Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
| ||
Nº Convencional: | 2.ª SECÇÃO | ||
Relator: | ISABEL SALGADO | ||
Descritores: | DIVÓRCIO ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA PRESSUPOSTOS BEM IMÓVEL CASA DE MORADA DE FAMÍLIA REEMBOLSO DE DESPESAS ECONOMIA COMUM NULIDADE DE ACÓRDÃO EXCESSO DE PRONÚNCIA PRINCÍPIO DISPOSITIVO PRINCÍPIO DO PEDIDO | ||
![]() | ![]() | ||
Data do Acordão: | 04/23/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
![]() | ![]() | ||
Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | NEGADA | ||
![]() | ![]() | ||
Sumário : | I. A obrigação de restituir o que foi indevidamente recebido, resulta de a Ré usar e fruir o imóvel, após a dissolução do casamento, beneficiando sem causa, do valor despendido pelo Autor nos custos de utilização comum. II. Em situações como a ajuizada - em que após divórcio, os ex-cônjuges, por vontade/necessidade, continuam a residir no mesmo imóvel - autonomizados os bens/patrimónios e cessada a economia comum - parece legítimo presumir que as despesas de utilização sejam suportadas em partes iguais. | ||
![]() | ![]() | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes na 2ªsecção do Supremo Tribunal de Justiça I. Relatório 1. Da acção AA propôs acção declarativa de condenação em processo comum contra, BB, pedindo que seja condenada a restituir-lhe a quantia global de 32.803,62€ e juros de mora, a partir da citação. Em fundamento sintetizado, alegou que após o divórcio, o Autor e a Ré continuaram a residir na mesma moradia, acordando pagar em partes iguais as despesas de utilização. Tendo o Autor suportado por inteiro as despesas de água, eletricidade e gás, tem direito a haver da ré metade, ou seja, a quantia de 19.563,22€, e ainda a quantia de 13.240,00€, que lhe emprestou e deverá restituir. A Ré contestou, impugnando parte dos factos e deduziu reconvenção-compensação do crédito que alega ter sobre o autor, no montante de 35.350,43€. Reconhece ainda que deve ao Autor a quantia de 10.636,09€. Na réplica, o autor impugnou o invocado crédito 1. Realizada a audiência final, seguiu-se sentença que culminou com o dispositivo que se transcreve - « na procedência (parcial) da ação e da reconvenção e operando a compensação dos créditos entre o autor e a ré: reconhecer que a ré BB deve ao autor AA a quantia global de 11.497,37€ (onze mil, quatrocentos e noventa e sete euros e trinta e sete cêntimos), acrescida de juros de mora civis, contados desde a data da citação; reconhecer que o autor AA deve à ré BB as quantias de 50.000,00€ (cinquenta mil euros) e de 24.939,90€ (vinte e quatro mil, novecentos e trinta e nove euros e noventa cêntimos), sendo esta última acrescida de juros desde 31 de dezembro de 2007; c) consequentemente condenando o Autor recorrido a satisfazer à reconvinte Ré o montante que resultar da dedução ao crédito desta do crédito daquele; absolvendo as partes do demais peticionado.» 2. Da apelação Inconformado, o Autor apelou vindo o Tribunal da Relação a conceder parcial provimento ao recurso nos termos que resultam do dispositivo do acórdão: «Tudo visto, concede-se parcial provimento à apelação e, em consequência, reconhecendo à Ré/reconvinte um crédito sobre o Autor/reconvindo no montante de 24.714,34 EUR, acrescido de juros desde 31 de dezembro de 2007, condena-se a Ré Recorrida a satisfazer ao Autor o montante que resultar da dedução ao crédito desta do crédito daquele [na quantia global de capital de 30.540,59 EUR19, acrescida de juros de mora civis, contados desde a data da citação]; absolvendo as partes do demais peticionado.” 3. Da revista Inconformada, agora, a Ré, interpôs recurso de revista, sustentando a revogação do acórdão e a repristinação dos valores em dívida fixados na sentença. A sua argumentação termina com as seguintes conclusões: 1º-Vem o presente recurso interposto, do acórdão do Tribunal da Relação, que decidiu: “tudo visto, concede-se parcial provimento à apelação e, em consequência, reconhecendo à ré/reconvinte um crédito sobre o autor/reconvindo no montante de 24.714,34 euros, acrescido de juros desde 31 de dezembro de 2007, condena-se a ré recorrida a satisfazer ao autor o montante que resultar da dedução ao crédito desta do crédito daquele na quantia global de 30.540,59 euros (em nota de rodapé nº 19 que refere a quantia de 5.826,25 euros) acrescida de juros de mora civis, contados desde a citação; absolvendo as partes no demais peticionado.” 