Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JSTJ00042868 | ||
Relator: | LOPES PINTO | ||
Descritores: | ARRENDAMENTO URBANO ACÇÃO DE DESPEJO DENÚNCIA DE CONTRATO ADVOGADO | ||
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Nº do Documento: | SJ200203120005281 | ||
Data do Acordão: | 03/12/2002 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | T REL LISBOA | ||
Processo no Tribunal Recurso: | 6845/01 | ||
Data: | 07/12/2001 | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA. | ||
Decisão: | CONCEDIDA PARCIALMENTE A REVISTA. | ||
Área Temática: | DIR CIV - DIR CONTRAT. | ||
Legislação Nacional: | RAU90 ARTIGO 98 N1 ARTIGO 100 N4. | ||
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Sumário : | I - Estando pendente uma acção de despacho, o inquilino, no próprio processo, pode denunciar o arrendamento. II - A denúncia não carece de ser feita por advogado. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:- A, propôs contra B e mulher C, e D acção a fim de se decretar a resolução do contrato de arrendamento para habitação que com os primeiros celebrou em 96.03.01 e em que o último é fiador, por falta de pagamento de rendas e se os condenar no pagamento das rendas à razão mensal de 140000 escudos vencidas desde Janeiro de 1997 e vincendas até efectiva entrega do locado. Em 97.08.14, o réu B juntou requerimento ao processo em que, confessando o não pagamento de certas rendas, informou que, a partir dessa data, o arrendado se encontrava devoluto de pessoas e bens, e com as chaves à disposição da autora ou de quem a representar. A autora respondeu defendendo que o requerido não podia ser entendido como defesa por contestação nem como denúncia do contrato. O réu D contestou excepcionando a sua ilegitimidade (por não ser fiador) e pediu a condenação da autora como litigante de má fé em multa e indemnização. Os réus B e mulher contestaram impugnando os factos, reafirmaram a entrega à qual a autora, segundo alegaram, se opõe para poder receber a indemnização pela mora no pagamento das rendas, locado de que esta, motu proprio, reocupou em 98.05.29 e requereram a sua condenação como litigante de má fé em multa e indemnização. No saneador, foi absolvido da instância o réu D e, prosseguindo o processo até final, foi proferida sentença a julgar extinta a instância relativamente ao pedido de despejo, a absolver do pedido a ré C e a condenar o réu B no pagamento de 2240000 escudos (16 meses de renda). Apelou, sem êxito, o réu B. De novo inconformado, pediu revista por continuar a defender que, pelo requerimento de 97.08.14, denunciou o arrendamento, com efeitos desde Setembro de 1997 ou, pelo menos, a partir de Dezembro desse ano, pelo que, em suma e no essencial, concluiu em suas alegações - - interpelou a autora de que queria pôr termo ao contrato e ficou provado que, desde a declaração junta aos autos, o imóvel estava livre e devoluto e as chaves à disposição da autora; - a denúncia do contrato pelo inquilino pode ser feita por escrito particular e por ela se o extingue; - a declaração junta aos autos configura uma denúncia e cessação do contrato, - e produz efeitos desde o momento em que chegou ao poder do destinatário (Setembro de 1997) ou quando muito devia-os produzir nos 90 dias de antecedência de Dezembro de 1997; - o senhorio não tem de autorizar e aceitar a denúncia; - são devidas apenas as rendas vencidas até à eficácia da denúncia; - nulo o acórdão por oposição entre os seus fundamentos e a decisão (CPC- 668 c)); - violado o disposto nos arts. 1.055 e 224-1 CC. Sem contraalegações. Colhidos os vistos. Nos termos dos arts. 713-6 e 726 CPC, remete-se a descrição da matéria de facto para o acórdão recorrido, sem prejuízo de se destacar aquilo que à resolução do litígio interessa. No recurso, está fundamentalmente - o restante resulta como efeito da conclusão a que se chegar - em crise apenas saber se pela declaração contida no requerimento de 97.08.14 operou o réu à denúncia do contrato de arrendamento e se esta é relevante. Decidindo: - 1.- No aludido requerimento, o réu B «desde já informa o digníssimo Tribunal que a partir da presente data o imóvel ..., objecto da presente acção de despejo, encontra-se livre, devoluto de pessoas e bens, e no mesmo estado de conservação em que se encontrava no acto da celebração do contrato de arrendamento. O réu no intuito de não prejudicar a Autora, informa o digníssimo Tribunal que têm as chaves do respectivo imóvel a disposição da Autora ou de quem a representar a partir da presente data». De seguida, «pelo facto ainda não ter fixado sua residência permanente», informa para onde deve ser contactado. Este requerimento apenas está por ele assinado. Notificada do mesmo, por carta registada de 97.09.16, a autora pronunciou-se pela sua irrelevância como contestação - por não estar subscrito por advogado - e por não obstar ao vencimento das rendas pois que «o contrato de arrendamento não foi denunciado nem resolvido» além de que, embora «deixando o locado vago ... com o seu gesto não procedeu à denúncia do contrato. Tanto mais que ... ainda detém a chave .. não lhe entregou a chave nem junto dela procedeu à denúncia do contrato». Nesta resposta, a autora expressamente relata a «crispação entre ele e a procuradora da A.», crispação que o réu reconhece, na sua contestação, haver embora dando versão diversa e que torna inviável qualquer relacionamento directo bem como a diligência da entrega à mesma por esta pretender cobrar a indemnização pela mora e enquanto ela se mantiver. Mais dá conta da reocupação do locado pela autora e da celebração por esta com terceira pessoa de outro contrato de arrendamento. Nada respondeu a autora e, na especificação, consignou-se que, em 98.05.29, a autora procedeu à mudança de fechadura da fracção e que ocupou o locado, tendo-a, em data posterior, dado de arrendamento a terceiro. Por ter havido a reocupação e contratado com terceiro o arrendamento, foi na sentença «declarada extinta a instância relativamente ao pedido de despejo», decisão que transitou. A autora reside no Panamá e quer na celebração do contrato de arrendamento com o réu quer no seu desenvolvimento, incluindo o recebimento das rendas, tem sido representada. 