estabelecimento prisional da Polícia Judiciária. No seu discurso ficou patente alguma capacidade reflexiva sobre a gravidade dos factos de que se encontra acusado. As suas preocupações presentes centram-se essencialmente sobre a família, a forma de garantir os seus compromissos financeiros e as possibilidades de empregabilidade futuras. A prisão do arguido constituiu uma surpresa tanto para a família como para os amigos, dado o estatuto e a imagem de sucesso que tinham do mesmo. O impacto mais significativo na sua atual situação jurídico-penal para além do fim da relação amorosa, refletiu-se sobretudo sobre as filhas que denotam algum constrangimento pela prisão do pai. 21.º - Para além das condenações indicadas nos n.ºs 9.º e 10.º, o Sr. AA foi condenado ainda na pena acessória de proibição de exercício de funções de administrador judicial pelo período de 3 anos e 2 meses. 22.º - No douto acórdão proferido no processo criminal n.º ………….. foi decidido ainda: a) - Julgar procedente o pedido de indemnização no valor de €91.373,15 e juros, deduzido pela assistente J…, Lda., a retirar da quantia monetária apreendida à ordem do processo-crime; b) - Declarar perdido a favor do Estado o montante em numerário de €166.506,85 (correspondente ao remanescente da quantia total apreendida de €257.880,00, descontado o valor a restituir à massa insolvente da J…, Lda.); c) - Julgar parcialmente procedente o incidente de liquidação deduzido pelo Ministério Público, nos termos dos art.ºs 7.º e 8.º, da Lei n.º 5/2002, de 11/1, contra o arguido AA e, consequentemente declarado perdido a favor do Estado o montante de €232.159,84, equivalente ao património incongruente com os seus rendimentos lícitos, com a consequente condenação do arguido na quantia devida e manutenção da apreensão no remanescente da quantia em numerário referida em b), e manutenção do arresto apenas nos bens móveis (veículos automóveis) e ativos financeiros (saldos das contas bancárias identificadas a fls. 21 do apenso de arresto), levantando-se o arresto nos demais bens. 23.º - O Sr. AA foi absolvido do crime de violação de segredo de justiça – fls. 153 24.º - Foi ordenada a comunicação da decisão à Comissão para o Acompanhamento dos Auxiliares de Justiça – fls. 154 verso 25.º - O Sr. AA foi notificado no âmbito de processo disciplinar instaurado pela Ordem dos Advogados, não tendo conhecimento de qualquer processo disciplinar instaurado pela CAAJ – fls. 405 26.º - Encontra-se sujeito a regime de prova (ainda a decorrer), tendo sido elaborado plano de reinserção social com data de …….-2017, com as seguintes medidas de apoio e vigilância, a desenvolver pela DGRSP: — Entrevistas com o condenado; — Contactos com familiares; — Deslocação à residência, e outros locais frequentados pelo condenado; — Articulação com entidade laboral/formativa; — Articulação com entidades policiais. De forma a viabilizar as medidas de apoio e vigilância, a DGRSP solicitará ao condenado: • Justificação de quaisquer faltas, devendo o mesmo comunicá-las previamente e apresentar o respetivo documento justificativo no prazo de 5 dias úteis (ex: atestado médico, declarações de presença, etc.); • Os contactos de pessoas do seu meio familiar, laboral ou outro, bem como informações e documentos comprovativos; • A disponibilidade para receber o Técnico de Reinserção Social no meio residencial, laboral ou outro considerado pertinente e informação sobre eventuais alterações de endereço(s); • Comunicação ao técnico de reinserção social sobre alterações de residência, bem como qualquer deslocação superior a 8 dias e sobre a data do previsível regresso; • Caso pretenda ausentar-se do território nacional, solicitar autorização ao tribunal para o efeito – fls. 436 a 437 verso 27.º - Do processo criminal n.º ………….. ainda não consta qualquer relatório de acompanhamento – fls. 435 Outros factos: 28.º - Na sequência da publicação no site da DGAJ do projeto de movimento ordinário dos oficiais de justiça, que se verificou em …….-2018, e no qual já constava o nome do Sr. AA como Secretário de Justiça de ……, foi publicada na Revista ……… de …….-2018, notícia do seguinte teor: “Condenado por corrupção vai ser funcionário judicial em ……. Enquanto administrador de insolvências, AA foi condenado por corrupção passiva e peculato de uso. Ao fim de 22 anos, regressou à Função Pública e foi colocado como secretário judicial. Um antigo administrador de insolvência, condenado em primeira instância pelos crimes de corrupção passiva e peculato de uso, foi colocado no Tribunal de …… como secretário-judicial. AA, que em 1996 pediu uma licença sem vencimento de longa duração para se dedicar por conta própria à administração de falências, consta da lista da Direção Geral da Administração da Justiça relativa ao movimento de funcionários para este ano. Foi em 2014 que a Polícia Judiciária deteve AA em flagrante delito, quando este pediu 20 mil euros a um advogado para resolver rapidamente um processo de falência. Detido e, posteriormente, acusado, o arguido acabou, em 2016, condenado a três anos e quatro meses de prisão, com pena suspensa, pelos crimes de corrupção passiva e peculato de uso. Como pena acessória, o tribunal aplicou-lhe a suspensão de funções como administrador judicial por um prazo de três anos e dois meses. A atuação do arguido AA (que usou as funções para obter vantagem ilícita), é lesiva dos deveres inerentes ao cargo, sendo adequada a produzir a tal perda de confiança no exercício da função, para além de revelar indignidade”, consideraram os juízes WW, XX e YY, no acórdão que condenou AA e ainda absolveu DD e a empresa “A ……….”. No julgamento ficou provado que AA pediu a um colega advogado, que representava uma empresa, 20 mil euros para apressar o respetivo processo de insolvência. A investigar AA há algum tempo, a Polícia Judiciária instalou um microfone no casaco do advogado, gravando todo o teor da conversa. O Tribunal também declarou perdido a favor do Estado 166 mil euros apreendidos a AA, devido à “incongruência do património existente e o registado em nome do arguido”. Segundo informação que consta do acórdão que o condenou, aos 18 anos AA optou por se tomar trabalhador estudante, começando a trabalhar no ……………………….., na elaboração de ……………………………………. Exerceu essas funções entre os 18 e 25 anos, período durante o qual, completou o liceu e a licenciatura em Direito. Alguns meses após completar a formação universitária deixou o ………………………. para assumir as funções de administrador da ………………………, que exerceu continuamente até 1996. Nesse ano e já com uma boa situação financeira, requereu licença sem vencimento de longa duração e optou por trabalhar por conta própria, no mesmo ramo de atividade” – fls. 27 e 27 verso 29.º - Na mesma data – ……/2018 -, foi publicada no “……….” notícia relativa ao mesmo assunto, acompanhada de cópia parcial do projeto de movimento em que constava o nome do funcionário AA, com a categoria de Secretário de Justiça, transferido para o Núcleo de ……. – fls. 28 30.º - A publicação indicada no número antecedente noticiou, sob o título “Administrador de insolvências condenado por corrupção candidata-se a Secretário Judicial no Tribunal de …….”, o seguinte: “Detido em ………… de 2014 pela PJ, por suspeitas de corrupção, peculato e branqueamento de capitais e com a apreensão de dois carros de luxo – Ferrari ……….. e um Mercedes ……….. – avaliados em 500 mil euros e, posteriormente condenado a 3 anos e 4 meses de prisão, com pena suspensa, o antigo administrador de insolvência AA surge agora na lista do projeto do movimento ordinário dos Oficiais de Justiça, publicado pela Direção Geral da Administração da Justiça, como candidato para o Núcleo de ……. do respetivo tribunal como secretário-geral. AA, que foi detido, em flagrante, quando pedia 20 mil euros a um advogado para resolver rapidamente um processo de falência, foi julgado e condenado há dois anos, avança a revista “……….”, segundo a qual, “como pena acessória, o tribunal aplicou-lhe a suspensão de funções como administrador judicial por um prazo de três anos e dois meses”. A atuação do arguido AA (que usou as funções para obter vantagem ilícita), é lesiva dos deveres inerentes ao cargo, sendo adequada a produzir a tal perda de confiança no exercício da função, para além de revelar indignidade, consideraram os juízes WW, XX e YY, no acórdão que condenou AA e ainda absolveu DD e a empresa “A ………”, adianta a “………”. Uma investigação do jornalista ZZ, da revista “……..”, revela que “no julgamento ficou provado que AA pediu a um colega advogado, que representava uma empresa, 20 mil euros para apressar o respetivo processo de insolvência. A investigar AA há algum tempo, a Polícia Judiciária instalou um microfone no casaco do advogado, gravando todo o teor da conversa. O Tribunal também declarou perdido a favor do Estado 166 mil euros apreendidos a AA, devido à incongruência do património existente e o registado em nome do arguido. Percurso Segundo informação que consta do acórdão que o condenou e é agora divulgado pela “……….”, aos 18 anos AA optou por se tomar trabalhador estudante, começando a trabalhar no ……………………….., na elaboração de …………………………………….. Exerceu essas funções entre os 18 e 25 anos, período durante o qual, completou o liceu e a licenciatura em Direito. Alguns meses após completar a formação universitária deixou o …………………….. para assumir as funções de administrador da ……………………., que exerceu continuamente até 1996. Nesse ano e, entretanto, com uma boa situação financeira, requereu licença sem vencimento de longa duração e optou por trabalhar por conta própria, no mesmo ramos de atividade. Improvável Fontes judiciais contatadas por ………. consideram “improvável” que “a pessoa em causa” venha a assumir o cargo”, até porque, explicaram “seria um descrédito para a Justiça, para a isenção e imparcialidade dos funcionários judiciais”. Uma outra fonte, sem especificar, fez notar que o mapa do projeto do movimento ordinário dos Oficiais de Justiça para este ano “faz algumas salvaguardas” no que toca ao “candidato em causa” – fls. 28 e 29 31.º - A colocação do senhor oficial de justiça AA, como Secretário de Justiça de ……, causou alarme social, como resulta das referidas publicações/notícias, tendo originado internamente (no Tribunal de…….) e pelo menos no período temporal próximo da nomeação, comentários e frenesim. FACTOS PRATICADOS NO EXERCÍCIO DE FUNÇÕES DE SECRETÁRIO DE JUSTIÇA: 32.º - No dia …………… de 2018 foi rececionado, no Núcleo de ……., o processo n.º …………………….., remetido eletronicamente pelo Juízo do Trabalho de …….. 33.º - Aquele processo foi distribuído no mesmo dia ao Juízo do Trabalho de ……, Unidade .., J... 34.º - Após a distribuição, a unidade de processos aguardou a anotação de que o processo físico tinha chegado ao Tribunal, como era habitual (não é dada entrada autónoma aos processos físicos) e a sua entrega, altura em que retira o expediente da respetiva pasta. 35.º - Porém e porque a anotação referida não aparecia e o processo físico não veio a ser entregue nos dias seguintes, a Sra. Escrivã de Direito do Juízo do Trabalho, AAA, telefonou para o Juízo do Trabalho de …… no sentido de saber se o processo tinha sido enviado a ……., tendo-lhe sido confirmada a remessa e a respetiva data. 36.º - Em face da informação obtida, a Sra. Escrivã AAA contactou a Sra. Escrivã de Direito da unidade central, BBB, dando-lhe conhecimento do que se passava. 37.º - De imediato, a Sra. Escrivã da Unidade Central encetou diligências, juntamente com os restantes funcionários daquela Unidade, no sentido de localizarem o processo, designadamente na própria Unidade Central e junto de todas as secções de processos, particularmente daquelas que tinham recebido processos dos Tribunais Superiores no mesmo dia e das que tinham processos com capas da mesma cor, insistindo mais do que uma vez junto das outras Unidades de Processos do Juízo do Trabalho, sem sucesso. 38.º - Como o processo não aparecesse apesar das variadíssimas diligências, a Sra. Escrivã do Juízo do Trabalho informou a Sra. Juíza, a qual veio a ordenar que se procedesse a buscas e se materializasse o processo eletrónico caso o físico não aparecesse, ordenando que se desse conhecimento ao Sr. Administrador Judiciário. 39.º - No dia …………. de 2018 (cerca de dois meses depois da receção do processo na Unidade Central de……), encontrando-se a Sra. Escrivã de Direito BBB no gabinete do Sr. Secretário de Justiça AA, acompanhada deste, a proceder ao registo informático das faltas dos senhores funcionários, enquanto o Sr. Secretário ia colocando as justificações no interior dos respetivos processos individuais que ia arrumando numa estante destinada apenas àqueles processos, o último, pegando num processo que ali se encontrava, questionou a Sra. Escrivã, dizendo que “era diferente”, ou que “era estranho” ou perguntando “o que era aquilo”, mostrando-lho. 40.º - A Sra. Escrivã apercebeu-se de imediato que se tratava do processo do Juízo do Trabalho, respondendo-lhe que se tratava do processo que andavam a procurar. 41.º - O Sr. Secretário respondeu que não sabia como é que tinha ido ali parar. 42.º - O Sr. Administrador Judiciário veio a confrontar o Sr. Secretário com o aparecimento do processo no local indicado, tendo o último referido que o gabinete estava aberto e qualquer um lá podia entrar, não tendo colocado a hipótese de ter sido ele a levá-lo, por lapso. 43.º - O processo continha, no seu interior, junto da contracapa, duas ou três folhas soltas, respeitantes a justificações de faltas de uma senhora funcionária, o que veio a ser constatado pela Sra. Escrivã de Direito do Juízo do Trabalho, AAA. 44.º - Não foi possível apurar em que circunstâncias o processo “foi parar” à estante dos processos individuais dos senhores funcionários, com os quais se encontrava misturado. 45.º - Era do conhecimento geral que os funcionários da Unidade Central andavam há muito tempo, todos eles, à procura do processo. 46.º - O Sr. Secretário sabia, ou tinha obrigação de saber por força das funções que desempenhava, de que os funcionários andavam à procura de um processo há dois meses, pelo que podia e devia ter verificado, no seu gabinete, se o mesmo ali se encontrava e podia e devia ter admitido a hipótese de ter sido ele a levá-lo para ali, por lapso. Por outro lado: 47.º - Num dos dias da semana que antecedeu o dia ……………. de 2019 (dias …. a …...), em data não concretamente apurada, o Sr. Administrador Judiciário da Comarca de ………… entregou um envelope ao Sr. Secretário de Justiça, AA, tendo-lhe dito que se tratava de um processo disciplinar destinado a consulta do funcionário ou de advogado do mesmo. 48.º - O Sr. Administrador disse-lhe ainda que o guardasse no cofre que está colocado no seu gabinete. 49.º - Uns dias depois, compareceu no Tribunal, no gabinete do Sr. Secretário AA, o Sr. Advogado, Dr. CCC, que pretendia consultar o processo disciplinar. 50.º - O Sr. Secretário respondeu ao senhor Advogado que não tinha o processo, acabando por lhe entregar (a pedido do último), uma declaração que assinou, consignando que não tinha o processo para consulta. 51.º - No mesmo dia e já depois de o Sr. Advogado se ter ido embora com a declaração, a Sra. Secretária de Justiça DDD - em quem o Sr. Administrador delegou parte das funções de Secretário de Justiça de …….-, veio a saber do sucedido através da Sra. Escrivã da Unidade Central, BBB. 52.º - Sabendo a Sra. Secretária DDD que o processo tinha sido entregue ao Sr. Secretário AA, porque a entrega tinha sido efetuada pelo Sr. Administrador na sua presença, resolveu telefonar ao último, dando-lhe conhecimento. 53.º - O Sr. Administrador solicitou-lhe que se dirigisse ao Sr. Secretário AA e que lhe pedisse para abrir o cofre na sua frente, o que a Sra. Secretária DDD fez. 54.º - O Sr. Secretário AA insistia que não tinha processo nenhum e só após várias insistências acabou por abrir o cofre, tendo ambos constatado que o processo se encontrava lá, fechado no envelope, tal como lhe tinha sido entregue. 55.º - O Sr. Secretário AA telefonou para o Sr. Advogado dando-lhe conta de que tinha o processo. 56.º - O Sr. Secretário AA sabia que lhe tinha sido entregue um processo disciplinar para consulta do funcionário ou de advogado que se apresentasse para o efeito e que o tinha guardado no cofre. Contudo, disse ao senhor Advogado que não o tinha sem o ter procurado no cofre, passou-lhe uma declaração nesse sentido e quando confrontado pela Sra. Secretária DDD, insistia que não o tinha. 57.º - Do certificado do registo disciplinar respeitante ao Sr. AA nada consta para além da instauração do presente processo disciplinar – fls. 313 58.º - Foi suspenso preventivamente de funções por 120 dias com início em ………. de 2019. 59.º - O Sr. Secretário de Justiça AA trata os senhores funcionários com simpatia e amabilidade, é educado e de bom trato. 60.º - Muitas vezes entrava ao serviço antes das 8h00. B) Apreciação da matéria de facto Factos provados da acusação Os factos constantes da acusação extraídos do processo criminal que foi instaurado ao senhor Secretário de Justiça mostram-se provados na íntegra, sendo certo que a decisão que os fixou transitou em julgado. Os factos constantes dos n.ºs 26.º e 27.º resultam do documento junto aos autos a fls. 436, na sequência de pedido efetuado pelo senhor Secretário de Justiça para que se solicitassem cópias dos relatórios de acompanhamento. Os factos constantes dos n.ºs 28.º a 30.º assentam nos documentos juntos a fls. 26 a 29. O facto constante do n.º 31 assenta no teor das próprias notícias (a nível nacional e local) e desde logo nos respetivos títulos “condenado por corrupção vai ser funcionário judicial em…….” e “Administrador de Insolvências condenado por corrupção candidata-se a Secretário Judicial no Tribunal de …….”, dos depoimentos das testemunhas EEE a fls. 451/452 e FFF a fls. 453/454 e bem assim da lógica e das regras da experiência comum. Os factos constantes dos n.ºs 32.º a 46.º resultam dos vários depoimentos recolhidos, designadamente: — Da Sra. Escrivã de Direito da Unidade Central, BBB, a fls. 438 a 440; — Do Sr. Administrador Judiciário a fls. 441 e 442; — Do Sr. Secretário de Justiça, AA, a fls. 447 a 450; — Do Sr. Escrivão de Direito, EEE, a fls. 451 e 452; — Do Sr. FFF, Escrivão de Direito, a fls. 453 e 454 — Da Sra. Escrivã de Direito AAA, a fls. 459 e 460, dos quais se conclui que o processo n.º 9296/18.0T8LRS remetido pelo Juízo do Tribunal do Trabalho de …… a ……. esteve desaparecido por cerca de dois meses, vindo a aparecer no gabinete do Sr. Secretário de Justiça no meio dos processos individuais respeitantes aos funcionários, sendo o desaparecimento do conhecimento geral e que o processo estava a ser procurado pelos vários funcionários da unidade central e nos vários Juízos. Os factos constantes dos n.ºs 47.º a 56.º, assentam nos depoimentos recolhidos, designadamente: — Da Sra. Escrivã de Direito da Unidade Central, BBB, a fls. 438 a 440; — Do Sr. Administrador Judiciário a fls. 441 e 442; — Da Sra. Secretária de Justiça DDD a fls. 443 a 445; — Do Sr. Secretário de Justiça, AA, a fls. 447 a 450; Factos não provados da acusação: Não existem factos não provados da acusação. III – ENQUADRAMENTO JURÍDICO-DISCIPLINAR Os oficiais de justiça são disciplinarmente responsáveis nos termos do regime geral dos funcionários e agentes da Administração Pública e dos artigos 89.º e seguintes do Estatuto dos Funcionários de Justiça aprovado pelo Dec. Lei n.º 343/99, de 26/08 (EFJ). A infração disciplinar está prevista no artigo 90.º do EFJ e é definida como “os factos, ainda que meramente culposos, praticados pelos oficiais de justiça com violação dos deveres profissionais, bem como os atos ou omissões da sua vida pública, ou que nela se repercutam, incompatíveis com a dignidade indispensável ao exercício das suas funções”. Face ao disposto no artigo 66.º do EFJ, os funcionários de justiça estão sujeitos aos deveres especiais estabelecidos no referido Estatuto aprovado pelo Dec. Lei n.º 343/99, de 26/08, e ainda aos gerais dos funcionários da Administração Pública - estes previstos agora no art.º 73.º da Lei n.º 35/2014, de 20/06 que aprovou a Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (LTFP) e anteriormente no artigo 3.º da Lei 58/2008, de 09/09 -, designadamente aos deveres gerais de prossecução do interesse público que consiste na sua defesa, no respeito pela Constituição, pelas leis e pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos; de isenção, que consiste em não retirar vantagens, diretas ou indiretas, pecuniárias ou outras, para si ou para terceiro, das funções que exerce; de imparcialidade, que consiste em desempenhar as funções com equidistância relativamente aos interesses com que seja confrontado, sem discriminar positiva ou negativamente qualquer deles, na perspetiva do respeito pela igualdade dos cidadãos; de lealdade, que consiste em desempenhar as funções com subordinação aos objetivos do órgão ou serviço e de zelo, que consiste em conhecer e aplicar as normas legais e regulamentares e as ordens e instruções dos superiores hierárquicos, bem como exercer as funções de acordo com os objetivos que tenham sido fixados e utilizando as competências que tenham sido consideradas adequadas. Conforme se referiu na acusação e aqui se repete, ainda que os factos indicados nos n.ºs 9.º a 26.º se reportem ao período em que o Sr. Dr. AA desempenhou funções de Administrador Judicial (de insolvências) e numa situação de licença sem vencimento de longa duração, mantinha-se sujeito aos deveres acima indicados. A licença sem vencimento de longa duração foi-lhe concedida ao abrigo do art.º 78.º, n.ºs 1 e 2, do Dec. Lei n.º 497/88, de 30/12, com os efeitos previstos no art.º 80.º do mesmo diploma legal e que aqui se reproduz: “Efeitos da licença 1 - A concessão da licença determina abertura de vaga e a suspensão do vínculo com a Administração, a partir da data do despacho referido no n.º 2 do artigo 78.º 2 - A licença sem vencimento de longa duração implica a perda total da remuneração e o desconto na antiguidade para efeitos de carreira, diuturnidades, aposentação e sobrevivência”. No período da licença e de acordo com o preceito em análise, o vínculo com a Administração encontrava-se suspenso. Essa suspensão, contudo, não afasta os direitos, deveres e garantias das partes, na medida em que não pressuponham a efetiva prestação de trabalho, podendo concluir-se, a nosso ver, que os deveres violados não estão ligados à efetiva prestação de trabalho, como será o caso dos deveres de zelo, assiduidade e pontualidade, por exemplo. Acresce que os factos foram praticados pelo Sr. AA na qualidade de “funcionário” - no conceito definido pelo artigo 386.º do Código Penal -, encontrando-se sujeito, também por isso e concretamente no exercício das funções de Administrador Judicial, aos deveres de isenção, transparência e prossecução do interesse público, como, aliás, se escreveu no douto acórdão proferido no processo criminal “sabia o arguido das responsabilidades e deveres funcionais a que se encontrava vinculado no exercício de funções públicas, concretamente os de isenção, transparência e prossecução do interesse público e, ainda assim, violou-os; atuou o arguido com consciência de que as suas descritas condutas atentavam contra a probidade que carateriza o exercício de funções públicas; o arguido agiu de forma voluntária, livre e consciente, bem sabendo que as suas descritas condutas eram proibidas e punidas por lei”. Concluiu-se, em face do referido, e no que se reporta àqueles factos, que o Sr. AA cometeu infrações disciplinares por violação dos deveres supra indicados (exceto o de zelo), quer porque enquanto oficial de justiça se encontrava sujeito aos que não pressupusessem a efetiva prestação de trabalho, quer porque atuou no exercício de funções públicas. Factos relacionados com o desaparecimento temporário do processo vindo do Juízo do Trabalho de ……: Enquanto no exercício de funções de Secretário de Justiça, estava vinculado ao dever geral de zelo, que violou. De facto, sendo o Secretário de Justiça o timoneiro de qualquer Tribunal, tem obrigação de estar a par dos problemas que ali se passam, não se compreendendo que nada tenha feito durante cerca de dois meses no sentido de ajudar a encontrar o processo de que a generalidade dos funcionários da unidade central andava à procura. Muito menos se compreende que não se tenha apercebido desse facto ao longo de tanto tempo, particularmente porque se tratou de situação ocorrida na unidade central com a qual lida diária e constantemente, e/ou que no momento em que o processo apareceu, misturado com os processos individuais, no seu gabinete, não tenha colocado a hipótese de ter sido ele a levá-lo por lapso, antes tendo observado que o “gabinete estava aberto e qualquer um lá podia entrar”. Assim, salvo o devido respeito por diferente opinião, parece-nos que o Sr. Secretário de Justiça atuou com negligência. Factos relacionados com o processo disciplinar para consulta: Relativamente aos factos ocorridos com o processo disciplinar para consulta que disse não ter na sua posse - tanto ao Sr. Advogado que se deslocou ao Tribunal para o consultar como à Sra. Secretária de Justiça DDD que o confrontou com esse facto -, muito menos se compreende que o Sr. Secretário não tenha fixado as ordens ou orientações que lhe foram transmitidas com pormenor pelo Sr. Administrador Judiciário, tanto mais que se tratava de uma situação que fugia às tarefas comuns. Para além de denotar pouca atenção ao que lhe foi transmitido pelo superior hierárquico, deu uma má imagem do serviço e obrigou o Sr. Advogado a deslocar-se novamente ao edifício do Tribunal para consultar o processo. Também neste caso e salvo o devido respeito, o Sr. Secretário de Justiça atuou com negligência. Factos relativos às justificações das faltas da Sra. Funcionária GGG: Relativamente aos factos relacionados com a justificação das faltas da senhora funcionária GGG e pelos quais foi também instaurado processo disciplinar, não foi deduzida acusação. De facto, resulta do depoimento do Sr. Administrador Judiciário a fls. 441/442 que a Sra. Funcionária dirigiu um requerimento ao Sr. Diretor-Geral relativo às faltas, o que veio a dar origem a alguns equívocos quanto às suas justificações atempadas, admitindo que esses equívocos não serão imputáveis na totalidade ao Sr. Secretário AA. Do depoimento da Sra. Secretária de Justiça DDD a fls. 443 a 445, extrai-se que as faltas (justificações) da referida funcionária vinham sendo abordadas em reuniões de Secretários, arrastando-se há algum tempo. Por sua vez, o Sr. Secretário AA referiu a fls. 449/450 e para além do mais, que se tratava de uma situação que se vinha arrastando desde finais de ……, que tentou regularizar. Cremos não se encontrar demonstrado, assim, qualquer comportamento disciplinarmente censurável, imputável ao Sr. Secretário de Justiça AA. IV – DA MEDIDA CONCRETA DA SANÇÃO DISCIPLINAR Na acusação imputou-se ao Sr. Secretário de Justiça AA o cometimento de quatro infrações disciplinares: 1) Uma delas pela prática dos factos que levaram à condenação pelo crime de peculato de uso, a sancionar com suspensão; 2) Outra pela prática dos factos que levaram à condenação do crime de corrupção passiva, a sancionar com demissão; 3) Outra pela prática dos factos relacionados com o desaparecimento temporário do processo, a sancionar com multa; 4) Outra pela prática dos factos concernentes ao processo disciplinar que lhe foi entregue destinado a consulta do funcionário ali visado, a sancionar com multa. Anunciou-se a sanção única de demissão tendo em conta que os factos em causa, particularmente os que conduziram à condenação pela prática do crime de corrupção passiva com a consequente aplicação da pena de 3 anos e 4 meses de prisão, suspensa com sujeição a regime de prova - ainda em execução (não extinta) - são inviabilizadores da manutenção do vínculo de emprego público, tendo a sua nomeação como Secretário de Justiça sido causadora de relevante alarme social, como ficou demonstrado pelas notícias então publicadas e a que se fez alusão nos factos. O juízo que então se fez não sofreu qualquer alteração. De facto, a comunidade em geral não compreenderá e, por certo, não aceitará, que os serviços de justiça tenham ao seu serviço funcionários punidos por crimes da natureza dos aqui em causa, particularmente os de corrupção passiva. Não será por acaso que o prazo de prescrição para os crimes desta natureza é dos mais longos, antevendo-se aqui uma especial censura social. Por outro lado, estes comportamentos, pela sua gravidade, afetam indelevelmente, pela negativa, a imagem de todos quantos ali desempenham funções e diariamente se esforçam em sentido contrário. Por outro lado ainda e repetindo-se aqui o que se fez constar da acusação: Como doutamente se refere na decisão criminal e aqui se salienta: “o bem jurídico protegido no crime de corrupção é a legalidade da atuação dos agentes públicos, a quem está interdito mercadejar com o cargo (Cláudia Cruz Santos, A Corrupção de Agentes Públicos em Portugal: Reflexões a partir da Lei, da Doutrina e da Jurisprudência, in A Corrupção, Coimbra Editora, 2009, pág. 124) ou, conforme o entendimento de Almeida Costa (Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo III, Coimbra Editora, 2001, pág. 661), a autonomia intencional do Estado, sendo que num Estado de Direito o desempenho de funções públicas tem de se pautar por exigências de legalidade, objetividade e independência, que o funcionário infringe ao colocar os poderes funcionais ao serviço dos seus interesses privados quando transacionar com o cargo. No crime de corrupção e porque a conduta subjacente ao mesmo, afeta, seriamente, o prestígio da administração, minando a confiança dos cidadãos nas instituições públicas, é hoje ponto de vista praticamente unânime que o bem jurídico protegido com a incriminação da corrupção é exatamente o prestígio, legalidade, imparcialidade e credibilidade da administração. Considera-se com efeito que a corrupção passiva, em qualquer das suas modalidades, ofende a autonomia intencional da administração, ou seja, a legalidade administrativa, dado que o funcionário com a sua conduta manipula no seu interesse o aparelho do Estado (AC RE 02.06.2015, Pº nº 2231/10.6TASTB, www.dgsi.pt)” – fls. 244 verso Assim, em face de todo o expendido e considerando que o Sr. oficial de justiça AA, secretário de justiça, com o número mecanográfico ……, colocado no Núcleo de ……. do Tribunal Judicial da Comarca de …………, com a prática dos factos e nas circunstâncias indicadas nos n.