2º-Os recursos estão limitados às conclusões do autor/recorrente, na apelação que proferiu o acórdão, do qual agora se recorre de revista. Isto é são as conclusões do recorrente que delimitam, em 1ª linha, o objeto do recurso (artigos 660 nº 2,664 nº 3, todos do CPC.) 3º-As onze alegações do autor/recorrente, que se dão por reproduzidas, e que foram reproduzidas pelo TRP, no acórdão de que ora se recorre, sem verificar que não houve por parte do autor, qualquer pedido, ou alegados factos, com fundamento em enriquecimento sem causa e, desde a PI, até à réplica, réplica essa que nenhum facto, para o que aqui importa, foi aditado à PI. Também não fez qualquer alteração `a matéria dada por provada na 1ªinstância. 4º-Consequentemente, foi além do que foi pedido, não o podendo fazer. 5º-Segundo Pires de Lima-Antunes Varela, CC anotado/Coimbra Editora, e também Miguel Teixeira de Sousa é ponto assente que para a aplicação do instituto do enriquecimento se exige a verificação cumulativa de alguns requisitos, designadamente: -Existência de um enriquecimento (à custa de outrem); -Existência de um empobrecimento. Nexo de causalidade entre o enriquecimento e o empobrecimento; -Ausência de causa justificativa; -Inexistência de ação apropriada, que possibilite ao empobrecido meio de ser indemnizado ou restituído (artigo 474 do CC que é um elemento de “contenção” da amplitude da cláusula geral – a lei faculta ao empobrecido outro meio de ser indemnizado ou restituído- caso dos presentes autos). 6º-Para que se verifique a existência de um ou de todos (e tem de ser cumulativos) é necessário que se aleguem ao longo dos articulados, FACTOS, sem os quais, provados e não provados, que permitam a aplicação do artigo 473 º do CC. E sempre com atenção ao elemento de” contenção,” previsto no artigo 474º do CC. 7º-O autor/reconvindo não alega qualquer facto do qual se possa extrair a eventualidade de preenchimento de um qualquer requisito, a que se refere o artigo 473º do CC. Se não alega, não pode pretender vê-los como provados ou não provados. 8º-O ónus probatório sempre seria do demandante, o autor/reconvindo e não pode aparecer referido, expressamente no acórdão, a” falta de causa “pelo tribunal, quando o próprio não o refere. 9º-Não está alegado, e consequentemente não pode ser provado ou não provado, qualquer facto que permita ou não considerar o empobrecimento. 10º-Não está alegado e, por conseguinte, provado ou não, que o autor tivesse ou não outro meio jurídico para recuperar valores que refere como despesas domésticas – e no caso tinha, como todos sabem. 11º-E, no caso tinha, obviamente, uma ação declarativa condenatória, pedindo o pagamento do que achava ser devido, no âmbito do direito obrigacional. Era essa a ação correspondente ao que pretendia, não esta. 12º-Igualmente não há qualquer facto que permita concluir o nexo de causalidade entre o enriquecimento/empobrecimento (o que desde logo afasta a possibilidade de aplicação do instituto de enriquecimento sem causa). 13º-Entre 2011 e 2017, nunca o autor pediu à ré, o que quer que fosse a esse título (este facto, a ausência do mesmo, é segundo a jurisprudência mais recente, incluindo do TRP) e dominante, essencial para a aplicação do instituto. 14º-Acresce que, qualquer que seja o crédito ele prescreve ao fim de 3 anos. 15º-Conclui a Mmª juíza de 1ª instância que a data a partir da qual a ré pagaria a sua metade é exatamente essa, a do acordo, 2017. Se a ré não cumpriu a obrigação que sobre si impendia, a ré terá incorrido em responsabilidade civil. Não está em causa qualquer enriquecimento sem causa. 