Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1571/20.0T8LSB.L1.S1
Nº Convencional: 6.ª SECÇÃO
Relator: MARIA JOSÉ MOURO
Descritores: NULIDADE DE ACÓRDÃO
ARGUIÇÃO DE NULIDADES
AMBIGUIDADE
OBSCURIDADE
ASSUNÇÃO DE DÍVIDA
DEVEDOR
PAGAMENTO
SUB-ROGAÇÃO
CARÁTER SINALAGMÁTICO
LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
EXCEÇÃO DE NÃO CUMPRIMENTO
Data do Acordão: 01/31/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: REVISTA IMPROCEDENTE.
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO.
Sumário :
I - Não se verifica uma das causas de nulidade do acórdão previstas na al. c) do n.º 1 do art. 615.º do CPC, consoante foi aludido pela recorrente: não estamos perante alguma obscuridade ou ambiguidade geradoras de ininteligibilidade no que concerne à decisão - a decisão constante do acórdão recorrido é perceptível em toda a sua dimensão e não comporta qualquer ambiguidade; nem se verifica a circunstância de os fundamentos estarem em oposição com a decisão, uma vez que os fundamentos de facto e os fundamentos de direito consignados no acórdão conduzem, sem dificuldade lógica, à decisão que foi proferida.
II - Consistindo a assunção de dívida na operação pela qual um terceiro (assuntor) se vincula perante o credor a efectuar a prestação devida por outrem (transfere-se a dívida do antigo para o novo devedor, mantendo-se a relação obrigacional), no caso dos autos foi celebrado um contrato trilateral em que intervieram como partes o antigo devedor (a ré), o assuntor (a autora) e o credor.
III - Aquele contrato trilateral, celebrado por escrito, define as relações entre a ré e a autora, cumprindo-nos interpretá-lo para determinação do respectivo sentido e proceder à aplicação das regras ao mesmo atinentes.
IV - No que concerne à relação entre a autora e a ré trata-se de um contrato sinalagmático, havendo originado obrigações recíprocas para ambas as partes - o surgimento de cada uma das prestações, a da autora e a da ré aparece ligado ao surgimento da outra, a sua contraprestação, com interdependência entre as duas prestações, no âmbito da relação contratual.
V - O sinalagma estabeleceu-se entre a assunção de dívida e o pagamento à credora, por um lado, e a contraprestação de € 753 985,44, por outro - o cumprimento das prestações a que a autora estava adstrita era pressuposto do cumprimento por parte da ré, dada a interdependência entre as prestações; não tendo havido pagamento pela autora à credora, nem à massa insolvente desta, não está a ré obrigada a satisfazer à autora o pagamento de € 753 985,44.

VI - Para efeitos de condenação como litigante de má-fé e quanto ao “facto ilícito” a considerar, não releva toda e qualquer violação de normas jurídicas, mas, apenas, as actuações tipificadas nas diversas alíneas do n.º 2 do art. 542.º do CPC, não se reconduzindo a actuação da ré a qualquer delas.

Decisão Texto Integral:



Proc. nº 1571-20.0T8LSB.L1.S1.

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça (6ª Secção):

