Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 1ª SECÇÃO | ||
Relator: | ALVES VELHO | ||
Descritores: | VENDA DE COISA DEFEITUOSA INDEMNIZAÇÃO CADUCIDADE REGIME APLICÁVEL | ||
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Data do Acordão: | 11/02/2010 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | CONCEDIDA A REVISTA | ||
Área Temática: | DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES | ||
Doutrina: | - CALVÃO DA SILVA, “Compra e Venda de Coisas Defeituosas”, 72/74. - PEDRO R. MARTINEZ, “Cumprimento Defeituoso…”, 413. | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 287.º, N.º 2, 879.º, 913.º, 917.º | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: - DE 6/11/2007 (PROCESSO 07A3440); - DE 7/5/2009 ( PROCESSO 09B0057). | ||
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Sumário : | I- O prazo de caducidade do artigo 917.º do C. Civil aplica-se, por interpretação extensiva, a todas as acções propostas com fundamento em cumprimento defeituoso da prestação de contrato de compra e venda, incluindo as de simples indemnização, isto é, quando o pedido se traduz em danos ou prejuízos, alegadamente causados pelos vícios da coisa vendida, subsumíveis à previsão do art. 913º C. Civil. II- A interpretação extensiva para a aplicabilidade do prazo de exercício da acção anulatória às demais acções fundadas em vícios da coisa vendida – venda de coisa defeituosa – impõe-se nos mesmos precisos termos a estas últimas acções no tocante à aplicabilidade do n.º 2 do art. 287º (arguição da anulabilidade, sem dependência de prazo, enquanto o negócio não estiver cumprido), que o art. 917º também só prevê expressamente para a acção de anulação. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1. - AA-“P... – Madeiras e materiais de Construção, Lda.” intentou acção declarativa de condenação, contra BB-“C...– Construções B... & C... Lda.” pedindo a condenação da Ré a pagar-lhe a quantia de 14.247,84€ acrescida de juros de mora desde o vencimento das facturas. Alegou, para o efeito e em síntese, que vendeu madeiras à Ré, conforme as duas facturas que juntou, esta recebeu a mercadoria, sem reservas, mas não pagou o respectivo preço. A Ré apresentou contestação e reconvenção, alegando que as madeiras foram vendidas com deficiências, o que foi tempestivamente denunciado à A., mas que esta não reparou, substituindo, o material fornecido e entretanto aplicado em obra, e que, por isso, teve de adquirir e aplicar outro material, substituindo o pavimento construído. Em reconvenção, pede que a A. seja condenada apagar-lhe a quantia de 49.505,94€, respeitante ao valor da aquisição de novo material e despesas de colocação, acrescida de juros de mora desde a citação. A A. respondeu e excepcionou a caducidade dos direitos decorrentes de uma eventual venda de coisa defeituosa. Contestou a existência dos defeitos e dos prejuízos invocados pela Ré. Foi proferida sentença, tendo sido julgado improcedente o pedido da A., mas parcialmente procedente o pedido da Ré, sendo a A. condenada a pagar-lhe a indemnização de € 21.344,40, acrescida de juros de mora à taxa supletiva para as obrigações civis, contados desde a notificação e até ao pagamento. Mediante recurso da Autora, a Relação revogou a sentença, julgou procedente a acção, condenando a Ré a pagar à A. a quantia de 14.247.84€, com juros, à taxa comercial, desde a data do vencimento das facturas, e absolveu a A. do pedido reconvencional. Agora é a Ré a interpor recurso de revista, pugnando pela reposição do sentenciado pela 1ª Instância. Para tanto, na parte relevante, levou às conclusões: (…) 7 - a acção de indemnização está sujeita às regras da responsabilidade civil; 8 - e, sendo certo que é um pedido de indemnização por violação contratual, o prazo de prescrição da acção até seria de 20 anos, e não de três; 9 - mas o Tribunal a quo transformou o puro e simples pedido indemnizatório que a recorrida havia formulado numa coisa diversa apesar de ser reconhecido que de pedido indemnizatório se tratava; 10 - porém, o contrato de fornecimento nunca foi cumprido pela Apelante aqui recorrida, posto que esta forneceu material que não correspondia às especificações da encomenda; 11 - a prestação incorrecta deve ser comparada ao incumprimento; 12 - tratando-se de um contrato