16º-No âmbito da responsabilidade obrigacional, cabe ao A. o ónus da prova de que celebrou contrato e à ré o ónus de provar ou o pagamento ou qualquer outro facto, no âmbito da responsabilidade civil contratual. Por último, 17º-Nunca o A. pediu à ré qualquer quantia a título de despesas domésticas. Finalmente, 18º-Faltam factos que não foram alegados, pelo A. para se considerar que provados que fossem, poderia ser aplicado o instituto de enriquecimento sem causa. Não é só uma questão de qualificação jurídica, é essencialmente uma questão de falta de FACTOS. Consequentemente, pede-se a Vossas Excelências, se mantenha a sentença de 1ª instância, o que se traduziria na não consideração do acórdão do TRP desconsiderando-se a introdução no processo do instituto de enriquecimento sem causa, pelos motivos antes invocados.» * O Autor na resposta pugnou pela improcedência da revista interposta pela Ré, e a confirmação do acórdão. * II. Admissibilidade e objecto da revista Esclarecido que na operação do “deve e o haver” entre as partes que configura o objecto dos autos, a Recorrente sucumbiu na 2ªinstância em Euros 44.930,00; pelo que, atestados os demais pressupostos gerais de recorribilidade e os fundamentos, a revista é admissível - artigo 629º, nº1, 671º, nº1, e 674ª, nº1, do CPC. Delimitados pelas conclusões do recurso, salvo matéria de apreciação oficiosa, há que decidir, se o Autor está afinal obrigado a pagar à Ré o valor de Euros 63.442,25, considerando os seguintes tópicos recursivos: • Falta de pedido; nulidade por excesso de pronúncia; • Erro de direito – o enriquecimento sem causa- pressupostos. III. Fundamentação A. Os Factos Vem provado das instâncias: 1.º O autor e a ré foram casados um com o outro, dissolveram o seu casamento por divórcio e fizeram partilha dos bens comuns, por acordo no processo de inventário n.º 273/09.3..., o qual foi homologado por sentença em julho de 2011. 2.º O autor e a ré acordaram que ficariam a residir na moradia sita na Rua das .... 3.º Em data não concretamente apurada de 2017, o autor e a ré acordaram que as despesas relacionadas com a utilização dessa moradia, designadamente com a eletricidade, a água e o gás, seriam pagas por ambos, na proporção de metade. 4.º Entre junho de 2012 e 28 de janeiro de 2018, o autor despendeu a quantia de 9.293,70€ [no ano de 2018, despendeu 151,12€], em consumo de água. 5.º Entre janeiro de 2012 e novembro de 2017, o autor despendeu a quantia de 19.534,16€, em consumo de eletricidade. 6.º Entre dezembro de 2011 e março de 2018, o autor despendeu a quantia de 9.298,58€ [no ano de 2018, despendeu 210,10€], em consumo de gás. 7.º A pedido da ré, o autor emprestou-lhe, em numerário, a quantia de 6.200,00€. 8.º Também a pedido da ré, o autor emitiu a seu favor cheques no valor global de 3.000,00€. 9.º Ainda a pedido da ré e a título de empréstimo, o autor pagou pela ré ao Serviço de Finanças de ... a quantia global de 1.426,15€. 10.º Mais uma vez a pedido da ré e também como empréstimo, no dia 21 de janeiro de 2015, o autor pagou uma taxa de justiça do valor de 510,00€, para processo em que a ré era parte. 11.º No âmbito do processo de inventário referido em 1.º, o autor ficou obrigado a dar tornas à ré, no valor de 50.000,00€, importância que não foi paga e deu origem ao processo de execução n.º 675/12.8... do Juízo de Execução de .... 12.º Em 12 de julho de 2007, por documento particular reconhecido notarialmente, o autor declarou dever à ré a quantia de 74.819,69€, a pagar da seguinte forma: a) 49.879,79€, através de cheque bancário; b) duas prestações, cada uma no valor de 12.469,95€, vencendo-se a primeira em 31 de dezembro de 2007 e a segunda em 28 de março de 2008. 13.º Mais aceitou que a falta de pagamento de uma prestação implicava o vencimento das restantes. 14.º A ré instaurou ação executiva no Juízo de Execução de ..., que aí correu termos sob o n.º 482/08.2..., para obter o pagamento por parte do autor das duas prestações referidas em 12.º, no valor de 24.939,90€, com juros desde 31 de dezembro de 2007. 15.º Eliminado pela Relação2. 16.º A ré requereu a renovação da instância do processo executivo referido em 14.º, o que foi indeferido. E, não provado: a) O acordo referido em 3.º foi firmado em 2011. b) Para além do valor referido em 8.º, o autor emitiu a favor da ré, em 28 de agosto de 2014, um cheque no valor 1.200,00€. c) No dia 17 de junho de 2014, a pedido da ré e sob empréstimo, o autor pagou a reparação do seu veículo automóvel, o que importou em 400,00€. d) No dia 7 de julho de 2014, o autor, a pedido da ré e a título de empréstimo, pagou por ela a quantia de 356,70€, pela reposição do vidro da porta de uma loja a ela pertencente. e) Para além da importância referida em 9.º, o autor pagou, em 28 de agosto de 2014, a quantia de 147,55€. f) A partir de janeiro de 2018, a ré pagou metade das despesas em eletricidade, gás e água g) No âmbito do PER referido em 15.