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I - A «Massa Insolvente de G..., Lda.», representada pelo administrador da insolvência, intentou acção declarativa com processo comum contra «Mediserviços – Sociedade Gestora de Participações Sociais, S.A.».
Alegou a A., em resumo:
- Que a «G..., Lda.» foi declarada insolvente por sentença proferida em 2 de Março de 2015, no processo n.º 200/14...., a correr termos pelo Juízo Local Cível do Tribunal Judicial da Comarca ..., sentença aquela já transitada em julgado;
-  Que até à declaração de insolvência, esteve integrada em grupo empresarial sob o domínio e participação da ora R.;
- Que o «Laboratório de Análises Clínicas de M..., Lda.» estava, também, integrado no grupo de empresas sob a alçada da R.;
- Que por documento escrito datado de 2 de Maio de 2013, denominado «Instrumento Particular de Assunção de Dívida», foi celebrado um acordo entre três partes, ou seja, a ora R., designada por cedente, a ora A., designada por cessionária, e a referida «Laboratório de Análises Clínicas de M..., Lda.», designada por credor, constando desse escrito que “a cedente assumia junto ao credor a dívida no montante de €753.985,44” e que “a cedente pretendia liberar-se da dívida transferindo-a para a cessionária e que esta aceita a transferência da dívida”, bem como que a ora A., assumia a totalidade da dívida, assim como os seus encargos, comprometendo-se a pagá-la ao credor, comprometendo-se a R. a pagar à ora A. aquela quantia de € 753.985,44, no prazo de oito anos;
- Que a ora R. nenhum pagamento fez à ora A. por conta do contrato celebrado, sendo que o total em dívida pela R. à A. ascende à quantia de €789.557,03.
Pediu a A. a condenação da R. a pagar-lhe a quantia de € 753.985,44, acrescida de juros à taxa comercial desde a data da interpelação para pagamento, em 13 de Maio de 2019.
Na contestação que apresentou a R. defendeu-se, por excepção, invocando a ilegitimidade do administrador da insolvência e a caducidade do direito de acção, e por impugnação. Referiu, nomeadamente, que a A. não pagou ao credor «Laboratório de Análises Clínicas de M..., Lda.», nem à sua massa insolvente (tendo sido encerrado o processo de insolvência em 2019) qualquer quantia do valor previsto no contrato de assunção da dívida, o que, também, não lhe foi exigido pela credora, pelo que a A. não tem direito ao valor peticionado, pretendendo a A. locupletar-se à custa alheia.
Concluiu pedindo que sejam julgadas procedentes as excepções alegadas, absolvendo-se a R. do pedido e que, se assim se não entendesse, fosse a acção julgada improcedente, absolvendo-se a R. do pedido.
Quando se pronunciou sobre as exceções invocadas, pediu a A. a condenação da R. como litigante de má fé.
No saneador foi julgada improcedente a excepção da ilegitimidade invocada pela R.. Posteriormente, foi proferida sentença que julgou a acção improcedente, absolvendo a R. do pedido formulado pela A. e, igualmente, improcedente o pedido de condenação da Ré como litigante de má fé.
A A. apelou, vindo a Relação de Lisboa a proferir acórdão em que decidiu julgar improcedente a apelação, mantendo a decisão recorrida, esclarecendo embora, no que concerne à questão que delimitou como sendo a referente à «assunção de dívida e incumprimento da apelada», improceder a apelação «devendo manter-se a decisão recorrida, embora com diferentes fundamentos».
Interpôs a apelante recurso de revista, formulando as seguintes conclusões:
1. Vem o presente recurso de revista interposto do douto acórdão que absolveu a Ré do pedido.
2. Fundando-se no disposto no n.º 1 e n.º 3 (a contrario) do art.º 671.º do CPC, pois, não obstante ter mantido a decisão proferida em 1.ª instância que julgou a acção improcedente, absolvendo a Ré do pedido, adoptou-se no aresto recorrido uma fundamentação essencialmente diferente;
3. Com efeito, os próprios termos do Acórdão a quo apontam em tal sentido, quando no mesmo se afirma que “improcede a apelação, também nesta parte, devendo manter-se a decisão, embora com fundamentos diferentes”.
4. Mesmo que assim se não considerasse, deverá a presente revista ser admitida como excepcional, nos termos do disposto na al. a) do n.º 1 do art.º 672.º do CPC;
5. Dado que a “assunção de dívidas” tem sido objecto de controvérsia e reticências quanto à melhor interpretação e aplicação do regime jurídico regulamentador da matéria, motivando decisões dispares;
6. Controvérsia bem patente no sumário do Douto Acórdão proferido neste Supremo Tribunal no processo n.º 294/06.8TVPRT.91.S1, consultável em www.dgsi.pt, em que o Ilustre Conselheiro Álvaro Rodrigues refere o seguinte: «(…) Convirá recordar que a assunção da dívida como forma de transmissão singular de obrigações encontrou sempre alguma resistência da parte dos legisladores, designadamente não estando prevista no nosso Código Civil anterior ao vigente (Código de 1866, conhecido por Código de Seabra).»
7. Sendo, por conseguinte, admissível a presente revista.
8. Como se deixou já enunciado, o Douto Acórdão a quo fez errada interpretação e aplicação das disposições legais aplicáveis aos factos controvertidos, o que resultou em erro de julgamento e não deixará de merecer a sua revogação por este mais Alto Tribunal, e a sua substituição por decisão que condene a Ré/Recorrida no pedido.
9. Não obstante se louvar a correcção operada pelo Douto Acórdão recorrido da sentença de 1.ª instância no facto de ter centrado a questão num contrato de “assunção de dívida” e rejeitado categoricamente a ficção da existência de um “contrato de mútuo” a que a decisão inicial deu guarida, o certo é que, ainda assim, a fundamentação da mesma enveredou por um caminho que, salvo o devido respeito, não lhe tornou a jornada mais pacífica, quando entende que se trata, no caso dos autos, de “uma assunção onerosa de dívida”, e que, por conseguinte “não tendo a G... (leia-se C...) pago a dívida à credora, não está a R. Mediserviços obrigada a cumprir a sua parte do contrato (do sinalagma).»
10. Diremos que, se nos for permitida a boa disposição verbal, a Relação corrigiu o tiro, mas nem por isso acertou no alvo.
11. Desde logo, a termos como acertada esta qualificação do contrato como uma assunção onerosa de dívida, devemos dizer que é totalmente falso e destituído de sentido afirmar que a ora recorrente e A. não tenha cumprido a parte que lhe cabia para com a Ré no âmbito do acordo estabelecido.
12. Em abono da verdade, resulta da economia do contrato e do regime jurídico em causa que à Mediserviços seria indiferente que a G... cumprisse ou não a credora inicial, dada a desoneração total para com esta da sua obrigação de pagamento da dívida.
13. Com efeito, nas relações para com a recorrida (Mediserviços) a obrigação que incumbia à recorrente (a insolvente G...) não era o pagamento à credora, mas sim a assunção da dívida que desonerou aquela, a devedora inicial.
14. Ora, essa obrigação foi cumprida pela cessionária e aceite pela credora logo no momento da subscrição do contrato;
15. Tanto mais que a Mediserviços ficou totalmente desonerada da sua obrigação para com esta credora, como se disse.
16. Por conseguinte, nos termos, e no âmbito, do contrato em causa, a Autora não se obrigou perante a Ré a “adiantar os meios necessários à satisfação do crédito do credor”.
17. Na verdade, o dever de pagamento da devedora inicial/R., e “cedente” no contrato, do valor de €753.985,44 à A., estava apenas dependente da validade da assunção da dívida por esta A., o que não foi questionado em qualquer momento ou instância por quem quer que fosse. Daqui resulta que a A. - “cessionária” - só se obrigou para com a Credora.
18. Por outro lado, a obrigação da R. não é de restituição, mas de cumprimento, para com a A. em virtude da assunção (e como contrapartida) de uma dívida daquela que esta aceitou, em desoneração definitiva da primeira, o que todas, incluindo a Credora, aceitaram como liberatória da recorrida, como se encontra provado nos autos através dos termos do contrato por todas firmado.
19. Assim, o que se provou ter sido pactuado entre as partes outorgantes foi uma assunção onerosa de dívida, em que a assunção foi, efectivamente, liberatória porque nisso acedeu a Credora, e que envolveu o pagamento de um valor à Cessionária por parte da Cedente.
20. Tal conclusão é a que resulta dos próprios termos do contrato, quando no mesmo se faz constar e subscreve o seguinte:
“Considerando que a CEDENTE assumiu junto ao CREDOR a dívida no montante de € 753.985,44 (…);
considerando que a CEDENTE pretende liberar-se da DÍVIDA, transferindo-a à CESSIONÁRIA e que esta aceita a transferência da DÍVIDA, nos termos e condições ora pactuados; pelo presente Instrumento particular, as partes nomeadas no presente contrato, doravante denominadas, respetivamente, CEDENTE e CESSIONÁRIA, acordam celebrar o presente Instrumento Particular de Assunção de Dívida (o “Contrato”) nos termos do art.º 595º e seguintes do Código Civil, que se regerá pelas seguintes cláusulas:
1. A CESSIONÁRIA assume a totalidade da Dívida, comprometendo-se a pagá-la na forma originalmente contratada com o CREDOR.
2. Como contraprestação da assunção da dívida ora pactuada, a CEDENTE pagará, no prazo de oito anos, à CESSIONÁRIA, o valor acima declarado, pelo qual a CESSIONÁRIA dará a competente quitação (…)”.
21.Como se vê, a contraprestação que a R. aceitou da A. não foi o pagamento da dívida à credora L..., mas sim a assunção liberatória pela G... da sua (da Mediserviços) dívida para com aquela L....
22.Foi este o regime pelo qual as partes signatárias do contrato sub iudice optaram, que mais se compagina com o teor do contrato aceite nos seus precisos termos por recorrente, recorrida e Credora, fruto de negociação e elaboração dentro do que são os limites da liberdade contratual (art.º 405.ºdo CC),
23.E que, até doutrinalmente, se encontra há muito enquadrada no ensinamento que os Professores Pires de Lima e Antunes Varela enunciam na anotação ao art.º 597.º do Código Civil, cfr. CC Anotado, Vol. I a pág. 614: “À semelhança do que sucede na cessão de créditos (art.º 578.º, n.º 1), também os requisitos e os efeitos da assunção de dívida entres os contraentes hão-de ser definidos em função da sua causa, ou seja, do negócio gratuito ou oneroso (doação, compra e venda, etc.) em que a assunção se integra.”
24.Diga-se que, ao contrário do que defende a decisão impugnanda, da economia do contrato não resulta que a obrigação da R. para com a A. ficasse condicionada ao pagamento por esta de qualquer quantia à Credora;
25. Até porque, tendo sido imediata a definitiva exoneração da recorrida no que respeita à dívida para com a Credora, jamais a obrigação da recorrida poderia ficar dependente das relações entre a recorrente e a Credora;
26. Pelo que não colhe a conclusão final (diremos, até e com todo o respeito, algo ingénua) vertida a este respeito no Douto Acórdão recorrido, de que “Não tendo a G... pago a dívida à credora, que também não lha exigiu em sede de processo de insolvência, não está a R. Mediserviços obrigada a cumprir a sua parte do contrato (do sinalagma).”,