ºs 9.º a 31.º, cometeu infrações disciplinares, por violação dos deveres gerais de prossecução do interesse público, isenção, imparcialidade e lealdade, prevista (a infração disciplinar) no art.º 90.º do EFJ e nos artigos 3.º da Lei n.º 58/2008, de 09/09, que aprovou o Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas (EDTFP), em vigor ao tempo da prática de alguns dos factos e 183.º da Lei n.º 35/2014 (LTFP), de 20/06, concretamente: 1) Com os factos e nas circunstâncias indicadas nos n.ºs 9.º a 13.º (todas as alíneas); 16.º, alíneas a), b) e c); 17.º, 18.º, 21.º, 22.º, 26.º, 28.º, 29.º, 30.º e 31.º (factos que levaram à condenação pela prática do crime de peculato de uso), praticou infração disciplinar por violação dos deveres gerais de prossecução do interesse público, isenção e lealdade, prevista e punida pelas disposições conjugadas dos artigos 90.º do EFJ; 3.º, n.ºs 1 e 2, alíneas a), b), e g) e n.ºs 3, 4, e 9 e 17.º, al. n), da Lei n.º 58/2008, de 09/09 (EDTFP), em vigor à data da prática dos factos e mais favorável ao trabalhador por força do prazo previsto no n.º 2 do art.º 6.º daquele diploma legal, COM A SANÇÃO DE SUSPENSÃO. 2) Com os factos e nas circunstâncias indicadas nos n.ºs 9.º a 12.º, 13.º (introdução), 14.º (todas as alíneas); 16.º, alíneas d) a g), 17.º, alíneas a) e b), 18.º, 21.º, 22.º, 26.º, 28.º a 31.º (factos que levaram à condenação pela prática do crime de corrupção passiva), praticou infração disciplinar por violação dos deveres gerais de prossecução do interesse público, isenção, imparcialidade e lealdade, prevista e punida pelas disposições conjugadas dos artigos 90.º do EFJ, 183.º, 73.º, n.º 1, alíneas a), b), c) e g) e nºs 3, 4, 5, e 9 e 297.º, n.º 3, al. j), da Lei n.º 35/2014 de 20/06 (LTFP), em vigor ao tempo da data da prática dos factos, COM A SANÇÃO DE DEMISSÃO. E que, 3) Com os factos e nas circunstâncias indicadas nos n.ºs 32.º a 46.º, cometeu infração disciplinar (no exercício de funções de Secretário de Justiça) por violação do dever geral de zelo, prevista e punida pelas disposições conjugadas dos artigos 90.º do EFJ, 73.º, n.º 2, alíneas e) e n.º 7, 180.º, n.º 1, al. b) e 181.º, n.º 2, da Lei n.º 35/2014 de 20/06 (LTFP), COM A SANÇÃO DE MULTA. 4) Com os factos e nas circunstâncias indicadas nos n.ºs 47.º a 56.º, praticou infração disciplinar por violação do dever geral de zelo, prevista e punida pelas disposições conjugadas dos artigos 90.º do EFJ, 73.º, n.º 2, alíneas e) e n.º 7, 180.º, n.º 1, al. b) e 181.º, n.º 2, da Lei n.º 35/2014 de 20/06 (LTFP), COM A SANÇÃO DE MULTA, atendendo a que, tal como se indicou na acusação, a favor do senhor Secretário de Justiça não se verificam circunstâncias atenuantes especiais e contra o mesmo milita a circunstância agravante especial da acumulação de infrações – art.º 191.º, n.º 1, alínea g) e n.º 4, efetuamos a seguinte V - PROPOSTA 1. Tendo em conta o disposto no n.º 3 do art.º 180.º da Lei n.º 35/2014 (LTFP), propõe-se que seja aplicada ao senhor Oficial de Justiça AA, Secretário de Justiça, com o número mecanográfico ……, colocado no Núcleo de …... do Tribunal Judicial da Comarca de ……….., a sanção única de DEMISSÃO, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 90.º do EFJ, 180.º, n.º 1, al. d), 181.º, n.º 6, 187.º e 297.º, n.º 3, al. j), todos da Lei n.º 35/2014, de 20/06 (LTFP). 2. Na parte respeitante às justificações das faltas da Sra. funcionária GGG – fls. 419 a 424 – propõe-se O ARQUIVAMENTO por não se terem apurado factos praticados pelo Sr. Secretário de Justiça AA que, a nosso ver, mereçam censura disciplinar. V. Exas., contudo, melhor decidirão. Remetam-se os autos ao Conselho dos Oficiais de Justiça. Porto, ……… de 2019 A inspetora do COJ/instrutora […]» (cf. fls. 517 a 570 do “processo administrativo instrutor II”, cujo teor se dá por reproduzido). 1.16. A …...2019 o aqui autor recorreu para o COJ do despacho proferido pela Instrutora do processo disciplinar que indeferira a admissão da apresentação de defesa, por extemporânea (cf. fls. 581 a 583 do “processo administrativo instrutor II2, cujo teor se dá por reproduzido). 1.17. A …...2019, em sessão ordinária, o COJ, reunido em Plenário, consignou na “Ata n.º …/2019” deliberação que, apreciando o recurso referido em 1.1.16., tinha o seguinte teor: «Ponto n.º 1 — Apreciação do seguinte expediente: […] c) E-851/19 — Recurso admitido no âmbito do processo disciplinar n.º ………; Deliberação: O plenário analisou o requerimento de recurso interposto por AA e o despacho em crise, proferido pela senhora Instrutora dos autos de processo disciplinar ………., em …… de 2019, e, considerando que naquele despacho se fez a devida apreciação dos factos e do seu enquadramento legal, deliberou no sentido da improcedência do recurso interposto por AA» (cf. fls, 584 e 585 do “processo administrativo instrutor II”, cujo teor se dá por reproduzido). 1.18. Na mesma reunião de …...2019, em sessão ordinária, o COJ, reunido em Plenário, consignou na “Ata n.º ../2019” deliberação que, apreciando o relatório final referido em 1.16., tinha o seguinte teor: «Ponto n.º 2 — Julgamento do seguinte processo: DISCIPLINAR Visado: AA Factos ocorridos no Núcleo de …….. Deliberação: Nos termos do disposto no art.º 220.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, aprovada pela Lei n.º 35/2014, de 20/06 (LGTFP), o Plenário deliberou concordar com os factos, fundamentação e sanção proposta, constantes do relatório final, elaborado no processo supra referido, no que respeita a AA, relatório esse que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. Tendo em vista todos os factos provados, atendendo a que, com a prática de tais factos e nas circunstâncias referidas no relatório final, o visado AA violou os deveres gerais de prossecução do interesse público, isenção, imparcialidade, zelo e lealdade, incorrendo na infração disciplinar prevista e punível nos termos das disposições legais previstas na Lei n.º 58/2008, de 09/09, e na Lei n.º 35/2014, de 20/06, ex vi art.ºs 89.º e 90.º do Estatuto dos Funcionários Judiciais (EFJ), e considerando, ainda, os critérios enunciados no art.º 189.º da LGTFP, o Plenário deliberou condenar AA, secretário de justiça, com o número mecanográfico ….., na sanção única de Demissão, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 90.º do EFJ, 180.º, n.º 1 al. d), 181.º, n.º 6, 187.º e 297.º, n.º 3 al. j, todos da LGTFP. Mais deliberou o Plenário que se dê conhecimento da presente deliberação à Exma. Sra. Juíza Presidente do Tribunal Judicial da Comarca de ……….. e, bem assim, ao Sr. Administrador Judiciário da mesma Comarca.» (cf. fls. 576 do “processo administrativo instrutor II”, cujo teor se dá por reproduzido). 1.19. A …...2019 o autor interpôs recurso (administrativo especial) da deliberação referida em 17. para o Conselho Superior da Magistratura (CSM), aqui entidade demandada, ao abrigo do disposto no artigo 118.º do Estatuto dos Funcionários Judiciais (EFJ), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 343/99, de 26 de agosto (cf. fls. 596 a 599 do “processo administrativo instrutor I”, cujo teor se dá por reproduzido). 1.20. A …...2019 o autor interpôs recurso (administrativo especial) da deliberação referida em 18. para o Conselho Superior da Magistratura (CSM), aqui entidade demandada, ao abrigo do disposto no artigo 118.º do Estatuto dos Funcionários Judiciais (EFJ), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 343/99, de 26 de agosto (cf. fls. 600ª 608 do “processo administrativo instrutor I”, cujo teor se dá por reproduzido). 1.21. No âmbito da apreciação do recurso hierárquico referido em 1.14., autuado nos serviços da entidade demandada sob o n.º “2019/…..”, o CSM, reunido em Conselho Plenário para deliberação a …….2019, consignou em ata, registada no livro n.º 366, de fls. 52 a 57, além do mais, o seguinte: «Apreciação Os oficiais de justiça são disciplinarmente responsáveis nos termos do regime geral dos funcionários e agentes da Administração Pública, por força da remissão constante do artigo 89.º do Estatuto dos Funcionários da Justiça, aprovado pelo Dec. Lei n.º 343/99, com as alterações do Dec. Lei n.º 175/2000, do Dec. Lei n.º 96/2002, do Dec. Lei n.º 169/2003, da Lei n.º 42/2005, do Dec. Lei n.º 121/2008 e do Dec. Lei n.º 73/2016. Face ao disposto no artigo 66.º do citado Estatuto dos Funcionários da Justiça, os funcionários de justiça têm os deveres gerais dos funcionários da Administração Pública consagrados na Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas e ainda os deveres especiais estabelecidos no referido Estatuto. Nos termos do art.º 90.º do Estatuto em questão, constituem infração disciplinar os factos, ainda que meramente culposos, praticados pelos oficiais de justiça com violação dos deveres profissionais, bem como os atos ou omissões da sua vida pública, ou que nela se repercutam, incompatíveis com a dignidade indispensável ao exercício das suas funções. Preceitua ainda o art.º 96.º, n.º 1, do Estatuto que o oficial de justiça arguido em processo disciplinar pode ser preventivamente suspenso das suas funções desde que haja fortes indícios de que à infração caberá, pelo menos, a pena de suspensão, e a continuação na efetividade de serviço seja prejudicial à instrução do processo, ao serviço ou ao prestígio e à dignidade da função, sendo que, nos termos do n.º 3 da citada norma legal, tal suspensão não pode exceder 120 dias. Feitas estas considerações gerais e entrando diretamente nas questões suscitadas pelo recorrente, não exatamente pela ordem invocada pelo mesmo, mas segundo critérios que implicam um juízo de prejudicialidade de matérias por referência a outras, começaremos por apreciar a prescrição do procedimento disciplinar (Cf. art.º 52.º das alegações recursivas). Dispõe o art.º 178.º da Lei n.º 35/2014 (Lei Geral do trabalho em Funções Públicas, adiante designada LGTFP) ex vi art.º 123.º do Estatuto dos Funcionários da Justiça (adiante designado EFJ), que a infração disciplinar prescreve no prazo de um ano sobre a respetiva prática, salvo quando consubstancie também infração penal, caso em que se sujeita aos prazos de prescrição estabelecidos na lei penal à data da prática dos factos. Como ficou plasmado na factualidade dada por provada, o recorrente foi condenado, entre o mais, por um crime de corrupção passiva agravada p. p. pelos artºs 373.º, n.º 2, e 374.º, n.os 1 e 3, do Código Penal, por referência a factos praticados entre ……. e ……. de 2014. Dispõe o artigo 118.º, n.º 1, al. a), do Código Penal referente aos prazos de prescrição que o procedimento criminal extingue-se, por efeito da prescrição, logo que sobre a prática do crime tiverem decorrido os seguintes prazos: a) 15 anos, quando se tratar de crimes puníveis com pena de prisão cujo limite máximo for superior a 10 anos ou dos crimes previstos nos artigos 335.º, 372.º, 373.º, 374.º, 374.º-A, 375.º, n.º 1, 377.º, n.º 1, 379.º, n.º 1, 382.º, 383.º e 384.º do Código Penal, 16.º, 17.º, 18.º e 19.º da Lei n.º 34/87, de 16 de julho, alterada pelas Leis n.os 108/2001, de 28 de novembro, 30/2008, de 10 de julho, 41/2010, de 3 de setembro, 4/2011, de 16 de fevereiro, e 4/2013, de 14 de janeiro, 7.º, 8.º e 9.º da Lei n.º 20/2008, de 21 de abril, e 8.º, 9.º, 10.º e 11.º da Lei n.º 50/2007, de 31 de agosto, e ainda do crime de fraude na obtenção de subsídio ou subvenção. Se assim é, necessariamente não se mostra prescrito o procedimento disciplinar, por força do disposto no art.º 178.º n.º 1 da LGTFP. Alega ainda o recorrente que os factos pelos quais foi condenado no âmbito do processo crime foram praticados no exercício das suas funções de administrador judiciário, detendo ainda a qualidade de advogado e não no exercício das suas funções de oficial de justiça. Por essa razão, segundo alega, a sentença condenatória foi comunicada quer ao CAAJ e à Ordem dos Advogados e não ao COJ. Quanto a este argumento, é inequívoco que o recorrente, à data da prática dos factos pelos quais foi condenado, não exercia as funções de oficial de justiça, uma vez que gozava de uma licença de longa duração desde 1996 e só retomou as funções de secretário de justiça por despacho de …....2018. No entanto, tal situação não pressupõe a extinção do vínculo existente entre o recorrente e a administração pública, de onde decorre não se extinguirem também os deveres que sobre o mesmo impendem, enquanto oficial de justiça que não pressuponham a efetiva prestação de trabalho. Sublinhe-se a este propósito o que preceitua o já citado art.º 90.º do EFJ que constitui infração disciplinar não apenas os atos praticados pelos oficiais de justiça com violação dos seus deveres profissionais, mas também os atos e omissões da sua vida pública, ou que nela se repercutam, incompatíveis com a dignidade indispensável ao exercício das suas funções. Alega ainda o recorrente haver violação do princípio ne bis in idem porquanto o poder disciplinar pelos factos em causa já foi exercido, tendo a sua culpa sido apreciada no âmbito dos procedimentos próprios, com as respetivas cominações. Ainda que tal tenha sucedido, o que não se encontra demonstrado nos autos, cumpre dizer que o invocado princípio caracteriza-se, em síntese, que ninguém possa ser julgado duas vezes pelos mesmos factos. Preceitua o art.º 179.º n.º 3 da LGTFP que a condenação em processo penal não prejudica o exercício da ação disciplinar quando a infração penal constitua também infração disciplinar. E quanto ao exercício da ação disciplinar, como bem refere a deliberação do COJ, uma infração criminal pode ter respaldo disciplinar em tantas carreiras ou ordens profissionais, quantas o visado tenha vínculo ou inscrição ativa. Por essa ordem de razões terá sido, segundo alega, quer sancionado pelo CAAJ, na qualidade de administrador de insolvência quer pela Ordem dos Advogados, na qualidade de advogado, nada obstando a que a sua atuação possa também ser apreciada disciplinarmente pelo COJ, na qualidade de oficial de justiça, sem que tal ofenda o princípio do ne bis in idem ou o disposto no art.º 180.º n.º 3 da LGTFP. Posto isto e apelando de novo para o art.º 90.º do EFJ, uma condenação por parte do recorrente pelos crimes de peculato de uso e de corrupção passiva na pena de 3 anos e 4 meses de prisão, ainda que suspensa não pode deixar de se refletir na dignidade indispensável ao exercício das funções do recorrente enquanto secretário de justiça, mostrando-se indiciada a prática dos deveres funcionais previstos no art.º 73.º n.ºs 1 e 2 alíneas a) a c) e g), concretizados nos n.ºs 3 a 5 e 9, da LGTFP. Cabem analisar, por último, os argumentos do recorrente que se prendem com a (des)necessidade da suspensão preventiva. Preceitua o art.º 96.º, n.º 1, do EFJ que o oficial de justiça arguido em processo disciplinar pode ser preventivamente suspenso das suas funções desde que haja fortes indícios de que à infração caberá, pelo menos, a pena de suspensão, e a continuação na efetividade de serviço seja prejudicial à instrução do processo, ao serviço ou ao prestígio e à dignidade da função. Os factos pelos quais o recorrente foi condenado infringem o disposto no art.º 186.º alíneas k), l) e m) da LGTFP, sendo os mesmos […] suscetíveis de inviabilizar a manutenção do vínculo de emprego público, pelo que podem implicar a pena de suspensão e mesmo de demissão. Por outro lado, como decorre do mapa 1 alínea b) anexo ao EFJ cabem aos secretários de justiça dirigir os serviços da secretaria; elaborar e gerir o orçamento de delegação da secretaria; assegurar o expediente do Serviço Social do Ministério da Justiça, na qualidade de seu delegado; proferir nos processos despachos de mero expediente, por delegação do magistrado respetivo; corresponder-se com as entidades públicas e privadas sobre assuntos referentes ao funcionamento do tribunal e ao normal andamento dos processos, por delegação do magistrado respetivo; dirigir o serviço de contagem de processos, providenciando pelo correto desempenho dessas funções, assumindo-as pessoalmente quando tal se justifique; desempenhar as funções da alínea c) sempre que o quadro de pessoal da secretaria não preveja lugar de escrivão de direito afeto à secção central; desempenhar as funções das alíneas d) e i) sempre que o quadro de pessoal da secretaria não preveja lugar de escrivão e ou técnico de justiça principal afetos à secção de processos; distribuir, coordenar e controlar o serviço externo; providenciar pela conservação das instalações e equipamentos do tribunal; nas secretarias-gerais, dirigir o serviço da secretaria por forma a assegurar a prossecução das respetivas atribuições e desempenhar as demais funções previstas nesta alínea relativamente à Secretaria-Geral respetiva; desempenhar as demais funções conferidas por lei ou por determinação superior. Perante tão amplas funções, só nos resta concluir que a permanência ao serviço do recorrente é prejudicial à instrução do processo e ao serviço, sendo que a manutenção em funções do recorrente, condenado pela prática de ilícitos relacionados com o recebimento de vantagens indevidas, põem indiscutivelmente em causa a imagem dos tribunais e do sistema judicial, pelo que não se justifica inteiramente a medida de suspensão preventiva que lhe foi aplicada. Em face do exposto, inexiste qualquer fundamento para a procedência do recurso do recorrente. DECISÃO: Nestes termos, tendo presente as considerações expendidas e o quadro legal aplicável, deliberam os Membros do Plenário do Conselho Superior da Magistratura, em julgar improcedente o recurso hierárquico apresentado por AA, confirmando na íntegra a deliberação recorrida do Conselho dos Oficiais de Justiça.» (cf. fls. 343 a 349 do “processo administrativo instrutor I”, cujo teor se dá por reproduzido). 1.22. No âmbito da apreciação dos recursos hierárquicos referidos em 19. e 20., autuado nos serviços da entidade demandada sob o n.º “………”, o CSM, reunido em Conselho Plenário para deliberação a …….2019, consignou em ata, registada no livro n.º 367, de fls. 226 a 241, além do mais, o seguinte, com referência ao recurso referido em 1.18.: «II — Fundamentação […] II — Recurso da deliberação de …...2019 na parte em que indeferiu o recurso do despacho da Sr.ª Instrutora de ……..2019 […] A questão que o Sr. Secretário de Justiça suscita é a de saber se o prazo em causa, de 15 dias, se suspende também entre …...2019 a …...2019 (férias judiciais da Páscoa), nos termos dos arts. 137.º n.º 1 e 138.º n.º 1 do CPC. No caso estamos perante um prazo num processo de natureza administrativa, contado nos termos do artigo 87.º do Código de Procedimento Administrativo (CPA), descontando-se os sábados, domingos e feriados. A apresentação da defesa num processo disciplinar não é um ato processual em juízo e consequentemente não se está perante um prazo judicial […] Carece, pois, de fundamento legal a posição do recorrente que o prazo apenas terminaria em …...2019 […]» (cf. fls. 676 a 619 do “processo administrativo instrutor II”, cujo teor se dá por reproduzido). 1.23. Na mesma reunião e deliberação referida em 22., a entidade demandada, apreciando o recurso referido em 1.19., depois de reproduzir a factualidade consignada no relatório final referido em 1.15., deixou consignada em ata deliberação com o seguinte teor: «III — Recurso da deliberação da sanção de demissão. Factos provados no relatório final para cujos fundamentos remeteu a deliberação do plenário do COJ de …...2019, que aplicou ao recorrente AA a pena única de demissão: […] O Recorrente na sua alegação de recurso não impugna factualidade considerada provada e não se descortina qualquer fundamento para sua alteração, até porque a mesma decorre de prova documental, concretamente, quanto à factualidade que fundamentou a sanção de demissão, do teor do acórdão condenatório do Recorrente, transitado em julgado. Por outro lado, como se referiu, na sua alegação de recurso da deliberação de demissão, limita-se a transcrever na quase totalidade o acórdão do STJ de 28.02.2018, proferido no processo n.º 77/17.0YFLSB, que decidiu a favor do Recorrente a exceção da prescrição por considerar ter decorrido o prazo de 18 meses desde a instauração do processo disciplinar antes da deliberação do CSM que conheceu do recurso da deliberação do COJ. Na deliberação recorrida foi acolhida a fundamentação apresentada no relatório final do processo disciplinar sobre a questão da prescrição, com o seguinte teor: “B) Prescrição da infração disciplinar quanto aos factos praticados no exercício das funções de Administrador Judicial Quanto à prescrição referida parece-nos que a mesma não se verifica pelas razões que passamos a expender: Dispõe o art.º 178.º da Lei n.º 35/2014, de 20/06 (LTFP) no seu n.º 1 que “A infração disciplinar prescreve no prazo de um ano sobre a respetiva prática, salvo quando consubstancie também infração penal, caso em que se sujeita aos prazos de prescrição estabelecidos na lei penal à data da prática dos factos”. E o n.º 2 que “O direito de instaurar o procedimento disciplinar prescreve no prazo de 60 dias sobre o conhecimento da infração por qualquer superior hierárquico”. Os factos em causa no processo criminal n.º ………….. em que o Sr. Secretário foi condenado, foram praticados em …….. de 2012 – os respeitantes ao crime de peculato de uso -, e entre ……. e …….. de 2014 – os respeitantes ao crime de corrupção passiva. Os prazos de prescrição para os crimes indicados são os seguintes: Quanto ao crime de peculato de uso – 5 anos (art.ºs 376.º/2 e 118.º/n.º 1, al. c)); Quanto ao crime de corrupção passiva – 15 anos (art.ºs 373.º/2, 374.º-A e 118º, n.º 1, al. a)) Tendo em conta a data da prática dos factos no que se reporta ao crime de corrupção passiva (2014), não haverá dúvidas de que ainda não ocorreu a prescrição. Considerando a data da prática dos factos que levaram à condenação pela prática de um crime de peculato de uso, cremos, igualmente, que também não ocorreu a prescrição. Senão, vejamos: O prazo de prescrição é de 5 anos; Os factos foram praticados em …….. de 2012; O processo criminal foi instaurado em 2014 (n.º …….); No decurso do processo (a partir de 2014), o prazo foi interrompido, ou por força da constituição de arguido ou com a notificação da acusação - art.º 121.º, n.º 1, al. a) e b), n.º 2 e n.º 3 e fls. 81 verso, o que significa que mesmo que se considere que o prazo se reiniciou em 2014, ainda não ocorreu a prescrição. Assim sendo e em qualquer das situações, a infração disciplinar não prescreveu na medida em que o prazo da prescrição aplicável é o estalecido na lei penal, conforme se prevê no n.º 1 do artigo 178.º da LTFP acima transcrito, sendo certo que os factos não chegaram ao conhecimento do COJ antes da instauração deste processo. C) Prescrição do direito de instaurar procedimento disciplinar Os factos ou elementos que relevam para determinar esta prescrição de curto prazo são os constituídos por todo o expediente que foi coligido e apresentado ao Plenário do COJ com vista a deliberar sobre a instauração, ou não, de processo disciplinar. Assim, as diligências tiveram início com o e-mail de ………………. de 2018 – fls. 4-A. Após recolha de diversos elementos, deram entrada no COJ os Acórdãos proferidos no processo criminal n.º …………. que haviam condenado o Sr. funcionário, o que ocorreu em ………… de 2018. Em ………… de 2018, antes de decorridos 30 dias sobre o conhecimento, o COJ tomou posição, instaurando procedimento disciplinar pelo que também não ocorreu a prescrição do direito de instaurar procedimento disciplinar.” O Recorrente parece questionar a aplicabilidade do art. 178.º n.º 1, 2.ª parte da Lei 35/2014, de 20-06 (LTFP), ex vi art. 123.º do Estatuto dos Funcionários de Justiça (DL n.º 343/99), que regula a matéria relativa à prescrição do procedimento disciplinar, partindo do pressuposto que não era na altura da prática dos factos oficial de justiça. No entanto, partindo do pressuposto contrário, ou seja, que o Recorrente apesar de estar em licença sem vencimento, continua vinculado aos deveres dos oficiais de justiça, que não pressuponham o exercício efetivo de funções, o citado art. 178.º na sua totalidade é aplicável. De resto, é totalmente infundado afastar a aplicação da 2.ª parte do n.º 1 do art. 178.º, que estabelece serem aplicáveis os prazos de prescrição quando os factos imputados ao funcionário integram a prática de crimes e pretender beneficiar do prazo geral de 1 ano estabelecido na primeira parte. Constituindo os factos que fundamentaram a aplicação da pena de demissão ao Recorrente infrações criminais, tendo o Recorrente sido condenado por acórdão transitado em julgado pela prática dos crimes de peculato de uso e corrupção, nos termos do n.º 1 do citado art. 178.º, os prazos de prescrição a aplicar são os estabelecidos na lei penal à data da prática dos factos, como consta do relatório atrás transcrito. Assim, é manifesto que quando foi instaurado o procedimento disciplinar 06.12.2018, ainda não tinha decorrido o prazo de 15 anos estabelecido pela lei penal relativamente ao crime de corrupção, praticado em ………… de 2014. Também relativamente ao crime de peculato de uso, praticado em …………… de 2012, considerando a interrupção do prazo de prescrição com a constituição de arguido em ……...2014, mesmo sem considerar a posterior notificação da acusação que não consta da factualidade assente, em …….2018, quando foi instaurado o procedimento disciplinar ainda não tinha decorrido o prazo prescricional de 5 anos. A posição sustentada pelo Recorrente que o prazo de 1 ano referido no n.º 1 do art. 178.