Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 3.ª SECÇÃO | ||
Relator: | JORGE RAPOSO | ||
Descritores: | RECURSO PER SALTUM NULIDADE DE ACÓRDÃO DEVER DE FUNDAMENTAÇÃO INSUFICIÊNCIA DA MATÉRIA DE FACTO ATOS PREPARATÓRIOS ATOS DE EXECUÇÃO FURTO ESCALAMENTO MEDIDA CONCRETA DA PENA PENA PARCELAR PENA ÚNICA PLURIOCASIONALIDADE PERDÃO PROCEDÊNCIA PARCIAL | ||
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Data do Acordão: | 01/15/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | PROVIDO EM PARTE | ||
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Sumário : | I. A regra imposta pelo art. 379º nº 2 do Código de Processo Penal é que as nulidades devem ser supridas pelo tribunal de recurso, mormente sobre os fundamentos de direito. A excepção é a nulidade só ser susceptível de suprimento pelo tribunal recorrido. Exigindo-se uma maior explicação de uma questão jurídica, pode o Supremo suprir essa deficiência/insuficiência de fundamentação, justificando juridicamente a decisão II. A lei não impõe uma fundamentação exaustiva de cada questão, dependendo das circunstâncias do caso concreto. No caso em que o arguido não apresentou contestação e a prova se baseou essencialmente na sua confissão, a fundamentação de direito sintética sobre a existência de actos de execução, por referência ao disposto nos art.s 22º, 23º e 73º do Código Penal e à definição do momento da consumação do crime e a constatação de que, factualmente, a existência de actos de execução está explanada nos factos provados, constituem fundamentação suficiente da questão em apreço. III. O “pedaço de vida” destacável do comportamento do arguido, que vai ser sujeito a um juízo de subsunção jurídico-penal está suficientemente delimitado na factualidade em apreço sem necessidade de maiores detalhes porquanto “tentar” tem um significado comum evidente de “fazer esforço ou tratar de conseguir atingir um objectivo”, “usar meios para chegar a um resultado” e “forçar” tem o significado comum de “exercer força contra”, “abrir caminho por meio de força”. IV. Embora a lei não defina actos preparatórios, é referencial a sua definição constante do art. 14º do Código Penal de 1886: «os actos externos conducentes a facilitar ou preparar a execução do crime, que não constituam ainda começo de execução». V. Pratica actos de execução de crime de furto quem de forma já de si ilícita, entra num terreno contra a vontade dos donos e decide, com ilegítima intenção de apropriação para si, subtrair e tornar-se dono dos bens que encontrasse na residência visada quando o crime não se consumou pela circunstância independente da sua vontade, de ter sido interrompido pela intervenção dos proprietários. VI. A introdução em casa pela janela é conduta compreendida na noção de escalamento porquanto quem se introduz naqueles lugares, não utilizando as vias normais ou comuns, pratica um acto de escalamento. VII. As penas parcelares para os cinco crimes de furto qualificado consumado e dois crimes de furto qualificado tentados situadas no 1/3 (naquele em que os valores subtraídos foram francamente mais elevados) e 1/4 da moldura penal (para os restantes) mostram-se justas, adequadas e proporcionais. VIII. Os factos inculcam a ideia de uma pluriocasionalidade (após um curto período em que praticou crimes em 2019, no espaço de pouco mais de 2 meses o arguido cometeu uma série de sete crimes contra a propriedade, de forma homogénea) pelo que não se justifica que a pluralidade dos crimes tenha um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. IX. Nos termos do art. 14º da Lei 38-A/2023 de 2.8 cabe ao juiz da instância do julgamento e não ao Supremo Tribunal de Justiça a competência para aplicar o perdão de penas | ||
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Decisão Texto Integral: |
Acordam – em conferência – na 3ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça: I – RELATÓRIO Nos presentes autos de processo comum com intervenção do Tribunal Colectivo, o arguido AA, solteiro, maior, ... da construção civil, filho de BB e de CC, nascido em ...-...-1996, residente na Rua ..., ..., ..., actualmente preso preventivamente à ordem destes autos foi julgado e a final absolvido da reincidência peticionada pelo Ministério Publico e condenado: • na pena de cinco anos de prisão pela pratica de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelo artigo 203º, n.º 1 e 204º, n.º2, alínea e) do Código penal (Processo n.º 1154/23.3...); • na pena de três anos e seis meses de prisão pela prática de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelo artigo 203º, n.º 1 e 204º, n.º2, alínea e) do Código penal (Processo n.