sinalagmático, as prestações são recíprocas, pelo que só um fornecimento conforme às especificações da encomenda obrigava ao pagamento do preço; 13 - por tal facto, a Recorrente nunca entrou em mora; 14 - não estando findo o contrato porque o fornecimento não foi cumprido e por isso não foi pago o preço, e não tendo a Recorrida reconhecido quaisquer vícios seus no fornecimento, emitir as facturas não lhe conferia, só por isso, qualquer direito a ser paga, e muito menos a reclamar juros; 15 - isto é, mesmo que a acção/reconvenção fosse uma acção de anulação por simples erro (e não o é, como o Tribunal recorrido reconheceu), a caducidade de tal acção ainda não teria ocorrido, por o negócio não estar cumprido; 16 - por isso, à data das presentes alegações não teria caducado nunca o direito de acção (se se tratasse - e não trata - de uma acção de anulação); 17 - em qualquer caso, as regras gerais de interpretação das leis, não permitem acrescentar uma caducidade onde o legislador não a quis, e por isso não a previu; 18 - e não há lacuna alguma na lei, posto que o caso concreto se encontra coberto pelas normas de responsabilidade, quanto à reconvenção, e pelas regras sobre cumprimento e não cumprimento dos contratos, quanto ao pagamento do preço e dos juros reclamado por um fornecimento de mercadoria imprestável; 19 - considerar in casu possível a caducidade dos direitos da Recorrente quando nenhuma lei previu para os direitos de indemnização um caso de caducidade é permitir que o Tribunal a quo se socorra de uma odiosa restringenda, e crie uma lei onde ela não existe; 20 - decidindo como decidiu, o douto Acórdão recorrido violou, designadamente, o disposto nos artigos 690-A, n.º 2 do CPC; artigos 309.°, 798.°, 909.°, 917.° e 287.°, n.º 2, todos do Código Civil. A Recorrida apresentou resposta em apoio do julgado. 2. - A questão a decidir consiste em saber se se encontra extinto, por caducidade da acção, o exercício do direito a indemnização reclamada pela Ré-recorrente. 3. - No acórdão impugnado vem definitivamente fixado o seguinte quadro factual: A) A autora dedica-se à comercialização de madeiras e materiais de construção; B) Em 10-10-2005, a ré enviou à autora um fax através do qual declarou «(...) adjudicar-lhe o fornecimento de pavimento em madeira de pinho de primeira qualidade, isenta de nós e com tratamento em autoclave e bem seca (...). O material será entregue na Escola A... R... "Ginásio" em V... F... de X....»; C) Esse material destinava-se a substituir o pavimento existente no aludido ginásio da Escola A... R..., de V... F... de X...; D) Na sequência do fax mencionado na alínea B), supra, a autora forneceu à ré as seguintes mercadorias, no valor global de €14.247,84: - Soalho de pinho M/F tratado 2.60x0.12, 1728 tábuas; Soalho de pinho M/F tratado 2.20x0.12, 324 tábuas; Barrotes de pinho 2.60x0.10x0.07; conforme factura nº 15.877, emitida em 28-11-2005, no montante de €8.965,98; - Soalho de pinho M/F tratado 2.60x0.12, 152 molhos de 6; Soalho de pinho M/F tratado 2.20x0.12, 60 molhos de 6; conforme factura nº --.---, emitida em 30-11-2005, no montante de €5.281,86. E) Parte do material mencionado nas facturas referidas na alínea antecedente foi entregue pela ré à autora em 16-11-2005 e no local acordado; F) Antes de proceder ao assentamento do pavimento entregue em 16-11-2005, a ré, por intermédio do seu sócio gerente CC, entrou em contacto com a autora dando-lhe conhecimento da existência de nós na madeira fornecida; G) A restante parte do material encomendado e fornecido foi entregue pela autora à ré em 23-11-2005 e no local acordado; H) Nesse mesmo dia (23-11-2005), a ré, por intermédio do seu sócio gerente CC, voltou a entrar em contacto com a autora dando-lhe conhecimento da existência de nós na madeira fornecida; I) Em 25-11-2005, a ré enviou à autora, que recebeu, o fax de fls. 25, posteriormente confirmado por carta datada de 29-11-2005, com o seguinte teor: «(...) Lamentavelmente a madeira não reúne as condições exigidas combinadas, tornando-se imprevisível as consequências que tamanha anomalia venha a trazer. Vislumbra-se uma rejeição do trabalho, o que, a acontecer, declinamos as responsabilidades de V. Exas. Ontem, dia 24, o Sr. DD ficou de nos informar das garantias que nos possam dar, o que também não aconteceu»; J) No