º do LTFP se conta a partir do trânsito em julgado do acórdão condenatório (……..2017), carece de fundamento legal. Por outro lado, não há qualquer elemento que comprove que o Recorrente deu conhecimento ao COJ dessa condenação. Não alega sequer que quando solicitou ao Diretor Geral da Administração da Justiça o regresso ao serviço, em ……....2017, tenha apresentado certificado de registo criminal, nem que informou que tinha sofrido a referida condenação. Assim, nada permite infirmar que o COJ só teve conhecimento da referida condenação em ……...2018, como está assente no relatório final. De referir ainda que o procedimento disciplinar foi instaurado antes de decorrido o prazo de 60 dias sobre o conhecimento das infrações pelo COJ, a quem compete, funcionando em Plenário, nos termos do art. 94.º n.º 1, 111.º al. a) e 113.º da EFJ, a instauração do procedimento disciplinar. Como consta do relatório final do processo disciplinar, este foi instaurado na sequência da junção de vário expediente, designadamente: “Correio eletrónico comunicando a pendência de Carta Precatória com origem na ...ª Secção do DIAP de ……, solicitando a constituição e interrogatório como arguido do senhor Secretário de Justiça AA – fls. 4-D, 4-B e 4-C; certidão extraída dos Acórdãos proferidos no Processo Comum (Tribunal Coletivo) n.º …………………. que correm termos no Juízo Central Criminal de ……. – Juiz .., com entrada no Conselho dos Oficiais de Justiça a ……… de 2018 e junto a fls. 78 a 265 verso. Para além disso, está assente que o processo disciplinar foi instaurado por deliberação do Conselho dos Oficiais de Justiça (COJ) de …...2018, ou seja, antes de decorrido um mês sobre a data em que o COJ teve conhecimento da prática das infrações pelo secretário de justiça. Na sua alegação de recurso, o recorrente invoca o n.º 5 do citado art. 178.º da LTFP, que estabelece: “O procedimento disciplinar prescreve decorridos 18 meses, a contar da data em que foi instaurado quando, nesse prazo, o trabalhador não tenha sido notificado da decisão final.” Como decidiu o Ac. do STJ de 28.02.2018, proferido no processo n.º 77/17.0YFLSB invocado pelo recorrente e se concorda: “O CSM exerce uma tutela de mérito em relação às deliberações do COJ em matéria disciplinar. Assim, para efeitos do disposto no art. 178.º, n.º 5, da LTFP (aplicável aos funcionários de justiça por força do art. 123.º do EFJ), a decisão final que torna definitivo o ato administrativo disciplinar é a deliberação do CSM. No entanto, não se descortina em que medida esta interpretação do citado n.º 5 do art. 178.º possa beneficiar a pretensão do Recorrente de ser declarado prescrito o procedimento disciplinar, sendo certo que, como atrás se referiu, o procedimento disciplinar foi instaurado no dia …….2018 e, por isso, não decorreu sequer um ano desde a sua instauração. Não há, pois, fundamento para declarar prescrito o procedimento disciplinar. Segundo se depreende a defesa do Recorrente no decurso do processo disciplinar assenta quanto aos factos que estiveram na base da sua condenação pelos crimes de peculato de uso e corrupção que não pode ser sancionado pelos mesmos dado não estar no período em que os mesmos foram praticados não estava a exercer as funções com oficial de justiça. Quanto a esta questão acompanhamos a fundamentação da deliberação recorrida, que se transcreve: “Os oficiais de justiça são disciplinarmente responsáveis nos termos do regime geral dos funcionários e agentes da Administração Pública e dos artigos 89.º e seguintes do Estatuto dos Funcionários de Justiça aprovado pelo Dec. Lei n.º 343/99, de 26/08 (EFJ). A infração disciplinar está prevista no artigo 90.º do EFJ e é definida como “os factos, ainda que meramente culposos, praticados pelos oficiais de justiça com violação dos deveres profissionais, bem como os atos ou omissões da sua vida pública, ou que nela se repercutam, incompatíveis com a dignidade indispensável ao exercício das suas funções”. Face ao disposto no artigo 66.º do EFJ, os funcionários de justiça estão sujeitos aos deveres especiais estabelecidos no referido Estatuto aprovado pelo Dec. Lei n.º 343/99, de 26/08, e ainda aos gerais dos funcionários da Administração Pública - estes previstos agora no art.º 73.º da Lei n.º 35/2014, de 20/06 que aprovou a Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (LTFP) e anteriormente no artigo 3.º da Lei 58/2008, de 09/09 -, designadamente aos deveres gerais de prossecução do interesse público que consiste na sua defesa, no respeito pela Constituição, pelas leis e pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos; de isenção, que consiste em não retirar vantagens, diretas ou indiretas, pecuniárias ou outras, para si ou para terceiro, das funções que exerce; de imparcialidade, que consiste em desempenhar as funções com equidistância relativamente aos interesses com que seja confrontado, sem discriminar positiva ou negativamente qualquer deles, na perspetiva do respeito pela igualdade dos cidadãos; de lealdade, que consiste em desempenhar as funções com subordinação aos objetivos do órgão ou serviço e de zelo, que consiste em conhecer e aplicar as normas legais e regulamentares e as ordens e instruções dos superiores hierárquicos, bem como exercer as funções de acordo com os objetivos que tenham sido fixados e utilizando as competências que tenham sido consideradas adequadas. Conforme se referiu na acusação (…) ainda que os factos indicados nos n.ºs 9.º a 26.º se reportem ao período em que o Sr. Dr. AA desempenhou funções de Administrador Judicial (de insolvências) e numa situação de licença sem vencimento de longa duração, mantinha-se sujeito aos deveres acima indicados. A licença sem vencimento de longa duração foi-lhe concedida ao abrigo do art.º 78.º, n.ºs 1 e 2, do Dec. Lei n.º 497/88, de 30/12, com os efeitos previstos no art.º 80.º do mesmo diploma legal e que aqui se reproduz: “Efeitos da licença 1 - A concessão da licença determina abertura de vaga e a suspensão do vínculo com a Administração, a partir da data do despacho referido no n.º 2 do artigo 78.º 2 - A licença sem vencimento de longa duração implica a perda total da remuneração e o desconto na antiguidade para efeitos de carreira, diuturnidades, aposentação e sobrevivência”. No período da licença e de acordo com o preceito em análise, o vínculo com a Administração encontrava-se suspenso. Essa suspensão, contudo, não afasta os direitos, deveres e garantias das partes, na medida em que não pressuponham a efetiva prestação de trabalho, como será o caso dos deveres de zelo, assiduidade e pontualidade, por exemplo. Ora, no caso, os deveres violados em que se fundamentou a aplicação da pena de demissão não estão ligados à efetiva prestação de trabalho. Acresce que os factos foram praticados pelo Sr. AA na qualidade de “funcionário” - no conceito definido pelo artigo 386.º do Código Penal -, encontrando-se sujeito, por isso, e concretamente no exercício das funções de Administrador Judicial, aos deveres de isenção, transparência e prossecução do interesse público, como, aliás, se escreveu no douto acórdão proferido no processo criminal “sabia o arguido das responsabilidades e deveres funcionais a que se encontrava vinculado no exercício de funções públicas, concretamente os de isenção, transparência e prossecução do interesse público e, ainda assim, violou-os; atuou o arguido com consciência de que as suas descritas condutas atentavam contra a probidade que carateriza o exercício de funções públicas; o arguido agiu de forma voluntária, livre e consciente, bem sabendo que as suas descritas condutas eram proibidas e punidas por lei”. Concluiu-se, em face do referido, e no que se reporta àqueles factos, que o Sr. AA cometeu infrações disciplinares por violação dos deveres supra indicados (exceto o de zelo), quer porque enquanto oficial de justiça se encontrava sujeito aos que não pressupusessem a efetiva prestação de trabalho, quer porque atuou no exercício de funções públicas. Esta questão também foi objeto de apreciação no recurso da deliberação do COJ de …...2019 que o suspendeu de funções, tendo o Plenário do CSM na deliberação de …...2019, decidido: “Alega ainda o recorrente que os factos pelos quais foi condenado no âmbito do processo crime foram praticados no exercício das suas funções de administrador judiciário, detendo ainda a qualidade de advogado e não no exercício das suas funções de oficial de justiça. Por essa razão, segundo alega, a sentença condenatória foi comunicada quer ao CAAJ e à Ordem dos Advogados e não ao COJ. Quanto a este argumento, é inequívoco que o recorrente, à data da prática dos factos pelos quais foi condenado, não exercia as funções de oficial de justiça, uma vez que gozava de uma licença de longa duração desde 1996 e só retomou as funções de secretário de justiça por despacho de …....2018. No entanto, tal situação não pressupõe a extinção do vínculo existente entre o recorrente e a administração pública, de onde decorre não se extinguirem também os deveres que sobre o mesmo impendem, enquanto oficial de justiça que não pressuponham a efetiva prestação de trabalho. Sublinhe-se a este propósito o que preceitua o já citado art.º 90.º do EFJ que constitui infração disciplinar não apenas os atos praticados pelos oficiais de justiça com violação dos seus deveres profissionais, mas também os atos e omissões da sua vida pública, ou que nela se repercutam, incompatíveis com a dignidade indispensável ao exercício das suas funções.” Importa referir que a circunstância do Recorrente ter sido condenado pela prática do crime de corrupção e peculato de uso na pena única de 3 (três) anos e 4 (quatro) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período da respetiva pena, com regime de prova legal obrigatório, não obsta a que lhe seja aplicada uma sanção disciplinar pelos factos que integram os referidos crimes. É unanimemente aceite e pacífico na doutrina e na jurisprudência que existe total autonomia entre o procedimento disciplinar e o processos penal, estando em causa ilícitos e processos distintos, com finalidades e desenvolvimentos também distintos, não se verificando qualquer relação de consumpção do processo penal, relativamente ao processo disciplinar. A autonomia do ilícito disciplinar encontra-se expressa na possibilidade de cumulação das responsabilidades disciplinar e criminal pela prática do mesmo facto, sem violação do ne bis in idem. Reafirmando um lugar-comum: o ilícito disciplinar não é um minus relativamente ao criminal, mas sim um aliud. Aliás, a conhecida subsidiariedade da intervenção do direito penal é suficiente para justificar a referida possibilidade de aplicação cumulativa de uma medida disciplinar e de uma sanção criminal pela prática do mesmo facto (cf. Luís Vasconcelos Abreu, in Para o Estudo do Procedimento Disciplinar no Direito Administrativo Português Vigente: As Relações com o Processo penal, Almedina, 1993, págs. 32 e 33). No mesmo sentido, afirmando a autonomia do poder e o procedimento disciplinar face ao processo penal têm vindo a ser tomadas decisões na jurisdição administrativa, remetendo-se a tal respeito para a abundante jurisprudência citada no acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido em 28 de junho de 2018 no processo n.º 28/18.4BESNT, concretamente. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 21-09-2004, proferido no processo n.º 047146; acórdão do STA, de 12-01-2005, proferido no processo n.º 0930/04; acórdão do STA, de 06-12-2005, proferido no processo n.º 42203; acórdão do STA, de 27-01-2011, proferido no processo n.º 01079/09. De acordo com o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 25-02-2010, proferido no processo n.º 01035/08, “a jurisprudência deste STA vem de há muito, e de forma reiterada, a reconhecer no nosso ordenamento jurídico uma autonomia entre o ilícito criminal e o ilícito disciplinar — que o mesmo é dizer, entre o processo criminal e o processo disciplinar — persistindo em cada um deles uma capacidade autónoma de apreciação e valoração dos mesmos factos.” Sobre a arguida violação do princípio ne bis in idem arguida pelo Recorrente por alegadamente a sua responsabilidade disciplinar já ter sido apreciada nos procedimentos próprios, foi objeto do recurso da suspensão do exercício de funções e sobre a questão este CSM já se pronunciou na deliberação do Plenário de …....2019, nos seguintes termos: “Ainda que tal tenha sucedido, o que não se encontra demonstrado nos autos, cumpre dizer que o invocado princípio caracteriza-se, em síntese, que ninguém possa ser julgado duas vezes pelos mesmos factos. Preceitua o art.º 179.º n.º 3 da LGTFP que a condenação em processo penal não prejudica o exercício da ação disciplinar quando a infração penal constitua também infração disciplinar. E quanto ao exercício da ação disciplinar (…), uma infração criminal pode ter respaldo disciplinar em tantas carreiras ou ordens profissionais, quantas o visado tenha vínculo ou inscrição ativa. Por essa ordem de razões terá sido, segundo alega, quer sancionado pelo CAAJ, na qualidade de administrador de insolvência quer pela Ordem dos Advogados, na qualidade de advogado, nada obstando a que a sua atuação possa também ser apreciada disciplinarmente pelo COJ, na qualidade de oficial de justiça, sem que tal ofenda o princípio do ne bis in idem ou o disposto no art.º 180.º n.º 3 da LTFP.” Não há pois violação do princípio ne bis in idem. Por outro lado, os factos acima referidos sob os n.ºs 14.º e 16.º als. d) a g), que levaram à condenação do Recorrente pela prática do crime de corrupção passiva, integram infração disciplinar por violação dos deveres gerais de prossecução do interesse público, isenção, imparcialidade e lealdade, prevista pelas disposições conjugadas dos artigos 90.º do EFJ e 73.º, n.º 1, alíneas a), b), c) e g) e n.os 3, 4, 5, e 9 da Lei n.º 35/2014 de 20/06 (LTFP). Quanto às sanções disciplinares a aplicar, o artigo 180.º da referida Lei n.º 35/2014, prevê na al. d) o despedimento disciplinar ou demissão. O art. 187.º da mesma lei estabelece que estas sanções são aplicáveis em caso de infração que inviabilize a manutenção do vínculo de emprego e o art. 297.º n.º 3, prevê, sem caracter taxativo, entre as várias infrações que inviabilizam a manutenção do vínculo, na al. j), o comportamento do trabalhador que “ em resultado da função que exerce solicite ou aceite, direta ou indiretamente, dádivas, gratificações, participação em lucros ou outras vantagens patrimoniais, ainda que sem o fim de acelerar ou retardar qualquer serviço ou procedimento.” Ora, no caso está provado, por acórdão transitado em julgado, que o Recorrente, enquanto Administrador Judicial, com funções relevantes no processo de insolvência, designadamente proceder à administração e liquidação da massa insolvente e repartir pelos credores o respetivo produto final, praticou o crime de corrupção, afetando de forma séria o prestígio da administração pública e dos tribunais, por estar a sua atividade inserida no processo de insolvência, sendo o administrador de insolvência um órgão determinante neste tipo de processos, a quem o Código de Insolvência de Recuperação de Empresas (CIRE) conferiu poderes que anteriormente competiam ao Juiz, minando gravemente a confiança dos cidadãos nas instituições públicas. O comportamento do Recorrente é especialmente censurável, pois, ingressou na carreira judicial, com a categoria de secretário judicial, por anteriormente ter exercido funções de Administrador na extinta ………………….. e desde 1996, estando perfeitamente consciente das funções que desempenhava e das consequências gravemente lesivas para o prestígio da administração pública do seu comportamento. De resto ficou provado no acórdão condenatório transitado em julgado, que o Recorrente “sabia das responsabilidades e deveres funcionais a que se encontrava vinculado no exercício de funções públicas, concretamente as de isenção, transparência e prossecução do interesse público e ainda assim violou-a” e “ atuou com consciência de que as suas descritas condutas atentavam contra a probidade que caracteriza o exercício de funções públicas” e “de forma voluntária livre e consciente”. É, pois, incontroverso que o Recorrente no exercício de funções, equiparadas a funções públicas, de forma dolosa, afetou o prestígio, legalidade, imparcialidade e credibilidade da administração, comprometendo, de forma irremediável, a manutenção do vínculo de emprego público, como oficial de justiça. Relativamente à restante factualidade e ao seu enquadramento jurídico, o Recorrente não suscitou na sua alegação de recurso qualquer questão. Importa, no entanto, referir que nenhuma censura merece essa subsunção jurídica. Os factos descritos sob os n.os 13.º e 16.º, alíneas a) a d), que fundamentaram a sua condenação pela prática do crime de peculato de uso integram a prática de infração disciplinar por violação dos deveres gerais de prossecução do interesse público, isenção e imparcialidade, prevista e punida pelas disposições conjugadas dos artigos 90.º do EFJ; 3.º, n.os 1 e 2, alíneas a), b), e c) e n.ºs 3, 4 e 5 e 17.º, al. n), da Lei n.º 58/2008, de 09/09 (EDTFP), em vigor à data da prática dos factos ( atualmente nos artigos 73.º als. a), b), c) e n.ºs 3,4, e 5, 180 n.º 1 al. c), 186 al. l) da LTFP), com a sanção em abstrato de suspensão. Por outro lado, com os factos e nas circunstâncias indicadas nos n.os 32.º a 46.º e nos n.os 47.º a 56.º, cometeu duas infrações disciplinares (no exercício de funções de Secretário de Justiça) por violação do dever geral de zelo, prevista e punida pelas disposições conjugadas dos artigos 90.º do EFJ, 73.º, n.º 2, alíneas e) e n.º 7, 180.º, n.º 1, al. b) e 181.º, n.º 2, da Lei n.º 35/2014 de 20/06 (LTFP), com a sanção em abstrato de multa. Atento o art. 180.º n.º 3 da LTFP foi-lhe corretamente aplicada a pena única de demissão. IV. Decisão Pelo exposto, deliberam os membros do Plenário do Conselho Superior da Magistratura em negar provimento aos recursos hierárquicos interpostos e em manter na íntegra as deliberações recorridas.» (idem). 1.24. A ……..2020 o ora autor apresentou no DIAP de ……. queixa crime (que veio juntar ao processo), relativa aos factos constantes dos pontos 32.º a 46.º denunciados no relatório final referido em 1.15., na qual deixou consignado, além do mais, o seguinte: «3.º Consta da referida acusação, nos art. 32.º a 46.º que o denunciante, no exercício das suas funções de secretário judicial, ocultou o processo judicial n.º ……………, durante 2 meses, no seu gabinete, ate ser descoberto pela escrivã de Direito BBB, no meio dos processos dos funcionários (fls.492 a 494 do Doc. 1 que aqui se junta). 4.º Embora não tenha sido apurado a que titulo, qual o interesse ou razão que poderia ter levado o denunciante a praticar semelhante ato, tal serviu para justificar a acusação que levou à sua demissão. 5.º No entanto, o denunciante sabe não ter sido ele a colocar o processo no seu gabinete, embora desconheça quem o tivesse feito. 6.º O aqui denunciante acredita que o processo pode ter sido colocado, propositadamente, dentro no seu gabinete, no meio dos processos dos funcionários, para que o pudessem acusar do extravio. 7.º O que veio a suceder, uma vez que tais factos levaram à sua condenação com a sanção de multa que veio a ser englobada na sanção única de demissão. 8.º Com efeito, o denunciante deseja procedimento criminal e abertura de inquérito com vista ao apuramento do(s) responsável/eis pela ocultação do processo judicial com o propósito de o culpabilizar. 9.º Os factos supra mencionados são suscetíveis de integrar a prática de um crime de denegação de justiça e prevaricação, p.p. no art. 369.º, n.º1 e 2 CP. 10.º Por conseguinte, o denunciante deseja procedimento criminal, manifestando, desde já, o propósito de deduzir pedido de indemnização civil […]» (cf. requerimento de …….2020, com o registo n.º …….. na plataforma eletrónica do CITIUS, cujo teor se dá por reproduzido). 8.2 Factos Não Provados São os seguintes os factos alegados e a dar como não provados com relevância para a decisão a proferir nos presentes autos: 2.1. À data das decisões referidas em 1.18. e 1.23., o autor já tinha sido punido disciplinarmente pelos factos a que se reportou o relatório final referido em 1.5.: a. Pela Ordem dos Advogados; b. Pela Comissão para o Acompanhamento dos Auxiliares de Justiça. 8.3 Fundamentação de facto A fundamentação quanto aos factos provados formou-se com base na análise crítica da documentação não impugnada junta aos autos, designadamente a extensa documentação constante do(s) processo(s) administrativo(s) instrutor(es) e que aqui se dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais. Tudo nos termos consignados em cada ponto do probatório, a final. Cumpre ainda esclarecer os motivos pelos quais o Tribunal levou ao probatório a matéria constante do ponto 2.1. dos factos não provados. Trata-se de matéria alegada pelo autor, nos sucessivos instrumentos produzidos em sede procedimental ou graciosa, quando interpôs recurso hierárquico das deliberações do COJ para o CSM, e reiteradas em sede contenciosa (nomeadamente quando alega, no artigo 9.º e na alínea b) das conclusões formuladas na petição inicial, que “[n]enhum dos argumentos levados aos autos, nas interposições de recurso das deliberações do COJ para o CSM foi tido em conta pelo órgão ora recorrido” e “[n]o mais e porque nenhum argumento foi sufragado, aparte o exposto, todos mantêm atualidade, pelo que se dão como reproduzidos como motivação de recurso para todos os legais efeitos”). Sucede, porém, que o autor não apresentou em nenhum momento, quer no procedimento disciplinar, quer no recurso hierárquico para a entidade demandada, quer na petição inicial e demais instrumentos processuais produzidos já em sede contenciosa, qualquer acervo documental que suportasse ou atestasse tal asserção. Mais se consigna, ainda a este respeito, que, malgrado ter-se perscrutado o processo administrativo (na acepção dos artigos 1.º, n.º 2, do CPA e 84.º do CPTA), também não identificou o Tribunal nenhum elemento que suportasse a alegação do autor. É certo que no instrumento procedimental de …….2019, produzido em sede de audiência prévia à intenção do COJ em decretar a suspensão preventiva do demandante [e referido no ponto 1.12) dos factos provados], o autor alega que, por força do disposto no artigo 179.º da LGTFP, aquando da dedução de acusação no processo n.º …………., «[…] a entidade à qual tal expediente foi remetido foi o CAAJ (na falta de uma já anunciada Ordem dos Administradores Judiciais), para os fins previstos na Lei n.º 22/2013, de 26 de fevereiro, para nesses termos exercer o competente poder disciplinar relativo às funções desempenhadas, e decidir, após procedimento, pela sanção adequada, em punição da culpa do agente (ex vi artigo 17.º, 18.º e seguinte do citado diploma legal)». Mais consignou o autor, no mesmo instrumento procedimental, que «[o] facto concomitante de, à data dos factos, o ora arguido ser ainda Advogado com inscrição ativa (Dr. AA — com a cédula ……), determinou ainda a remessa dos autos à Ordem dos Advogados, onde deu origem ao Processo Disciplinar que corre termos com o n.º ……….., que determinou a sua suspensão». E aduziu ainda, no mesmo instrumento, que «[o] arguido já foi perseguido noutros processos disciplinares, tendo sido, como consabido, suspenso das funções relativas às quais terá praticado a infração disciplinar» (cf. pontos 27., 28. e 46. Doc. fls. 320 a 323 do “processo administrativo instrutor II”). Porém, poucos dias volvidos, logo a …….2019, em sede do primeiro interrogatório na qualidade de arguido no âmbito da instrução do processo disciplinar n.º «……/18», devidamente acompanhado do seu mandatário, o ora autor, instando pela Sra. Instrutora sobre «[…] se foram instaurados processos disciplinares pela CAAJ e/ou pela Ordem dos Advogados, respondeu que recebeu algumas notificações relativas a processo disciplinar instaurado pela Ordem dos Advogados, ainda sem decisão final, mas desconhec[ia] a existência de qualquer processo de natureza disciplinar instaurado pela CAAJ, uma vez que nenhuma notificação lhe fo[ra] remetida. Esclareceu que quando do primeiro interrogatório judicial, em meados de ……… de 2014, ficou imediatamente suspenso enquanto Administrador Judicial e enquanto Advogado.» (cf. fls. 404 a 406 do “processo administrativo instrutor II2). Certo é ainda que, aquando da prestação do segundo depoimento no âmbito do mesmo processo disciplinar, datado de …….2019, o autor nada mais informou a respeito de tais vicissitudes (cf. fls. 447 a 450 do “processo administrativo instrutor II”). Mais: no requerimento datado de …..2019, pelo qual o autor interpôs recurso (administrativo especial) para o CSM, aqui entidade demandada, da deliberação do COJ que aplicou a pena de demissão [cf. ponto 1.19) do probatório], o autor reproduziu, quase na íntegra, o instrumento procedimental que produzira em sede de audiência prévia à intenção do COJ em decretar a suspensão preventiva do demandante, mas esclareceu, no ponto 28., que o processo disciplinar que corria termos na Ordem dos Advogados ainda estava em curso (cf. fls. 604 a 610 do “processo administrativo instrutor II”, cujo teor se dá por reproduzido). Vale isto por dizer, ao cabo e ao resto, que i) não só o autor não carreou, quer para o processo disciplinar que estava a ser tramitado pelo COJ, quer para o procedimento administrativo de segundo grau que foi tramitado pela entidade demandada, quer mesmo para os presentes autos, qualquer acervo documental que corroborasse as alegações de que já fora condenado em sede disciplinar, como ii) do teor do processo administrativo instrutor resulta, afinal, que o autor não chegou a ser sequer perseguido disciplinarmente pela Comissão para o Acompanhamento dos Auxiliares de Justiça, iii) que o processo disciplinar que a Ordem dos Advogados lhe instaurou logo em 2014 ainda não conhecera qualquer decisão (ficando, de resto, o Tribunal sem lograr identificar em que fase procedimental estava tal processo, posto que, malgrado a sua antiguidade, o autor nunca esclareceu se as notificações que alegou ter recebido naquele procedimento se reportavam sequer à dedução de qualquer acusação), sendo ainda certo que iv) a suspensão de funções enquanto Advogado e enquanto Administrador Judicial não decorreu de nenhuma decisão administrativa de qualquer daquelas autoridades, mas resultou apenas da pena acessória de proibição do exercício de tais funções pelo período de 3 anos e 2 meses no âmbito da decisão proferida no processo n.º ……………… Estes factos, alegados pelo autor, devem ser considerados como factos essenciais, porquanto desempenham uma função individualizadora ou identificadora da pretensão impugnatória do demandante quanto a um dos vícios invocados, atinente à suposta violação do princípio ne bis in idem. Como tal, incumbia ao autor, não só alegar esses factos (artigo 5.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), como prová-los (artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil); não o tendo feito, e atento o princípio a observar em caso de dúvida (non liquet), consagrado no artigo 414.º do Código de Processo Civil, contra ele é resolvida a incerteza quanto à verificação dos factos enunciados em 2.1.