º 739/23.2...); • na pena de três anos e seis meses de prisão pela prática de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelo artigo 203º, n.º 1 e 204º, n.º 2, alínea e) do Código penal (Processo n.º 798/23.8...); • na pena de três anos e seis meses de prisão pela prática de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelo artigo 203º, n.º 1 e 204º, n.º 2, alínea e) do Código penal (Processo n.º 836/23.4...); • na pena de três anos e seis meses de prisão pela prática de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelo artigo 203º, n.º 1 e 204º, n.º 2, alínea e) do Código penal (Processo n.º 1140/23.3...); • na pena de um ano e seis meses de prisão pela prática de um crime de furto qualificado na forma tentada, previsto e punido pelo artigo 203 e 204º, n.º 2, alínea e) e 22º do Código Penal (processo n.º 1106/23.3...). • na pena de um ano e seis meses de prisão pela prática de um crime de furto qualificado na forma tentada, previsto e punido pelo artigo 203 e 204º, n.º 2, alínea e) e 22º do Código Penal (processo n.º 1105/23.5...). • Operando o Cúmulo Jurídico, na pena única de 13 (treze) anos de prisão. * Inconformado, o arguido recorreu, apresentando a seguinte síntese conclusiva: I. Em sede dos dois crimes tentados aqui versados – processos 1106/23.3... e 1105/23.5... –, mister é lembrar que existem, como sendo as duas primeiras fases externas do iter criminis, os “actos preparatórios” e a “tentativa” (arts. 21º e 22º do CP). II. Ora, em sede dos processos acima referidos, os actos relatados pelo MP como sendo enformadores do crime de furto qualificado de 2º grau sob a forma tentada, p. e p. pela al. e) do nº2 do art. 204º do CP, III. Só podem ser havidos como meros actos preparatórios, IV. Sendo, por isso, irrelevantes, V. Porque, ao invés de consubstanciarem agravantes qualificativas do crime de furto tentado, VI. Se situam, apenas e só, a montante dos actos de execução previstos nas três alíneas do nº2 do art. 22º do CP VII. Não chegando sequer a preencher a previsão do aludido art. 22º/1 do CP, VIII. Razão pela qual é redundante falar em tentativa de crime de furto qualificado de 2º grau fundado na al. e) do nº2 do art. 204º do CP, IX. Sequer de tentativa de furto qualificado de 1º grau, p. e p. na al. f) do nº1 do art. 204º do mesmo CP, X. Tão pouco, com os dados carreados aos autos pelo MP, se podendo falar na comissão, sob a forma tentada, do crime de furto simples (art. 203º/1 e 2 do CP). XI. Daqui que, os actos postos na acusação, em sede dos processos acima identificados, nunca poderiam ter sido como tal reconhecidos, em sede de decisão do Tribunal a quo, XII. Como infelizmente foram. XIII. Não faz, portanto, qualquer sentido acusar o arguido, e menos ainda condená-lo, como aqui sucedeu, pela comissão de “dois crimes de furto qualificado, em autoria material e na forma tentada, p. e p. nos termos do art. 204º, nº 2, al. e) por referência aos art. 202º, al. d), art. 203º, nº 1, arts. 22º e 23º, todos do Código Penal”, XIV. Com as penas de, respectivamente: a) um ano e seis meses de prisão pela prática de um crime de furto qualificado na forma tentada, previsto e punido pelo artigo 203º e 204°, nº 2, alínea e) e 22° do Código Penal (processo nº1106/23.3...); e, b) um ano e seis meses de prisão pela prática de um crime de furto qualificado na forma tentada, previsto e punido pelo artigo 203º e 204°, nº 2, alínea e) e 22º do Código Penal (processo nº 1105/23.5...). XV. Faz todo o sentido, isso sim, absolvê-lo da prática destes dois crimes de furto qualificado sob a forma tentada, pelos quais foi injustamente acusado e condenado, XVI. Que é quanto agora aqui se requer de V. Exas., Mmos. Juízes Desembargadores, XVII. Pedindo-se a concomitante reponderação da pena – excessiva, a todos os títulos – aplicada. XVIII. Com excepção dos processos acima versados, bem como do processo nº 798/23.8..., o acórdão ora sob recurso, considerou que, nos restantes processos, o modus actuandi do arguido, fora sempre o de arrombar, para entrar nas habitações e furtar. XIX. Como no processo nº 798/23.8... não foi identificado nenhum dos três modos de actuação previstos na al. e) do nº2 do art. 204º do CP (levantar uma persiana para aceder ao interior de uma casa não é, nem arrombar, nem escalar, nem usar chave falsa), temos de concluir que, aqui, o que se perfilou foi um crime de furto qualificado de 1º grau, p. e p, no art. 204º/1-f), do mesmo CP. XX. Devem por isso, V. Exas., Mmos. Juízes Desembargadores, promover a alteração do enquadramento jurídico dos factos apurados neste processo nº 798/23.8..., XXI. Alterando concomitantemente as penas parcial e final. XXII. Para além de quanto vem de