dia 14-12-2005, o representante da autora DD deslocou-se ao local da obra, a fim de verificar a qualidade e o estado do material fornecido à ré; L) Nesta ocasião a ré estava a proceder ao assentamento do pavimento com o material fornecido pela autora; M) Em 14-12-2005, a ré enviou uma carta à autora, que a recebeu no dia seguinte (15-12-2005), com o seguinte teor: «Em continuação da n/ carta registada c/ aviso de recepção, datada de 29/11/005, vimos comunicar o seguinte: - A obra tem tido seguimento pelas deficiências apontadas, relacionadas com a má qualidade do material. Dado o impasse em que nos encontramos envolvidos, vimos solicitar a v/ disponibilidade, caso a Fiscalização aceite, de nos entregarem uma garantia bancária, válida por 5 anos, na qual conste a garantia do material. Esta é uma sugestão que poderá, eventualmente, funcionar, caso contrário estamos sujeitos a que o pavimento tenha de ser todo substituído no próximo Verão (Férias), o que, a verificar-se para além de trazer grandes despesas e transtornos será tremendamente desagradável.»; N) Em 22-12-2005, a autora enviou à ré resposta à carta referida na alínea antecedente, na qual refere, além do mais, que: «(...) estranhamos que só após terem aplicado a totalidade da madeira, que dizem ser de má qualidade, é que exigem garantias bancárias (...). Como é do vosso conhecimento, e vos foi referido, a qualidade da nossa madeira, encontra-se sempre garantida como se pode aferir pelo certificado de tratamento do nosso fornecedor que está em anexo à presente.»; O) Em 27-12-2005, a Direcção Regional de Lisboa do Ministério da Educação enviou à ré uma carta, assinada por um Fiscal Técnico, com o seguinte teor: «Assunto: Pavimento do Gimnodesportivo da Escola Secundária A... R... Após uma visita de fiscalização a obra acima mencionada, verifiquei no local, que a madeira aplicada não reúne as Condições Técnicas referidas no Caderno de Encargos. Solicito a V. Exa. a melhor atenção para este caso.»; P) Em 29-01-2006, a Direcção Regional de Lisboa do Ministério da Educação enviou à ré nova carta, assinada por um Fiscal Técnico, com o seguinte teor: «Assunto: Pavimento do Gimnodesportivo da Escola Secundária A... R.... «De visita a obra acima mencionada, constata-se, mais uma vez, que o pavimento aplicado além de não reunir as Condições Técnicas do Caderno de Encargos apresenta-se com cedências em vários locais. Esta deficiência deve-se à má qualidade das tábuas. Agradamos os Vossos esclarecimentos como tencionam dar solução a este caso.»; Q) Em 04-07-2006, a ré enviou à autora uma carta com o seguinte teor: «Assunto: Pavimento do Ginásio Escola A... R... - V... F... de X... . Em resposta à v/ carta, datada do passado 03 de Julho, informamos o seguinte: Lamentavelmente as consequências, transcritas no n/ fax (...) de 2005/11/25, confirmam-se integralmente, isto é, todo o pavimento tem de ser substituído durante as presentes férias escolares. Esta imposição é-nos dada pela DREL e deve-se única e simplesmente ao facto do material fornecido por v/ Exas. Não possuir a qualidade exigida na n/ encomenda. Oportunamente, daremos mais notícias, incluindo os custos que tamanha anomalia nos está a provocar.»; R) Em 03-07-2006 a autora enviou uma carta à ré, com o seguinte teor: «Serve a presente para informar que se encontram vencidas as V/ facturas n° ... – ... no montante de 14.247,84€ (catorze mil duzentos e quarenta e sete euros e oitenta e quatro cêntimos) agradecíamos a sua liquidação com a máxima brevidade.»; S) A ré procedeu ao assentamento no Ginásio da Escola A... R... de V... F... de X... de todo o material fornecido pela autora, referido em D), supra; 1° Para além do referido nas alíneas F) e H), supra, o sócio gerente da ré disse ainda à autora que a madeira por ela fornecida não estava devidamente seca; 2° A ré procedeu ao assentamento do material fornecido pela autora porque esta lhe garantiu que o mesmo era de boa qualidade e que não iria haver qualquer tipo de problema futuro; 3° Na sequência do referido em F) supra a autora disse à ré para pôr de parte a madeira que não estivesse em condições de ser utilizada para sua posterior substituição; 4° Parte da madeira fornecida continha nós; 5.º A madeira fornecida não estava seca em conformidade com o peticionado na encomenda referida na alínea B), supra; 6.