* B) Da prescrição 9. Alega o autor que se verifica a prescrição. Para tanto, aduz, em suma, que o fundamento do presente processo disciplinar é a repercussão de actos e omissões da sua vida pública incompatíveis com a dignidade indispensável ao exercício de funções, a qual não consubstancia infracção penal, pelo que seria aplicável a primeira parte do n.º 1 do artigo 178.º da LGTFP, e não a segunda parte da mesma disposição legal («[…] salvo quando consubstancie também infração penal, caso em que se sujeita aos prazos de prescrição estabelecidos na lei penal à data da prática dos factos»). Logo, segundo o autor, apenas é aplicável a 1.ª parte do artigo 178.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (aprovada pela Lei n.º 35/2014, de 20 de Junho, e doravante designada abreviadamente por LGTFP), e não a parte final do mesmo preceito. Como tal, estabelecida a data de repercussão como a do trânsito em julgado da decisão condenatória em sede de processo crime, ou seja, …..2017, quando da instauração do processo disciplinar (…...2018) já a infracção disciplinar, na tese do autor, se encontrava prescrita, assim como o direito de instaurar o procedimento. A entidade demandada rebate a argumentação do autor, valendo-se da argumentação vertida nas deliberações do COJ (e do relatório final produzido em sede de processo disciplinar) e na deliberação impugnada, concluindo, em síntese, que, sendo aplicável a segunda parte do n.º 1 do artigo 178.º da LGTFP, por os factos consubstanciarem também infracção penal, não estava prescrita a infracção disciplinar, e que, tendo o processo disciplinar sido instaurado por deliberação do órgão competente (o COJ – artigo 94.º do EFJ) de …….2018, também não estava prescrito o direito de instaurar o procedimento disciplinar por, àquela data, não estar transcorrido o prazo de prescrição de 60 dias sobre o conhecimento da infracção previsto no artigo 178.º, n.º 2, última parte, da LGTFP. 10. Em matéria de prescrição em sede de procedimento disciplinar, rege actualmente o artigo 178.º da LGTFP, aqui aplicável ex vi artigos 89.º e 123.º do Estatuto dos Funcionários Judiciais (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 343/99, de 26 de Agosto, sucessivamente alterado pelo Decreto-Lei n.º 175/2000, de 9 de Agosto, pelo Decreto-Lei n.º 96/2002, de 12 de Abril, pelo Decreto-Lei n.º 169/2003, de 1 de Agosto, pela Lei n.º 42/2005, de 29 de Agosto, pelo Decreto-Lei n.º 121/2008, de 11 de Julho, e pelo Decreto-Lei n.º 73/2016, de 8 de Novembro, adiante designado somente por EFJ). Trata-se de uma disposição que reproduz, com alterações, o artigo 6.º do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas (aprovado pela Lei n.º 58/2008, de 9 de Setembro, vigente à data das infracções disciplinares aqui em apreço, adiante designado por EDTFP). Dispõe o artigo 178.º da LGTFP, já vigente à data da instauração do procedimento disciplinar: Artigo 178.º Prescrição da infração disciplinar e do procedimento disciplinar 1 - A infração disciplinar prescreve no prazo de um ano sobre a respetiva prática, salvo quando consubstancie também infração penal, caso em que se sujeita aos prazos de prescrição estabelecidos na lei penal à data da prática dos factos. 2 - O direito de instaurar o procedimento disciplinar prescreve no prazo de 60 dias sobre o conhecimento da infração por qualquer superior hierárquico. 3 - Suspendem os prazos prescricionais referidos nos números anteriores, por um período até seis meses, a instauração de processo de sindicância aos órgãos ou serviços, ou de processo de inquérito ou disciplinar, mesmo que não dirigidos contra o trabalhador a quem a prescrição aproveite, quando em qualquer deles venham a apurar-se infrações por que seja responsável. 4 - A suspensão do prazo prescricional da infração disciplinar opera quando, cumulativamente: a) Os processos referidos no número anterior tenham sido instaurados nos 30 dias seguintes à suspeita da prática de factos disciplinarmente puníveis; b) O procedimento disciplinar subsequente tenha sido instaurado nos 30 dias seguintes à receção daqueles processos, para decisão, pela entidade competente; c) À data da instauração dos processos e procedimento referidos nas alíneas anteriores, não se encontre já prescrito o direito de instaurar procedimento disciplinar. 5 - O procedimento disciplinar prescreve decorridos 18 meses, a contar da data em que foi instaurado quando, nesse prazo, o trabalhador não tenha sido notificado da decisão final. 6 - A prescrição do procedimento disciplinar referida no número anterior suspende-se durante o tempo em que, por força de decisão ou de apreciação judicial de qualquer questão, a marcha do correspondente processo não possa começar ou continuar a ter lugar. 7 - A prescrição volta a correr a partir do dia em que cesse a causa da suspensão. Dispõe o artigo 89.º do EFJ: “Os oficiais de justiça são disciplinarmente responsáveis nos termos do regime geral dos funcionários e agentes da Administração Pública e dos artigos seguintes”. Nos termos do artigo 90.º deste mesmo diploma “[c]onstituem infracção disciplinar os factos, ainda que meramente culposos, praticados pelos oficiais de justiça com violação dos deveres profissionais, bem como os actos ou omissões da sua vida pública, ou que nela se repercutam, incompatíveis com a dignidade indispensável ao exercício das suas funções”. 11. O poder disciplinar tem no exercício da acção disciplinar uma das suas principais manifestações, consistente no poder de promover ou determinar a «investigação disciplinar», face a determinadas condutas, eventualmente antijurídicas, sendo a instauração do respectivo procedimento expressão primacial da acção disciplinar (assim, Ana Fernanda Neves, Direito Disciplinar da Função Pública, volume II, 2007, pp. 12 a 17, dissertação de doutoramento, repositório da Universidade de Lisboa, em http://hdl.handle.net/10451/164; assim também o acórdão de 17.11.2015, proc. 70/15.7YFLSB). O exercício do poder disciplinar está submetido ao direito disciplinar, enquanto conjunto de normas que enumeram os deveres a que estão sujeitos os trabalhadores da Administração Pública vinculados por uma relação jurídica de emprego público e que definem a tramitação procedimental destinada a efectivar a sua responsabilidade pelo incumprimento de tais deveres mediante a aplicação de sanções disciplinares. De modo que um e outro promovem uma dupla finalidade, na medida em que, se por um lado conferem à Administração os meios para assegurar a ordem no interior dos serviços, reagindo contra as faltas dos trabalhadores, por outro lado representam um importante instrumento de protecção destes contra o arbítrio da hierarquia administrativa, assegurando um conjunto de garantias essenciais (neste sentido, Paulo Veiga e Moura, Estatuto disciplinar dos Trabalhadores da Administração Pública Anotado, 2.ª ed, Coimbra Editora, 2011, p. 36). «[…] tanto o regime disciplinar (natureza do ilícito, princípios gerais, tipos de sanções, seus limites, regras gerais do processo) da função pública como o do ordenamento laboral […] comungam de um mínimo denominador de garantias de defesa, que explicitadas na “Constituição processual criminal” constituem uma dimensão essencial do Estado de Direito Democrático, um núcleo constitucional de salvaguarda dos sujeitos arguidos num procedimento sancionador, tornando o sistema de garantias independente de filiações jurídicas em outros ramos do Direito […]» (Ana Fernanda Neves, Relação Jurídica de Emprego Público, Coimbra Editora, 1999, p. 303). Insere-se nesse escopo garantístico – resultante, desde logo, dos princípios imanentes a qualquer processo de cariz sancionatório, incluindo o processo disciplinar, à luz do disposto nos artigos 32.º, n.º 10, 266.º, n.º 2, e 269.º da Constituição e do Código Penal, subsidiariamente aplicável (artigo 131.º do EMJ) – o estabelecimento de um princípio de duração limitada do exercício do poder disciplinar. Atenta a sua natureza sancionatória, encontra-se o processo disciplinar, moldado por princípios e critérios de legalidade e de certeza e segurança jurídicas, que caracterizam o Estado de Direito, sujeito a limitação temporal, assegurada pelo instituto da prescrição. A prescrição, em geral, consiste na extinção de um direito pelo seu não exercício durante um determinado prazo fixado pela lei para o efeito (cf. artigo 298.º, n.ºs 1 e 2, do Código Civil). Aplicada ao processo disciplinar – como afirma Manuel de Andrade, “o tempo influi as mais variadas relações jurídicas, pertencentes aos diversos domínios do direito” (Teoria Geral da Relação Jurídica, II, Almedina, 1992, p. 439) –, a prescrição traduz-se na extinção do direito de instaurar a acção disciplinar, se não for desencadeado o respectivo procedimento dentro de determinado prazo, ou, no caso de este ter sido desencadeado, se não estiver ultimado no prazo legalmente previsto (prescrição do procedimento disciplinar iniciado em tempo, que obsta ao exercício do ius puniendi pelo decurso do prazo legalmente imposto para o efeito aos órgãos competentes). «A prescrição funda-se no efeito que o tempo produziu em todas as causas e relações humanas. E tem a sua justificação na diminuição do abalo que a infracção produziu nos serviços e no ambiente, sabendo como é que o tempo vai reduzindo ou apagando suavemente os efeitos inicialmente verificados. Por outro lado, não é justo que o funcionário permaneça indefinidamente submetido à ameaça do procedimento ou da pena disciplinar. Acresce ainda a circunstância de, na grande maioria dos casos, as provas desaparecerem e nas próprias testemunhas se operar uma diminuição no rigor dos factos ou o completo esquecimento deles» (Vítor Manuel Lopes Dias, Regime Disciplinar dos Funcionários Civis e Administrativos, edição de autor, depositário Coimbra Editora, 1955, p. 14, apud Leal-Henriques, Procedimento Disciplinar. Função Pública. Outros Estatutos. Regime de Férias, Faltas e Licenças. 4.ª ed., Reis dos Livros, 2002, p. 56; assim também o acórdão de 17.11.2015 cit.). 12. O artigo 178.º da LGTFP estabelece prazos prescricionais distintos: i) o prazo de prescrição da infracção disciplinar, ou seja, do direito de instaurar o procedimento disciplinar objectivamente aferido, tendo por referência a data da prática da infracção e não a data do seu conhecimento por quem tenha a competência para instaurar o procedimento disciplinar (n.º 1); ii) o prazo de prescrição do direito de instaurar procedimento disciplinar, ou seja, desse direito subjectivamente aferido, tendo por referência o momento da tomada de conhecimento da infracção (n.º 2); e iii) o prazo de prescrição do próprio procedimento disciplinar (n.º 5). Os demais preceitos estabelecem vicissitudes com efeitos de interrupção ou de suspensão dos prazos prescricionais. Nas petições iniciais de ambos os processos ora em apreço, o autor parece pretender fazer valer essencialmente uma alegação de prescrição da informação disciplinar e do direito de instaurar o procedimento, abandonando a alegação, de que ainda se fez valer durante o procedimento, de se verificar igualmente a prescrição do próprio procedimento. A modalidade de prescrição que agora interessa é apenas a «prescrição do direito a instaurar o procedimento disciplinar, que, em rigor, assume a natureza de prazo de caducidade do exercício desse direito, pois trata-se do período durante o qual a administração, depois de tomar conhecimento do facto gerador de eventual sanção disciplinar, deve instaurar o respectivo processo» (assim, acórdão deste Tribunal de 19.09.2013 no processo n.º 16/13.7YFLSB.S1). Cumpre, pois, apreciar se no caso sub judicio se verificou o decurso do prazo de prescrição previstos nos os n.ºs 1 e 2 do artigo 178.º da LGTFP (que corresponde, no essencial, aos prazos previstos nos n.ºs 1 a 3 do Artigo 6.º do EDTFP). Para tanto, importa ter presente que «[e]xistem dois factos prescritivos que devem ser conjugados. Um, de natureza objetiva e que está previsto no n.º 1 e que se traduz no mero decurso do prazo. Outro, de cariz subjetivo, prende-se com a tomada de conhecimento da infração (com o sentido abrangente que a doutrina e a jurisprudência têm sublinhado) pelo superior hierárquico. Este último prazo, por força das regras previstas na lei que aprova o Estatuto, conta-se em dias úteis. Já o primeiro se conta de forma corrida.» (Raquel Carvalho. Comentário ao Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas, Lisboa, Universidade Católica Editora, 2012, p. 45). 13. Como se viu, nos termos do n.º 1 do artigo 178.º da LGTFP (em solução correspondente aos anteriores nos 1 e 3 do artigo 6.º do EDTFP), a infracção disciplinar prescreve no prazo de um ano sobre a respectiva prática, salvo quando consubstancie também infracção penal, caso em que se sujeita aos prazos de prescrição estabelecidos na lei penal à data da prática dos factos. O escopo do alargamento contido no segmento contido na parte final do preceito aludido é simples: perante «faltas disciplinares graves que são também criminalmente punidas, […] não faria sentido que ao aplicar-se a um funcionário a sanção penal já não pudesse incidir sobre ele a sanção disciplinar. A correspondência nos prazos das duas prescrições é, então, justificada e impede que se verifiquem situações absurdas» (Lopes Dias, op. cit., p. 14). Dito por outras palavras: «o que aí se pretendeu foi simplesmente permitir que um funcionário ou agente, ao cometer uma falta com essa dupla vocação (disciplinar e criminal), pudesse ser disciplinarmente perseguido por ela enquanto o pudesse ser criminalmente pela mesma falta, sob pena de um intolerável absurdo […]» (Leal-Henriques, op. cit¸ pág. 60). Sendo assim, e estando demonstrado que a infracção disciplinar consubstancia também infracção penal, a tese ensaiada pelo autor não pode vingar. 14. O demandante questiona a aplicabilidade do artigo 178.º n.º 1, 2.ª parte, da LTFP (sujeição da prescrição aos prazos de prescrição estabelecidos na lei penal) partindo do pressuposto que, na altura da prática dos factos, não era oficial de justiça. Como tal, defende, porque o fundamento do presente processo disciplinar é a repercussão de actos e omissões da sua vida pública incompatíveis com a dignidade indispensável ao exercício de funções, a qual não consubstancia infracção penal, que é aplicável a primeira parte do n.º 1 do artigo 178.º da LGTFP. Porém, não lhe assiste razão. Com efeito, constituindo parte dos factos que fundamentaram a aplicação da pena de demissão, no essencial, infracções criminais (excluindo, portanto, os factos que resultaram já do exercício de funções como Secretário Judicial, após a retoma do exercício de funções em 2018), tendo o demandante sido condenado por acórdão transitado em julgado pela prática dos crimes de peculato de uso e corrupção, os prazos de prescrição a aplicar são os estabelecidos na lei penal à data da prática dos factos, nos termos deste preceito, ex vi artigos 89.º e 123.º do EFJ. Como se viu, os factos em causa no processo criminal n.º ……………., em que o autor foi condenado, foram praticados: i) em ……….. de 2012, os respeitantes ao crime de peculato de uso; e ii) entre ………. e ……….. de 2014, os respeitantes ao crime de corrupção passiva. Os prazos de prescrição fixados no Código Penal para os crimes indicados são os seguintes: i) quanto ao crime de peculato de uso, 5 anos [cf. artigos 376.º, n.º 2, e 118.º, n.º 1, alínea c)]; ii) quanto ao crime de corrupção passiva, 15 anos [cf. artigos 373.º, n.º 2, 374.º—A e 118.º, n.º 1, alínea a)]. Tendo em conta a data da prática dos factos no que se reporta ao crime de corrupção passiva (………. de 2014) e a data da instauração do processo disciplinar (………. de 2019), e sendo o prazo prescricional de 15 anos, é evidente que ainda não ocorreu a prescrição. Por seu turno, considerando a data da prática dos factos que levaram à condenação pela prática de um crime de peculato de uso, é de julgar que mesmo aí também não ocorreu a prescrição. Se é certo que o prazo de prescrição é de 5 anos e que os factos foram praticados em ………. de 2012, também é certo que o processo criminal n.º ………… foi instaurado em 2014, ainda dentro do prazo prescricional. Assim como também é certo que, no decurso do processo (a partir de 2014), o prazo foi interrompido ope legis, ou por força da constituição de arguido, ou com a notificação da acusação — cf. artigo 121.º, n.ºs 1, alíneas a) e b), do Código Penal. Logo, mesmo que se considere que o prazo se reiniciou em 2014, ainda não ocorreu a prescrição. Assim sendo, impõe-se concluir que, em qualquer das situações, a infracção disciplinar não prescreveu, na medida em que o prazo de prescrição aplicável é o estabelecido na lei penal, conforme se prevê no n.º 1, in fine, do artigo 178.º da LTFP. 15. Por seu turno, o n.º 2 do artigo 178.º da LGTFP estabelece um prazo de prescrição de 60 dias sobre o conhecimento da infracção por qualquer superior hierárquico. Como se decidiu no acórdão desta Secção de Contencioso de 25.09.2019 (processo n.º 91/18.8YFLSBO, em www.dgsi.pt), «o prazo de 60 dias estabelecido no n.º 2, do art. 178.º, da LGTFP, não é um prazo que se inclua no conceito de prazo procedimental, pelo que, sendo esse prazo tido pela lei como condição de exercício (fator de caducidade ou de prescrição) do direito ou da posição jurídica, é um prazo substantivo, não se suspendendo aos sábados, domingos e feriados, devendo ser contado de acordo com a regra do art. 279.º, do CC». Analisando a racionalidade e evolução deste instituto, diz-se no Parecer de 11.03.1988 do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República (in Diário da República, II série, de 10.10.1988, apud Leal-Henriques, op. cit., p. 57), que a justificação deste regime radica no interesse público da regularidade e eficiência dos serviços e no dever imposto à hierarquia para intervir com rapidez e oportunidade a fim de remover quaisquer obstáculos àquele funcionamento regular e eficaz. Deste modo, «[…] cometida uma falta integradora de infracção disciplinar é exigível, até pela dinâmica, prestígio e confiança de que os mesmos serviços devem revestir-se, que a respectiva hierarquia, conhecedora dessa falta, actue sem delongas relativamente ao infractor, definindo claramente a responsabilidade deste e punindo-o […]». Para mais adiante, depois de algum desenvolvimento do tema, concluir de forma lapidar: «Deste modo é inteiramente justificado que a lei imponha à hierarquia […] o dever de, uma vez conhecida a falta de um subordinado, definir em curto prazo a sua posição em termos de instaurar ou não o respectivo procedimento disciplinar, entendendo-se que a sua inércia nesse prazo significa o seu desinteresse pela falta, quer pela irrelevância desta, quer pela inoportunidade em a perseguir, e conduz à cessação do direito de instaurar o procedimento disciplinar com a consequente manutenção da situação do agente prevaricador». A este propósito, «[…] a doutrina e a jurisprudência têm sido concordantes no sentido de que o conhecimento da infracção tem de ser entendida no sentido do pleno conhecimento dos elementos integrantes da mesma: autoria, modo, tempo e lugar da prática do comportamento censurável.» (Raquel Carvalho, op. cit., p. 45). Também tem sido esse o entendimento jurisprudencial na jurisdição administrativa com respeito ao preceito ora em apreço, seja asseverando que o conhecimento pelo dirigente máximo do serviço referido no n.º 2 do artigo 178.º da LGTFP se tem de reportar a todos os elementos caracterizadores da situação, seja julgando que não basta o mero conhecimento dos factos e da sua materialidade, mas também destes e do circunstancialismo que os rodeia — sempre de modo a poder efectuar uma ponderação criteriosa, e para se determinar, de forma consciente, quanto a usar ou não do poder sancionador [neste sentido, inter alia, os acórdãos do STA de 14.10.2003 (processo n.º 0586/03), de 20.03.2003 (processo n.º 02017/02), de 10.11.2004 (processo n.º 0957/02), de 16.03.2006 (processo n.º 0141/06), de 13.02.2007 (processo n.º 0135/06), de 01.03.2007 (processo n.º 0205/06), de 19.06.2007 (processo n.º 01058/06), de 14.05.2009 (processo n.º 01012/08), de 09.09.2009 (processo n.º 0180/09), bem como os do Pleno de 23.05.2006 (processo n.º 0957/02), de 22.06.2006 (processo n.º 02054/02), de 23.01.2007 (processo n.º 021/03), e ainda os acórdãos de 09.09.2009 (processo n.º 180/09) e de 14.04.2010 (processo n.º 1048/09), todos acessíveis em http://www.dgsi.pt/jsta]. E também tem sido essa a orientação jurisprudencial da Secção de Contencioso do STJ. Chamado a decidir qual o momento relevante do conhecimento da infracção por parte do superior hierárquico, o STJ tem afirmado o entendimento segundo o qual o prazo de prescrição do direito de instaurar o procedimento disciplinar a que se referia o n.º 2 do artigo 6.º do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores em Funções Públicas (aprovado pela Lei n.º 58/2008, de 9 de Setembro — 30 dias) e a que actualmente se refere o n.º 2 do artigo 178.º da LGTFP (60 dias) apenas se inicia quando o superior hierárquico tiver real e efectivo conhecimento do facto e do circunstancialismo que o rodeia, de molde a poder fazer o seu enquadramento como ilícito disciplinar, sendo, pois, insuficiente a mera participação ou denúncia não suficientemente concretizada. Nessa linha de entendimento, o que releva não é o conhecimento do mero facto naturalístico, mas sim a infracção indiciada como materialidade juridicamente significante na perspectiva do ilícito disciplinar, ou seja, com uma corporeidade ou envolvência susceptível de assim ser qualificada – nestes exactos termos, vejam-se os acórdãos de 30.04.2015 (processo n.º 117/14.4YFLSB) e de 21.03.2019 (processo n.º 30/18.6YFLSB), ambos acessíveis in http://ewww.dgsi.pt/jstj. 16. No caso sub judice, verifica-se que as infracções disciplinares foram praticadas pelo autor quando, ao abrigo de licença sem vencimento de longa duração, exerceu funções enquanto advogado e administrador de insolvências. Não estava, portanto, em efectividade de funções ao serviço da então Direcção-Geral dos Serviços Judiciários, actual Direcção-Geral da Administração da Justiça (DGAJ). Ora, tendo em atenção a densificação doutrinária e jurisprudencial que o n.º 2 do artigo 178.º da LGTFP tem vindo a merecer (e, antes dele, também o n.º 2 do artigo 6.º do EDTFP), temos aqui um primeiro indício que milita em sentido moderadamente desfavorável à asserção do autor, quanto à suposta verificação da prescrição com base nesta previsão normativa. Com efeito, se o dispositivo legal enunciado postula e reclama um pleno conhecimento dos elementos integrantes da infracção (autoria, modo, tempo e lugar da prática do comportamento censurável), tendo de reportar-se a todos os elementos caracterizadores da situação e às concretas circunstâncias que a rodearam, não se pode asseverar que a autoridade com competência para instaurar o procedimento disciplinar, num período em que o autor não se mantinha em efectividade de funções junto daquela entidade administrativa, tivesse tal conhecimento. Por outro lado, dado que o autor estava então em exercício efectivo de funções, não na DGAJ, mas sim como advogado e como administrador judicial, a remessa da certidão (contendo a condenação penal pelo tribunal onde correra termos o processo n.º…………..), em observância do disposto no artigo 179.º, n.ºs 1 e 2, da LGTFP (de acordo com os quais, quando um trabalhador em funções públicas seja condenado pela prática de crime, a secretaria do tribunal por onde corra o processo, no prazo de 24 horas sobre o trânsito em julgado da decisão, entrega, por termo nos autos, cópia ao Ministério Público, a fim de que este a remeta ao órgão ou serviço em que o trabalhador desempenha funções), teve como destinatários a Ordem dos Advogados e a Comissão de Acompanhamento dos Administradores Judiciais. Constitui este um segundo indício de que o COJ não tomou conhecimento dessa condenação antes da data em que alegou ter tomado conhecimento. Por outro lado ainda, e mais decisivamente, os factos ou elementos que relevam para determinar esta prescrição de curto prazo são os constituídos por todo o expediente que foi coligido e apresentado ao Plenário do COJ com vista a deliberar sobre a instauração, ou não, de processo disciplinar. Tais diligências iniciaram-se com um email de …….2018, no âmbito do qual o COJ foi pela primeira vez alertado para a existência de inquéritos em que o aqui autor figurava como arguido, antes ainda de ter conhecimento de que o ora demandante fora condenado noutro processo crime [ponto 1.9. dos factos provados]; e só depois disso, nomeadamente a ……..2018, é que deram entrada no COJ os acórdãos proferidos no processo criminal n.º …………… que haviam condenado o aqui demandante [pontos 1.4. a 1.6. e 1.10. dos factos provados]. Por último, não há qualquer elemento que comprove que o autor tenha dado conhecimento ao COJ dessa anterior condenação. O autor não alega sequer que, quando solicitou ao Director Geral da Administração da Justiça o regresso ao serviço, a ……2017, tenha apresentado certificado de registo criminal, nem que informou que tinha sofrido a referida condenação. De resto, dos autos resulta agora, afinal, que essa indicação não estava aí vertida [cf. ponto 1.7. dos factos provados]. Sendo assim, nada permite infirmar que o COJ só teve conhecimento da referida condenação em …...2018, como está assente no relatório final. Pelo que tem de se julgar que o procedimento disciplinar, instaurado que foi a …….2018 [ponto 1.11 do probatório], foi instaurado antes de decorrido o prazo de 60 dias sobre aquela data de …...2018, em que tomou conhecimento das infracções o COJ, a quem compete, funcionando em plenário, nos termos do artigo 94.º, n.º 1, 111.º, alínea a), e 113.º da EFJ, a instauração do procedimento disciplinar. Improcede, pois, também por aqui, a pretensão do autor. 17. Uma última nota quanto à suposta prescrição do procedimento disciplinar. Apesar de, como se referiu supra, nas petições iniciais o autor parecer ter abandonado a alegação de que no caso se verificou a violação do prazo a que alude o artigo 178.º, n.º 5, da LGTFP (segundo o qual o procedimento disciplinar prescreve decorridos 18 meses, a contar da data em que foi instaurado quando, nesse prazo, o trabalhador não tenha sido notificado da decisão final), sempre deixou consignado que “nenhum dos argumentos levados aos autos, nas interposições de recurso das deliberações do C.O.J para o C.S.M foi tido em conta pelo órgão ora recorrido” e “no mais e porque nenhum argumento foi sufragado, aparte o exposto, todos mantêm actualidade, pelo que se dão como reproduzidos como motivação de recurso para todos os legais efeitos”. Importa, por isso, abordar a suposta prescrição do procedimento, aflorada pelo demandante nos seus instrumentos de recurso para o CSM. Trata-se de uma figura a que apenas foi dada expressão normativa no Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores Que Exercem Funções Públicas (artigo 6.º), aprovado pela Lei n.º 58/2008, de 9 de Setembro, saudada pela doutrina da especialidade, que já advertia, há muito, que a inexistência de um prazo prescricional do próprio procedimento «[…] propicia[va] o arbítrio da ação disciplinar […]» (ANA FERNANDA NEVES, O Direito…, cit., p. 104; em sentido idêntico, RAQUEL CARVALHO, Comentário ao Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores em Funções Públicas, Lisboa, Universidade Católica Editora, 2012, p. 44). Sublinhando-se mesmo que se tratou «[…] de um passo em frente no sentido de alcançar a necessária eficiência do serviço (que não se compadece com o sucessivo retardamento da concretização da justiça disciplinar) e de reforçar a tutela dos direitos e interesses legalmente protegidos do trabalhador/arguido, seguramente incompatíveis com o estigma de a todo o tempo poder vir a ser objeto de uma sanção disciplinar […]» (VEIGA E MOURA, op. cit., p. 96). Nas suas alegações de recurso das deliberações do COJ para a entidade demandada, o autor invoca a violação do n.º 5 do artigo 178.º da LGTFP escudando-se no acórdão do STJ de 28.02.2018, proferido no processo n.º 77/17.0YFLSB, no qual se decidiu que «[o] CSM exerce uma tutela de mérito em relação às deliberações do COJ em matéria disciplinar. Assim, para efeitos do disposto no art. 178.º, n.º 5, da LTFP (aplicável aos funcionários de justiça por força do art. 123.º do EFJ), a decisão final que torna definitivo o ato administrativo disciplinar é a deliberação do CSM». Este entendimento encontra respaldo e acolhimento nos supremos tribunais. Exemplos disso são os acórdãos da Secção de Contencioso do STJ proferidos a 12.06.2003, 25.09.2003, 13.11.2003, 18.12.2003, 15.06.2004, 01.07.2004, 14.12.2004, 18.01.2005, 10.01.2006, 07.02.2007, 07.07.2009, 27.09.2011 e 19.09.2012 (todos citados neste último, no processo n.º 21/12.0YFLSB, em www.dgsi.pt) e o acórdão do STA proferido a 28.01.2016 (quanto à competência do Conselho Superior do Ministério Público, no processo n.