º, foi aprovado plano de recuperação que, além do mais, previa que «os demais credores reduzem a dívida de capital em 30%, prescindem dos juros vencidos e vincendos, sendo pagos em 10 prestações mensais, iguais e sucessivas, com vencimento no dia 15 de cada mês, e início seis meses após o trânsito em julgado da decisão judicial que aprove o presente plano». h) A ré requereu a renovação da instância do processo executivo referido em 11.º, o que foi indeferido. i) O autor e a ré acordaram que o custo das obras realizadas na fachada do prédio sito na Rua ..., ..., ... - que à data ainda integrava o património indiviso do ex-casal -, as quais importaram no valor de 60.501,17€, seria integralmente assumido pelo autor. j) Em contrapartida, a ré abateria no seu crédito metade da importância referida em i) e, como tal, considerava-se integralmente paga da dívida do autor aludida em 12.º. k) O acerto de contas entre o autor e a ré relativamente ao crédito desta referido em 11.º ficaria para quando o valor das obras no interior do prédio descrito em i) fosse quantificado. B. O Direito 1. Sinopse Os litigantes que foram casados entre si, vieram a juízo com a finalidade de acertarem as contas pendentes entre ambos, designadamente as decorrentes do uso e habitação da casa de família, na qual continuaram a residir após o divórcio. Entre o valor do pedido do Autor e a reconvenção, operada a compensação invocada, a sentença definiu que a Ré tinha a receber do Autor a quantia de Euros 63.442,50. Na procedência parcial da apelação interposta pelo Autor, a Relação concluiu que o valor em dívida perante a Ré se quedava em Euros 27.714.34,00. A recorrente insurge-se, alegando que o acórdão extravasou o pedido do Autor, que não reclamou da Ré o pagamento de tal valor a título de despesas domésticas, que não tem base factual e mostrar-se indevida a subsunção do referido ao enriquecimento sem causa. 2. O princípio do pedido e o excesso de pronúncia Como bem sabe a recorrente, o acórdão da Relação concluiu que a sentença incorreu em nulidade por excesso de pronúncia, indo para além da compensação expressa no pedido reconvencional, no segmento do pedido do Autor relativo às despesas de utilização da casa, anteriores ao acordo expresso da divisão entre ambos, no ano de 2017 (cfr. Ponto 3 dos factos provados). Leia-se em compreensão no acórdão impugnado: «como resulta, na sentença e de forma não escamoteável no segmento decisório/condenatório desta, vai reconhecido um crédito quanto ao qual a Reconvinte não manifestou a pretensão de compensação quanto ao crédito do autor, determinando-se outrossim, sem possibilidade de distinção a partir da expressão escrita do segmento final, como da fundamentação, a condenação num valor que, por não liquidado/calculado, não permite também se faça “luz” sobre a convocada “vontade real” … Evidencia-se, assim, a nulidade da sentença, por violação (excesso) do pedido (reconvencional). De todo o modo, nos termos e para os efeitos do art. 665º, n.º 1 do CPC, é possível conhecer do objecto da apelação. Na verdade, no que interessa agora à nulidade que vem de reconhecer-se, cabe tão só “reduzir” o segmento decisório da decisão recorrida ao âmbito definido pelo aludido princípio do pedido, reconhecendo à Ré/reconvinte um crédito sobre o Autor/reconvindo no montante de 24.714,34 EUR, consequentemente condenando o Autor recorrido a satisfazer à reconvinte Ré o montante que resultar da dedução ao crédito desta do crédito daquele, como acolhido na decisão recorrida; tudo sem prejuízo do mais que vier a decorrer do conhecimento do restante objecto do recurso.» De acordo com o disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil (CPC), é nula a sentença quando «o juiz [...] conheça de questões de que não podia tomar conhecimento». Este fundamento de nulidade, geralmente designado por «excesso de pronúncia», ocorre quando o tribunal conhece de questões que, não tendo sido colocadas pelas partes, também não são de conhecimento oficioso. As «questões», para efeito do disposto no n.º 2 do artigo 615.