º Em 10-02-2006, o pavimento do Ginásio da Escola A... R..., colocado pela ré com os materiais fornecidos pela autora, estava a começar a abrir em vários pontos; 7° Posteriormente a 10-02-2006 e antes de 04-07-2006, o pavimento do Ginásio da Escola A... R..., colocado pela ré com os materiais fornecidos pela autora, apresentava fissuras nas tábuas; 8° Posteriormente a 10-02-2006 e antes de 04-07-2006, o espaço entre as tábuas do mencionado pavimento do Ginásio da Escola A... R... aumentou em diversos pontos; 9° O referido no quesito antecedente foi originado pelo facto de, após a sua colocação, as tábuas fornecidas pela autora terem secado com o decurso do tempo; 10° Posteriormente a 10-02-2006 e antes de 04-07-2006, o mencionado pavimento do Ginásio da Escola A... R... apresentava desníveis; 12.º Em data posterior a 17-10-2006 a ré procedeu à remodelação [alteração da Relação] do pavimento colocado no Ginásio da Escola A... R... com material fornecido pela A.; 13.º Para proceder à substituição do pavimento a que se refere o quesito anterior a ré adquiriu à sociedade EE- A... O..., Lda., material em plástico [alteração da Relação]; 14.º A ré despendeu a quantia de € 28.161,54 (vinte e oito mil cento e sessenta e um euros e cinquenta e quatro cêntimos) na aquisição do material referido no quesito anterior e no respectivo assentamento no Ginásio da Escola A... R...; 15.º Com o assentamento do material fornecido pela autora a ré despendeu a quantia de € 21.344,40 (vinte e um mil trezentos e quarenta e quatro euros e quarenta cêntimos). 4. - Mérito do recurso. 4. 1. - A Recorrente insurge-se contra a decisão da Relação que julgou extinto, por caducidade, o direito da Ré à indemnização pedida com fundamento no decurso do prazo de seis meses a que alude o art. 917º C. Civil. Alega que, por se tratar de um pedido de indemnização por violação contratual, o prazo de prescrição seria de 20 anos mas, não tendo o contrato sido cumprido, o prazo também não se extinguiu, conforme se dispõe no n.º 2 do art. 287º C Civil para onde remete o dito art. 917º. No acórdão impugnado, depois de qualificar e integrar a questão em análise no regime jurídico da compra e venda de coisa defeituosa e de sobre ele discorrer, concluiu pela aplicabilidade do prazo de caducidade estabelecido no art. 917º, norma em que se dispõe que “a acção de anulação por simples erro caduca, findo qualquer dos prazos fixados no artigo anterior sem o comprador ter feito a denúncia, ou decorrido sobre esta seis meses, sem prejuízo neste último caso, do disposto no n.º 2 do artigo 287.º do Código Civil”, aludiu à existência de divergências interpretativas sobre a aplicabilidade deste último prazo, designadamente ao confronto de duas teses, uma largamente maioritária, a defender que ele se deve aplicar por interpretação extensiva, para além da acção de anulação, também às acções em que se vise obter a reparação ou substituição da coisa, ou ainda a redução do preço e o pagamento de uma indemnização pela violação contratual e outra, pouco seguida, a sustentar que as acções em que se peça a reparação ou substituição da coisa, ou ainda a redução do preço e o pagamento de uma indemnização pela violação contratual, não estão sujeitas a esse prazo de seis meses, mas ao prazo geral. Não se diverge, quanto este ponto, da solução adoptada. Com efeito, a pretensão da Ré, aferida pelo pedido que formulou, consiste na obtenção de uma certa quantia correspondente aos custos da mercadoria e do respectivo assentamento, o que tudo faz decorrer de lhe ter sido fornecida, em divergência com o encomendado, madeira com nós e mal seca, isto é, com defeito. Assim sendo, como já se reconheceu na sentença, a Ré lançou mão do direito à substituição, embora no seu sucedâneo do valor (preço) que reteve, e do direito a ser indemnizada pelo interesse contratual negativo, o custo de aplicação do material defeituoso, sendo que viu o primeiro recusado por caducidade e o segundo atendido ao abrigo da regra geral do art. 798º e do preceituado no art. 909º C. Civil. A causa de pedir entronca directamente na venda de coisa defeituosa, nos defeitos ou vícios da madeira fornecida. Estamos, em qualquer caso, relativamente a ambos os pedidos, perante pretensões fundadas em violação contratual