º 0404/14, também em www.dgsi.pt). Não se vislumbram motivos para dissentir dessa orientação jurisprudencial, fixando, como termo final ou ad quem do prazo prescricional de 18 meses, a decisão do CSM que ponha termo ao procedimento disciplinar. Porém, esta interpretação do citado n.º 5 do artigo 178.º não beneficia a pretensão do autor de ser declarado prescrito o procedimento disciplinar. Com efeito, sendo termo a quo desse prazo a data de instauração do procedimento, tendo este sido instaurado no dia …….2018 e tendo a deliberação do CSM que aplicou a pena de demissão sido proferida a …….2019 [cf. pontos 1.11. e 1.23. do probatório], verificamos que não decorreu sequer um ano desde a sua instauração. Logo, estava perfeitamente compreendido dentro do prazo de 18 meses a que alude a disposição legal aludida. 18. Em função do que vem de se expor, tudo visto e ponderado, impõe-se concluir que também não há fundamento para declarar prescrito o procedimento disciplinar. * C) Do vício de violação de lei por erro sobre os pressupostos na aplicação, da medida de suspensão preventiva e da sanção de demissão. 19. Alega o autor que os actos impugnados padecem do vício de violação de lei por erro sobre os pressupostos no julgamento efectuado pelo COJ na aplicação, tanto da medida de suspensão preventiva, como da sanção de demissão. Isto porque, na sua tese, não pode ser sancionado quanto aos factos que estiveram na base da sua condenação pelos crimes de peculato de uso e corrupção, dado que, no período em que os mesmos foram praticados, não estava a exercer funções como oficial de justiça. 20. Reafirmando jurisprudência constante, tem vindo este tribunal a decidir reiteradamente que “[o] vício de violação de lei ocorre quando é efetuada uma interpretação errónea da lei, aplicando-a à realidade a que não devia ser aplicada ou deixando-a de aplicar à realidade que devia ser aplicada” (acórdão desta Secção de Contencioso de 04.07.2019, processo n.º 39/18.0YFLSB; assim também, na jurisprudência mais recente, podem ver-se os acórdãos de 20.02.2019, processo n.º 68/18.3YFLSB, e de 24.10.2019, processo n.º 67/18.5YFLSB, ambos em www.dgsi.pt). O erro de direito pode respeitar à lei a aplicar, ao sentido da lei aplicada ou à qualificação jurídica dos factos: no primeiro caso, aplicou-se por engano ou por ignorância uma norma quando era outra a aplicável (erro na aplicação); no segundo caso, aplicou-se a lei correcta, mas interpretou-se mal (erro na interpretação); no terceiro caso, qualificaram-se certos factos numa figura jurídica quando deviam sê-lo noutra (erro na qualificação) (acórdão de 04.07.2019, processo n.º 69/18.1YFLSB, em www.dgsi.pt). Na dogmática jurídico-administrativa, o vício de violação de lei é definido como sendo o vício que «consiste na discrepância entre o conteúdo ou o objecto do acto administrativo e as normas jurídicas que lhe são aplicáveis» (Freitas do Amaral, Direito Administrativo, Volume III, Lisboa, 1990, p. 303) ou na «desconformidade entre os pressupostos e ou o conteúdo do acto concreto e a previsão de situação e ou o comando contidos em norma imperativa» (Sérvulo Correia, Noções de Direito Administrativo, Lisboa, Danúbio, 1982, p. 463). Trata-se do vício que «afecta o acto praticado em desconformidade com os requisitos legais vinculados respeitantes aos respectivos pressupostos ou objecto» (Esteves de Oliveira, Direito Administrativo, 1.ª ed., Coimbra, Almedina, 1980, p. 559), ou, por outras palavras, que afecta o acto administrativo «cujo conteúdo, incluindo os respectivos pressupostos, contrarie as normas jurídicas com as quais se devia conformar, integrando tal vício quer o erro na interpretação ou indevida aplicação da regra de direito (erro de direito) como o erro baseado em factos materialmente inexistentes ou apreciados erroneamente (erro de facto)» (Marcello Caetano, Manual de Direito Administrativo, volume I, 10.ª ed., 11.ª reimp., revista e actualizada por Freitas do Amaral, Coimbra, Almedina, 2013, p. 501). O vício de violação de lei configura, assim, uma ilegalidade de natureza material, sendo a própria substância do acto administrativo que contraria a lei. A ofensa da lei não se verifica aqui nem na competência do órgão nem nas formalidades ou na forma que o acto reveste nem no fim tido em vista, mas no próprio conteúdo ou no objecto do acto. «O vício de violação de lei, assim definido, configura uma ilegalidade de natureza material: neste caso, é a própria substância do ato administrativo, é a decisão em que o ato consiste, que contraria a lei […] Não há, pois, correspondência entre a situação abstratamente delineada na norma e os pressupostos de facto e de direito que integram a situação concreta sobre a qual a Administração age, ou coincidência entre os efeitos de direito determinados pela Administração e os efeitos que a norma ordena. O vício de violação de lei produz-se normalmente quando, no exercício de poderes vinculados, a Administração decida coisa diversa do que a lei estabelece ou nada decida quando a lei mande decidir algo» (Freitas do Amaral, op. cit, p. 304). Tal vício produz-se normalmente no exercício de poderes vinculados, mas também pode ocorrer no exercício de poderes discricionários, quando, designadamente, sejam infringidos os princípios gerais que limitam ou condicionam, de forma genérica, a discricionariedade administrativa, maxime os princípios constitucionais da imparcialidade, da igualdade, da justiça e da boa fé. 21. O ora autor foi nomeado Secretário de Justiça por despacho proferido a ……1996, tendo-lhe sido concedida licença sem vencimento de longa duração por despacho de …...1996, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 497/88, de 30 de Dezembro. Apenas viria a ser novamente colocado como Secretário de Justiça no Núcleo de ……, por “transferência”, a …....2018. Durante cerca de 22 anos, por conseguinte, o autor não exerceu funções de Secretário de Justiça, exercendo, então, funções enquanto Advogado e, sobretudo, Administrador de Insolvência (pontos 1.1. a 1.8. dos factos provados). Foi nesse período de tempo que praticou os factos por que foi criminalmente punido. Precisamente porque não estava a exercer as funções com Secretário de Justiça no período em que esses ilícitos penais foram praticados, é que, segundo o demandante, não pode ser sancionado quanto aos factos que estiveram na base da sua condenação pelos crimes de peculato de uso e corrupção. Porém, não lhe assiste razão. 22. A licença sem vencimento de longa duração foi concedida ao autor ao abrigo do artigo 78.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 497/88, de 30 de Dezembro, com os efeitos previstos no artigo 80.º do mesmo diploma legal, a saber: «A concessão da licença determina abertura de vaga e a suspensão do vínculo com a Administração, a partir da data do despacho referido no n.º 2 do artigo 78.º» (n.º 1), sendo que «[a] licença sem vencimento de longa duração implica a perda total da remuneração e o desconto na antiguidade para efeitos de carreira, diuturnidades, aposentação e sobrevivência» (n.º 2). Por conseguinte, de acordo com este preceito, o vínculo do autor com a Administração encontrava-se suspenso no período da licença em análise. Porém, essa suspensão não afastou os direitos, deveres e garantias das partes, na medida em que não pressupunham a efectiva prestação de trabalho. Isso mesmo decorria de preceitos normativos vigentes à data, quer da concessão da licença sem vencimento, quer da prática das infracções, e resulta hoje igualmente da LGTFP, vigente à data da aplicação da sanção. 23. Segundo o artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 398/83, de 2 de Novembro (revogado pela Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto), com o âmbito de aplicação previsto no artigo 1.º, «[d]urante a redução ou suspensão mantêm-se os direitos, deveres e garantias das partes, na medida em que não pressuponham a efectiva prestação de trabalho». Assim também veio a dispor o artigo 231.º, n.º 1, da Lei n.º 59/2008, de 11 de Novembro, que aprovou o Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas (revogada pela Lei n.º 35/2014): “Durante a redução ou suspensão mantêm-se os direitos, deveres e garantias das partes na medida em que não pressuponham a efectiva prestação do trabalho”. Em redacção similar, dispõe actualmente o n.º 1 do artigo 277.º da LGTFP: “Durante a redução ou suspensão mantêm-se os direitos, deveres e garantias das partes, na medida em que não pressuponham a efetiva prestação do trabalho.” O próprio regime jurídico disciplinar contido no EDTFP e na LGTFP enuncia claramente essa submissão a (alguns) deveres disciplinares, independentemente das vicissitudes que a relação jurídica de emprego pública venha a sofrer. Assim era com o artigo 4.º, n.ºs 3 e 4, do EDTFP, e assim se mantém com o artigo 176.º, n.ºs 3 e 4, da LGTFP. Dispõe este preceito: “3 - Os trabalhadores ficam sujeitos ao poder disciplinar desde a constituição do vínculo de emprego público, em qualquer das suas modalidades. 4 - A cessação do vínculo de emprego público ou a alteração da situação jurídico-funcional do trabalhador não impedem a punição por infrações cometidas no exercício da função.” Em anotação a estes últimos preceitos, de resto, os autores têm sido unânimes no entendimento segundo o qual «[a] alteração da relação jurídica de emprego não prejudica a aplicação de sanção disciplinar até porque mantém a relação de emprego» (Raquel Carvalho, op. cit., pág. 39). Isto porque, se o empregador público tem o poder disciplinar sobre o trabalhador ao seu serviço enquanto durar o vínculo de emprego público (artigo 76.º da LGTFP) e, além disso, todos os trabalhadores são disciplinarmente responsáveis perante os seus superiores hierárquicos (artigo 176.º, n.º 1, da LGTFP), compreende-se a solução normativa dos n.ºs 3 e 4 do mesmo artigo 176.º, ao estabelecer que a sujeição ao poder disciplinar se inicia com a constituição do vínculo de emprego público, em qualquer das suas modalidades, sem que a alteração da situação jurídico-funcional impeça a punição por infrações cometidas no exercício da função ou suscetíveis de comprometer a dignidade desta (Ana Celeste Carvalho, «Os procedimentos disciplinares na Lei Geral de Trabalho em Funções Públicas», AA.VV., O Regime Disciplinar dos Trabalhadores em Funções Públicas, Advogados e Magistrados Judiciais, coord. de Pedro Fernández Sánchez e Luís M. Alves, edição do Conselho Regional de Lisboa da Ordem dos Advogados e da Editora da Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa, 2020, pp. 22 e e23). O próprio regime jurídico disciplinar contido no EDTFP e na LGTFP enuncia claramente essa submissão a (alguns) deveres disciplinares, independentemente das vicissitudes que a relação jurídica de emprego pública venha a sofrer. Assim era com o artigo 4.º, n.os 3 e 4, do EDTFP, e assim se mantém com o artigo 176.º, n.os 3 e 4, da LGTFP. Dispõe este preceito: “3 - Os trabalhadores ficam sujeitos ao poder disciplinar desde a constituição do vínculo de emprego público, em qualquer das suas modalidades. 4 - A cessação do vínculo de emprego público ou a alteração da situação jurídico-funcional do trabalhador não impedem a punição por infrações cometidas no exercício da função.” Em anotação a estes últimos preceitos, os autores têm sido unânimes no entendimento segundo o qual «[a] alteração da relação jurídica de emprego não prejudica a aplicação de sanção disciplinar até porque mantém a relação de emprego» (Raquel Carvalho, op. cit., p. 39). Isto porque, se o empregador público tem o poder disciplinar sobre o trabalhador ao seu serviço enquanto durar o vínculo de emprego público (artigo 76.º da LGTFP) e, além disso, todos os trabalhadores são disciplinarmente responsáveis perante os seus superiores hierárquicos (artigo 176.º, n.º 1, da LGTFP), compreende-se a solução normativa dos n.ºs 3 e 4 do mesmo artigo 176.º, ao estabelecer que a sujeição ao poder disciplinar se inicia com a constituição do vínculo de emprego público, em qualquer das suas modalidades, sem que a alteração da situação jurídico-funcional impeça a punição por infrações cometidas no exercício da função ou suscetíveis de comprometer a dignidade desta» (Ana Celeste Carvalho, «Os procedimentos disciplinares na Lei Geral de Trabalho em Funções Públicas», AA.VV., O Regime Disciplinar dos Trabalhadores em Funções Públicas, Advogados e Magistrados Judiciais, coord. de Pedro Fernández Sánchez e Luís M. Alves, edição do Conselho Regional de Lisboa da Ordem dos Advogados e da Editora da Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa, 2020, pp. 22 e e23). 24. Quanto à natureza da licença sem vencimento, enquanto vicissitude da relação funcional, importa reiterar que o que nela se verifica é tão somente uma modificação da relação jurídica de emprego público decorrente da mera suspensão do vínculo, mas não cessação da relação funcional. Pode assim afirmar-se, acompanhando a doutrina da especialidade, que, se se deve reconhecer que «[n]os casos em que a modificação subjectiva é definitiva e importa mudança de empregador […], é este o novo titular do poder disciplinar, maxime, compete ao novo empregador a determinação da sanção disciplinar, […]», já nos casos em que, «[n]ão sendo a modificação definitiva […] sem que cesse a relação jurídica de base, ou estrutural, aquela sobre a qual opera a modificação, […] coexiste o poder disciplinar do “empregador de origem” com o poder disciplinar do “empregador de destino”». (...) «[a] competência para instaurar procedimento disciplinar […] decorrerá, em concreto, de saber qual o empregador, e relação jurídica, em face do qual se verifica a prática da infracção. É ele que poderá dizer se os deveres e as obrigações do trabalhador para ele justificam o exercício da acção disciplinar. […] Quanto à competência para punir, entendemos que a mesma deve ser também delimitada pela relação jurídica em que se enquadra a infracção praticada. Se esta o tiver sido em face do “empregador de origem” ou no âmbito do “serviço de origem”, a competência para punir cabe aos respectivos órgãos; se o tiver sido em face do “empregador funcional” [ou de destino], é a este que cabe a respectiva aplicação, salvo quando a sanção aplicada afectar estruturalmente a vigência da relação jurídica de base, pois nesta situação deve, naturalmente, caber ao “empregador de origem” decidir sobre a sua aplicação». «A dependência hierárquica no momento da efectivação da responsabilidade disciplinar, para além de não ter um carácter definitivo, não nos deve, no entanto, fazer esquecer qual é o sujeito empregador» (Ana Fernanda Neves, O Direito Disciplinar…, cit., pp. 97, 98 e 100). 25. A licença sem vencimento de longa duração, que implica a suspensão do vínculo, implica também, pela sua própria natureza, que o seu beneficiário deixe de prestar serviço efectivo perante a entidade empregadora. Assim, mantendo-se embora o vínculo à função pública, ficam suspensos os deveres dos funcionários que sejam inerentes à efectividade da prestação de serviço público, entre os quais se incluem os deveres gerais de zelo, obediência, lealdade, correcção, assiduidade e pontualidade [neste sentido, entre outros, o acórdão do STA de 21.10.2010 (processo n.º 01068/09), em http://www.dgsi.pt7jsta (aresto proferido a propósito do anterior Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 24/84, de 16 de Janeiro, do qual não constava, aliás, uma previsão similar à dos artigos 4.º, n.ºs 3 e 4, do EDTFP e 176.º, n.ºs 3 e 4, da LGTFP). Porém, tal não invalida que se mantenham outros deveres funcionais gerais, nomeadamente aqueles que não pressuponham a manutenção do exercício efectivo de funções, como o sejam os deveres da prossecução de interesse público, da imparcialidade, da isenção e da lealdade (cf. artigos 66.º, n.º 1, do EFJ e 73.º, n.ºs 2, alíneas a), b), c) e g), 3, 4, 5 e 9, da LGTFP). Deve, pois, entender-se que «[a] partir do início efectivo de funções, os trabalhadores respondem disciplinarmente perante todos os superiores hierárquicos da estrutura organizacional ou serviço que integram, [sendo que a] sujeição à disciplina e à obrigatoriedade de cumprir os deveres disciplinares mantém-se enquanto perdurar o vínculo funcional e o trabalhador se mantiver em exercício efectivo de funções, não obstante alguns desses deveres (prossecução do interesse público e isenção) possam subsistir quando não ocorra aquele exercício efectivo de funções ou mesmo para além da cessação do vínculo funcional» (Paulo Veiga e Moura, Estatuto Disciplinar…, cit., p. 84). De tal sorte que, mesmo «[…] em caso de cessação da relação de emprego ou de alteração da situação jurídico-funcional (v.g., porque o trabalhador mudou de serviço, de posto de trabalho ou entrou em situação de licença sem vencimento) […]» (idem, ibidem, pág. 85), as infracções disciplinares praticadas continuarão a ser objecto de procedimento disciplinar por parte do serviço. 26. Pelo exposto, e em síntese, se deve concluir que, não obstante encontrar-se em licença de longa duração quando da prática dos factos que sustentaram a condenação crime, o autor nunca cessou o vínculo existente com a Administração Pública. Logo, não se extinguiram também os deveres funcionais ínsitos no artigo 73.º da LTFP, aplicável ex vi artigo 66.º, n.º 1, do EFJ, que não pressuponham a efectiva prestação de trabalho (artigo 80.º do Decreto-Lei n.º 497/88, de 30 de Dezembro) que sobre ele impendiam, enquanto oficial de justiça. 27. Nos termos do artigo 90.º do EFJ, constituem infracção disciplinar não só os factos, ainda que meramente culposos, praticados pelos oficiais de justiça com violação dos deveres profissionais, mas também os actos ou omissões da sua vida pública, ou que nela se repercutam, incompatíveis com a dignidade indispensável ao exercício das suas funções. Infringir disciplinarmente não é mais do que desrespeitar um dever geral ou especial decorrente da função que se exerce. A doutrina e a jurisprudência são unânimes em considerar que pode normalmente ser qualificada como infracção disciplinar qualquer conduta de um agente que caiba na definição legal, uma vez que a infracção disciplinar é atípica [neste sentido Marcelo Caetano (op. cit., pág. 810) e Luís Vasconcelos Abreu, Para o Estudo do Procedimento Disciplinar no Direito Administrativo Português Vigente: As Relações com o Processo Penal, Almedina, 1993, pp. 27 a 32). É, assim, disciplinarmente ilícita qualquer conduta do agente que transgrida a concepção dos deveres funcionais válida para as circunstâncias concretas da sua posição de actuação (cf. acórdãos do STJ de 31.03.2004, processo n.º 03A1891, e de 21.03.2019, processo n.º 78/18.0YFLSB, em http://www.dgsi.pt/jstj). Podem constituir motivo de acção disciplinar os factos que estão indexados com a vida pública do funcionário e os que colidam com a imagem de dignidade associada às funções que se relacionam com a administração da justiça. Também por aqui, portanto, não se divisa qualquer vício de violação de lei ou erro sobre os pressupostos (de facto ou de direito) que determine a invalidade das decisões sindicadas. Como tal, o COJ, quer quando mandou instaurar o procedimento disciplinar, quer quando suspendeu preventivamente o autor de funções, quer quando o puniu, actuou no exercício legítimo do poder disciplinar que lhe assistia. 28. Quanto ao mais, o autor aponta, tanto à decisão de aplicação de suspensão preventiva como à decisão de aplicação de sanção disciplinar, mais do que (ou mesmo em vez de) um verdadeiro erro sobre os pressupostos ou vício de violação de lei, a invocação de que não podia ser perseguido duas vezes pelas mesma infracções e um juízo de desadequação (por desnecessidade) daquelas medidas. Estamos, portanto, perante vícios diversos, e que se prendem, quer com a violação do princípio ne bis in idem, quer com a suposta desproporcionalidade das medidas, de que seguidamente se tratará.
* D) Da violação do princípio ne bis in idem 29. Alega o autor que, por ter sido perseguido criminal e disciplinarmente – pela Ordem dos Advogados e pela Comissão para o Acompanhamento dos Auxiliares da Justiça –, não podia ter sido novamente perseguido no âmbito do presente processo disciplinar quanto aos factos resultantes da condenação no âmbito do processo n.º ………….. A entidade demandada, por seu turno, sustenta que a prática de uma infracção criminal pode ter respaldo disciplinar em tantas as carreiras/ordens profissionais quantas o trabalhador tenha vínculo ou inscrição activa, com diferentes consequências, sem que tal viole o princípio ne bis in idem ou o disposto no art.º 180.º, n.º 3, da LGTFP. 30. A matriz constitucional do direito disciplinar confere-lhe garantias e exigências que, a este nível, se encontram asseguradas e que, como tal, se devem ter presentes na apreciação da questão suscitada. O artigo 271.º, n.º 1, da Constituição dispõe que «[o]s funcionários e agentes do Estado e das demais entidades públicas são responsáveis civil, criminal e disciplinarmente pelas acções ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício de que resulte violação dos direitos ou interesses legalmente protegidos dos cidadãos, não dependendo a acção ou procedimento, em qualquer fase, de autorização hierárquica». O artigo 269.º, sob a epígrafe «Regime da função pública», garante, no seu n.º 3, aos trabalhadores da Administração Pública, o direito de audiência e defesa no processo: «Em processo disciplinar são garantidas ao arguido a sua audiência e defesa». Este direito assume a dimensão de direito fundamental, por projecção, no processo disciplinar, das garantias próprias do processo criminal, nos termos do artigo 32.º, n.º 10: «Nos processos de contra-ordenação, bem como em quaisquer processos sancionatórios, são assegurados ao arguido os direitos de audiência e defesa». Nesta perspectiva, o direito disciplinar consubstancia um direito de conteúdo assimilável ao direito a um «processo justo» e inerentes garantias de defesa de que goza o arguido em processo crime, podendo dizer-se que a tendência que se tem verificado para a progressiva autonomização do direito disciplinar relativamente ao direito penal «é contrabalançada pelo progressivo alargamento das garantias de direito penal ao direito disciplinar» (acórdão do Tribunal Constitucional n.º 59/95, de 16.02.1995, Diário da República, 1.ª série, de 10.03.1995) ou que «as garantias de processo penal surgirão como o “magma” das garantias de um processo sancionatório público» (Ana Fernanda Neves, O Direito Disciplinar…, volume i, 2007, p. 34). Em todo o caso, «[…] tendo em mente a identidade da redacção adoptada para o n.º 10 do artigo 32.º e para o n.º 3 do artigo 269.º, tal implica que o amplíssimo repositório de jurisprudência constitucional emitida a propósito da generalidade dos processos sancionatórios pode ser aplicado em benefício do regime da função pública. Dito de outro modo, […] o intérprete pode lançar mão do rico manancial de coordenadas formuladas no âmbito da aplicação do n.º 10 do artigo 32.º da Constituição sempre que a jurisprudência se revelar lacunosa no tratamento específico dos trabalhadores em funções públicas» (Fernández Sánchez, op. cit., pp. 9 e 10). Consignou-se, a este respeito, no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 62/2016, de 03.02.2016 (Diário da República, Série II, de 07.03.2016): «A garantia de audiência e defesa do arguido decorre, para os trabalhadores da Administração Pública, como um elemento central do estatuto da função pública, do disposto no artigo 269.º, n.º 3, da Constituição, mas que a revisão constitucional de 1989 tornou extensiva aos processos de contraordenação e aos demais processos sancionatórios (artigo 32.º, n.º 10). No entanto, da garantia de audiência e defesa não é possível retirar uma extensão ao processo disciplinar da generalidade do regime substantivo em matéria penal. O preceito constitucional apenas releva no plano adjetivo e significa que é inconstitucional a aplicação de qualquer tipo de sanção disciplinar sem que o arguido seja previamente ouvido e possa defender-se das imputações que lhe são feitas (acórdão do Tribunal Constitucional n.º 180/14).|Tem-se admitido, em todo o caso, que os princípios da constituição criminal, e especificamente os previstos nos artigos 29.º e 32.º da CRP, apesar de se restringirem no seu teor literal ao direito criminal, devam valer, no essencial, e por analogia, para todos os domínios sancionatórios: o princípio da legalidade das penas, o princípio da não retroatividade e o princípio da lei mais favorável ao arguido e o princípio da culpa (acórdãos do TC n.ºs 161/95, 227/92, 574/95 e 160/2004). A jurisprudência constitucional tem igualmente admitido, em processo disciplinar, o princípio da presunção de inocência do arguido, como decorrência do direito a um processo justo, não apenas na sua vertente probatória, correspondendo à aplicação do princípio “in dubio pro reo”, pelo qual é à Administração que cabe o ónus da prova dos factos que integram a infração, quer ao nível do próprio estatuto ou condição do arguido em termos de tornar ilegítima a imposição de qualquer ónus ou restrição de direitos que, de qualquer modo, representem e se traduzam numa antecipação da condenação (assim, o acórdão do TC n.º 123/92, que julgou inconstitucional a norma que determina, na sequência da prolação do despacho de pronúncia, e durante a suspensão do exercício de funções da mesma decorrente, a perda da totalidade do vencimento)». Deste enfoque constitucional resulta que se devam considerar princípios de direito disciplinar, incluindo no âmbito da relação jurídica de emprego público, entre outros, os princípios da legalidade sancionatória, da culpa, do respeito pelos direitos de audiência, defesa e contraditório, do respeito pelos direitos fundamentais, da presunção de inocência do trabalhador, da proporcionalidade das sanções e, com interesse para o que aqui se discute agora, o princípio ne bis in idem. Citando, de entre os mais recentes, o acórdão desta Secção do Contencioso de 21.03.2019 (processo n.º 30/18.6YFLSB, em www.dgsi.pt), nele se diz: «[...] o regime disciplinar dos funcionários de justiça, a que é subsidiariamente aplicável o regime disciplinar geral dos trabalhadores que exercem funções públicas, enquanto direito sancionatório público, comunga dos princípios gerais do direito penal e do direito processual penal. | Ora, um dos princípios basilares do processo penal é o denominado princípio ne bis in idem consagrado no artigo 29.º, n.º 5, da Constituição da República, segundo o qual ninguém pode ser julgado mais do que uma vez pela prática do mesmo crime. | Tal princípio encontra-se incluído no capítulo dos «direitos, liberdades e garantias pessoais», assumindo, por isso, a natureza de garantia fundamental dos cidadãos de não serem duplamente perseguidos pelos mesmos factos ilícitos criminais. | Embora o sobredito preceito constitucional se refira expressamente à perseguição criminal, a doutrina e a jurisprudência têm vindo a entender que aquele princípio, em virtude da sua ratio, deve ser aplicado também à perseguição de infracções de matriz disciplinar» (no mesmo sentido, entre outros, os acórdãos de 14.10.2015, processo n.º 2/15.2 YFLSB, e de 23.06.2016, processo n.º 16/14.0YFLSB, em www.dgsi.pt) 31. O princípio non bis in idem encontra-se consagrado no artigo 29.º, n.