º do CPC, não se confundem com os argumentos, as razões e motivações produzidas ou apresentadas pelas partes para fazer valer as suas pretensões: são apenas as questões de fundo, isto é, as que integram matéria decisória, os pontos de facto ou de direito relevantes no quadro do litígio, ou seja, os concernentes ao pedido, à causa de pedir e às exceções. Trata-se de vício da sentença que resulta da inobservância, pelo tribunal, do disposto no n.º 2 do artigo 608.º e no n.º 1 do artigo 609.º do CPC, segundo os quais o juiz não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras, e não pode a sentença condenar em quantidade superior ou em objeto diverso do que se pedir. Vinculação do tribunal ditada por razões de certeza e segurança jurídicas, e da disponibilidade das partes na definição da relação material 3. Na observância do princípio do dispositivo, o tribunal está, portanto, impedido de condenar em quantia superior ou em objeto diverso do que for pedido. Ora, neste particular, o acórdão recorrido fundamentou a redução do valor do crédito reconhecido à Ré, por extravasar o perímetro do pedido de compensação, sanando a nulidade por excesso de pronúncia cometida na sentença. Por conseguinte, revela-se ociosa a argumentação da recorrente ao pretender filiar o decidido em excesso de pronúncia ou decisão ultra petitum. Em suma, não se verifica pronúncia jurisdicional desconforme à lei adjetiva. 3. O enriquecimento sem causa O enriquecimento sem causa, fonte autónoma de obrigações, assenta no princípio de que ninguém deverá locupletar-se à custa alheia. Neste enquadramento, decidiu o Tribunal da Relação, que aquele sobredito montante do pedido do Autor, referente às despesas de utilização comum da moradia, conforme resulta dos pontos 4º a 6º, dos factos provados, deveria ser também imputado em metade à Ré, sob pena do seu enriquecimento injustificado4. Em desabono, sustenta a recorrente, que não estão em causa despesas domésticas, nem como tal invocadas pelo Autor, que a Relação se socorreu indevidamente do enriquecimento sem causa, que os factos provados não corroboram, e invoca ainda a prescrição. É manifesta a falta de razão da recorrente! A Relação considerou a propósito: «De todo o modo, na falta de prova de um acordo ou convenção expressos ou efectivos no sentido de uma repartição “a meias” das despesas da habitação convocada, passível de apreciação a atribuição ao Autor de um valor a título de despesas com gastos na habitação (entre a ocasião da partilha e a data que a sentença recorrida teve por atendível) por via do subsidiariamente convocado instituto do enriquecimento sem causa. Para o que aqui importa, interessa, apenas, considerar o enriquecimento por despesas realizadas em favor ou benefício de outrem/poupança de despesas. Verifica-se, nesta sede, uma situação de enriquecimento sem causa se ocorre a ausência de causa jurídica para a despesa. A ausência de causa jurídica deve ser definida em sentido objectivo, como a estraneidade ou alieneidade da despesa à esfera do empobrecido… No caso, a matéria de facto evidencia, a mais do acordo quanto à divisão (ou critério de divisão) a meias das despesas relacionadas com a utilização da moradia, designadamente as de eletricidade, a água e o gás, um outro e primeiro acordo, conforme facto sob 2º da matéria assente. Esse primeiro acordo ou convenção foi o de residirem ambos na mesma casa, evidenciando-se o assentimento quanto a coexistirem no mesmo edifício, exercendo cada um deles o direito de nele habitarem. Ora, implicando a habitação no mesmo edifício despesas com água, luz e gás, são ambos responsáveis pelas despesas respectivas, com o que não se antolhe qualquer causa para que a Ré/Reconvinte beneficie do pagamento da totalidade destas pelo Autor, após a partilha e o fim do património conjugal. É que em causa despesas relacionadas à fruição ou habitação do mesmo edifício, da responsabilidade, assim, da Ré, por via agora da convenção de residência na mesma casa/edifício/prédio.» 