27. Conclusão, diremos, infeliz, na medida em que se segue às seguintes constatações, também elas vertidas no acórdão a quo:
- “(…) do contrato resulta inquestionável ser, no caso, a assunção de dívida liberatória, tendo passado a G... a ser a única devedora perante a credora, Laboratório de Análises Clínicas de M..., Lda., mantendo-se a obrigação a mesma.”
- “a R. ficou desonerada da sua obrigação perante a credora, Laboratório de Análises Clínicas de M..., Lda.,”
- “o que não é posto em causa pela declaração de insolvência da G..., atento o disposto no art.º 600º do CC.;”
- “que os legais representantes das 3 sociedades envolvidas no contrato em causa eram os mesmos.”
- “No âmbito do processo n.º 200/14...., referente ao Apenso da Qualificação de Insolvência, foi decidido que: “1. Qualifico como culposa a insolvência de “G..., Limitada” declarando afetado pela mesma AA; 2. Fixo em 8 (oito) anos o período de inibição de AA para administrar património de terceiros e para o exercício do comércio, bem como para ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de atividade económica, empresa pública ou cooperativa; 3. Determino a perda de quaisquer créditos sobre a insolvência ou sobre a massa insolvente detidos por AA e condeno-o na restituição dos bens ou direitos já recebidos em pagamento desses créditos;” (Facto 3 da matéria de facto assente e provada)
28.Entende, humildemente, a recorrente que, face ao que antecede, constitui grave erro de julgamento e séria incongruência decisória, afirmar-se que “Não tendo a G... pago a dívida à credora, que também não lha exigiu em sede de processo de insolvência, não está a R. Mediserviços obrigada a cumprir a sua parte do contrato (do sinalagma).”
29.Com efeito, apesar de se afirmar no acórdão a quo que “Perante o pedido formulado na presente ação, cumpre, agora, analisar as relações entre a assuntor e a R. resultantes do contrato em causa, sendo certo que a credora é alheia àquelas relações” (cf. pág. 21 da decisão recorrida), o facto é que fez depender a solução do presente pleito de um facto apenas enquadrável nas relações da A. com a credora L...;
30.Isto é, do pagamento a esta da quantia em dívida, ou seja, de uma condição ou como lhe chama “pressuposto” (de pagamento) que não existia nem foi pactuada.
31.Na verdade, semelhante conclusão faz cair a decisão recorrida no vício da contradição e erro de julgamento, o que acarreta inelutavelmente a sua nulidade.
32. Dir-se-á que a recorrida não tem que se imiscuir nas relações entre a recorrente e a credora, tem apenas que cumprir a sua parte na obrigação assumida, pois que caso assim fosse, estaria eximida de uma obrigação certa, líquida e exigível sem ter que despender rigorosamente nada.
33.Ora, acolher esse entendimento seria manifestamente abusivo, afrontoso do mais básico sentimento jurídico geral da comunidade, e diametralmente oposto ao princípio do dever de boa-fé no cumprimento dos contratos, um verdadeiro enriquecimento sem causa a favor da Ré (Mediserviços), a sociedade mãe num grupo de sociedades que acumulou riqueza à custa da insolvência de grande parte das outras empresas do grupo.
34.De forma que, ao ter decidido pela subsunção do contrato em causa à assunção onerosa e liberatória de dívida, sujeitando-a à condição não pactuada da condição (“pressuposto” nos termos do Acórdão recorrido) do pagamento à credora incorreu o aresto ora em crise em erro de julgamento e contradição entre os fundamentos da decisão, tornando-o completamente ambíguo.
35.Na verdade, esta assunção liberatória vem justificar, e encontra-se na base, da obrigação que a R. assumiu para com a A.., ou seja, do crédito desta para com aquela, pois a Credora já não o poderá exigir da Cedente.
36.Nas doutas palavras do Prof. Almeida Costa, cfr. Das obrigações em geral, vol. II, pág. 373, 5.ª Edição, “Ratificado o contrato, cessa o poder de o distratar conferido pelo n.º 1 do art.º 596.º aos contraentes (antigo e novo devedor)”.
37.Sendo certo que, nas palavras deste mesmo Autor, na assunção liberatória sendo a dívida existente e válida, “a mesma só não será liberatória do primitivo devedor se o próprio contrato de transmissão for declarado nulo ou anulado.”
38.Ora, essa questão não se coloca nos presentes autos, e a decisão impugnanda aceitou que se verificou uma assunção liberatória (para o devedor original) da dívida para com o credor.
39.Estando, inclusive, vedado ao Credor, em virtude desta definitiva liberação, mesmo em caso de insolvência do novo devedor, exercer contra ele o seu direito de crédito (art.º 600.º do CC).
40.Assim, esta consequência torna ainda mais evidente e reforça ainda mais os argumentos em abono da posição da ora recorrente, pois, a vingar a solução da sentença recorrida, poderia dar-se o caso insólito da Ré ficar definitivamente exonerada da dívida para com a credora sem que tivesse que pagar um cêntimo por isso.
41.Daqui se alcança a injustiça crassa que resultaria de uma decisão do género da que ora se encontra sob escrutínio, que se afasta claramente da que as partes signatárias quiseram e expressamente pactuaram.
42.O entendimento que professamos, encontra reflexo na doutrina do Acórdão do STJ de 17.02.2011, no Proc. n.º 294/06.8TVPRT.91.S1, que se transcreve:
I- A assunção de dívida não é a aceitação (por compra e venda ou outro negócio jurídico causal) de um crédito. É, antes, a aceitação do pagamento de um passivo de um devedor perante o credor deste, com libertação (assunção liberatória) ou não (assunção cumulativa) do primitivo devedor.
II- Nesta figura jurídica, o credor continua a ser o titular do mesmo crédito que detinha sobre o primitivo devedor, mas que, por força do referido negócio jurídico, muda apenas de sujeito passivo, isto é, do adstrito ao cumprimento da prestação debitória, que assim passa a ser o novo devedor por ter assumido aquela obrigação (assuntor).
III- Note-se que o primitivo ou antigo devedor só fica exonerado do seu dever de prestar se o credor tal expressamente declarar (art.º 595º/2 do C. Civil) – assunção liberatória da dívida – pois, de contrário, mantém-se solidariamente obrigado perante o credor – assunção cumulativa da dívida. O credor só deixará se ser o titular do direito de crédito objecto da assunção, quando a dívida for paga (extinção do crédito por pagamento) ou se o transmitir por cessão ou por outra via a outrem.
IV- Por outras palavras, na assunção da dívida, nem há mudança de credor, que continua a ser o originário, nem da obrigação existente, como aconteceria na novação, mas apenas mudança do devedor, que deixa de ser o primitivo, passando a ser o que assumiu a dívida daquele perante o mesmo credor.
43.Se o contrato é válido no que respeita à liberação definitiva da devedora inicial perante a credora, não poderá deixar de ser válida a obrigação que aquele devedor assumiu, no mesmo contrato, para com a devedora actual;
44.Sendo certo que a única contraprestação exigível à ora A. foi cumprida no momento da subscrição do contrato: a assunção (liberatória) da dívida à ora recorrida.
45.E esta obrigação assume-se como essencial àquela declaração/aceitação de liberação pela Credora, pois, de outro modo, ou seja, se não existisse um crédito da Cessionária/Assumptora para com a Cedente da dívida, não estaria garantida a possibilidade da actual devedora solver tal obrigação para com a Credora.
46.Em linha com o que vimos discorrendo, manifestam-se igualmente Pires de Lima e Antunes Varela, quando, na anotação que fazem ao art.º 595.º do Código Civil no seu CC Anotado, Vol. I a pág. 611, proferem: “Os artigos 595.º e seguintes vieram, porém, admitir expressamente aquela transmissão em dois casos: por contrato entre o antigo e o novo devedor ou por contrato entre o novo devedor e o credor. Quanto ao primeiro, houve que assegurar os interesses do credor, visto, pela transmissão passar o cumprimento da obrigação a ser garantido por outro património.”
47.Assim, a atitude da R., ao contestar a obrigação contratualmente assumida, configura um manifesto o abuso do direito, na modalidade venire contra factum proprium, que é também uma expressão de evidente litigância de má-fé, constituindo um evidente enriquecimento sem causa do devedor inicial, que se liberta de uma dívida sem nada despender no seu pagamento, algo que ao sentimento jurídico geral não deixa de repugnar,
48.Mais a mais, quando estamos perante actores económicos (v. g. o administrador AA) administrador da devedora original exonerada (Mediserviços) e considerado culpado pelas insolvências da assumptora/cessionária da dívida e da credora da mesma dívida...
49.Sendo certo que, o princípio pacta sunt servanda (cfr. art.º 406.º do CC), entendido no sentido de que os contratos livremente firmados existem para serem cumpridos, obrigando as partes nos precisos limites da lei, impõem-se como um princípio de ordem pública a todos os aplicadores do Direito.
50.De tudo o que antecede, resulta que o aresto a quo violou, nomeadamente, o disposto no n.º 3 e n.º 4 do art.º 607.º do CPC, bem como das regras contidas, nomeadamente, nos artigos 405.º, 406.º, 595º e seguintes e n.º 2 do art.º 762.º, todos do Código Civil;
51.Devendo a recorrida ser condenada como litigante de má-fé, em multa e indemnização condigna à recorrente, pois actua em abuso de direito na modalidade de venire contra factum proprium, já que o seu comportamento se manifestou, numa primeira conduta (que se traduziu numa declaração negocial), entendida como uma tomada de posição vinculante em relação ao futuro e, por essa razão, geradora de uma situação objectiva de confiança; a que          correspondeu  a boa-fé da contraparte, que justificadamente confiou nessa conduta; e uma segunda conduta da recorrida, contraditória com a anterior, que frustra a confiança gerada.
52.Devendo, ainda, a recorrida ser condenada como litigante de má-fé, em multa e indemnização condigna à recorrente,
53.Uma vez que actua em abuso de direito na modalidade de venire contra factum proprium, pois o comportamento que manifestou numa primeira conduta (que se traduziu numa declaração negocial), foi entendido como uma tomada de posição vinculante em relação ao futuro e, por essa razão, geradora de uma situação objectiva de confiança; a que correspondeu a boa-fé da contraparte, que justificadamente confiou nessa conduta; e uma segunda conduta da recorrida, contraditória com a anterior, que frustra a confiança gerada.
54.De tudo o que antecede, resulta que a sentença a quo violou o disposto no n.º 3 e n.º 4 do art.º 607.º, bem como das regras contidas, nomeadamente, nos artigos, 334.º, 405.º, 406.º, 595º e seguintes e n.º 2 do art.º 762.º, todos do Código Civil, devendo ser substituída por Douto Acórdão que condene a Ré/ recorrida no pedido.
A R./recorrida contra alegou defendendo a rejeição do recurso e, assim se não entendendo, a manutenção da decisão recorrida.