dizer-se, mister é enfatizar que não foi devidamente considerado, em sede de dosimetria da pena em concreto, o facto de, com excepção do delito do proc. nº 1154/23.3..., em que foram furtados bens móveis no valor de €51.740,00, XXIII. Em todos os demais processos, foi irrisório o valor dos furtos cometidos pelo recorrente. XXIV. Com efeito, temos: no processo 798/23.8... (€160,00), no proc. nº 1140/23.3... (€1.324,90), no nº 836/23.4... (€400,00), no 798/23.8... (€160,00) e, no processo 739/23.2... (€251,00). XXV. O arguido não se conforma com a condenação de que foi alvo: 13 anos de prisão em cúmulo jurídico! XXVI. Tendo agora 28 anos, XXVII. sairá aos 41 anos de idade, XXVIII. Tendo passado os anos mais importantes da sua vida em cativeiro, XXIX. Sem poder construir o seu futuro, XXX. E sem poder contribuir para ajudar, com o seu trabalho, o seu país! XXXI. É injustíssimo! XXXII. A pena aplicada ao arguido é desadequada, devendo, por isso, ser substituída por pena de moldura inferior. XXXIII. O arguido é um jovem de 28 anos, XXXIV. Está em prisão preventiva desde 29/8/23, à ordem deste processo, XXXV. Sempre com bom comportamento, XXXVI. Confessou integralmente os factos, desde a primeira hora, XXXVII. Revelou ter plena consciência do desvalor das suas condutas, XXXVIII. E se, em dado momento da sua vida, tergiversou, XXXIX. O certo é que se reergueu, XL. Sendo hoje um cidadão na acepção plena do termo. XLI. Com excepção do dinheiro furtado – uns exíguos €2.135,90 ao todo -, que não foi recuperado, XLII. Todos os outros bens móveis furtados foram integralmente recuperados, com a sua colaboração. XLIII. Aquele dinheiro destinou-o confessadamente, o arguido, ao seu sustento. XLIV. Para amainar a fome que sentia, XLV. Porquanto, embora a trabalhar, o que auferia não chegava para subvencionar os seus alimentos (literalmente), e pagar a renda da casa. XLVI. A sociedade e o país são tributários dessa situação: trabalhar, mas não ganhar o suficiente para o seu sustento! XLVII. Os seus antecedentes criminais são: a) Uma condenação, transitada em julgado em 9/1/19, na pena de 120 dias de multa à razão de €5,00/dia, por furto qualificado; b) Uma condenação, transitada em julgado em 5/5/21, na pena de 3 anos de prisão, suspensa por 3 anos, por furto qualificado; e, c) Uma condenação, transitada em julgado em 9/12/21, na pena de 235 dias de multa, à razão de €6,00/dia, pela comissão de dois crimes de burla simples. XLVIII. O modus operandi do arguido foi sempre idêntico e rudimentar, XLIX. E os crimes em causa tiveram sempre por motivação, e como se disse, a falta de dinheiro para se sustentar e pagar a renda de casa, L. Coisa que de resto confessou, como se enfatiza no acórdão recorrendo! LI. É pois legítimo que nos questionemos sobre se, a culpa do arguido se não achará manifestamente diminuída, e, consequentemente, a medida concreta da pena decretada pelo Tribunal a quo. LII. Já que, como se sabe, a “fome” “é má conselheira”, LIII. E condiciona o agir social de quem dela padece! LIV. No entanto, essa “fome” nunca o levou a praticar ilícitos de criminalidade mais gravosa, como crimes de roubo, ou criminalidade reputada de violenta. LV. Uma coisa é certa, os ilícitos praticados pelo arguido, foram-no face a uma especial solicitude – a “fome” -, LVI. E, consubstanciando-se, a última ratio da prevenção especial, na ressocialização do agente, LVII. Dever-se-iam ter mitigado, as eventuais necessidades em matéria de prevenção geral, LVIII. E,consequentemente, a medida concreta da pena decretada pelo Tribunal a quo. LIX. A “fome” que grassa entre quem, como o arguido, trabalha, mas não ganha pera sequer a aplacar, LX. É exclusiva responsabilidade da sociedade em que vivemos, LXI. E sobretudo dos seus governantes, LXII. E, por isso, nada de útil resulta, para essa mesma sociedade, em esconder as suas vergonhas, atirando para a prisão uma pessoa que dela padece. LXIII. A manter-se a pena decretada, a sociedade civil, por intermédio do tribunal, estará a descartar e a isolar um indivíduo, LXIV. E a “fazer vista grossa” às suas responsabilidades! LXV. Por isso, toda a argumentação desenvolvida ao longo da sentença, em torno dos princípios da prevenção geral, positiva, e da prevenção especial, bem como das razões que motivaram o tribunal a quo, em matéria de fundamentação da escolha da pena, não quadra ao arguido, pelas razões vindas de expor. LXVI. O Tribunal a quo concluiu pela aplicação, a este, de uma estratosférica pena privativa da liberdade, decretando, em cúmulo, a pena única de 13 anos de prisão. LXVII. Quanto a nós, e sem ter em consideração os rearranjos acima postos em destaque, LXVIII. A pena nunca