º 5, da Constituição, o qual dispõe que “Ninguém pode ser julgado mais do que uma vez pela prática do mesmo crime”. Integrado sistematicamente no capítulo dos «direitos, liberdades e garantias pessoais», deve assim reconhecer-se como fundamental a garantia conferida aos cidadãos de não sofrerem uma dupla perseguição pelos mesmos factos. Comporta este princípio «duas dimensões: (a) como direito subjetivo fundamental, garante ao cidadão o direito de não ser julgado mais do que uma vez pelo mesmo facto, conferindo-lhe, ao mesmo tempo, a possibilidade de se defender contra atos estaduais violadores deste direito (direito de defesa negativo); (b) como princípio constitucional objetivo (dimensão objetiva do direito fundamental), obriga fundamentalmente o legislador à conformação do direito processual e à definição do caso julgado material, de modo a impedir a existência de vários julgamentos pelo mesmo facto. […] A Constituição proíbe rigorosamente o duplo julgamento e não a dupla penalização, mas é obvio que a proibição do duplo julgamento pretende evitar tanto a condenação de alguém que já tenha sido definitivamente absolvido pela prática da infração, como a aplicação renovada de sanções jurídico-penais pela prática do “mesmo crime”. […] É problemático saber em que medida é que os princípios consagrados neste artigo extensíveis a outros domínios sancionatórios. […] Há de, porém, entender-se que esses princípios devem, na parte pertinente, valer por analogia para os demais domínios sancionatórios, designadamente o ilícito de mera ordenação social e o ilícito disciplinar» (Gomes Canotilho / Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, volume i, artigos 1.º a 107.º, 4.ª edição revista, Coimbra, Coimbra Editora, 2007, pp. 497 e 498). Trata-se, pois, de um princípio com previsão e dignidade constitucional dotado de particular força cogente, e que, apesar de reportado às garantias do arguido em sede criminal, é aplicável também nos outros direitos sancionatórios públicos, no âmbito respectivo (acórdão do Tribunal Constitucional n.º 263/94, de 23.03.1994, processo n.º 566/92, http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/19940263.html). A ratio deste princípio, como sublinha Henrique Salinas (Os Limites Objetivos do Ne Bis in Idem, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2014, p. 147), é a «garantia da paz jurídica do cidadão, traduzindo-se numa limitação dos ius puniendi estatal, ao impedir a repetição de um processo contra a mesma pessoa». Idêntico desiderato tem sido identificado pela jurisprudência deste tribunal e do STA, ora afirmando que as razões fundamentais dessa proibição residem, por um lado, na paz jurídica que ao arguido se deve garantir finda a perseguição de que foi alvo e, por outro lado, no interesse em evitar pronúncias díspares sobre factos unitários (cf. acórdãos do STJ de 23.06.2016 e de 04.07.2019, nos processos 16/14.0YFLSB e 69/18.1YFLSB respectivamente em www.dgsi.pt), ora sublinhando que a proibição encontra as suas justificações fundamentais, por um lado, nos princípios da culpa – impeditivo de que, por um duplo sancionamento do mesmo substrato, se exceda o limite proporcional da culpa do arguido – e da paz e segurança jurídicas – que devem ser garantidas ao arguido finda a perseguição de que foi alvo, sob pena de, a admitir-se uma permanente ameaça da imposição de diferentes sanções em simultâneo ou sucessivas no tempo e pelos mesmos factos, se estar a submeter o mesmo a um tratamento desumano – e, por outro lado, no interesse em evitar pronúncias díspares sobre factos unitários (cf. acórdão do STA de 13.07.2016, proferido no processo n.º 0516/14, em www.dgsi.pt). 32. A duplicidade sancionatória que se quer evitar tanto pode ser referida à relação entre sanções disciplinares, como entre uma sanção disciplinar e uma sanção administrativa e ainda entre aquela e uma sanção penal. É em relação à aplicação cumulativa de uma sanção disciplinar e de uma sanção penal que mais frequentemente é invocado o princípio ne bis in idem. Todavia, essa questão deve considerar-se hoje resolvida. Como afirmam Gomes Canotilho / Vital Moreira (op. cit., p. 497), «[n]ão se reconduz à “prática do mesmo crime” o sancionamento de uma conduta como infração disciplinar e como crime (AcTC n.º 263/94) e como crime e contraordenação (AcTC n.º 244/94)» ). Assim também Taipa de Carvalho: «[…] embora o art.º 29.º se refira somente à lei criminal, deve considerar-se que parte destes princípios (…) se aplicam também aos outros dois ramos do chamado direito público sancionatório: o direito de mera ordenação social e o direito disciplinar (…)» (Jorge Miranda / Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, 2.ª Edição, Wolters Kluwer Portugal e Coimbra Editora, p. 676.) Trata-se de extrair os devidos corolários da independência e autonomia entre infracção disciplinar e infracção criminal. O mesmo facto pode dar origem a diferentes tipos de responsabilidade por afectar diferentes bens jurídicos. Esta circunstância encontra justificação, segundo Marcello Caetano (op. cit., p. 803), no facto do grupo social mais restrito estar integrado na comunidade política, a quem interessam as condutas ocorridas dentro daquele e os seus objectivos ou interesses. Escreveu-se no Parecer nº 123/87, do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República: "Desta autonomia e independência dos direitos disciplinar e criminal [...], «decorre como natural corolário que a valoração da mesma conduta pode ser feita e sancionada concomitantemente no âmbito respectivo sem que isso envolva violação do princípio non bis in idem, que só funciona no âmbito de cada específico ordenamento punitivo, e ainda que, no caso de excepcionalmente a tutela penal, por mais ampla, abranger também o domínio disciplinar [...], pode este actuar, e deve até, em caso de aquela tutela não se ter concretamente efectivado ou, apenas, se mostrar insuficiente.»" (Colectânea dos Pareceres da Procuradoria-Geral da República - Ano de 1988, Coimbra, 1991, p. 501, com a transcrição do Parecer nº 163/82, publicado no Boletim do Ministério da Justiça, n.º 328, p. 245, apud acórdão do Tribunal Constitucional n.º 263/94, cit.). Sendo distintos os valores que se pretendem tutelar através da repressão criminal e da sanção disciplinar, sempre se defendeu a independência entre ambas. A consequência desta independência passa também pela independência de aplicação de sanções. Por isso mesmo, a regra do non bis in idem não é aplicável quando um trabalhador pratica um facto que é simultaneamente abrangido pelo direito penal e pelo direito disciplinar (Raquel Carvalho, op. cit., pág. 50; Veiga e Moura, op. cit., 102; Lopes Dias, op. cit., p. 7; João Castro Neves, «O Novo Estatuto Disciplinar (1984) Algumas Questões», Revista do Ministério Público, ano 6, vol. 21, p. 10). Neste sentido se sedimentou a jurisprudência da Secção do Contenciosos deste tribunal, podendo ver-se, nomeadamente, o acórdão desta Secção do Contencioso de 23-06-2016 (Proc. n.º 16/14.0YFLSB, em www.dgsi.pt) que se pronuncia no sentido de que o princípio em apreço proíbe que na actividade sancionatória se proceda a uma dupla valoração do mesmo substrato material. As fundamentais razões dessa proibição residem, por um lado, na paz jurídica que ao arguido se deve garantir finda a perseguição de que foi alvo e, por outro lado, no interesse em evitar pronúncias díspares sobre factos unitários. E, para que a referida proibição assuma o devido alcance, a doutrina fá-la acompanhar do que designa por um mandado de esgotante apreciação de toda a matéria cognoscível (cf. acórdão de 04.07.2019, processo n.º 69/18.1YFLSB, em www.dgsi.pt). O Tribunal Constitucional legitimou jurisprudencialmente esta orientação, no citado acórdão n.º 263/94, de 23.03.1994, que reiterou pouco depois, afirmando que «[d]a autonomia entre responsabilidade penal e responsabilidade disciplinar deriva que a imposição a uma mesma pessoa, como consequência de um mesmo facto, de duas sanções diferentes, uma de natureza penal, outra de natureza disciplinar, não está a por em causa o princípio ne bis in idem» (cf. acórdão n.º 161/95, de 23.03.1995, processo n.º 498/92, http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/19950161.html). Também o STA, de resto, tem vindo a firmar jurisprudência no sentido de que o processo disciplinar é distinto e autónomo do processo penal, assentando essa autonomia, fundamentalmente, na diversidade dos pressupostos da responsabilidade civil e disciplinar, bem como na diferente natureza e finalidade das penas nesses processos aplicáveis, podendo ser diversas as valorações que cada um deles faz dos mesmos factos e circunstâncias; daí que a aplicação de uma pena disciplinar pela prática de factos pelos quais o arguido foi julgado (e até condenado) em tribunal criminal não ofende os princípios constitucionais de separação de poderes e da prevalência das decisões judiciais, consagrados nos artigos 205.º e 211.º da CRP, face à aludida autonomia entre os processos criminal e disciplinar, que se caracteriza, no essencial, pela coexistência de espaços valorativos e sancionatórios próprios, tendo em conta a diversidade dos interesses específicos a que se dirige cada um daqueles procedimentos sancionatórios [assim, inter alia, os acórdãos do STA de 07.01.2009 (processo n.º 0223/08), 25.02.2010 (processo n.º 01035/08), 27.11.2011 (processo n.º 1079/09), todos em http://www.dgsi.pt/jsta]. Com efeito, a autonomia dos campos disciplinar e penal caracteriza-se pela coexistência de espaços valorativos e sancionatórios próprios: enquanto a repressão penal é exercida no interesse e segundo as necessidades da sociedade em geral, a repressão disciplinar é-o no interesse e segundo as necessidades do serviço. A sanção penal atinge o cidadão na sua liberdade e nos seus bens; a sanção disciplinar atinge o funcionário na sua situação de carreira, e só as faltas cometidas no exercício da função ou susceptíveis de comprometer a dignidade desta podem ser objecto de repressão disciplinar. A valoração é, assim, autónoma e independente, donde resulta, pois, que a mesma conduta pode ser apreciada simultaneamente no campo penal e no campo disciplinar, sem que isso envolva violação do princípio ne bis in idem, que apenas funciona no âmbito de cada específico ordenamento sancionatório. Por isso, a existência de ilícito disciplinar não está prejudicada ou condicionada pela decisão que, sobre os mesmos factos, tenha sido, ou venha a ser tomada em processo penal. 33. Em consequência do que vem de se expor se conclui que improcede a alegação do autor de violação do princípio in bis in idem quando reportada à aplicação de uma sanção disciplinar pela deliberação sub judicio na parte em que incide sobre os factos que haviam dado origem à condenação penal. 34. A questão que se poderá colocar, portanto, é se ocorreu ou não violação de tal princípio no âmbito da perseguição disciplinar. A aplicação do princípio non bis in idem à duplicidade de sanções disciplinares tem expressão no artigo 180.º, n.º 3, da LGTFP, que tem a seguinte redacção: «Não pode ser aplicada mais de uma sanção disciplinar por cada infração, pelas infrações acumuladas que sejam apreciadas num único processo ou pelas infrações apreciadas em processos apensados». Para que a referida proibição assuma o devido alcance, a doutrina (Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte Geral, tomo I, Questões Fundamentais. A Doutrina Geral do Crime, 2.ª edição, 2007, p. 978) e a jurisprudência (cf. acórdãos do STJ de 23.06.2016 e de 04.07.2019, proferidos respectivamente nos processos n.os 16/14.0YFLSB e 69/18.1YFLSB, e do STA de 23.01.2013, 30.10.2014 e 13.07.2016, proferidos respectivamente nos processos n.os 0772/10 (Pleno), 01169/13 e 0516/14, todos acessíveis em http://www.dgsi.pt) fazem-na acompanhar do que designam por um mandado de esgotante apreciação de toda a matéria cognoscível. Pretende com isto significar-se que, quem averigua da responsabilidade disciplinar de um arguido por via de certos factos deve esgotar todas as consequências sancionatórias que desses factos derivem; porque, se o não fizer, não poderá a perspectiva omitida ser recuperada num outro processo (seja a se, seja em conjunto com a parte já antes tida em conta), por isso traduzir um segundo juízo punitivo sobre os mesmos factos. Não existem regras legais identificativas de situações de concurso de infracções disciplinares. «Elas serão, num quadro que postula a unidade valorativa, despiciendas, dir-se-á. Não obstante, sempre se pode observar que a acumulação de infrações releva, como circunstância agravante, em sede de determinação da sanção e da sua medida e que a referida unidade valorativa não dispensa a consideração individualizada do desvalor de cada infração e que a aplicação das regras de cúmulo de infrações poderia esbater tal individualização. Há, neste plano, que distinguir as situações. O comportamento do trabalhador pode consubstanciar mais do que uma infração disciplinar (concurso legal). O trabalhador pode praticar mais do que uma vez uma mesma infração (concurso ideal) e diferentes comportamentos do trabalhador podem dar lugar a mais do que uma infração (concurso real). A “consumpção de normas” não é de excluir quando a proteção assegurada por uma esgota ou coincide com o âmbito de proteção de outra, por não existir aqui uma individualidade valorativa relevante.» (Ana Fernanda Neves, O Direito Disciplinar…, vol. ii, cit., p. 454). 35. Dito isto, será que se pode afirmar que a deliberação que aplicou a pena de demissão aqui sindicada padece do vício apontado, por preexistência de outras sanções disciplinares? A resposta a esta questão, é negativa, por duas ordens de razão distintas (uma de índole conceptual ou dogmática, a outra de verificação casuística nos autos), que se enunciam sucintamente de seguida. 36. Em primeiro lugar, a doutrina da especialidade já se pronunciou no sentido de que, na hipótese de coexistência de poderes disciplinares por parte de diversas entidades (por exemplo, em caso de coexistência de relações jurídicas de emprego público), poder-se-á nem sequer justificar a apensação de processos a que alude o artigo 180.º, n.º 3, in fine, da LGTFP, a qual só se justificará se existir conexão entre o objecto dos diferentes processos. Com efeito, tratar-se-á nesse caso de diferentes empregadores munidos do exercício do poder disciplinar e como tal cada um deve agir enquanto tal no âmbito da respectiva relação de emprego, «[…] sem que seja posto em causa o princípio ne bis in idem, por serem diferentes os factos e o sujeito empregador […]» (Ana Fernanda Neves, O Direito Disciplinar…, vol. II, cit., pág. 100). E, mais adiante, a afirma a mesma autora que, «[n]o caso de acumulação de empregos públicos, a aplicação de uma sanção no âmbito de uma das relações de emprego não deve ter efeitos sobre a outra, sem prejuízo de os factos integrativos da infração punida poderem consubstanciar violação de deveres e obrigações do trabalhador no âmbito da outra, caso em que não é de excluir a instauração de procedimento disciplinar. Com efeito, sendo os empregadores públicos diferentes, é no quadro de cada uma das relações jurídicas de emprego que tem de ser aferida a não observância pelo trabalhador dos deveres e obrigações a que está vinculado no quadro das mesmas» (idem, ibidem, pág. 455, com realçados nossos). Vale isto por dizer que, como se sustentou nos actos impugnados, a prática de uma infracção criminal pode ter respaldo disciplinar em tantas as carreiras/ordens profissionais quantas o trabalhador tenha vínculo ou inscrição activa, com diferentes consequências, sem que tal viole o princípio ne bis in idem ou o disposto no art.º 180.º, n.º 3, da LGTFP. Esta constatação é tanto mais pertinente quanto nos apercebemos que nem sequer estaremos perante o mesmo e exacto regime disciplinar, aplicável transversalmente a todos os substratos profissionais em que se moveu o aqui autor. Não está designadamente em causa a submissão a um quadro normativo exactamente comum, como seria o caso de o autor ter estado em tribunais diversos durante a prática das infracções em causa, ou no caso mais comum de mobilidade entre pessoas colectivas de direito público submetidas ao mesmo regime disciplinar (designadamente, o da LGTFP). Na verdade, enquanto Secretário Judicial (vínculo que manteve, não obstante a licença sem vencimento, e que o adstringiu à observância de deveres que não pressuponham o exercício efectivo de funções, como já se viu), a conduta do autor é apreciada à luz, primacialmente, do EFJ; enquanto Advogado, a mesma conduta é apreciada à luz do Estatuto da Ordem dos Advogados; e enquanto Administrador de Insolvência, a mesma conduta é apreciada à luz da Lei n.º 22/2013, de 26 de Fevereiro. Trata-se de regimes disciplinares distintos, e cada um deles aporta potencialmente uma valoração diversa da mesma conduta. 37. Em segundo lugar, o caso dos autos demonstra que nem sequer se verificava qualquer punição disciplinar preexistente à data da aplicação da sanção (quer pelo COJ, quer pelo CSMN — cf. ponto 2.1. dos factos não provados). Não só o autor não carreou, quer para o processo disciplinar que estava a ser tramitado pelo COJ, quer para o procedimento administrativo de segundo grau que foi tramitado pela entidade demandada, quer mesmo para os presentes autos, qualquer acervo documental que corroborasse as alegações de que já fora condenado em sede disciplinar, como do teor do processo administrativo instrutor resulta, afinal, que o autor não chegou a ser sequer perseguido disciplinarmente pela Comissão para o Acompanhamento dos Auxiliares de Justiça, sendo que o processo disciplinar que a Ordem dos Advogados lhe instaurou logo em 2014 ainda não conhecera qualquer decisão à data do ato impugnado (ficando, de resto, o Tribunal sem lograr identificar em que fase procedimental estava tal processo, posto que, malgrado a sua antiguidade, o autor nunca esclareceu se as notificações que alegou ter recebido naquele procedimento se reportavam sequer à dedução de qualquer acusação). Em rigor, a suspensão de funções enquanto advogado e enquanto administrador judicial não decorreu de nenhuma decisão administrativa de qualquer daquelas autoridades; ao invés, resultou apenas da pena acessória de proibição do exercício de tais funções pelo período de 3 anos e 2 meses no âmbito da decisão proferida no processo n.º 077/14.2 JFLSB [cf. ponto 1.5. do probatório]. Assim sendo, improcede a pretensão do autor também neste ponto.
* E) Da violação do princípio da proporcionalidade 38. Por último, alega o autor que as decisões impugnadas, quer a que aplicou a suspensão preventiva, quer a que aplicou a sanção de demissão, são “desadequadas”. Estamos aqui confrontados, já não com um vício de lei por erro sobre os pressupostos da decisão, seja de facto, seja de direito: a infracção existiu efectivamente e as normas convocadas pela entidade demandada foram, no essencial, as correctas. O que agora se pede ao Tribunal é que sindique a concreta medida da pena disciplinar, ou seja, que promova um acertamento judicial da «dosimetria» sancionatória em concreto aplicada ao arguido de acção disciplinar administrativa 39. Como é sabido, doutrina e jurisprudência têm vindo a expressar, de forma uniforme, o entendimento de que, na fixação da medida da pena, a Administração, embora tenha de respeitar os parâmetros legais, goza de certa margem de liberdade. Este entendimento decorre, desde logo, da constatação de que «[a] gravidade da pena a aplicar depende do grau de responsabilidade do agente. Ora a apreciação desta está entregue ao critério dos titulares do poder disciplinar que a avaliarão de acordo com os conhecimentos da personalidade do infractor e das circunstâncias em que agia. […] Por isso, ao contrário do que sucede no direito criminal, não se estabelece a correspondência rígida de certas sanções para cada tipo de infracção, deixando-se a quem haja de decidir amplo poder discricionário para punir as infracções verificadas» (Marcello Caetano, op. cit. 2013, pp. 818 a 820). Note-se que o alargamento dos poderes de pronúncia do juiz que haja de mover-se nos meandros processuais do contencioso administrativo, decorrente da possibilidade de inclusive emitir pronúncias de condenação dirigidas às autoridades administrativas (cf. artigo 66.º do CPTA), não veio alterar o perfil de controlo da legalidade dos actos da Administração pelos tribunais administrativos, que continua a reger-se pelo princípio da separação de poderes. Fundamental, por isso, é que a pretensão do autor se reporte a um aspecto vinculado do acto administrativo a praticar — ou, pelo menos, que a apreciação do caso concreto permita ao tribunal identificar apenas uma solução como legalmente possível («redução da discricionariedade a zero»). Por isso, depois de consagrar, no seu artigo 2.º, o princípio da tutela jurisdicional efectiva dos particulares perante a Administração, o próprio CPTA estabelece, no seu artigo 3.º, n.º 1, que «[n]o respeito pelo princípio da separação e interdependência dos poderes, os tribunais […] julgam do cumprimento pela Administração das normas e princípios jurídicos que a vinculam e não da conveniência ou oportunidade da sua atuação». Assim, o princípio da plena jurisdição dos tribunais, ali consagrado, não pode ser entendido de modo ilimitado, pois que existem zonas de actuação da Administração em que os tribunais (administrativos e, ex vi artigos 168.º e 178.º do EMJ, também a Secção de Contencioso do STJ) não se podem intrometer. Existe aí, pois, uma reserva de liberdade ou discricionariedade da Administração. Portanto, ou existem «[…] vínculos jurídicos a condicionar, de qualquer modo, a atuação da Administração no caso em apreço, e pede-se ao tribunal que averigúe da sua existência e (em caso afirmativo) que os torne efetivos, ou não há vínculos desses e o tribunal só pode abster-se de julgar a conduta administrativa. Naqueles aspetos em que as decisões concretas da Administração relevam de uma qualquer opção discricionária ou de uma margem de apreciação ou valoração autónoma, os tribunais […] – não conseguindo formular sobre essa opção um juízo de desconformidade com o bloco legal que lhe é aplicável – ficam, por lei, proibidos de exercer um controlo sobre elas […]» (Mário Esteves de Oliveira & Rodrigo Esteves de Oliveira, Código de Processo nos Tribunais Administrativos – volume i e Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, Almedina, 2006, pág.123). Esta reserva de discricionariedade evidencia-se, no artigo 3.º, n.º 1, do CPTA, pela necessidade de salvaguardar o princípio da separação de poderes, plasmado no artigo 111.º, n.º 1, da CRP, nos termos do qual «[o]s órgãos de soberania devem observar a separação e a interdependência estabelecidas na Constituição», e elevado mesmo a limite material da revisão constitucional — cf. artigo 288.º, alínea j), da Lei fundamental. E dela decorre a fixação de limites funcionais aos poderes de controlo dos tribunais da actuação dos órgãos administrativos, independentemente dos meios de que se possam socorrer. Tais limites «[…] concretizam-se através da restrição da fiscalização jurisdicional à esfera da juridicidade, implicando que aos tribunais se atribua apenas competências para aferir da compatibilidade das decisões administrativas com a lei, os princípios gerais de direito e as normas constitucionais que integram o bloco de juridicidade. Ao fazê-lo, não estão a privar a Administração da essência da sua função material, porque esta atua num campo em que é heterodeterminada, aplicando ao caso concreto soluções pré-definidas em normas e princípios jurídicos. Já são, no entanto, de excluir do campo da jurisdição todos os poderes de decisão que englobem questões de mérito, isto é, que impliquem a avaliação da oportunidade e conveniência da atividade administrativa […]» (Fernandes Cadilha, «A prova em contencioso administrativo», Cadernos de Justiça Administrativa, n.º 69, 2010, pp. 167 e 168). 40. No campo da margem de “livre” decisão da Administração Pública encontram-se duas (sub)realidades distintas: i) a discricionariedade em sentido estrito; e ii) o preenchimento valorativo de conceitos indeterminados. Na discricionariedade stricto sensu tem-se um espaço de livre decisão conferido pela norma, no âmbito da qual o órgão exerce um poder administrativo de acordo com critérios por ele escolhidos (dentro dos limites da norma), com base num juízo de prognose (um juízo de probabilidade consubstanciado numa valoração, e não num juízo cognoscitivo, i.e., num juízo baseado na experiência do decisor e nas suas convicções) e com vista à composição de todos os interesses em jogo (Bernardo Diniz de Ayala, O (défice de) controlo judicial da margem de livre decisão administrativa, Lisboa, Lex, 1995, pp. 107 e 108; Duarte Rodrigues da Silva, «Notas sobre o Contencioso Administrativo Disciplinar», in AA.VV., O Regime Disciplinar…, cit., p. 66). Seguindo de perto a exposição de Diniz de Ayala, op. cit., pp. 134 e 135), a Administração Pública pode ter: i) discricionariedade de decisão, podendo optar entre decidir ou não decidir, dispondo assim de liberdade quanto à oportunidade (an); ou apenas ii) discricionariedade de escolha, dispondo de liberdade quanto ao conteúdo (quid) da decisão, seja essa discricionariedade optativa (as escolhas surgem na norma como alternativas) ou criativa (a norma estabelece apenas o núcleo mínimo identificador do género de medida, sendo o órgão competente que densifica a atuação concreta a implementar casuisticamente). Por seu turno, «[n]o preenchimento valorativo de conceitos indeterminados procura-se resolver o conteúdo de um conceito jurídico que não permita a apreensão clara do seu conteúdo através da avaliação ou valoração da situação concreta baseada num juízo de prognose, isto é, um juízo de estimativa sobre a futura actuação de uma pessoa, sobre a futura utilidade de uma coisa ou sobre o futuro desenrolar de um processo social» (Rodrigues da Silva, op. cit., pág. 66). Apesar de partilharem o espaço de margem de liberdade de actuação administrativa, as duas realidades distinguem-se, residindo a diferença entre ambos nas circunstâncias de: i) a discricionariedade implicar, a par de juízos de prognose e avaliação, uma ponderação de interesses públicos e privados envolvidos, passando sempre pela decisão de um conflito de interesses em concorrência, ao passo que o preenchimento valorativo de conceitos indeterminados não comporta qualquer ponderação de interesses, consubstanciando um simples juízo de valor que determinará se é de considerar que se verifica determinado pressuposto, a fim de subsumir a realidade que se possa vir a verificar casuisticamente na facti species normativa; ii) na discricionariedade o completamento da abertura da norma faz-se mediante o aditamento de novos pressupostos do acto (“alargamento conjuntivo da previsão”), ao passo que no preenchimento de conceitos indeterminados o alargamento da norma assenta num esquema disjuntivo, na medida em que o órgão decisor terá de decompor o conceito em valorações ou prognoses alternativas (pelo menos uma positiva e uma negativa) para o efeito de considerar verificada ou não a existência de um pressuposto (Sérvulo Correia, Direito do contencioso administrativo, i, Lisboa, Lex, 2005, pp. 395, 623 e 624). Esclareça-se, porém, o seguinte: uma vez verificada a densificação que a própria Administração Pública faz no preenchimento valorativo de um qualquer conceito indeterminado, ou subsumida uma determinada realidade fáctica a uma previsão normativa que faz apelo àquele conceito indeterminado que se pretende preenchido com recurso a uma valoração alternativa (ou está preenchido o conceito, ou não está), a margem de liberdade administrativa esgota-se ou fica irremediavelmente comprometida: preenchida que está a facti specie, deverá fazer-se operar a respectiva estatuição. 41. No domínio do direito disciplinar surpreendem-se inúmeras manifestações da formulação de valorações próprias da função administrativa ou da margem de “livre” decisão. Desde logo, é defendida de há muito a existência de um juízo de oportunidade na própria instauração do procedimento disciplinar (Raquel Carvalho, op. cit., pág. 131; Veiga e Moura, op. cit., pág. 223; aludindo a um «princípio de oportunidade temperado ou “discricionariedade vinculada”», vide Ana Fernanda Neves, Direito…, ii, cit., pp. 352 e passim). Esta tese encontra respaldo normativo expresso no artigo 207.º, n.º 1, da LGTFP, segundo o qual cabe ao órgão competente para instaurar o procedimento disciplinar, uma vez recebida a participação ou queixa disciplinar, decidir se ele deve ou não ter lugar. «Sendo assim, ao poder de “participar” não corresponde, do lado passivo, outro dever que não seja o de receber a participação e sobre ela, proferindo despacho liminar, decidir se instaura ou não o procedimento adequado» (Ac. do STA de 08.06.2000, processo n.