3.1. A questão que alimenta o dissídio jacente circunscreve-se às despesas de utilização da casa (água, luz, gás e outros), na qual Autor e Ré continuaram a habitar após o divórcio e a partilha de bens, as quais aquele suportou na íntegra. Primo, como bem sabe a recorrente, a figura do enriquecimento sem causa foi desde logo convocada pelo Autor na petição inicial, integrou os temas de prova e compreendida nas alegações da apelação. Como já se disse, o Tribunal da Relação considerou, que apesar da ausência de prova da inclusão dessas despesas no acordo expresso de divisão em 2 017(cf. ponto 3 dos factos provados) - concluiu que respeitando à utilização da casa, na qual, por acordo continuaram a viver após o divórcio (ponto 2 dos factos provados) deveria a Ré suportar metade do valor, sob pena do injustificado empobrecimento do Autor, que as suportou por inteiro. Acompanhamos a fundamentação do acórdão recorrido. No caso, como já se viu, resultou provado que o valor apontado corresponde às despesas inerentes à utilização da casa, após a partilha dos bens do casal, sendo que o Autor e Ré ali residiam, por comum acordo, e por consequência, consumindo água, luz, gás e outros; de outro lado, não se provou factualidade que afaste a regra da divisão das despesas em igual proporção, à luz da razoabilidade e da natureza das coisas. Aquele que, sem causa justificativa, enriquecer à custa de outrem é obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locupletou - nº1 do artigo 473º do Código Civil. A ausência de causa justificativa, não definindo a lei o conceito de enriquecimento sem causa, há que ter em conta o estatuído no nº2 do art. 473º, segundo o qual “A obrigação de restituir, por enriquecimento sem causa, tem de modo especial por objecto o que for indevidamente recebido, ou o que foi recebido por virtude de uma causa que deixou de existir ou em vista de um efeito que não se verificou.” Na doutrina, ensina ALMEIDA COSTA, que os pressupostos positivos do enriquecimento sem causa são: i) enriquecimento; ii) suporte do enriquecimento por outrem; iii) correlação entre o enriquecimento e o suporte do enriquecimento por outrem; e os pressupostos negativos: i) ausência de causa justificativa; ii) ausência de outro meio de o credor ser indemnizado ou restituído; e iii) ausência de norma que negue o direito à restituição ou atribua outros efeitos ao enriquecimento5. No caso vertente, ficou provada a ausência de causa justificativa para a deslocação patrimonial do Autor quanto ao valor das despesas de utilização comum da moradia, e consequente enriquecimento da Ré. Como se evidencia, a Ré recorrente limitou-se a negar por pura impugnação tais despesas, que se provou serem suportadas em exclusivo pelo Autor, não podendo ser beneficiada da circunstância, uma vez que resultou provado que residia ao tempo na moradia, enquanto facto constitutivo do direito do Autor, de reaver metade dos consumos que pagou a suas expensas. A obrigação de restituir o que for indevidamente recebido, resulta de a Ré usar e fruir o imóvel, beneficiando sem causa, do valor despendido pelo Autor nos custos de utilização comum, após a dissolução do casamento. Obiter dictum, em situações como a ajuizada - em que apesar do divórcio, os ex-cônjuges, por vontade/necessidade continuam a residir no mesmo imóvel - autonomizados os bens/patrimónios e cessada a economia comum- parece legítimo presumir que as despesas de utilização sejam suportadas em partes iguais. Sobre a invocada prescrição do crédito, enquanto questão nova e excluída do conhecimento oficioso, não constitui objeto de apreciação, coordenando-se com o estabelecido no artigo 303º do Código Civil. * Em síntese, os argumentos apresentados pela recorrente soçobram, restando confirmar o acórdão recorrido. IV. Decisão Nestes termos e pelos fundamentos expostos, nega-se provimento à revista. As custas são a cargo da recorrente. Lisboa, 3 de abril de 2025 Isabel Salgado (relatora) Fernando Baptista de Oliveira Ana Paula Lobo ________
1. Não foi admitido o articulado superveniente da Ré. 2. Eliminado por ausência da certidão necessária - “Correu termos no Juízo de Comércio de ..., sob o n.º 2255/13.1..., processo especial de revitalização (PER) em que o autor figurava como devedor, tendo sido proferido despacho de homologação do acordo de revitalização.” 3. Cfr. LEBRE DE FREITAS, MONTALVÃO MACHADO e RUI PINTO, in CPC Anotado, Vol. 2º, p.682- “o objecto da sentença coincide assim com o objecto do processo, não podendo o juiz ficar aquém nem ir além do que lhe foi pedido" 4. Após a partilha de bens em 2011 e até ao acordo expresso de divisão de custos em 2017 -ponto 3 dos factos provados. 5. In Direito das Obrigações, 12ª ed. pp. 491/ 505 |