poderia, in casu, ultrapassar os 5 anos, LXIX. E, para além disso, teria sempre de ter sido suspensa! LXX. Mutatis mutandis quanto a este respeito é dito no Ac. Do STJ de 30/6/10, tirado no proc. nº 1383/08.0PBFAR.E1.S1, relatado por Fernando Fróis, o linimento nele prescrito tem plena aplicação a esse Venerando Tribunal da Relação de Évora. LXXI. Com efeito, lê-se no respectivo sumário: I - É susceptível de revista a correcção do procedimento ou das operações de determinação da medida da pena, o desconhecimento pelo tribunal ou a errónea aplicação dos princípio gerais de determinação da medida da pena, a falta de indicação de factores relevantes para aquela ou, pelo contrário, a indicação de factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis. II - A medida da pena a atribuir em sede de cúmulo jurídico tem uma especificidade própria. Por um lado, está-se perante uma nova moldura penal mais abrangente. Por outro, tem lugar uma específica fundamentação, que acresce à decorrente do art. 71.º do CP. III - Na consideração dos factos (do conjunto dos factos que integram os crimes em concurso) está ínsita uma avaliação da gravidade da ilicitude global, que deve ter em conta as conexões e o tipo de conexão entre os factos em concurso. IV - No caso concreto, tendo em atenção as penas parcelares aplicadas (3 anos de prisão, pela prática de um crime de furto qualificado, 3 meses de prisão pela prática de um crime de dano, 9 meses de prisão pela prática de um crime de furto qualificado, 3 meses de prisão, pela prática de um crime de dano, 9 meses de prisão, pela prática de um crime de furto qualificado, 3 meses de prisão pela prática de um crime de dano, 10 meses de prisão, pela prática de um crime de furto qualificado, 9 meses de prisão pela prática de um crime de furto qualificado, 9 meses de prisão, pela prática de um crime de furto qualificado, 9 meses de prisão, pela prática de um crime de furto qualificado, 5 meses de prisão, pela prática de um crime de furto, e 3 meses de prisão, pela prática de um crime de furto tentado), a moldura penal da pena aplicável em cúmulo tem o limite mínimo de 3 anos de prisão e o limite máximo de 10 anos e 11 meses de prisão. V - A pena única tem de socorrer-se dos parâmetros da fixação das penas parcelares, podendo funcionar como “guias” na fixação da pena do concurso. A sua fixação – tal como resulta da lei – não se determina com a soma dos crimes cometidos e das penas respectivas, mas da dimensão e gravidade global do comportamento delituoso do arguido, pois tem de ser considerado e ponderado o conjunto dos factos e a sua personalidade. VI - Poderá ainda considerar-se o ilícito global julgado como não sendo o resultado de uma tendência criminosa, reportando-se o caso a comportamentos surgidos já na idade adulta, mas assumindo um carácter pluriocasional (os factos decorreram no período aproximado de 1 ano e o arguido visava angariar, com tais comportamentos, fundos para financiar o consumo de estupefacientes). VII - No que toca à prevenção especial, dúvidas não há de que o recorrente carece de forte socialização, tendo em conta os seus antecedentes criminais. No que concerne às exigências de prevenção geral, elas são igualmente bastante acentuadas, face ao número de crimes de furto sobre veículos e em residências e de roubo, diariamente praticados no país e designadamente nas cidades do .... VIII - Conjugando com os factos a circunstância de o arguido estar arrependido, de ter prestado declarações relevantes para a descoberta da verdade, de o valor das coisas subtraídas não ter sido muito elevado e a circunstância de algumas dessas coisas terem sido recuperadas, permite-se, apesar de tudo, formular um juízo de prognose favorável ao arguido, afigurando-se que a simples censura dos factos e a ameaça da prisão, realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. IX - É, pois, de concluir que a pena conjunta fixada em 5 anos e 9 meses de prisão, deve considerar-se excessiva, afigurando-se justa, adequada às finalidades de prevenção e proporcional à culpa do arguido, face às penas parcelares aplicadas, uma pena única de 5 anos de prisão, suspendendo-se a execução da mesma por igual período de tempo, subordinando-se, porém, tal suspensão a um regime de prova. O recurso foi admitido. Respondeu o Digno Magistrado do Ministério Público, concluindo pela improcedência do recurso, em peça estruturada e fundamentada em jurisprudência e doutrina, sem apresentar conclusões, mas dizendo, em síntese: A primeira questão a conhecer é a de saber que se os factos dados como provados pelo Tribunal a quo nos processos 1106/23.3..., 1105/23.5... são actos de execução