º 41 879). Além disso, na LGTFP prevêem-se inúmeros espaços de abertura normativa, nomeadamente em sede de preenchimento de conceitos indeterminados, como “prejuízo relevante para o serviço”, “sem consequências importantes” (artigo 185.º), “comportamentos que atentem gravemente contra a dignidade e o prestígio da função” (artigo 186.º) ou, com interesse para o caso dos autos, a propósito da sanção de despedimento disciplinar, quando se faz apelo à “infração que inviabilize a manutenção do vínculo público” (artigo 187.º). Essa abertura conceptual foi já abordada pelo Tribunal Constitucional, a propósito de uma suposta inconstitucionalidade por violação do princípio da legalidade na vertente da derrogação da tipicidade sancionatória, por apelo a um paralelismo com o princípio da tipicidade da lei penal. E se, num primeiro momento se pronunciou no sentido de que as normas de direito disciplinar que prevejam medidas expulsivas (maxime a pena de demissão) têm de conter um grau de precisão tal que permita identificar o tipo de comportamentos a que elas podem aplicar-se (Acórdão n.º 666/94, de 14.12.1994, processo n.º 307/91), o Tribunal Constitucional viria entretanto a mitigar o juízo de censura quanto à tipicidade disciplinar, nomeadamente reconhecendo que «a caracterização do ilícito disciplinar, de modo a desejavelmente poder abranger uma multiplicidade de condutas censuráveis, exige, por vezes, o uso de conceitos indeterminados na definição do tipo», sendo importante que a norma contenha «critérios de decisão para a aplicação da sanção» (Acórdão n.º 384/2003, de 15.07.2003, processo n.º 40/03). A própria jurisprudência, reiterada e constante, da Secção de Contencioso deste tribunal vem de há muito postulando precisamente a existência dessa margem de livre apreciação que assiste ao CSM no exercício do poder disciplinar, nomeadamente na emissão do juízo qualificativo dos tipos de infracção e na dosimetria concreta da pena. Vejam-se, nomeadamente, os acórdãos de 12.12.2002 (processo n.º 4269/01), 27.10.2009 (processos n.os 21/09.8YFLSB e 364/09.0YFLSB), 16.11.2010 (processo n.º 451/09.5YFLSB), 16.12.2010 (processo n.º 9/10.6YFLSB), 05.06.2012 (processo n.º 127/11.3YFLSB), 21.11.2012 (processo n.º 66/12.0YFLSB), 19.09.2012 (processo n.º 10/12.5YFLSB), 11.12.2012 (processo n.º 61/12.0YFLSB), 21.03.2013 (processo n.º 15/12.6YFLSB), 26.06.2013 (processos n.os 132/12.2YFLSB e 149/11.4YFLSB), 15.10.2013 (processos n.os 30/13.2YFLSB e 44/13.2YFLSB) [todos acessíveis em “Sumários do Contencioso”, em www.stj.pt] e, mais recentemente, de 22.02.2017 (processo n.º 10/16.6YFLSB), 30.03.2017 (processo n.º 73/16.4YFLSB), de 22.01.2019 (processos n.os 65/18.9YFLSB e 77/18.2YFLSB) e 10.12.2019 (processo n.º 2/19.3YFLSB). 42. Não se pretende dizer com isso que existem matérias, como a da determinação da medida da pena disciplinar, no âmbito das quais os tribunais não podem exercer qualquer controlo: o que está em causa, sim, e apenas, é a natureza do poder exercido em cada caso pela Administração, o que implica apurar se determinada actuação se mostra (no todo ou em parte) vinculada, isto é, moldada por regras jurídicas que determinam esse concreto modo de agir, ou discricionária, caso em que essa determinação legal não existe. Tal também não significa obviamente que não existam aspectos que, no exercício da actividade “discricionária”, se mostrem submetidos ao total controlo judicial. Tais aspectos são apenas os aspectos vinculados dessa actividade discricionária (como, por exemplo, a competência) ou os limites externos a qualquer actividade administrativa, tais como os princípios a que a mesma deve obedecer, cuja inobservância ostensiva (no caso da actividade discricionária) é sempre judicialmente sindicável (v. g., o princípio da proporcionalidade). Assim, o legislador, ao conferir aos tribunais poderes de jurisdição plena (artigos 2.º e 3.º do CPTA), acaba por confiná-los à aplicação da lei e do Direito, vedando aos tribunais a faculdade de se substituírem às entidades públicas na formulação de valorações que, por já não terem carácter jurídico, mas envolverem a realização de juízos sobre a conveniência e oportunidade da sua actuação, se inscrevem no âmbito próprio da discricionariedade administrativa. A reserva de discricionariedade da Administração Pública, com a consequente insindicabilidade judicial do mérito das medidas e opções administrativas é, pois, corolário imanente do nuclear princípio constitucional da separação de poderes. Advirta-se, porém, na esteira dos ensinamentos da doutrina mais autorizada, que ora se seguem de perto, que o n.º 1 do artigo 3.º do CPTA não opõe legalidade a discricionariedade; contrapõe, outrossim, juridicidade a mérito. Pretende o Legislador com isto significar, em bom rigor, não que o sumo de poderes discricionários se encontra fora do domínio jurídico (out of law) ou que a Administração Pública estaria aí submetida apenas a regras de boa administração, ao arrepio de todo e qualquer parâmetro normativo de controlo; ao contrário, o poder discricionário partilha com o poder estritamente vinculado uma característica transversal e seminal: é um poder jurídico. Daí que, embora se detectem neste domínio momentos próprios da decisão que estão reservados à Administração (pelo juízo de prognose e, porventura, de ponderação de interesses que convocam), e apesar de ser inerentemente limitado o âmbito dos poderes de cognição dos tribunais judiciais no quadro desta margem de livre apreciação administrativa, também aqui, a actuação administrativa não é livre, antes estando sujeita a critérios jurídicos (discricionariedade ou «livre decisão, que se move num campo de competência e legalidade, não equivale a arbitrariedade, que se move num campo de absoluta liberdade, positiva e negativa» (Rodrigues da Silva, op. cit., pág. 71). Esses critérios jurídicos são oferecidos, além do mais, pelo artigo 266.º, n.º 2, da Constituição, que sujeita toda a actividade administrativa aos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa fé. Tais princípios concretizam uma objectivação dos critérios jurídicos de controlo do exercício da margem de livre apreciação, conferindo verdadeiros parâmetros de racionalidade a partir dos quais o Tribunal, face à dinâmica factual apurada e a situação concreta que lhe é submetida, afere da respectiva compatibilização com a juridicidade. Importa, porém, ter presente que o controlo jurisdicional do exercício administrativo de poderes discricionários é um controlo externo e negativo, que apenas permite aos tribunais a anulação da solução adoptada se ela violar os cânones da razoabilidade e racionalidade básicas, quer em termos jurídicos, quer em termos de senso comum – mas já proíbe a definição, pela positiva, do caso concreto, substituindo-se à Administração Pública na ponderação das valorações que integram a margem de livre apreciação, salvo nas chamadas situações de redução da discricionariedade a zero, a que alude o n.º 2 do artigo 71.º do CPTA (Maria Francisca Portocarrero, «Aferição judicial ab extra da legalidade do exercício administrativo discricionário», Cadernos de Justiça Administrativa, n.º 66, 2007, pág. 34). Daí que a violação dos princípios aludidos no n.º 2 do artigo 266.º da CRP apenas devam determinar a anulação do ato administrativo se for flagrante e ostensiva (neste sentido vide, na doutrina, Aroso de Almeida / Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 4.ª edição revista, 2017, Coimbra, Almedina, p. 490) e Mário Esteves de Oliveira & Rodrigo Esteves de Oliveira (op. cit., pág. 125). 43. No domínio de apreciação jurisdicional da “dosimetria” de uma sanção disciplinar, assume particular relevo o princípio da proporcionalidade. Como bem aponta a doutrina da especialidade, «[o]s critérios enunciados para a ponderação discricionária da Administração Pública apontam claramente para uma imposição de proporcionalidade, adequação e necessidade da determinação da pena disciplinar. Trata-se da prática de actos de poder público que limitam os direitos dos trabalhadores e que portanto se devem sujeitar às garantias do princípio da proporcionalidade. A actividade de escolha e medida das penas é uma actividade claramente discricionária mas não arbitrária. O legislador aponta alguns critérios mas não fecha mesmo aqui a porta à consideração de circunstâncias que in casu sejam relevantes para a escolha mais justa e proporcional: “todas as circunstâncias em que a infração tenha sido cometida que militem contra ou a favor dele”» (Raquel Carvalho, op. cit., pp. 90 e 91). Dito por outras palavras: «da conjugação dos princípios constitucionais da prossecução do interesse público e da proporcionalidade há de resultar que a pena disciplinar a aplicar […] seja sempre a “justa medida” reclamada para salvaguarda desse mesmo interesse público, o que necessariamente implicará que a sanção efetivamente aplicada ou a aplicar seja necessária a acautelar as exigências disciplinares do serviço, adequada a esse mesmo efeito e proporcional ou equilibrada face aos interesses em presença, o que significa que se houver mais do que uma pena adequada à salvaguarda do interesse público, se deve aplicar a que for menos gravosa para o trabalhador. […] Não obstante a Administração gozar de uma certa discricionariedade na eleição da pena a aplicar em concreto […], não se pode esquecer que os poderes discricionários conhecem limites, dados, justamente, entre outros, pelo princípio da proporcionalidade. Assim sendo, este princípio impede a livre discricionariedade da Administração para eleger a sanção, pelo que […] o exercício do poder disciplinar discricionário há de ser sempre objeto de uma “revisão” posterior por parte do tribunal, destinada a controlar a proporcionalidade da pena […]» (Veiga e Moura, op. cit., pág. 168). Em suma: «[o] princípio da proporcionalidade é um “limite material à intervenção” sancionatória, um parâmetro essencial da juridicidade da aplicação de medidas sancionatórias, na determinação da necessidade e da escolha da sanção e da sua medida, mas também no âmbito do princípio da culpa, do princípio da tipicidade e da ilicitude. Estabelecida a relação entre os factos e os recortes qualificantes das normas, apurada a valoração reconducente dos factos a certa infração disciplinar e à sanção (abstrata) que lhe corresponde, impõe-se a determinação da concreta sanção a aplicar e ou da sanção e da sua medida. Também no Direito Disciplinar da função pública temos dois momentos, duas operações distintas. Há a proporcionalidade na subsunção: a adequação do preenchimento de conceitos indeterminados e de cláusulas gerais utilizados no recorte infracional não pode deixar de ser controlada: para cada infração a lei prevê uma determinada sanção e não a possibilidade de várias sanções para uma mesma infração. [E, depois, também há] a proporcionalidade no apuramento da concreta sanção. Situamo-nos aqui no plano da ponderação dos “interesses presentes no caso concreto”, da avaliação precisa dos factos, da natureza e gravidade da infração, do circunstancialismo em que foi cometida, da categoria do funcionário, da sua personalidade, do tempo de serviço ou antiguidade, da intensidade da culpa e da natureza do serviço.» (Ana Fernanda Neves, O Direito…, ii, cit., pp. 150 e 151, exposição posteriormente aprofundada a pp. 447 a 453). 44. De acordo com o labor dogmático e exegético que recaiu sobre este princípio, o princípio da proporcionalidade desdobra-se em três subprincípios: o princípio da adequação, o princípio da necessidade e o princípio da proporcionalidade em sentido estrito. O primeiro (adequação) impõe que as medidas adoptadas sejam aptas a realizar o fim ou fins que têm em vista alcançar. A actuação administrativa deve ser, assim, congruente com as circunstâncias do caso e os fins que a justificam, impondo-se uma avaliação causa-efeito entre, por um lado, o meio ou solução propostos, e, por outro lado, o objectivo a atingir. Os critérios da Administração Pública têm de ser possíveis de conduzir ao fim do ato, que, por seu turno, deve coincidir com o fim legal. Assim, quanto à primeira vertente, à questão que se impõe formular («a medida em causa é apropriada ou adequada à prossecução do fim pretendido?»), a resposta deverá levar em conta que «[…] a medida restritiva só será liminarmente invalidada por inidoneidade ou inaptidão quando os seus efeitos sejam ou venham a revelar-se indiferentes, inócuos ou até negativos tomando como referência a aproximação do fim visado com a restrição […]» (Jorge Reis Novais, Os Princípios Constitucionais Estruturantes da República Portuguesa, reimpressão, Coimbra, Coimbra Editora, 2011, pág. 168). Por seu lado, o princípio da necessidade exige que se escolha, de entre todos os meios idóneos e de igual modo aptos a prosseguir o fim visado, aquele que produza um efeito menos restritivo. A medida administrativa deve ser necessária para o cumprimento dos fins que determinam a actuação pública, de tal sorte que a Administração só deve sacrificar o direito do particular quando tal se revele indispensável para a prossecução do interesse público. Está em causa aferir se existem porventura outras medidas idóneas que sejam menos lesivas dos vários interesses em presença. Destinado a detectar actuações excessivas, «[…] o princípio da proporcionalidade assume-se como um princípio comparativo, obrigando à realização de um confronto entre diferentes meios: entre o meio efectivamente utilizado e outros meios hipoteticamente disponíveis para alcançar o fim almejado pelo legislador (e constitucionalmente almejado). O problema agora não é tanto de eficácia do meio eleito pelo legislador como de eficiência ─ da sua eficiência comparada com outros meios, com outras soluções legais, com outras vias de abordar o mesmo problema» (Jorge Miranda / Jorge Pereira da Silva, «Artigo 18.º», in AAVV, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo i, 2.ª edição, coordenação Jorge Miranda / Rui Medeiros, 2010, pp. 374 e 375). Por último, o princípio da proporcionalidade em sentido estrito proíbe a adopção de medidas excessivas ou desproporcionadas para alcançar os fins pretendidos. A actuação administrativa deve, nesta perspectiva, ser tomada na justa medida da situação carecida de resolução. A Administração deve pesar a relação entre os benefícios que vai obter para o interesse público e os prejuízos correlativos que vai impor ao particular, exigindo-se que se esteja perante um meio equilibrado. Este princípio põe em confronto os interesses perseguidos com a escolha do procedimento e os bens, interesses ou valores sacrificados por essa decisão, obrigando a verificar se o resultado obtido com a limitação de efeitos configura uma justa medida face ao sacrifício de interesses que a mesma implica. Meios e fim são, assim, «colocados em equação mediante um juízo de ponderação, a fim de se avaliar se o meio utilizado é ou não desproporcionado em relação ao fim» (Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7.ª edição, 13.ª reimpressão, Coimbra, Almedina, 2013, pág. 270). Tal implica o recurso a uma metodologia de ponderação de bens: de um lado, o bem jusfundamental que é objeto de restrição; do outro, o bem constitucional que dir-se-ia justificar essa mesma intervenção restritiva. Trata-se agora de «apreciar o desvalor do sacrifício imposto […] quando comparado com o valor do bem que se pretende atingir. Assim, ao contrário do que acontecia nos controlos de idoneidade e de indispensabilidade – exclusivamente centrados na apreciação do meio e dando, à partida, como bom, ou pelo menos, inquestionável o fim visado –, na proporcionalidade faz-se necessariamente uma valoração das duas grandezas ou termos da relação em causa, apreciando-se a gravidade da restrição em associação à importância e imperatividade das razões que a justificam» (Reis Novais, op. cit., pág. 181). Sendo dois os actos sindicados e sendo a ambos apontada a violação deste princípio, importa aqui retomar o teor e a valoração efectuados em ambos, para depois se efectuar o juízo pertinente. 45. No que respeita à aplicação da medida de suspensão preventiva de funções, ao abrigo do disposto no artigo 96.º, n.º 3, do EFJ, pode ler-se na deliberação do COJ de …….2019 (reproduzida em 1.13. dos factos provados), além do mais, o seguinte: «Resulta da certidão judicial emitida a ……/2018, referente aos acórdãos proferidos no âmbito do Proc. Crime n.º ……………, ambos transitados em julgado, que o Sr. Oficial de Justiça AA foi condenado na pena única de três anos e quatro meses de prisão, suspensa na sua execução, por igual período, pela prática de um crime de peculato de uso, p. e p. pelo art.° 376.°, n.° 2, do Código Penal, e um crime de corrupção passiva, p. e p. pelos art.°s 373.°, n.° 2, e 374.°-A, n°s 1 e 3 do Código Penal, bem como, na pena acessória de proibição de exercício de funções de administrador judicial por igual período. […] Por outro lado, não obstante o Sr. Oficial de Justiça se encontrar em licença de longa duração aquando da prática dos factos que sustentaram a condenação crime, consideramos que o mesmo se encontrava sujeito aos deveres funcionais ínsitos no art.º 73.º da LGTFP, aplicável ex vi do art.º 123.º do EFJ, que não pressupusessem a efetiva prestação de trabalho — art.º 80.º do Decreto-Lei n.º 497/88, de 30 de dezembro. Refira-se, ainda, ao contrário do alegado pelo Respondente, que a prática de uma infração criminal pode ter respaldo disciplinar em tantas as carreiras/ ordens profissionais, quantas o visado tenha vínculo ou inscrição ativa, com diferentes consequências, sem que tal viole o princípio ne bis in idem ou o disposto no art.º 180.º, n.º 3, da LGTFP. Acresce que, independentemente da data da prática dos factos que consubstanciam os ilícitos criminais pelos quais foi condenado, a condenação crime transitada em julgado em ……./2017 e a pena de prisão de três anos e quatro meses de prisão a que foi condenado, ainda que suspensa na sua execução por igual período, constitui infração disciplinar nos termos e para os efeitos previsto no art.º 90.º do EFJ, afrontam a dignidade indispensável ao exercício das funções que o Sr. Oficial de Justiça AA exerce enquanto Secretário de Justiça do Tribunal da Comarca de ……….. - Núcleo de ……- vide art.º 90.º do EFJ. Assim, atenta a condenação criminal a que foi sujeito e os factos que a sustentam, mostra-se indiciada, por parte do Sr. Oficial de Justiça, a prática de infração disciplinar consubstanciada na violação dos deveres funcionais ínsitos no art.º 73.º, n.º 1, n.º 2, nas alíneas a), b), c) e g), n.ºs 3, 4, 5 e 9, da LGTFP (Lei n.º 35/2014, de 20 de junho), aplicável ex vi do art.º 123.º do EFJ (Estatuto dos Funcionários de Justiça - DL n.º 343/99, de 26 de agosto), em conjugação com o disposto nos art.°s 90.º do EFJ; Decreto-Lei n.º 244/93 de 8.07.93 e art.º 80.º do Decreto-Lei n.º 497/88, de 30 de dezembro. » Atenta a gravidade da infração disciplinar indiciada, ao Respondente é suscetível a aplicação da pena de suspensão ou, inclusive, demissão, nos termos do disposto nos art.ºs 186.º, als. e), k), l), m) e 187.º da LGTFP, impondo-se apurar se, no caso em apreço, se verificam os demais requisitos legalmente exigidos. Preceitua o art.º 96.º do EFJ, que “o oficial de justiça arguido em processo disciplinar pode ser preventivamente suspenso das suas funções desde que haja fortes indícios de que à infração caberá, pelo menos, a pena de suspensão, e a continuação na efetividade de serviço seja prejudicial à instrução do processo, ao serviço ou ao prestígio e à dignidade da função”. No âmbito da categoria de secretário de justiça, inscrevem-se, entre outras, as de direção dos serviços da secretaria; elaboração e gestão de orçamento de delegação da secretaria; direção do serviço de contagem de processos e exercício das demais funções conferidas por lei ou por determinação superior - vide Mapa I anexo ao EFJ. Face a tal conteúdo funcional, consideramos que a condenação na pena única de três anos e quatro meses de prisão, suspensa na sua execução, por igual período, pela prática de um crime corrupção passiva, contende indelevelmente com o exercício das funções de chefia ora desempenhadas, as quais implicam, designadamente, a contagem de processos e o acesso informático ilimitado aos mesmos. Por outro lado, independentemente do alegado pelo Respondente no sentido de cumprir escrupulosamente as funções que lhe competem, a condenação criminal de que foi alvo, nos termos da qual recebeu vantagens indevidas no desempenho de funções de administrador judicial aquando da vigência de licença de longa duração que lhe foi concedida, associada ao exercício atual de funções de chefia num Tribunal com a dimensão e visibilidade do Núcleo de ……., põe em causa a imagem dos tribunais e do sistema judicial, tendo, inclusive, tal situação tido eco em diversos meios de comunicação social (vide fls. 27 a 29 do processo disciplinar n.º ……….). Assim, consideramos que a manutenção em funções do Respondente é manifestamente prejudicial, não só para o serviço, bem como, para o prestígio e dignidade da função, razão pela qual se justifica, verificados todos requisitos do normativo citado, a sua suspensão preventiva. Pelo exposto, o Plenário deliberou suspender preventivamente de funções o Sr. Secretário de Justiça AA, a exercer funções no Tribunal da Comarca de ………..- Núcleo de ……, pelo limite temporal máximo previsto no art.º 96.º, n.º 3, do EFJ, devendo tal suspensão ser executada salvaguardando-se a defesa da dignidade pessoal e profissional do visado […]». 46. Por seu turno, interposto recurso hierárquico desta deliberação do COJ para o CSM, a entidade demandada proferiu a …….2019 deliberação (reproduzida em 1.21. do probatório) da qual se extrai, além do mais, o seguinte: «Os oficiais de justiça são disciplinarmente responsáveis nos termos do regime geral dos funcionários e agentes da Administração Pública, por força da remissão constante do artigo 89.º do Estatuto dos Funcionários da Justiça, aprovado pelo Dec. Lei n.º 343/99, com as alterações do Dec. Lei n.º 175/2000, do Dec. Lei n.º 96/2002, do Dec. Lei n.º 169/2003, da Lei n.º 42/2005, do Dec. Lei n.º 121/2008 e do Deec. Lei n.º 73/2016. Face ao disposto no artigo 66.º do citado Estatuto dos Funcionários da Justiça, os funcionários de justiça têm os deveres gerais dos funcionários da Administração Pública consagrados na Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas e ainda os deveres especiais estabelecidos no referido Estatuto. Nos termos do art.º 90.º do Estatuto em questão, constituem infração disciplinar os factos, ainda que meramente culposos, praticados pelos oficiais de justiça com violação dos deveres profissionais, bem como os atos ou omissões da sua vida pública, ou que nela se repercutam, incompatíveis com a dignidade indispensável ao exercício das suas funções. Preceitua ainda o art.º 96.º, n.º 1, do Estatuto que o oficial de justiça arguido em processo disciplinar pode ser preventivamente suspenso das suas funções desde que haja fortes indícios de que à infração caberá, pelo menos, a pena de suspensão, e a continuação na efetividade de serviço seja prejudicial à instrução do processo, ao serviço ou ao prestígio e à dignidade da função, sendo que, nos termos do n.º 3 da citada norma legal, tal suspensão não pode exceder 120 dias. […] Posto isto e apelando de novo para o art.º 90.º do EFJ, uma condenação por parte do recorrente pelos crimes de peculato de uso e de corrupção passiva na pena de 3 anos e 4 meses de prisão, ainda que suspensa não pode deixar de se refletir na dignidade indispensável ao exercício das funções do recorrente enquanto secretário de justiça, mostrando-se indiciada a prática dos deveres funcionais previstos no art.º 73.º n.ºs 1 e 2 alíneas a) a c) e g), concretizados nos n.ºs 3 a 5 e 9, da LGTFP. Cabem analisar, por último, os argumentos do recorrente que se prendem com a (des)necessidade da suspensão preventiva. Preceitua o art.º 96.º, n.º 1, do EFJ que o oficial de justiça arguido em processo disciplinar pode ser preventivamente suspenso das suas funções desde que haja fortes indícios de que à infração caberá, pelo menos, a pena de suspensão, e a continuação na efetividade de serviço seja prejudicial à instrução do processo, ao serviço ou ao prestígio e à dignidade da função. Os factos pelos quais o recorrente foi condenado infringem o disposto no art.º 186.º alíneas k), l) e m) da LGTFP, sendo os mesmos […] suscetíveis de inviabilizar a manutenção do vínculo de emprego público, pelo que podem implicar a pena de suspensão e mesmo de demissão. Por outro lado, como decorre do mapa 1 alínea b) anexo ao EFJ cabem aos secretários de justiça dirigir os serviços da secretaria; elaborar e gerir o orçamento de delegação da secretaria; assegurar o expediente do Serviço Social do Ministério da Justiça, na qualidade de seu delegado; proferir nos processos despachos de mero expediente, por delegação do magistrado respetivo; corresponder-se com as entidades públicas e privadas sobre assuntos referentes ao funcionamento do tribunal e ao normal andamento dos processos, por delegação do magistrado respetivo; dirigir o serviço de contagem de processos, providenciando pelo correto desempenho dessas funções, assumindo-as pessoalmente quando tal se justifique; desempenhar as funções da alínea c) sempre que o quadro de pessoal da secretaria não preveja lugar de escrivão de direito afeto à secção central; desempenhar as funções das alíneas d) e i) sempre que o quadro de pessoal da secretaria não preveja lugar de escrivão e ou técnico de justiça principal afetos à secção de processos; distribuir, coordenar e controlar o serviço externo; providenciar pela conservação das instalações e equipamentos do tribunal; nas secretarias-gerais, dirigir o serviço da secretaria por forma a assegurar a prossecução das respetivas atribuições e desempenhar as demais funções previstas nesta alínea relativamente à Secretaria-Geral respetiva; desempenhar as demais funções conferidas por lei ou por determinação superior. » Perante tão amplas funções, só nos resta concluir que a permanência ao serviço do recorrente é prejudicial à instrução do processo e ao serviço, sendo que a manutenção em funções do recorrente, condenado pela prática de ilícitos relacionados com o recebimento de vantagens indevidas, põem indiscutivelmente em causa a imagem dos tribunais e do sistema judicial, pelo que não se justifica inteiramente a medida de suspensão preventiva que lhe foi aplicada. Em face do exposto, inexiste qualquer fundamento para a procedência do recurso do recorrente. DECISÃO: Nestes termos, tendo presente as considerações expendidas e o quadro legal aplicável, deliberam os Membros do Plenário do Conselho Superior da Magistratura, em julgar improcedente o recurso hierárquico apresentado por AA, confirmando na íntegra a deliberação recorrida do Conselho dos Oficiais de Justiça.» 47. Quanto à decisão de aplicação da pena de demissão, importa começar por recordar o que a este respeito se consignou no relatório final do processo disciplinar, datado de …….2019, de cuja fundamentação se apropriou a deliberação do COJ de …….2019 (cf. pontos 1.15. e 1.18. do probatório): «III – ENQUADRAMENTO JURÍDICO-DISCIPLINAR Os oficiais de justiça são disciplinarmente responsáveis nos termos do regime geral dos funcionários e agentes da Administração Pública e dos artigos 89.º e seguintes do Estatuto dos Funcionários de Justiça aprovado pelo Dec. Lei n.º 343/99, de 26/08 (EFJ). A infração disciplinar está prevista no artigo 90.º do EFJ e é definida como “os factos, ainda que meramente culposos, praticados pelos oficiais de justiça com violação dos deveres profissionais, bem como os atos ou omissões da sua vida pública, ou que nela se repercutam, incompatíveis com a dignidade indispensável ao exercício das suas funções”. Face ao disposto no artigo 66.º do EFJ, os funcionários de justiça estão sujeitos aos deveres especiais estabelecidos no referido Estatuto aprovado pelo Dec. Lei n.