2.- A denúncia é uma das formas por que se extingue o contrato de arrendamento. Aqui, denúncia pelo arrendatário. Uma vez que contra o réu estava instaurada acção para resolução do contrato, podia a declaração ser produzida, com o seu efeito extintivo, através do processo. Se eficaz, produz efeito não só sobre o pedido de resolução como ainda serve para se determinar até quando são devidas rendas. In casu, foi produzida a declaração ainda antes do articulado da contestação. Declaração receptícia. À autora foi dado conhecimento da declaração na 2ª metade de Setembro de 1997. A denúncia pode ser efectuada por escrito particular não carecendo de ser declarada através de advogado. Se o contrato se tiver extinguido, a indemnização pela mora do locatário no pagamento das rendas não ocorre. A indemnização que poderá haver é a relativa à mora na restituição do locado, mas não foi essa a invocada pela autora na resposta ao requerimento do réu. Assiste razão à autora em que antes não fora denunciado o contrato - porém, tal não foi invocado pelo réu nem isso estava em discussão. A alegação da autora não se revestiu de interesse, portanto. Porque denúncia pelo arrendatário, tem ele que ter, para a data anunciada, desocupado o locado entregando-o no estado em que o recebeu ressalvadas as deteriorações inerentes a uma prudente utilização. A autora tinha como obrigação aceitar a desocupação e entrega do arrendado; se a denúncia for eficazmente declarada, a não aceitação pelo senhorio fá-lo incorrer em mora creditoris. O réu anunciou aqueles dois requisitos - desocupação e estado de conservação. A autora não impugnou qualquer deles. Dois pontos, pois, para analisar - entrega do locado e, em caso de resposta afirmativa, momento a partir do qual a denúncia foi eficaz. O réu denuncia através do processo em curso contra si e coloca as chaves à disposição da autora. A declaração é dirigida à autora, tem a autora como destinatária, o tribunal funciona aí apenas como o veículo de que o réu se serviu na medida em que contra si pendia a acção de despejo. Dado o ambiente de «crispação» entre ele e a procuradora da autora e conhecendo ele a pretensão indemnizatória daquela sobre ele, não lhe era exigível «impor-lhe» o recebimento in manu das chaves sabendo que ela, segundo alegou, as recusaria sem ver satisfeito o pagamento quer das rendas quer da indemnização pelo atraso no pagamento destas. A autora não só não impugnou estas alegações de facto como nem sequer alegou ter efectuado qualquer diligência para receber ou tentar receber as chaves, inclusive, o pedido para que, v.g., fossem entregues no tribunal. Esta posição puramente estática contrasta com o seu comportamento posterior. Reocupa, mudando as fechaduras, e celebra arrendamento com terceiro em momento anterior quer à pronúncia pelo tribunal sobre o seu pedido de resolução quer à declaração de extinção da instância, em momento, portanto, em que, na lógica da sua argumentação a rebater o réu, o contrato se mantinha em vigor. A menos que tacitamente reconhecesse a sua mora creditoris e, como tal, se sentisse autorizada a praticar o acto, teria praticado um acto de esbulho e agora a confessá-lo, não o impugnando. Mas ressalta, com clareza, da contestação que não foi como acto de esbulho que ele foi alegado pelo réu - mas sim como acto de cumprimento da sua obrigação quanto à denúncia e de incumprimento pela autora do dever a que por aquela estava obrigada - e aquele articulado não consentia que a autora lhe pudesse dar (fala-se no condicional por não ter havido articulado de resposta) interpretação diversa. Porque houve mora creditoris não pode ser mantido o acórdão recorrido. 3.- Arrendamento celebrado segundo o regime de renda livre e pelo prazo de 5 anos. Contrato de duração limitada (RAU- 98,1). Embora aqui seja livre a denúncia pelo arrendatário (RAU- 100,4) não pode este impor ao senhorio momento da sua eficácia diferente do prescrito na lei. Pode este aceitá-lo mas não é obrigado a tal. Sendo assim, atenta a natureza receptícia da declaração de denúncia e face à prova da recepção da comunicação pela autora, o contrato em questão extinguiu-se no final de Dezembro de 1997. As instâncias deram como provado que a primeira renda em dívida foi a de Janeiro de 1997 e que, por adiantado, a autora recebera uma renda (o cheque 457044252 sobre o BESCL, enviado à procuradora da autora, no montante de 140000 escudos para pagamento de uma renda, nunca descontado, não foi considerado; equivale a dizer que, no montante a receber ele se não incluiu e deverá ser destruído ou devolvido ao réu). Deve o réu 11 meses de renda - 1540000 escudos (7681,49 euros). Termos em que, em parte, se concede a revista e se condena o réu a pagar à autora a quantia de 7681,49 euros. Custas pela autora e réu, na proporção do vencimento. Lisboa, 12 de Março de 2002 Lopes Pinto, José Saraiva, Garcia Marques. |