e por isso puníveis como tentativa ou se se trata de meros atos preparatórios não puníveis. O arguido ao iniciar os actos de subida do muro adjacente à residência dos ofendidos e ao entrar no terreno da residência destes, dirigindo-se à porta da varanda e à porta de correr (respectivamente) tentado abri-las, dúvidas não subsistem que tais actos se tratam de actos de execução pois tratam-se de actos aptos a colocar em perigo o bem jurídico (in casu o património dos ofendidos), pois não fora a circunstância de o arguido ter sido detetado pelos ofendidos, e aquele teria logrado alcançar os seus intentos de aceder ao interior das respectivas residências e apropriar-se dos bens, objetos e valores que ali se encontrassem. Resulta dos factos provados nos processos 1106/23.3... e 1105/23.5... que o arguido resolveu, com ilegítima intenção de apropriação, para si ou para outrem, subtrair coisa móvel alheia pertencente a terceiros, penetrando em edificação por meio de arrombamento e escalamento, sendo que tais crimes, que o agente decidiu perpetrar, não chegaram a consumar-se mas apenas por circunstancias independentes da sua vontade, in casu, por ter sido detetado pelos legítimos proprietários. Concretamente, no caso do NUIPC 1106/23.3..., o processo de arrombamento da porta da varanda foi interrompido, quando o arguido foi surpreendido pela ofendida DD. O mesmo sucedeu, no que respeita ao NUIPC 1105/23.5..., pois também neste o processo de arrobamento da porta de correr da residência do ofendido - ao tentar forçar a mesma para entrar - foi interrompido, quando o arguido foi surpreendido por EE. A 2ª questão é apurar se o modo de atuação do arguido no processo 798/23.8... integra a prática do crime previsto no art. 204º nº 2 al. e) do Cód. Penal, ou se tão somente, integra o art. 204º nº 1 al. f) do mesmo diploma, porquanto, entende o recorrente que a conduta do arguido não tem a virtualidade de integrar nenhum dos conceitos jurídicos previstos na referida al. e) do nº 2 do art. 204º, concretamente, o arrombamento/escalamento/chave falsa. Da própria interpretação literal o art. 202º al.s d) e e) do Cód. Penal resulta que a conduta de levantar a persiana e entrar pela janela na residência do ofendido, sem autorização deste, integra necessariamente ambos os conceitos acima descritos (arrombamento e escalamento). Por um lado, as persianas são evidentemente dispositivos exteriores da casa, destinados a fechar ou impedir a entrada na habitação e encontram-se no exterior da mesma. Têm também outras utilidades, mas isso não afasta as utilidades mencionadas, concretamente, a de fechar e impedir o acesso à habitação através da janela. A conduta de forçar a abertura da persiana, estroncando-a é suscetível de integrar necessariamente o conceito de “arrombamento”. Por outro lado, após levantar a persiana, o arguido acedeu ao interior da residência do ofendido através da janela, ou seja, através de “escalamento”. A 3ª questão prende-se com saber se as penas concretamente aplicadas a cada um dos crimes são excessivas porquanto o Tribunal a quo não teve em consideração os valores diminutos das quantias em dinheiro de que o arguido se apropriou. Por outro lado, não considerou o tribunal a quo que todos os bens móveis foram recuperados e bem assim que os valores em dinheiro que não foram recuperados pelos lesados, o arguido os destinou ao seu sustento, concretamente, à sua alimentação, pois o que auferia do seu trabalho não era suficiente para se alimentar e pagar a renda de casa O acórdão recorrido não merece qualquer censura nesta parte, porquanto, salvo douto entendimento em sentido diverso, foram corretamente ponderadas pelo Tribunal a quo as penas parcelares aplicadas a cada um dos crimes, devendo por isso manterem-se inalteradas. A 4ª questão prende-se com o excesso da pena única e com a possibilidade de ser suspensa na sua execução. A pena única fixada pelo Tribunal a quo se afigura adequada aos princípios da proporcionalidade, adequação e proibição do excesso, deverá a mesma manter-se na sua exata medida, improcedendo integralmente o recurso ora apresentado pelo arguido. Finalmente, tendo sido aplicada pena única superior a 5 anos não é possível a suspensão da sua execução face ao disposto no art. 50º do Cód. Penal, devendo também nesta parte, improceder a pretensão do recorrente nesta parte. * Após parecer do Ex.mo Procurador-Geral Adjunto no Tribunal da Relação de Évora no sentido da competência para o recurso caber ao Supremo Tribunal de Justiça, a Exma Senhora Desembargadora relatora, naquele Tribunal, proferiu despacho em 18.10.2024 em que considera que “estando em causa acórdão final proferido pelo tribunal coletivo que aplicou pena de prisão superior a 5 anos e visando o recurso exclusivamente reexame de matéria de direito, o tribunal competente para dele conhecer é o Supremo Tribunal de Justiça –– artigos 432.