º 343/99, de 26/08, e ainda aos gerais dos funcionários da Administração Pública - estes previstos agora no art.º 73.º da Lei n.º 35/2014, de 20/06 que aprovou a Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (LTFP) e anteriormente no artigo 3.º da Lei 58/2008, de 09/09 -, designadamente aos deveres gerais de prossecução do interesse público que consiste na sua defesa, no respeito pela Constituição, pelas leis e pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos; de isenção, que consiste em não retirar vantagens, diretas ou indiretas, pecuniárias ou outras, para si ou para terceiro, das funções que exerce; de imparcialidade, que consiste em desempenhar as funções com equidistância relativamente aos interesses com que seja confrontado, sem discriminar positiva ou negativamente qualquer deles, na perspetiva do respeito pela igualdade dos cidadãos; de lealdade, que consiste em desempenhar as funções com subordinação aos objetivos do órgão ou serviço e de zelo, que consiste em conhecer e aplicar as normas legais e regulamentares e as ordens e instruções dos superiores hierárquicos, bem como exercer as funções de acordo com os objetivos que tenham sido fixados e utilizando as competências que tenham sido consideradas adequadas. Conforme se referiu na acusação e aqui se repete, ainda que os factos indicados nos n.ºs 9.º a 26.º se reportem ao período em que o Sr. Dr. AA desempenhou funções de Administrador Judicial (de insolvências) e numa situação de licença sem vencimento de longa duração, mantinha-se sujeito aos deveres acima indicados. A licença sem vencimento de longa duração foi-lhe concedida ao abrigo do art.º 78.º, n.ºs 1 e 2, do Dec. Lei n.º 497/88, de 30/12, com os efeitos previstos no art.º 80.º do mesmo diploma legal e que aqui se reproduz: […] No período da licença e de acordo com o preceito em análise, o vínculo com a Administração encontrava-se suspenso. Essa suspensão, contudo, não afasta os direitos, deveres e garantias das partes, na medida em que não pressuponham a efetiva prestação de trabalho, podendo concluir-se, a nosso ver, que os deveres violados não estão ligados à efetiva prestação de trabalho, como será o caso dos deveres de zelo, assiduidade e pontualidade, por exemplo. Acresce que os factos foram praticados pelo Sr. AA na qualidade de “funcionário” - no conceito definido pelo artigo 386.º do Código Penal -, encontrando-se sujeito, também por isso e concretamente no exercício das funções de Administrador Judicial, aos deveres de isenção, transparência e prossecução do interesse público, como, aliás, se escreveu no douto acórdão proferido no processo criminal “sabia o arguido das responsabilidades e deveres funcionais a que se encontrava vinculado no exercício de funções públicas, concretamente os de isenção, transparência e prossecução do interesse público e, ainda assim, violou-os; atuou o arguido com consciência de que as suas descritas condutas atentavam contra a probidade que carateriza o exercício de funções públicas; o arguido agiu de forma voluntária, livre e consciente, bem sabendo que as suas descritas condutas eram proibidas e punidas por lei”. Concluiu-se, em face do referido, e no que se reporta àqueles factos, que o Sr. AA cometeu infrações disciplinares por violação dos deveres supra indicados (exceto o de zelo), quer porque enquanto oficial de justiça se encontrava sujeito aos que não pressupusessem a efetiva prestação de trabalho, quer porque atuou no exercício de funções públicas. Factos relacionados com o desaparecimento temporário do processo vindo do Juízo do Trabalho de …….: Enquanto no exercício de funções de Secretário de Justiça, estava vinculado ao dever geral de zelo, que violou. De facto, sendo o Secretário de Justiça o timoneiro de qualquer Tribunal, tem obrigação de estar a par dos problemas que ali se passam, não se compreendendo que nada tenha feito durante cerca de dois meses no sentido de ajudar a encontrar o processo de que a generalidade dos funcionários da unidade central andava à procura. Muito menos se compreende que não se tenha apercebido desse facto ao longo de tanto tempo, particularmente porque se tratou de situação ocorrida na unidade central com a qual lida diária e constantemente, e/ou que no momento em que o processo apareceu, misturado com os processos individuais, no seu gabinete, não tenha colocado a hipótese de ter sido ele a levá-lo por lapso, antes tendo observado que o “gabinete estava aberto e qualquer um lá podia entrar”. Assim, salvo o devido respeito por diferente opinião, parece-nos que o Sr. Secretário de Justiça atuou com negligência. Factos relacionados com o processo disciplinar para consulta: Relativamente aos factos ocorridos com o processo disciplinar para consulta que disse não ter na sua posse - tanto ao Sr. Advogado que se deslocou ao Tribunal para o consultar como à Sra. Secretária de Justiça DDD que o confrontou com esse facto -, muito menos se compreende que o Sr. Secretário não tenha fixado as ordens ou orientações que lhe foram transmitidas com pormenor pelo Sr. Administrador Judiciário, tanto mais que se tratava de uma situação que fugia às tarefas comuns. Para além de denotar pouca atenção ao que lhe foi transmitido pelo superior hierárquico, deu uma má imagem do serviço e obrigou o Sr. Advogado a deslocar-se novamente ao edifício do Tribunal para consultar o processo. Também neste caso e salvo o devido respeito, o Sr. Secretário de Justiça atuou com negligência. Factos relativos às justificações das faltas da Sra. Funcionária GGG: Relativamente aos factos relacionados com a justificação das faltas da senhora funcionária GGG e pelos quais foi também instaurado processo disciplinar, não foi deduzida acusação. […] IV – DA MEDIDA CONCRETA DA SANÇÃO DISCIPLINAR Na acusação imputou-se ao Sr. Secretário de Justiça AA o cometimento de quatro infrações disciplinares: 1) Uma delas pela prática dos factos que levaram à condenação pelo crime de peculato de uso, a sancionar com suspensão; 2) Outra pela prática dos factos que levaram à condenação do crime de corrupção passiva, a sancionar com demissão; 3) Outra pela prática dos factos relacionados com o desaparecimento temporário do processo, a sancionar com multa; 4) Outra pela prática dos factos concernentes ao processo disciplinar que lhe foi entregue destinado a consulta do funcionário ali visado, a sancionar com multa. Anunciou-se a sanção única de demissão tendo em conta que os factos em causa, particularmente os que conduziram à condenação pela prática do crime de corrupção passiva com a consequente aplicação da pena de 3 anos e 4 meses de prisão, suspensa com sujeição a regime de prova - ainda em execução (não extinta) - são inviabilizadores da manutenção do vínculo de emprego público, tendo a sua nomeação como Secretário de Justiça sido causadora de relevante alarme social, como ficou demonstrado pelas notícias então publicadas e a que se fez alusão nos factos. O juízo que então se fez não sofreu qualquer alteração. De facto, a comunidade em geral não compreenderá e, por certo, não aceitará, que os serviços de justiça tenham ao seu serviço funcionários punidos por crimes da natureza dos aqui em causa, particularmente os de corrupção passiva. Não será por acaso que o prazo de prescrição para os crimes desta natureza é dos mais longos, antevendo-se aqui uma especial censura social. Por outro lado, estes comportamentos, pela sua gravidade, afetam indelevelmente, pela negativa, a imagem de todos quantos ali desempenham funções e diariamente se esforçam em sentido contrário. Por outro lado ainda e repetindo-se aqui o que se fez constar da acusação: Como doutamente se refere na decisão criminal e aqui se salienta: “o bem jurídico protegido no crime de corrupção é a legalidade da atuação dos agentes públicos, a quem está interdito mercadejar com o cargo (Cláudia Cruz Santos, A Corrupção de Agentes Públicos em Portugal: Reflexões a partir da Lei, da Doutrina e da Jurisprudência, in A Corrupção, Coimbra Editora, 2009, pág. 124) ou, conforme o entendimento de Almeida Costa (Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo III, Coimbra Editora, 2001, pág. 661), a autonomia intencional do Estado, sendo que num Estado de Direito o desempenho de funções públicas tem de se pautar por exigências de legalidade, objetividade e independência, que o funcionário infringe ao colocar os poderes funcionais ao serviço dos seus interesses privados quando transacionar com o cargo. No crime de corrupção e porque a conduta subjacente ao mesmo, afeta, seriamente, o prestígio da administração, minando a confiança dos cidadãos nas instituições públicas, é hoje ponto de vista praticamente unânime que o bem jurídico protegido com a incriminação da corrupção é exatamente o prestígio, legalidade, imparcialidade e credibilidade da administração. Considera-se com efeito que a corrupção passiva, em qualquer das suas modalidades, ofende a autonomia intencional da administração, ou seja, a legalidade administrativa, dado que o funcionário com a sua conduta manipula no seu interesse o aparelho do Estado (AC RE 02.06.2015, Pº nº 2231/10.6TASTB, www.dgsi.pt)” – fls. 244 verso Assim, em face de todo o expendido e considerando que o Sr. oficial de justiça AA, secretário de justiça, com o número mecanográfico ……, colocado no Núcleo de …… do Tribunal Judicial da Comarca de ……….., com a prática dos factos e nas circunstâncias indicadas nos n.ºs 9.º a 31.º, cometeu infrações disciplinares, por violação dos deveres gerais de prossecução do interesse público, isenção, imparcialidade e lealdade, prevista (a infração disciplinar) no art.º 90.º do EFJ e nos artigos 3.º da Lei n.º 58/2008, de 09/09, que aprovou o Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas (EDTFP), em vigor ao tempo da prática de alguns dos factos e 183.º da Lei n.º 35/2014 (LTFP), de 20/06, concretamente: 1) Com os factos e nas circunstâncias indicadas nos n.ºs 9.º a 13.º (todas as alíneas); 16.º, alíneas a), b) e c); 17.º, 18.º, 21.º, 22.º, 26.º, 28.º, 29.º, 30.º e 31.º (factos que levaram à condenação pela prática do crime de peculato de uso), praticou infração disciplinar por violação dos deveres gerais de prossecução do interesse público, isenção e lealdade, prevista e punida pelas disposições conjugadas dos artigos 90.º do EFJ; 3.º, n.ºs 1 e 2, alíneas a), b), e g) e n.ºs 3, 4, e 9 e 17.º, al. n), da Lei n.º 58/2008, de 09/09 (EDTFP), em vigor à data da prática dos factos e mais favorável ao trabalhador por força do prazo previsto no n.º 2 do art.º 6.º daquele diploma legal, COM A SANÇÃO DE SUSPENSÃO. 2) Com os factos e nas circunstâncias indicadas nos n.ºs 9.º a 12.º, 13.º (introdução), 14.º (todas as alíneas); 16.º, alíneas d) a g), 17.º, alíneas a) e b), 18.º, 21.º, 22.º, 26.º, 28.º a 31.º (factos que levaram à condenação pela prática do crime de corrupção passiva), praticou infração disciplinar por violação dos deveres gerais de prossecução do interesse público, isenção, imparcialidade e lealdade, prevista e punida pelas disposições conjugadas dos artigos 90.º do EFJ, 183.º, 73.º, n.º 1, alíneas a), b), c) e g) e nºs 3, 4, 5, e 9 e 297.º, n.º 3, al. j), da Lei n.º 35/2014 de 20/06 (LTFP), em vigor ao tempo da data da prática dos factos, COM A SANÇÃO DE DEMISSÃO. E que, 3) Com os factos e nas circunstâncias indicadas nos n.ºs 32.º a 46.º, cometeu infração disciplinar (no exercício de funções de Secretário de Justiça) por violação do dever geral de zelo, prevista e punida pelas disposições conjugadas dos artigos 90.º do EFJ, 73.º, n.º 2, alíneas e) e n.º 7, 180.º, n.º 1, al. b) e 181.º, n.º 2, da Lei n.º 35/2014 de 20/06 (LTFP), COM A SANÇÃO DE MULTA. 4) Com os factos e nas circunstâncias indicadas nos n.ºs 47.º a 56.º, praticou infração disciplinar por violação do dever geral de zelo, prevista e punida pelas disposições conjugadas dos artigos 90.º do EFJ, 73.º, n.º 2, alíneas e) e n.º 7, 180.º, n.º 1, al. b) e 181.º, n.º 2, da Lei n.º 35/2014 de 20/06 (LTFP), COM A SANÇÃO DE MULTA, atendendo a que, tal como se indicou na acusação, a favor do senhor Secretário de Justiça não se verificam circunstâncias atenuantes especiais e contra o mesmo milita a circunstância agravante especial da acumulação de infrações – art.º 191.º, n.º 1, alínea g) e n.º 4, efetuamos a seguinte V - PROPOSTA 1. Tendo em conta o disposto no n.º 3 do art.º 180.º da Lei n.º 35/2014 (LTFP), propõe-se que seja aplicada ao senhor Oficial de Justiça AA, Secretário de Justiça, com o número mecanográfico ……., colocado no Núcleo de …… do Tribunal Judicial da Comarca de …………., a sanção única de DEMISSÃO, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 90.º do EFJ, 180.º, n.º 1, al. d), 181.º, n.º 6, 187.º e 297.º, n.º 3, al. j), todos da Lei n.º 35/2014, de 20/06 (LTFP). 2. Na parte respeitante às justificações das faltas da Sra. funcionária GGG – fls. 419 a 424 – propõe-se O ARQUIVAMENTO por não se terem apurado factos praticados pelo Sr. Secretário de Justiça AA que, a nosso ver, mereçam censura disciplinar […]». 48. Interposto recurso hierárquico daquela deliberação do COJ para o CSM, a entidade demandada proferiu a …….2019 deliberação (reproduzida em 1.23. do probatório) da qual se extrai, além do mais, o seguinte: «Por outro lado, os factos acima referidos sob os n.ºs 14.º e 16.º als. d) a g), que levaram à condenação do Recorrente pela prática do crime de corrupção passiva, integram infração disciplinar por violação dos deveres gerais de prossecução do interesse público, isenção, imparcialidade e lealdade, prevista pelas disposições conjugadas dos artigos 90.º do EFJ e 73.º, n.º 1, alíneas a), b), c) e g) e n.os 3, 4, 5, e 9 da Lei n.º 35/2014 de 20/06 (LTFP). Quanto às sanções disciplinares a aplicar, o artigo 180.º da referida Lei n.º 35/2014, prevê na al. d) o despedimento disciplinar ou demissão. O art. 187.º da mesma lei estabelece que estas sanções são aplicáveis em caso de infração que inviabilize a manutenção do vínculo de emprego e o art. 297.º n.º 3, prevê, sem caracter taxativo, entre as várias infrações que inviabilizam a manutenção do vínculo, na al. j), o comportamento do trabalhador que “ em resultado da função que exerce solicite ou aceite, direta ou indiretamente, dádivas, gratificações, participação em lucros ou outras vantagens patrimoniais, ainda que sem o fim de acelerar ou retardar qualquer serviço ou procedimento.” Ora, no caso está provado, por acórdão transitado em julgado, que o Recorrente, enquanto Administrador Judicial, com funções relevantes no processo de insolvência, designadamente proceder à administração e liquidação da massa insolvente e repartir pelos credores o respetivo produto final, praticou o crime de corrupção, afetando de forma séria o prestígio da administração pública e dos tribunais, por estar a sua atividade inserida no processo de insolvência, sendo o administrador de insolvência um órgão determinante neste tipo de processos, a quem o Código de Insolvência de Recuperação de Empresas (CIRE) conferiu poderes que anteriormente competiam ao Juiz, minando gravemente a confiança dos cidadãos nas instituições públicas. O comportamento do Recorrente é especialmente censurável, pois, ingressou na carreira judicial, com a categoria de secretário judicial, por anteriormente ter exercido funções de Administrador na extinta ………………………. e desde 1996, estando perfeitamente consciente das funções que desempenhava e das consequências gravemente lesivas para o prestígio da administração pública do seu comportamento. De resto ficou provado no acórdão condenatório transitado em julgado, que o Recorrente “sabia das responsabilidades e deveres funcionais a que se encontrava vinculado no exercício de funções públicas, concretamente as de isenção, transparência e prossecução do interesse público e ainda assim violou-a” e “ atuou com consciência de que as suas descritas condutas atentavam contra a probidade que caracteriza o exercício de funções públicas” e “de forma voluntária livre e consciente”. É, pois, incontroverso que o Recorrente no exercício de funções, equiparadas a funções públicas, de forma dolosa, afetou o prestígio, legalidade, imparcialidade e credibilidade da administração, comprometendo, de forma irremediável, a manutenção do vínculo de emprego público, como oficial de justiça. Relativamente à restante factualidade e ao seu enquadramento jurídico, o Recorrente não suscitou na sua alegação de recurso qualquer questão. Importa, no entanto, referir que nenhuma censura merece essa subsunção jurídica. Os factos descritos sob os n.os 13.º e 16.º, alíneas a) a d), que fundamentaram a sua condenação pela prática do crime de peculato de uso integram a prática de infração disciplinar por violação dos deveres gerais de prossecução do interesse público, isenção e imparcialidade, prevista e punida pelas disposições conjugadas dos artigos 90.º do EFJ; 3.º, n.os 1 e 2, alíneas a), b), e c) e n.ºs 3, 4 e 5 e 17.º, al. n), da Lei n.º 58/2008, de 09/09 (EDTFP), em vigor à data da prática dos factos ( atualmente nos artigos 73.º als. a), b), c) e n.ºs 3,4, e 5, 180 n.º 1 al. c), 186 al. l) da LTFP), com a sanção em abstrato de suspensão. » Por outro lado, com os factos e nas circunstâncias indicadas nos n.os 32.º a 46.º e nos n.os 47.º a 56.º, cometeu duas infrações disciplinares (no exercício de funções de Secretário de Justiça) por violação do dever geral de zelo, prevista e punida pelas disposições conjugadas dos artigos 90.º do EFJ, 73.º, n.º 2, alíneas e) e n.º 7, 180.º, n.º 1, al. b) e 181.º, n.º 2, da Lei n.º 35/2014 de 20/06 (LTFP), com a sanção em abstrato de multa. Atento o art. 180.º n.º 3 da LTFP foi-lhe corretamente aplicada a pena única de demissão. IV. Decisão Pelo exposto, deliberam os membros do Plenário do Conselho Superior da Magistratura em negar provimento aos recursos hierárquicos interpostos e em manter na íntegra as deliberações recorridas.» 49. Aqui chegados, importa ler as decisões sindicadas à luz das finalidades concretas, principal e acessórias, que presidem à censura disciplinar. É sabido que a sanção disciplinar constitui uma admoestação formal ao trabalhador pelo seu incumprimento. O principal escopo da sanção é, por conseguinte, interpelar o trabalhador, tendo em vista a que não reitere a conduta censurada e actue no cumprimento dos deveres e obrigações laborais e funcionais que sobre si impendem. Não se trata aqui, porém, de privilegiar em exclusivo nem sobretudo uma finalidade repressiva ou retributiva, em que avulte como principal escopo da sanção o de castigar o infractor. Ao invés, a censura disciplinar traduzirá essencialmente um meio de que a Administração Pública se serve para repor o equilíbrio do corpo social momentaneamente alterado pela violação de um ou mais deveres funcionais. Neste conspecto, as medidas disciplinares, indo ao encontro dessa necessidade de reequilíbrio, têm uma função essencialmente preventiva e educativa (Leal-Henriques, op. cit., pp. 118 e 119). Assim, as medidas disciplinares visam a protecção da capacidade funcional da Administração e têm como principal finalidade a «prevenção especial ou correção, motivando o agente administrativo que praticou uma infração disciplinar para o cumprimento, no futuro, dos seus deveres, sendo as finalidades retributiva e de prevenção geral só secundária ou acessoriamente realizadas» (Vasconcelos Abreu, op. cit, pág. 43). Os fins essenciais são, portanto, o da prevenção especial, negativa e positiva. Em suma: o que justifica a punição disciplinar, em primeira linha, é sobretudo o fim de prevenção especial. A aplicação de sanção disciplinar visa evitar que ocorra novo incumprimento de um concreto trabalhador — no limite, pondo termo à relação jurídica de emprego público (Ana Fernanda Neves, O Direito…, ii, cit., pp. 513 e 514). De facto, nalguns casos, a prevenção negativa não comporta senão a cessação da relação de trabalho, mediante a aplicação de sanção extintiva da relação jurídica de emprego. Assim se explica que seja ainda por apelo à finalidade de prevenção especial que as medidas expulsivas sejam aplicadas em caso de infracção que inviabilize a manutenção da relação laboral e, portanto, naquelas situações em que o agente, pela sua conduta, mostrou não dar garantias de poder continuar a contribuir para assegurar a capacidade funcional da Administração (artigo 18.º, n.º 1, do EDTFP e artigo 187.º da LGTFP). Mas podem ser apontadas outras finalidades, ainda que acessoriamente: a de reprovação e a de prevenção geral. Na verdade, «[a] necessidade de punição não é indiferente ao efeito de interpelação e dissuasão geral (função de prevenção geral positiva e negativa): chama a atenção dos demais trabalhadores para o desvalor funcional da conduta do funcionário infractor, demovendo-os da prática de ilícitos disciplinares. […] Em segunda linha, [a sanção disciplinar] é um instrumento mediato de promoção da disciplina organizacional, ao reafirmar os deveres e obrigações de cujo cumprimento fundamentalmente depende. A confiança a recuperar não é, por vezes, apenas a do interlocutor disciplinar ou titular do respectivo poder (esta não é recuperável nas penas expulsivas), é também a confiança dos elementos da instituição no “acerto” da disciplina vigente (previsibilidade nas actuações futuras; efeito preventivo ou dissuasor da repetição da prática de infracções disciplinares) e, nalguns casos, a compreensão social ante os ecos do exercício da disciplina (inaceitabilidade dos “resultados” da não reacção a acções ou omissões disciplinarmente censuráveis) […]» (idem, ibidem, pp. 514 e 515). 50. Dito isto, podemos concluir que ambas as decisões (a de aplicação da medida de suspensão preventiva, ao abrigo do disposto no artigo 96.º, n.º 3, do EFJ, e a de aplicação da sanção de demissão) observam o princípio da proporcionalidade. Quanto à vertente do princípio da adequação, essa observância é inequívoca em ambos os actos impugnados. Na verdade, sendo o propósito das medidas a prevenção que o autor reiterasse o incumprimento dos deveres funcionais e ainda, acessoriamente, a defesa do prestígio do serviço público da Justiça, julgamos verificada uma relação de causalidade positiva entre o meio e o fim. Isto é, reconhecemos um grau sensível de capacidade dos meios (aplicação das medidas administrativas aqui sindicadas) para intervir na realidade jurídica e material no sentido de alcançar os fins propostos (prevenção especial e geral). Ou seja, as medidas utilizadas pela entidade demandada são aptas à salvaguarda dos fins visados. Idêntico julgamento se deve tem por referência aos demais critérios que norteiam o princípio: as medidas são necessárias a tais desideratos, e o resultado obtido não é desproporcional à desvantagem que a medida adoptada comporta. Quanto à medida de suspensão preventiva, a observância do subprincípio da necessidade resulta de, uma vez preenchida a primeira parte do artigo 96.º, n.º 3, do EFJ (existência de fortes indícios de que às infracções caberia, pelo menos, a pena de suspensão), ter sido efectuado pelo COJ e pela entidade demandada um juízo de prognose e valoração quanto ao preenchimento da previsão normativa contida na parte final do mesmo preceito: apurar se a continuação na efectividade de serviço era prejudicial ao serviço ou ao prestígio e à dignidade da função. Contribuiu para tal juízo a constatação do específico conteúdo funcional do autor, incompatível com a censura penal de que fora alvo, nos termos da qual recebera vantagens indevidas no desempenho de funções de administrador judicial, o que, associado «ao exercício atual de funções de chefia num tribunal com a dimensão e visibilidade do Núcleo de ……., [punha] em causa a imagem dos tribunais e do sistema judicial, tendo, inclusive, tal situação tido eco em diversos meios de comunicação social […]». Ainda com referência a este ato, a observância do subprincípio da proporcionalidade stricto sensu decorre do próprio regime jurídico constante do artigo 96.º, nos 2 a 4, do EFJ, quanto à medida de suspensão preventiva, que não punha em causa: a garantia da defesa da dignidade pessoal e profissional do oficial de justiça; a duração limitada da própria suspensão preventiva (a um máximo de 120 dias); a contabilização do tempo de serviço; e a manutenção do vencimento de categoria, sendo apenas suprimida a remuneração de exercício, mas com garantia de que a perda da remuneração de exercício seria reparada ou levada em conta pela entidade competente após a decisão final do processo. Por seu turno, a medida de sanção de demissão também observou os subprincípios da necessidade e de proporcionalidade stricto sensu. Faz-se notar que as decisões tomaram em devida linha de consideração: i) um contexto de acumulação de infracções, algumas das quais praticadas no curto período de tempo em que o ora autor esteve em exercício efectivo de funções depois de solicitar o seu regresso; ii) a gravidade da censura penal de que o autor fora objecto, associada à natureza dessas infracções simultaneamente penais e disciplinares (crimes de peculato e de corrupção passiva, sendo consignado a este propósito que “[n]ão será por acaso que o prazo de prescrição para os crimes desta natureza é dos mais longos, antevendo-se aqui uma especial censura social”); e iii) o “alarme social” por elas causado (“como ficou demonstrado pelas notícias então publicadas [sendo que] a comunidade em geral não compreenderá e, por certo, não aceitará, que os serviços de justiça tenham ao seu serviço funcionários punidos por crimes da natureza dos aqui em causa, particularmente os de corrupção passiva [e que] estes comportamentos, pela sua gravidade, afectam indelevelmente, pela negativa, a imagem de todos quantos ali desempenham funções e diariamente se esforçam em sentido contrário”). Todas estas vicissitudes contribuíram para que o COJ, primeiro, e a entidade demandada, depois, em juízos de prognose em que não se lobriga qualquer erro manifesto ou palmar, tivessem considerado: i) que o autor, pela sua conduta, mostrou não dar garantias de poder continuar a contribuir para assegurar a capacidade funcional da Administração, pelo que a única forma de evitar novo incumprimento de deveres funcionais passava pela extinção do vínculo (finalidade de prevenção especial); ii) que a gravidade das infrações merecia uma censura o mais candente possível, nomeadamente através da ablação do vínculo funcional (finalidade de repressão ou retribuição); e iii) que a confiança, quer dos demais elementos da instituição e da Administração da Justiça, por um lado, quer da própria comunidade em geral, por outro lado, apenas seria recuperada ou recuperável pelo exercício disciplinar que culminasse numa pensa de demissão (finalidade de prevenção geral). Relembramos que apenas se pretende e pode sindicar, nesta fase, a «dosimetria concreta da pena». E, face à ausência de qualquer «erro manifesto» na escolha da concreta medida da pena, nada se pode, neste ponto, estabelecer. Se ao Tribunal é possível analisar da existência material dos factos e averiguar se eles constituem infracções disciplinares, já não lhe compete apreciar a concreta medida da pena, salvo em caso de erro notório ou manifesto, que não ocorreu no caso dos autos. Assim, não viola o princípio da proporcionalidade a aplicação de pena de demissão, que se mostra adequada à gravidade da conduta, aos deveres violados e ao grau de culpa revelado. 51. Em consequência se deve concluir que é de julgar improcedente a pretensão do autor também com este fundamento. III. Decisão 52. Pelo exposto, acordam os juízes que constituem a Secção de Contencioso em julgar improcedentes as impugnações das deliberações. Valor da acção € 30.000,01 (artigo 34º, nº 2, do CPTA), fixando-se a taxa de justiça, a cargo da demandada (artigo 527.º, n.º 1, do CPC), em 7 unidades de conta, de acordo com a Tabela I-A, anexa ao Regulamento das Custas Processuais e artigo 7.º, n.º 1, do mesmo diploma. 2020/09/23 Nuno Gomes da Silva (Relator) Henrique Araújo Oliveira Abreu Pedro de Lima Gonçalves Maria da Graça Trigo Conceição Gomes Joaquim António Chambel Mourisco Maria dos Prazeres Pizarro Beleza (Presidente)
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