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II – Sendo as conclusões da alegação de recurso, no seu confronto com a decisão recorrida, que delimitam o objecto da revista, sem prejuízo de questões de conhecimento oficioso que possam ser decididas com base nos elementos constantes do processo, tendo em conta as conclusões apresentadas pela recorrente, emergem como questões a considerar: a da suscitada nulidade do acórdão recorrido; a da obrigação da R. pagar à A. a quantia por esta peticionada, em decorrência do acordo celebrado; a da litigância de má fé da R..

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III - As instâncias julgaram provados os factos que seguidamente se transcrevem:
1. Por sentença proferida em 2 de março de 2015, pelas 16:15 horas, no processo n.º 200/14...., a correr termos pelo Juízo Local Cível do Tribunal Judicial da Comarca ..., foi a sociedade comercial denominada G..., Lda. declarada insolvente.
2. A sentença transitou em julgado em 20 de março de 2015, tendo sido nomeado para administrador da insolvência Dr. BB.
3. No âmbito do processo n.º 200/14...., referente ao Apenso da Qualificação de Insolvência, foi decidido que:
“1. Qualifico como culposa a insolvência de “G..., Limitada” declarando afetado pela mesma AA;
2. Fixo em 8 (oito) anos o período de inibição de AA para administrar património de terceiros e para o exercício do comércio, bem como para ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de atividade económica, empresa pública ou cooperativa;
3. Determino a perda de quaisquer créditos sobre a insolvência ou sobre a massa insolvente detidos por AA e condeno-o na restituição dos bens ou direitos já recebidos em pagamento desses créditos;
4. Condeno AA a indemnizar os credores da devedora declarada insolvente no montante dos créditos não satisfeitos, até às forças do respetivo património.”.
4. Esta sentença transitou em julgado.
5. Por documento escrito datado de 2 de Maio de 2013, denominado INSTRUMENTO PARTICULAR DE ASSUNÇÃO DE DÍVIDA, foi celebrado um acordo entre três partes, por um lado, a MEDISERVIÇOS – SOCIEDADE GESTORA DE PARTICIPAÇÕES SOCIAIS, S.A., ora Ré e subscrito por AA enquanto Presidente do Conselho de Administração desta, designada por CEDENTE, por outro a insolvente G..., Lda. designada por CESSIONÁRIA representada por CC, na qualidade de legal representante, e, por outro, Laboratório de Análises Clínicas de M..., Lda., designada por CREDOR, representada por CC e AA, como seus legais representantes.
6. Consta do referido escrito:
“é celebrado o presente instrumento particular de assunção de dívida
Considerandos:
Considerando que a CEDENTE assumiu junto ao CREDOR a dívida no montante de € 753.985,44 (…);
considerando que a CEDENTE pretende liberar-se da DÍVIDA, transferindo-a à CESSIONÁRIA e que esta aceita a transferência da DÍVIDA, nos termos e condições ora pactuados;
pelo presente Instrumento particular, as partes nomeadas no presente contrato, doravante denominadas, respetivamente, CEDENTE e CESSIONÁRIA, acordam celebrar o presente Instrumento Particular de Assunção de Dívida (o “Contrato”) nos termos do artº 595º e seguintes do Código Civil, que se regerá pelas seguintes cláusulas:
1. A CESSIONÁRIA assume a totalidade da Dívida, comprometendo-se a pagá-la na forma originalmente contratada com o CREDOR.
2. Como contraprestação da assunção da dívida ora pactuada, a CEDENTE pagará, no prazo de oito anos, à CESSIONÁRIA, o valor acima declarado, pelo qual a CESSIONÁRIA dará a competente quitação.
3. A CESSIONÁRIA assume, também, todos os encargos provenientes da Dívida, incorridos até integral pagamento da Dívida.
4. A CEDENTE declara que possui todos os documentos comprobatórios da legitimidade da Dívida ora cedida, eximindo, assim, a CESSIONÁRIA, de toda e qualquer responsabilidade quanto à legalidade da operação originária da Dívida e de toda a sua documentação.
5. As partes acordam, ainda, que quaisquer encargos, de qualquer natureza, decorrentes da operação celebrada entre o CREDOR e a CEDENTE serão de exclusiva responsabilidade da CESSIONÁRIA.
6. O CREDOR ratifica a assunção de dívida nos termos da alínea a) do nº1 do artº 595º do Código Civil.
7. O CREDOR reconhece a legalidade do presente Contrato, que é celebrado em caráter irrevogável e irretratável, obrigando as partes, e expressamente desonera o antigo devedor, ora CEDENTE nos termos e para os efeitos previstos no nº 2 do artº 595º do Código Civil.
8. (…).”.
7. O Ilustre Mandatário da Ré remeteu mail ao Ilustre Mandatário da Autora, no dia 6 de Junho de 2019, com o seguinte teor:
“Exmº Senhor
Dr. DD Distº Advogado
... ...
Meu Exmº Colega.
A Mediserviços, S.G.P.S., S.A. analisou a carta endereçada por V. Exa. datada de 13 Maio último, que agradece.
Quanto à solicitação formulada na carta recebida, a Mediserviços, S.G.P.S., S.A. informa-o que nada deve, a nenhum título, à insolvente G..., Lda., pelo que nada tem a propor-lhe.
Aceite os meus cumprimentos O Colega”.
8. A cessionária G..., LDA. não pagou ao credor Laboratório de Análises Clínicas de M..., Lda., nem à sua massa insolvente, o valor de € 753.985,44.