º, n.º 1, alínea c), e 427.º do CPP. Nesta conformidade, e considerando o disposto nos artigos 32.º, n.º 1, e 33.º, n.º 1, do CPP, declara-se o Tribunal da Relação de Évora incompetente para conhecer do recurso, sendo competente para conhecer do mesmo o Supremo Tribunal de Justiça”. Concordamos na totalidade com essa fundamentação, atendendo ao teor do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de Uniformização de Jurisprudência 5/2017, de 23 de Junho1, no sentido de que «A competência para conhecer do recurso interposto de acórdão do tribunal do júri ou do tribunal coletivo que, em situação de concurso de crimes, tenha aplicado uma pena conjunta superior a cinco anos de prisão, visando apenas o reexame da matéria de direito, pertence ao Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 432.º, n.º 1, alínea c), e n.º 2, do CPP, competindo-lhe também, no âmbito do mesmo recurso, apreciar as questões relativas às penas parcelares englobadas naquela pena, superiores, iguais ou inferiores àquela medida, se impugnadas». * Nesta instância, foi cumprido o disposto no art. 417º nº 1 do Código de Processo Penal. O Ex.mo Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer detalhado que termina com a seguinte síntese e conclusões: «Em síntese: 1) - Condenado o arguido, nomeadamente, pelos dois crimes de “furto qualificado” na forma tentada, p. e p. nas disposições dos arts. 22º, 202º-e), 203º e 204º/2-e) do Código Penal, padece, nesta parte, a douta decisão recorrida da nulidade de falta de fundamentação, pois que não explana sobre a tentativa (e a sua punibilidade) da prática dos referidos crimes, não sendo de concluir que tal argumentação se extrai a contrario sensu, da demonstração do momento da consumação de outras subtracções; Vício que deverá ser declarado de forma oficiosa, com a correspondente anulação, nesta parte, da decisão recorrida, para oportuna sanação pelo Tribunal “a quo”, e não suprido neste Alto Tribunal, perante a declaração do vício que a seguir se convoca. 2) - Padece do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, a ser sanado com o reenvio do processo para novo julgamento, apenas relativamente a esta parte, o Acórdão do Colectivo que, condenado o arguido, nomeadamente, por dois crimes de “furto qualificado” na forma tentada, p. e p. nas disposições dos arts. 22º, 202º-e), 203º e 204º/2-e) do Código Penal, apenas dá como provado: … … 33. No dia ........2023, pelas 10:30h o arguido formou o propósito de entrar na residência de DD, sita na Rua ..., ..., e dela retirar e fazer seus os objectos de valor que encontrasse. 34. Para tanto e após entrar no terreno, aproximou-se da porta da varanda da residência, tentando entrar na mesma, quando foi surpreendido por DD a qual gritou, tendo o arguido fugido do local, não logrando conseguir os seus intentos. … … 47. No dia ........2023, pelas 11h o arguido formou o propósito de entrar na residência de EE, sita na Travessa ..., e dela retirar e fazer seus os objectos de valor que encontrasse. 48. Para tanto e após entrar no terreno subindo o muro, aproximou-se da porta de correr da residência e tentou forçar a mesma tentando entrar quando foi surpreendido por EE, tendo o arguido fugido do local, não logrando conseguir os seus intentos (sublinhado nosso); Vício que deve ser oficiosamente declarado, com anulação, nesta parte, da decisão, e reenvio do processo para novo julgamento restrito a esta matéria. … … 3) - Se assim não se entender – ou seja, se não for considerada a questão da insuficiência da matéria de facto quanto aos modos e dos meios –, o acto de, depois de entrar em espaço privado (num dos casos, saltando um muro de vedação), de aceder a varandas e forçar uma porta ou tentar entrar por ela, com o propósito de imediatamente aceder ao interior de uma residência e de aí deitar mão e levar quaisquer valores, no que é impedido pela aproximação dos donos; Coloca o agente na posição de executor de uma empreendida subtracção; E não de preparador das ferramentas e da ocasião propícias ou necessárias à sua consumação, que ainda não se enquadram naquela categoria; Pois que, razoavelmente, não fosse a oposição dos moradores, teria mesmo entrado e logrado realizar o seu propósito. 