que tem na origem os defeitos da coisa que integra a prestação do vendedor e cujos danos resultam desses vícios, rectius, da mesma causa de pedir: - o valor da coisa que teve de ser substituída, por imprestável por causa dos defeitos, e o valor do custo da sua aplicação, que, devido aos mesmos defeitos, teve de ser repetida. Trata-se, sempre, de fazer valer direitos cuja fonte é a existência de vício ou defeito previsto no art. 913º C. Civil, e, por isso, “justifica-se a extensão do art. 917º, que refere apenas a acção de anulação, às acções dos demais direitos, porque e na medida em que através delas se fazem valer pretensões no quadro da garantia e à garantia ligadas”. Na verdade, seria incongruente não sujeitar todas as acções referidas à especificidade do prazo breve para agir que caracteriza a chamada garantia edilícia desde a sua origem, pois, de contrário, permitir-se-ia ao comprador obter resultados (referidos aos vícios da coisa) equivalentes, iludindo os rígidos e abreviados termos de denúncia e caducidade” (CALVÃO DA SILVA, “Compra e Venda de Coisas Defeituosas”, 72/74; no mesmo sentido, PEDRO R. MARTINEZ, “Cumprimento Defeituoso…”, 413 e acs. STJ de 6/11/2007 e 7/5/2009, procs. 07A3440 e 09B0057, respectivamente) Acompanha-se, pois, o entendimento seguido no acórdão recorrido no sentido de que o prazo de caducidade do artigo 917.º do C. Civil se aplica, por interpretação extensiva, a todas as acções propostas com fundamento em cumprimento defeituoso da prestação de contrato de compra e venda, incluindo as de simples indemnização. Tal acontecerá, designadamente, como acontece no caso presente, quando o pedido de indemnização se traduz em danos ou prejuízos, alegadamente causados pelos vícios da coisa vendida, subsumíveis à previsão do art. 913º C. Civil. 4. 2. - Mas, apesar do que se deixa expresso, não se acompanha o decidido. Aplicável, como dito, o regime do art. 917º, não pode esquecer-se a ressalva, com remissão para o n.º 2 do art. 287º. E aí se dispõe que enquanto o negócio não estiver cumprido, pode a anulabilidade ser arguida, sem dependência de prazo, tanto por via de acção como por via de excepção. O contrato de compra e venda considera-se não cumprido se a coisa ainda não foi entregue e/ou o preço ainda não foi pago (art. 879º C. Civil). No caso, os direitos sucedâneos da anulação foram exercidos em defesa por excepção e via reconvencional, sem que o contrato estivesse cumprido, pois que o preço não estava pago. Ora, se o prazo curto de caducidade para o exercício dos direitos decorrentes da garantia se justifica pela necessidade de evitar, no interesse do vendedor e do comércio jurídico em geral, incertezas sobre o destino do contrato e dificuldades de prova de vícios da prestação (coisa entregue) efectuada, bem se compreenderá que, não estando o negócio cumprido, não concorram expectativas da outra parte (vendedor) a proteger pelo decurso do tempo e prazo curto, designadamente, as relativas à certeza do destino do contrato cujas prestações não foram executadas. Claro que a interpretação extensiva que acima se deixou acolhida para a aplicabilidade do prazo de exercício da acção anulatória às demais acções fundadas em vícios da coisa vendida – venda de coisa defeituosa – se impõe nos mesmos precisos termos a estas últimas acções no tocante à aplicabilidade do n.º 2 do art. 287º, que o art. 917º também só prevê expressamente para a acção de anulação. Só assim o sistema colhe coerência e harmonia nas soluções que proporciona à luz dos fundamentos que o suportam. Consequentemente, o exercício do direito à indemnização, apesar de decorrido o prazo de seis meses sobre a denúncia dos defeitos, não caducara ainda, ao abrigo da ressalva constante do último segmento do art. 917º, assistindo à Ré-recorrente o direito que lhe foi reconhecido na 1ª Instância, embora, quanto ao valor do preço, como supra referido, com fundamento no direito de substituição da coisa, que na sentença se teve por caducado. 5. - Decisão. Em conformidade com o exposto, acorda-se em: - Conceder a revista; - Revogar o acórdão impugnado; - Repor em vigor a decisão constante da sentença da 1ª Instância; e, - Condenar a Recorrida nas custas. Supremo Tribunal de Justiça, Lisboa, 2 de Novembro de 2010. Alves Velho (relator) Moreira Camilo Urbano Dias |