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IV – 1 - Segundo a recorrente «constitui grave erro de julgamento e séria incongruência decisória, afirmar-se que “Não tendo a G... pago a dívida à credora, que também não lha exigiu em sede de processo de insolvência, não está a R. Mediserviços obrigada a cumprir a sua parte do contrato (do sinalagma)”» e, ainda, que o acórdão recorrido apesar de afirmar cumprir «analisar as relações entre a assuntor e a R. resultantes do contrato em causa, sendo certo que a credora é alheia àquelas relações… fez depender a solução do presente pleito de um facto apenas enquadrável nas relações da A. com a credora L...», isto é «do pagamento a esta da quantia em dívida, ou seja, de uma condição ou como lhe chama “pressuposto” (de pagamento) que não existia nem foi pactuada».
Para concluir que tal «faz cair a decisão recorrida no vício da contradição e erro de julgamento, o que acarreta inelutavelmente a sua nulidade» e que «incorreu o aresto ora em crise em erro de julgamento e contradição entre os fundamentos da decisão, tornando-o completamente ambíguo» (conclusões 28ª a 31ª e 34ª).
Especificando a recorrente, no corpo da alegação de recurso, que a posição assumida no acórdão o faz cair «no vício da contradição e oposição entre os fundamentos e a decisão proferida, prevista na al. c) do n.º 1 do art.º 615.º do CPC, o que acarreta inelutavelmente a sua nulidade».
Temos, pois, que ainda que em termos pouco precisos, a recorrente invoca as causas de nulidade da sentença previstas na alínea c) do nº 1 do art. 615 do CPC.
Inclui o art. 615 do CPC, no seu nº 1-c), entre as causas de nulidade da sentença, os fundamentos estarem em oposição com a decisão ou ocorrer alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível, o que o art. 666 do mesmo Código determina ser aplicável aos acórdãos proferidos em 2ª instância.
Entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica; se, na fundamentação da sentença, o julgador seguir determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão, e, em vez de a tirar, decidir noutro sentido, oposto ou divergente, a oposição será causa da nulidade da sentença ([1]). Assim, a nulidade em referência ocorre quando existe incompatibilidade entre os fundamentos e a decisão, apontando a fundamentação num sentido que contradiz o resultado final ([2]).
Por outro lado, quando não seja perceptível qualquer sentido da parte decisória (obscuridade), ou ela encerre um duplo sentido (ambiguidade), sendo ininteligível para um declaratório normal, a sentença não pode valer enquanto não for esclarecida. A obscuridade e a ambiguidade só são relevantes quando gerem ininteligibilidade, isto é, quando um declaratário normal não possa retirar da parte decisória (e só desta) um sentido unívoco, mesmo depois de recorrer à fundamentação para a interpretar ([3]).
No caso dos autos não estamos perante uma obscuridade ou ambiguidade geradoras de ininteligibilidade no que concerne à decisão.
A decisão é perceptível em toda a sua dimensão e não comporta qualquer ambiguidade.
Por outro lado, a hipótese em causa não se reconduz à circunstância de os fundamentos estarem em oposição com a decisão: na realidade, os fundamentos de facto (ou seja, os factos julgados provados, nos pontos 1) a 8) da matéria de facto provada) e os fundamentos de direito consignados no acórdão conduzem, sem dificuldade lógica, à decisão que foi proferida de improcedência da acção.
A apelante poderá discordar da interpretação das normas jurídicas consideradas atinentes e dos termos em que as mesmas foram aplicadas aos factos apurados, bem como das conclusões retiradas pelo Tribunal da Relação – todavia, isso não se reconduz a uma nulidade do acórdão, podendo conformar antes a invocação de erro de julgamento, aliás expressamente e em simultâneo mencionado pela apelante, mas que não se confunde com a nulidade daquela decisão, sendo coisa bem diversa.
Não se verifica, pois, a aludida nulidade do acórdão.