4) - Comete o crime de “furto qualificado”, p. e p. nas disposições dos arts. 202º-e), 203º e 204º/2-e) do Código Penal, quem, para aceder à residência assaltada, entrar pela janela de um dos quartos, ainda que se encontre aberta; 5) - As penas parcelares concretamente aplicadas mostram-se, adentro das suas molduras abstractas, justas e criteriosas; 6) - Numa moldura do concurso de 05 a 22 anos de prisão, é excessiva, por descriteriosa – apelando à globalidade dos factos e à personalidade do arguido – a pena única de 13 anos de prisão, no pressuposto de as penas parcelares já terem sido fixadas perto do limite superior da moldura da ilicitude e da culpa e da prevenção geral e especial e de se impor, também por razões de política-criminal, uma ideia de justiça comparativa face a penas que têm sido aplicadas e corroboradas pelos nossos Tribunais em casos de white collor crime, nomeadamente; Sendo de reduzir a pena única a 10 anos e 06 meses de prisão. 7) - No caso, a suspensão da execução da pena de prisão é uma questão prejudicada, em face da pena concretamente aplicada ao arguido. Em conclusão: Motivo por que o Ministério Público dá Parecer que: - O Acórdão recorrido padece dos vícios de falta de fundamentação e de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, na parte acima indicada, vícios que devem ser oficiosamente declarados, com anulação, nesta parte, da decisão, e reenvio do processo para novo julgamento restrito a esta matéria. - Se assim não se entender, deve o presente recurso ser julgado parcialmente procedente, quanto à questão da pena única fixada, com redução de 13 para 10 anos e 06 meses de prisão. Não foi apresentada resposta ao parecer. * Foram observadas as formalidades legais, nada obstando à apreciação do mérito do recurso (art.s 417º nº 9, 418º e 419º, nºs. 1, 2 e 3, al. c) do Código de Processo Penal). II – FUNDAMENTAÇÃO Quando conhece de acórdãos finais proferidos pelo tribunal do júri ou pelo tribunal colectivo que apliquem pena de prisão superior a 5 anos, visando exclusivamente o reexame da matéria de direito ou com os fundamentos dos nºs 2 e 3 do art 410º do Código de Processo Penal (art. 432º nº 1 al. c) do Código de Processo Penal), estando fixada jurisprudência no sentido de que: «A competência para conhecer do recurso interposto de acórdão do tribunal do júri ou do tribunal coletivo que, em situação de concurso de crimes, tenha aplicado uma pena conjunta superior a cinco anos de prisão, visando apenas o reexame da matéria de direito, pertence ao Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 432.º, n.º 1, alínea c), e n.º 2, do CPP, competindo-lhe também, no âmbito do mesmo recurso, apreciar as questões relativas às penas parcelares englobadas naquela pena, superiores, iguais ou inferiores àquela medida, se impugnadas.»2 Verificam-se as condições para o conhecimento do recurso directamente pelo Supremo Tribunal de Justiça porquanto a pena aplicada pelo crime pelo qual foi condenado é superior a 5 anos e a pretensão do Recorrente, claramente expressa no início da motivação, foi a limitação do seu recurso “à medida da pena e à pena propriamente dita”. É jurisprudência constante e pacífica que o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas na motivação (art.s 403º e 412º do Código de Processo Penal), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (art.s 379º nº 2 e 410º nº 2 do Código de Processo Penal). * As questões a decidir são: 1. Nulidade do acórdão 2. Vícios da decisão 3. Actos preparatórios ou actos de execução 4. Qualificativa da al. e) do art. 204º nº 2 do Código Penal 5. Medida das penas parcelares e da pena única e suspensão da execução da pena 6. Aplicação da Lei 38-A/2023 de 2.8 *** Na decisão sob recurso é a seguinte a matéria fáctica provada: 1. FACTOS PROVADOS Discutida a causa resultaram provados, com relevância para a decisão da mesma, os seguintes factos: Do NUIPC 1154/23.3...: 1. No dia ... de ... de 2023, entre as 12 h e as 16:10h o arguido formou o propósito de entrar na residência da ofendida FF, sita na Rua ..., e dela retirar e fazer seus os objectos de valor que encontrasse. 2. Para tanto, partiu a janela da sala com uma pedra, entrando na residência, retirando os seguintes objectos, que fez seus: i. uma carteira de cor azul, de marca Prada, com imagem de uma sereia, avaliada em 450 euros, e que continha cerca de 70 euros em dinheiro; ii. vários documentos em nome de lesada FF, iii. cinco maços de tabaco da marca Davidoff, no valor 30,00 Euros; iv. um par de óculos de sol, da marca Cartier, no valor de, pelo menos, 2.500,00 € (dois mil e quinhentos euros), que se encontravam na cozinha; v. um fio em ouro e diamantes, da marca Cartier, modelo Panthére, avaliado em 28.600,00€. vi. um fio em ouro da marca Cartier, avaliado em, pelo menos, 8.000,00€. vii. um par de brincos em ouro e diamantes da marca Cartier, modelo Love, avaliados em 4.450,00€. viii. um par de brincos em ouro da marca Cartier, modelo Trinity, avaliados em 640,00€; ix. um par de brincos em ouro da marca Cartier, avaliados em, pelo menos, 7.000,00€, os quais se encontravam dentro de uma caixa vermelha, de marca Cartier, que estava dentro de uma mala na cozinha. 