Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
3/09.0YGLSB.S1
Nº Convencional: 5ª SECÇÃO
Relator: ARMÉNIO SOTTOMAYOR
Descritores: PROCESSO RESPEITANTE A MAGISTRADO
ABERTURA DE INSTRUÇÃO
ARQUIVAMENTO DO INQUÉRITO
ASSISTENTE
ACUSAÇÃO
CONVITE AO APERFEIÇOAMENTO
JUÍZ DE INSTRUÇÃO
INADMISSIBILIDADE LEGAL DA INSTRUÇÃO
OBJECTO DO PROCESSO
PRINCÍPIO DA ECONOMIA E CELERIDADE PROCESSUAIS
PRINCÍPIO DO ACUSATÓRIO
Data do Acordão: 01/13/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Sumário :

I - O requerimento para abertura da instrução, quando apresentado pelo assistente na sequência de um despacho de arquivamento do MP, deve observar o disposto no art. 283.º, n.º 3, als. b) e c), do CPP, quer dizer, deve conter a narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança e a indicação das disposições legais aplicáveis.
II - Não tendo sido formulada acusação pelo MP, o requerimento para a abertura da instrução funciona como equivalente dessa acusação, do qual decorre a vinculação factual que o juiz tem de respeitar, pautando a sua conduta no processo, por força do princípio do acusatório, dentro dos parâmetros fornecidos por aquela delimitação factual, uma vez que o juiz não actua oficiosamente e não investiga por conta própria, embora dirija e conduza a instrução de forma autónoma.
III -Nestes casos, o requerimento para a abertura de instrução subscrito pelo assistente, não sendo uma acusação em sentido processual-formal, deve constituir processualmente uma verdadeira acusação em sentido material, que delimite o objecto do processo, resultando da falta de indicação dos factos essenciais à imputação da prática de um crime ao agente a inutilidade da fase processual de instrução.
IV -Um dos princípios que presidem às normas processuais é o da economia processual, entendida como a proibição da prática de actos inúteis (art. 137.º do CPC). O CPP não contém norma equivalente, mas tal não impede a aplicação deste preceito nos termos do art. 4.º do CPP, por se harmonizar em absoluto com o processo penal, havendo afloramentos do referido princípio no art. 311.º, ao permitir ao juiz rejeitar a acusação manifestamente infundada e no art. 420.º ao prever a rejeição do recurso quando for manifesta a sua improcedência.
V - Se o juiz de instrução, apreciando o requerimento do assistente, concluir que de modo algum o arguido poderá ser pronunciado, uma vez que os factos que narra jamais constituirão crime, deve rejeitar tal requerimento, por o debate instrutório nenhuma utilidade ter, porque “não há lugar a convite ao assistente para aperfeiçoar o requerimento de abertura de instrução, … quando este for omisso relativamente à narração sintética dos factos que fundamentam a aplicação de uma pena ao arguido” (acórdão de fixação de jurisprudência n.º 7/2005).
VI -A instrução é de considerar legalmente inadmissível quando, pela simples análise do requerimento para a abertura da instrução, sem recurso a qualquer outro elemento externo, se concluir que os factos narrados pelo assistente jamais podem levar à aplicação duma pena ao arguido.
VII - Nos casos em que exista um notório demérito do requerimento de abertura de instrução, a realização desta fase constitui um acto processual manifestamente inútil por redundar necessariamente num despacho de não pronúncia.
VIII - O assistente indicou, com minúcia, a conduta do denunciado que, na sua óptica, era integradora dos tipos de crime que entende preenchidos; porém, claudicou quanto ao elemento subjectivo, ficando-se pelo mero uso de expressões conclusivas, sem alegar qualquer facto capaz de pôr em evidência o motivo por que o denunciado voluntariamente assim agiu.
IX -Como os poderes de indagação do juiz de instrução se encontram limitados pelos factos alegados, vedado lhe fica indagar das razões por que aquele teria agido contra direito com a finalidade de prejudicar o assistente e de beneficiar a contra-parte, o que constitui verdadeiramente um dos pressupostos do requerimento de abertura de instrução.
X - Tendo o denunciado a qualidade de magistrado, goza, no exercício da sua função, da garantia da irresponsabilidade quanto às suas decisões (art. 216.º, n.º 2, da CRP), que, embora não sendo absoluta, faz com que o juiz deva beneficiar da presunção hominis de integridade funcional.
XI -O princípio da irresponsabilidade dos juízes não isenta os magistrados de responsabilidade criminal. Mas o apuramento desta torna-se mais exigente, sendo necessário que os indícios da prática do crime estejam bem consolidados, especialmente quanto ao elemento subjectivo, que, de modo algum, pode estar fundamentado em meras afirmações conclusivas, sendo de exigir que se adiante um hipotético móbil para o pretenso crime.
XII - Por o requerimento de abertura de instrução primar pelo silêncio quanto aos motivos que teriam levado o denunciado a agir ilicitamente, não merece censura o despacho recorrido na parte em que conclui pela inutilidade da realização da fase instrutória, por não existir qualquer probabilidade, ainda que remota, de o denunciado vir a ser pronunciado por qualquer dos crimes cuja autoria o assistente lhe imputa, conclusões a que sempre se poderia chegar pela simples análise do requerimento de abertura de instrução, totalmente omisso na caracterização factual do elemento subjectivo.

13-01-2011
Proc. n.º 3/09.0YGLSB.S1 - 5.ª Secção
Decisão Texto Integral:




Arménio Sottomayor (relator) **
Rodrigues da Costa (“vencido nos termos da declaração de voto junta”: “(…) A jurisprudência deste tribunal tem, inegavelmente, considerado a indispensabilidade da narração dos factos e a exigência de que estes constituam crime, mas não vai ao ponto de considerar inadmissível legalmente o requerimento instrutório, quando aqueles factos não tenham suporte em indícios suficientes ou em prova bastante. (…) No caso sub judice, a decisão recorrida dá um passo mais em frente, na medida em que inclui nas possibilidades de rejeição do requerimento para abertura de instrução não só a falta de indicação dos factos essenciais para o preenchimento de um tipo legal de crime, mas também a falta de consistência dos indícios que suportam esses factos ou a falta de prova suficiente para levar à pronúncia do arguido. (…) O Conselheiro que serviu como juiz de instrução, salvo o devido respeito, rejeitou o requerimento para abertura da instrução com base na análise da prova carreada e num juízo de prognose sobre a prova que resultaria da instrução, assim concluindo pela inutilidade desta. Não foi por os factos não estarem devidamente descritos, tanto nos seus elementos objectivos como subjectivos, ou por esses factos, tal como descritos, não consubstanciarem os crimes que foram apontados. Pelo contrário: na decisão recorrida, até se parte do pressuposto de que a deficiência não está na descrição dos factos e na sua subsunção a determinados tipos legais de crime, mas na falta de suporte probatório.”)
Santos Carvalho (“Na qualidade de Presidente e com voto de desempate”)