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IV – 2 - Na sentença proferida pelo Tribunal de 1ª instância foi entendido: que se verificou uma assunção de dívida, em que a A. (a «G..., Lda.») assumiu a dívida da R. («Mediserviços – Sociedade Gestora de Participações Sociais, S.A.») junto da credora, «Laboratório de Análises Clínicas de M..., Lda.», e que esta ratificou a assunção de dívida e desonerou a antiga devedora (ora R.); que, sendo as relações entre o antigo devedor e o novo devedor definidas pelo contrato que serve de base à assunção, no caso concreto, apreciando os termos do acordo escrito constante dos autos, resulta que entre a A. e a R. foi celebrado um contrato de mútuo, em que a A. emprestou à R. dinheiro, ficando esta obrigada a restituir outro tanto do mesmo género e qualidade; que o referido mútuo enferma de nulidade por falta de forma, o que implicaria que a mutuária devesse restituir o capital que recebeu; que não tendo a A. entregue o valor acordado à credora, a R. não está obrigada a proceder a qualquer restituição – daí a improcedência da acção.
Já no acórdão da Relação de Lisboa, o percurso seguido para concluir (igualmente) pela improcedência da acção foi diverso, tendo-se considerado: que, no caso, se tratava de uma assunção de dívida liberatória, tendo passado a «G...» a ser a única devedora perante a credora, «Laboratório de Análises Clínicas de M..., Lda.», ficando a R. desonerada da sua obrigação perante a credora; que nada resultou alegado ou provado sobre o negócio subjacente, apenas tendo sido alegado que a «G...» estava integrada no grupo empresarial sob o domínio e participação da R.;  que está em causa uma assunção onerosa de dívida, que não se confunde com um contrato de mútuo; que do contrato junto aos autos resulta que à assunção da dívida pela «G...» corresponde a obrigação da R. «Mediserviço» lhe pagar o valor da dívida, em 8 anos, tendo sido estipuladas obrigações recíprocas (sinalagmáticas); que não tendo a «G...» pago a dívida à credora, que também não lha exigiu em sede de processo de insolvência, não está a R. «Mediserviços» obrigada a cumprir a sua parte do contrato (do sinalagma)  - a contraprestação da R. pressupunha o pagamento pela «G...» à credora, o que não ocorreu.
Em face desta decisão, defende a recorrente, essencialmente, que a obrigação que lhe incumbia não era o pagamento à credora, mas sim a assunção da dívida que desonerou a devedora inicial, obrigação que foi cumprida, não resultando da economia do contrato que a obrigação da R. para com a A. ficasse condicionada ao pagamento por esta de qualquer quantia à credora.
Provou-se que por documento escrito datado de 2 de Maio de 2013, denominado «Instrumento Particular de Assunção de Dívida», foi celebrado um acordo entre três partes - por um lado, a «Mediserviços», ora R., designada por Cedente, por outro a insolvente «G...», ora A., designada por Cessionária, e ainda, por outro, «Laboratório de Análises Clínicas de M..., Lda.», designada por Credor. Naquele escrito refere-se que o contrato é celebrado nos termos do «artº 595º e seguintes do Código Civil», estipulando-se, nomeadamente, que a Cessionária assumia a totalidade da dívida, comprometendo-se a pagá-la na forma originalmente contratada com o Credor e que, como contraprestação da assunção de dívida pactuada, a Cedente pagaria no prazo de oito anos, à Cessionária, o valor ali consignado; dizendo-se, também, que o Credor «ratifica a assunção de dívida nos termos da alínea a) do nº1 do artº 595º do Código Civil».
A assunção de dívida consiste na operação pela qual um terceiro (assuntor) se vincula perante o credor a efectuar a prestação devida por outrem – transfere-se a dívida do antigo para o novo devedor, mantendo-se a relação obrigacional.
Não é discutido que estejamos perante uma assunção de dívida, assumindo a «G...» uma dívida da ora R. para com a credora «LABORATÓRIO DE ANÁLISES CLÍNICAS M...» - através do contrato celebrado a «G...» tornou-se devedora daquela obrigação já existente. Naquele contrato intervieram o antigo devedor (a R.), o assuntor (a «G...») e o credor - a assunção foi constituída por um contrato trilateral, permitindo-se, deste modo, a conjugação de vontades dos vários interessados ([4]).
Refira-se que podendo a assunção de dívida ser liberatória ou cumulativa, consoante o novo devedor se substitua ao primitivo devedor ou se adicione à posição deste, não se coloca em dúvida que no caso dos autos a assunção foi liberatória, uma vez que, no contrato, foi  consignado: «O CREDOR reconhece a legalidade do presente Contrato, que é celebrado em caráter irrevogável e irretratável, obrigando as partes, e expressamente desonera o antigo devedor, ora CEDENTE nos termos e para os efeitos previstos no nº 2 do artº 595º do Código Civil». Efectivamente, consoante resulta do nº 2 do art. 595 do CC a transmissão da dívida só exonerará o antigo devedor havendo declaração expressa do credor, nesse sentido; se assim não for o primitivo devedor responde solidariamente com o novo obrigado.
Consoante menciona Menezes Cordeiro ([5]) qualquer transmissão de dívida tem sempre, na sua génese, além do acordo transmissivo em si, um qualquer acto, normalmente um contrato, de onde promana a transmissão, uma vez que ninguém aceita um débito alheio ou transmite um débito só por transmitir. Deste modo, a assunção de dívida estará, normalmente, integrada num facto jurídico mais vasto como uma doação ou um contrato inominado.
Concretizando aquele autor ([6]) que derivando a assunção de um contrato-base ou de um contrato fonte, dito contrato de transmissão, o «novo devedor pode “adquirir” a dívida a troco de um preço: o antigo devedor liberta-se da dívida, por isso lhe dar vantagens, mas paga ao novo devedor; este fatura uma vantagem imediata, embora tenha de, no futuro, adimplir o débito. Aplicam-se as regras da compra e venda». Bem como que o «intérprete-aplicador, com recurso às circunstâncias do caso e à interpretação das declarações de vontade em presença, deverá determinar o tipo de negócio subjacente».
A assunção a que nos reportamos derivou do dito contrato trilateral, do contrato outorgado com data de 2 de Maio de 2013, constante do denominado «Instrumento Particular de Assunção de Dívida», contrato que nos cumpre interpretar para determinação do respectivo sentido e sequente aplicação das regras ao mesmo atinentes – sendo esse contrato que define as relações entre a R. e a A., relações que são as que aqui estão em causa.

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IV – 3 - No que tange à interpretação da declaração acolhe o CC no seu art. 236 o tipo de sentido decisivo para a interpretação nos termos da doutrina objectivista da impressão do destinatário: a declaração deve valer com o sentido que um destinatário normal, colocado na posição do real declaratário, lhe atribuiria - isto exceptuando o caso de não poder ser imputado ao declarante, razoavelmente, aquele sentido.
O pendor objectivista cede quando o declaratário conhece a vontade real do declarante.
Sendo que, em termos práticos, se entende que num contrato se se prova existir uma real vontade comum ou coincidente das partes, é o sentido correspondente a essa vontade aquele que se considera juridicamente relevante.
Não se provando o sentido da vontade real do declarante na data relevante, ou não se provando o seu conhecimento efectivo pelo declaratário, aplica-se o critério normativo objectivo constante do nº 1 do art. 236 do CC: em princípio a declaração vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do declaratário real, poderia deduzir do comportamento do declarante ([7]) ([8]).
Refira-se que, embora a lei apenas o refira explicitamente a respeito da integração, «a interpretação é uma operação jurídico-valorativa sujeita ao princípio da boa-fé» ([9]).
Convém sublinhar que na interpretação de um contrato haverá que considerá-lo como um todo, ou seja, todo o contrato ([10]).
A factualidade de que dispomos nos presentes autos é sobremaneira escassa – quase se reduzindo ao texto do contrato ([11]).
Alegara a A. (arts. 3 e 9 da p.i.) que estivera integrada «no grupo empresarial sob o domínio e participação da ora Ré, o denominado Grupo Mediserviços, no qual se incluíam dezenas de empresas» e que «o Laboratório de Análises Clínicas de M..., Lda. estava também integrado no grupo de empresas sob alçada da R. Mediserviços, SGPS, S. A.».
Não se tendo apurado factualidade concreta atinente àquelas afirmações, evidencia-se, todavia, uma (não materializada) “ligação” entre as três sociedades que subscreveram o «Instrumento Particular de Assunção de Dívida», “ligação” que se manifesta por via da pessoa de AA: enquanto Presidente do Conselho de Administração da ora R. «Mediserviços», subscreveu aquele acordo; figurava no dito acordo como um dos representantes da credora «Laboratório de Análises Clínicas M...»; por fim, no Apenso da Qualificação de Insolvência da A., “G..., Limitada”, foi decidido que aquela era qualificada como culposa, declarando afectado pela mesma AA. Apesar do nexo entre cada uma das três sociedades subscritoras do acordo e a pessoa singular AA, resultante do que acabámos de referir, nada mais sabemos sobre as relações entre as três sociedades e sobre o contexto em que o acordo celebrado entre elas teve lugar.
Sabemos, apenas e ainda, face aos “considerandos” constantes do contrato escrito, que a R. assumira junto da credora «Laboratório de Análises Clínicas M...», a dívida no montante de 753.985,44 €.
Ora, consoante clausulado no contrato escrito em referência, a A. declarou assumir a totalidade da dívida no montante de 753.985,44 € que impendia sobre a R., «comprometendo-se a pagá-la na forma originalmente contratada com o credor» (que desconhecemos qual fosse), assumindo, também, todos os encargos provenientes da dívida, incorridos até integral pagamento da mesma; como «contraprestação da assunção da dívida» pactuada, a R. obrigou-se a pagar à A., no prazo de oito anos, aquele mesmo valor de 753.985,44 €.
Trata-se de um contrato oneroso, na perspectiva de que implicava atribuições patrimoniais para ambas as partes (aqui, no que concerne à A. e à R.).
Trata-se, igualmente, de um contrato sinalagmático, na perspectiva de que originou obrigações recíprocas para ambas as partes (também, aqui, no que concerne à A. e à R.)  - o surgimento de cada uma das prestações, a da A. e a da R. aparece ligado ao surgimento da outra, a sua contraprestação. Daí, a interdependência entre as duas prestações, no âmbito da relação contratual ([12]).
Lembremos que no acórdão recorrido se entendeu que no contrato em causa «foram estipuladas obrigações recíprocas (sinalagmáticas), ficando a G... obrigada a pagar a dívida (da R.) à credora na forma originalmente contratada (bem como os mencionados encargos), e, em contrapartida, a R. Mediserviços obrigada a pagar-lhe, no prazo de 8 anos, o valor em dívida.
Não tendo a G... pago a dívida à credora, que também não lha exigiu em sede de processo de insolvência, não está a R. Mediserviços obrigada a cumprir a sua parte do contrato (do sinalagma).
Ou seja, a contraprestação da R. pressupõe o pagamento da G... à credora, o que não ocorreu».
Deste modo, entendeu-se que o sinalagma se estabelecia entre a assunção de dívida e o pagamento à credora, por um lado, e a contraprestação de 753.985,44 €, por outro.
Já a recorrente considera que, na relação entre a R. e a A., a obrigação que incumbia a esta esgotava-se na assunção de dívida por ela aceite quando subscreveu o contrato, tanto mais que se tratava de uma assunção liberatória, não sendo, aliás, a obrigação da R. uma obrigação de restituição e não podendo a obrigação da R. ficar dependente das relações entre a A. e a credora. Defendendo que a decisão recorrida se afasta do que as signatárias do acordo «quiseram e expressamente pactuaram».
Numa primeira abordagem, pareceria fazer sentido a pretensão da recorrente sobre aquilo que fora pactuado entre A. e R..
Todavia, vejamos melhor, se face ao clausulado, será esse o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do declaratário real, poderia deduzir.
A A. assumiu a dívida no montante de 753.985,44 € a que a R. se encontrava adstrita, comprometendo-se, inerentemente, a pagá-la à credora (na forma originalmente contratada e assumindo os respectivos encargos); expressamente como «contraprestação da assunção da dívida» - assunção que implicava o comprometimento de pagamento à credora - a R. obrigou-se a pagar à A., no prazo de oito anos, aquele mesmo valor de 753.985,44 €.
Nos contratos sinalagmáticos, o cumprimento da prestação a que uma das partes está adstrita constituirá pressuposto do cumprimento por parte da outra, dada a interdependência entre as duas prestações.
Ora, os termos do contrato parecem apontar no sentido de que a satisfação pela primitiva devedora, ora R., à A./assuntor, do exacto valor correspondente ao da dívida, no fixado prazo de oito anos, pressupunha o pagamento daquela; a “contraprestação” expressamente mencionada pelas partes e que manifesta o sinalagma existente, reporta-se à assunção de dívida abrangendo o pagamento à credora a que a A. se comprometeu.
O sentido que um declaratário normal, colocado na posição das subscritoras do contrato – que, apenas sabemos, serem sociedades conexionadas por via do representante das ditas, AA - retiraria das declarações contidas no texto do mesmo, era o de que a A. pagaria à credora o valor de 753.985,44 € (libertando a R. de ser ela a fazê-lo), na ocasião aprazada com a credora, mas posteriormente, no prazo de oito anos, a R. lhe pagaria aquele mesmo valor.
Sabemos que não houve pagamento pela A. à credora, nem à sua massa insolvente, conforme resulta do ponto 8 dos factos julgados provados ([13]).
Não havendo qualquer pagamento à credora, nos termos absolutos em que a situação nos surge, o apontado sinalagma conduz-nos à conclusão a que chegou o Tribunal da Relação – a de que não está a R. obrigada a satisfazer à A. o pagamento de 753.985,44 €.

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IV – 4 - Nas conclusões apresentadas, sustenta a recorrente que «a atitude da R., ao contestar a obrigação contratualmente assumida, configura um manifesto o abuso do direito, na modalidade venire contra factum proprium, que é também uma expressão de evidente litigância de má-fé, constituindo um evidente enriquecimento sem causa do devedor inicial, que se liberta de uma dívida sem nada despender no seu pagamento, algo que ao sentimento jurídico geral não deixa de repugnar». Pugnando pela condenação da R. como litigante de má fé, em multa e indemnização condigna à recorrente, uma vez que «actua em abuso de direito na modalidade de venire contra factum proprium, pois o comportamento que manifestou numa primeira conduta (que se traduziu numa declaração negocial), foi entendido como uma tomada de posição vinculante em relação ao futuro e, por essa razão, geradora de uma situação objectiva de confiança; a que correspondeu a boa-fé da contraparte, que justificadamente confiou nessa conduta; e uma segunda conduta da recorrida, contraditória com a anterior, que frustra a confiança gerada».
Desde logo, não se perspectiva o “abuso de direito” e o “enriquecimento sem causa” genericamente enunciados. Discorrendo, igualmente, em termos genéricos (e não técnicos) sem cuidar de analisar os pressupostos daqueles institutos, poderíamos dizer que quem, eventualmente, enriqueceria “indevidamente” seria a A. – que nada paga à credora, mas pretende receber da R. o valor de 753.985,44 €, de modo que se a sua pretensão procedesse abusaria do seu direito (se o tivesse…).
Sendo certo inexistir factualidade provada susceptível de subsunção ao abuso de direito, designadamente na modalidade aventada pela recorrente; nem se verifica um comportamento contraditório da R., consoante pretendido por aquela.
Quando inicialmente requereu a condenação da R. como litigante da má-fé a A. alegou que a R. alterara conscientemente a verdade dos factos, pretendendo escusar-se ao pagamento da dívida «pela via ardilosa da construção de falácias e incongruências» (fls. 155); já no recurso de apelação a sua argumentação se aproximou do que agora defende.
De acordo com o nº 1 do art. 542 do CPC, tendo litigado de má fé, a parte será condenada em multa e numa indemnização à parte contrária, se esta a pedir. Esclarece o nº 2 do mesmo artigo que se diz litigante de má fé quem, com dolo ou negligência grave: a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar; b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa; c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação; d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.
As partes têm o dever da boa fé processual – art. 8 do CPC. A boa fé também deve incidir sobre a relação jurídico-processual que tem como sujeitos principais as partes e o tribunal: a boa fé objectiva estabelece as balizas de actuação de todos os que participam na relação jurídico-processual, impondo uma conduta proba e leal, constituindo a regra da boa fé um limite imanente da actuação processual ([14]).
A imposição deste dever implica que possam ser sancionadas pela via da má fé condutas processuais imputáveis à parte (ou ao seu mandatário) a título de negligência grave e não, apenas, de dolo. De um ponto de vista subjectivo, deixou de valer a ideia segundo a qual a condenação por litigância de má fé pressupunha necessariamente o dolo, podendo fundar-se em erro grosseiro ou em culpa grave.
Todavia, para efeitos de condenação como litigante de má fé e quanto ao “facto ilícito” a considerar, não relevam todas e quaisquer violações das normas jurídicas, mas, apenas, as actuações tipificadas nas diversas alíneas do nº 2 do art. 542 ([15]).
Ora, não logramos reconduzir a actuação da R. no âmbito do presente processo, a qualquer daquelas actuações, acima transcritas.
Pelo que, também neste segmento, improcede o recurso da A..

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V - Face ao exposto, acordam os juízes do Supremo Tribunal de Justiça (6ª Secção) em negar a revista, confirmando o acórdão recorrido.
 Custas pela recorrente.

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Lisboa, 31 de Janeiro de 2023


Maria José Mouro (Relatora)

Maria Olinda Garcia

Graça Amaral

Sumário (art. 663º, nº 7, do CPC).


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[1]              Ver Lebre de Freitas, «A Ação Declarativa Comum», Coimbra Editora, 3ª edição, pág. 333.
[2]              Ver Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, «Código de Processo Civil Anotado», vol. I, Almedina, 2018, págs. 737-738.
[3]              Assim, Lebre de Freitas, obra citada, págs. 333-334 e nota 48-A.
[4]              Ver, a propósito, Tiago Azevedo Ramalho, «Código Civil Anotado», coordenação de Ana Prata, Almedina, 2017, vol. I, pág. 772, bem como Gonçalo Andrade e Castro em «Comentário ao Código Civil – Direito das Obrigações – Das Obrigações em Geral», Universidade Católica Portuguesa, 2018, pág. 648. Também Menezes Cordeiro, no «Código Civil Comentado – II – Das Obrigações em Geral», Almedina, coordenação de Menezes Cordeiro, 2021, pág. 637, menciona que prevendo o nº 1 do art. 595 dois tipos de contrato, na prática ocorre um terceiro e mais frequente tipo: um contrato a três, onde outorguem os devedores, antigo e novo e o credor.
[5]              Em «Tratado de Direito Civil Português - II – Direito das Obrigações – Tomo IV», Almedina, 2010, págs. 239-240.
[6]              Desta feita em «Código Civil Comentado – II – Das Obrigações em Geral», Almedina, coordenação de Menezes Cordeiro, 2021, págs. 636-637.
[7]              Ver, a propósito, Evaristo Mendes e Fernando Sá em «Comentário ao Código Civil – Parte Geral», coordenação de Carvalho Fernandes e Brandão Proença, Universidade Católica, 2014, págs. 537-540.
[8]              Refira-se, lateralmente, que quando se trata da interpretação da vontade dos contraentes com apelo às regas dos arts. 236, nº 1, 237 e 238, nº 1, do CC, se considera que a apreciação sobre o sentido dos cânones interpretativos constantes destes precitos constitui matéria de direito, a apreciar em recurso de revista – nomeadamente quando se trata de interpretar objectivamente a declaração negocial com recurso à teoria da impressão do destinatário. Ver, Lebre de Freitas, Ribeiro Mendes e Isabel Alexandre, «Código de Processo Civil Anotado», vol. III, Almedina, 3ª edição, pág. 236 e Abrantes Geraldes, «Recursos em Processo Civil», 7ª edição, pág. 472, bem como a jurisprudência citada naquelas obras.
[9]              Evaristo Mendes e Fernando Sá, obra citada, pág. 535.
[10]             Carlos Ferreira de Almeida, «Contratos – IV», Almedina, 2ª edição, pág. 289.
[11]            É de sublinhar que a vontade das partes, ainda que sibilinamente manifestada, parece ter sido a da contenção dos factos provados nos que se encontravam já assentes, visto haverem acordado, quando da audiência prévia, em 22-1-2022, “que não há factos controvertidos”, pelo que, consoante decorre da acta elaborada, “a Mm. ª Juiz determinou que será proferida nos autos decisão de mérito, não se procedendo à marcação de julgamento” (fls. 181).
[12]            Chama-se contrato sinalagmático àquele que implica prestações recíprocas para as partes, apresentando-se elas, simultaneamente, como credora e devedora uma da outra. Nos contratos sinalagmáticos distingue-se, habitualmente, o sinalagma genético e o sinalagma funcional. O sinalagma genético significa que na génese do contrato, quando da celebração do mesmo, a obrigação assumida por uma das partes encontra a sua razão de ser na obrigação assumida pela outra; o surgimento de uma prestação aparece ligado ao surgimento da outra (a sua contraprestação) - esse nexo entre as duas prestações corresponde ao sinalagma genético. Já o sinalagma funcional opera durante a vida do contrato, impondo-se uma interdependência entre as duas prestações, a manter durante toda a vida daquele. Assim, o cumprimento da prestação a que uma das partes está adstrita constituirá pressuposto do cumprimento por parte da outra. Ver Menezes Leitão, «Direito das Obrigações», Almedina, vol. I, 5ª edição, págs. 202 e seguintes; Galvão Telles, «Manual dos Contratos em Geral», Coimbra Editora, 4ª edição, págs. 485-486; Menezes Cordeiro, «Tratado de Direito Civil Português – II - Direito das obrigações – tomo II», Almedina, 2010, págs. 194 e seguintes.
[13]            Contextualizando este ponto dos factos provados no âmbito do processo, verifica-se que nos articulados apresentados, quer a A. quer a R. aludiram ao processo de insolvência da credora «Laboratório de Análises Clínicas de M..., Lda.», juntando documentos atinentes a esse processo, proc. nº 3057/13.... - assim, artigo 7 da p.i. e documento de fls. 48 e seguintes junto com a mesma e artigos 7 a 18 e 95 a 102 da contestação e documento de fls. 82-v junto com esta. Segundo este último documento, o proc. nº 3057/13...., processo de insolvência da «Laboratório de Análises Clínicas de M..., Lda.», por decisão de 24-1-2019, não tendo sido apresentadas reclamações do mapa do rateio, foi declarado encerrado ao abrigo do disposto no artigo 230º, nº 1, alínea a) do CIRE.

[14]            Ver Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, «Código de Processo Civil Anotado», vol. I, Almedina, 2018, pág. 35.
[15]            Ver Menezes Cordeiro, «Litigância de Má Fé, Abuso do Direito de Acção e Culpa “In Agendo”», Almedina, 2006, pág. 28.