3. Os objectos supra-descritos pertenciam a FF e o valor total dos mesmos é de, pelo menos, 51.740,00€ (cinquenta e um mil setecentos e quarenta euros). 4. O arguido quis fazer seus tais objectos, conforme fez, bem sabendo que a mesmos não lhes pertenciam. 5. O arguido, para conseguir os seus intentos, partiu a janela da sala para ali se introduzir e retirar os aludidos objectos, bem sabendo que actuava contra a vontade da proprietária. 6. Tais objectos foram encontrados na posse do arguido, no dia ........2023, pelas 2:27 horas, no jardim do condomínio sito na Rua ..., .... Do NUIPC 739/23.2...: 7. Em data não concretamente apurada, mas anterior a ... Junho de 2023, pelas 12h, o arguido subiu e saltou muro com vedação de cerca de 2 metros de altura na Travessa ..., pertencentes a GG e HH, e arrombou várias portas dos lotes de modo a se introduzir nos mesmos e delas retirar e fazer seus os objectos de valor que encontrasse, bem ainda para pernoitar por dias não concretamente apurados. 8. O arguido retirou de tais lotes, os seguintes objectos, que fez seus: i. uma mochila IKEA Family avaliada em 20,00€; ii. um relógio marca Berska, avaliado em 10,00€ iii. uma chave de uma viatura; iv. três anéis; v. 2 brincos, no valor de 5,00€ vi. um fio de prata, no valor de 1,00€ vii. várias notas de países estrangeiros; viii. duas bolsas, no valor de 5,00€ e 3,00€; ix. uns phones, no valor de 5,00€ x. dois televisores acondicionados prontos a transportar, no valor de, pelo menos, 102,00€, cada. 9. O arguido quis fazer seus tais objectos, conforme fez, bem sabendo que a mesmos não lhes pertenciam. 10. Os supra aludidos objectos foram encontrados na posse do arguido, bem como de um passa montanhas. 11. O arguido, para conseguir os seus intentos, trepou o muro e vedação dos lotes e forçou a fechadura das portas dos lotes, para ali se introduzir e retirar os aludidos objectos, bem sabendo que actuava contra a vontade dos proprietários. 12. Como resultado directo do comportamento adoptado o arguido causou danos em várias portas de passagem entre os lotes, sendo a sua reparação do valor de € 7.995,00€. 13. O arguido agiu com o intuito concretizado de causar estragos nas portas de modo a poder entrar nos lotes, ciente de que ao actuar desse modo causava aos seus proprietários um prejuízo correspondente ao valor da reparação dos estragos causados. 14. O arguido quis e logrou introduzir-se na habitação dos ofendidos, bem sabendo que não tinham autorização nem consentimento daqueles para ali entrar e permanecer, não desconhecendo ainda que se tratava de um espaço vedado e que não era de livre acesso. No NUIPC 798/23.8...: 15. No dia ........2023 entre as 08:30h e as 11:30h, o arguido formou o propósito de entrar na residência de II, sita na Rua ... ..., e dela retirar e fazer seus os objectos de valor que encontrasse. 16. Para tanto entrou pela janela de um dos quartos que se encontrava aberta, mas com a persiana fechada, entrando na residência, na qual não se encontrava ninguém naquele momento, retirando os seguintes objectos, que fez seus: 160 euros em dinheiro, que se encontravam dentro de uma caixa de óculos. 17. Os objectos supra-descritos pertenciam a II. 18. O arguido quis fazer seus tais objectos, conforme fez, bem sabendo que a mesmos não lhes pertenciam. 19. O arguido, para conseguir os seus intentos, subiu para a janela do quarto levantando a persiana, para ali se introduzir e retirar os aludidos objectos, bem sabendo que actuava contra a vontade do proprietário. 20. Na posse da caixa de óculos e do dinheiro (160,00€), abandonou o local para parte incerta. 21. O valor monetário e a caixa de óculos não foram recuperados. 22. O arguido sabia que não podia entrar na residência do ofendido que ali tinha o seu domicílio, sem o seu consentimento. 23. O arguido ao entrar nesta habitação tinha pleno conhecimento que actuava sem autorização e contra a vontade deste e, não obstante, não se absteve de actuar da forma descrita. NUIPC 836/23.4... 24. No dia ........2023, pelas 10:45h arguido formou o propósito de entrar na residência de JJ, sita na Rua ..., ..., e dela retirar e fazer seus os objectos de valor que encontrasse. 25. Para tanto, subiu o muro da residência, partiu o vidro da porta das traseiras que dá acesso à lavandaria da casa, abrindo-a, entrando na residência e dela retirando os 400 € em dinheiro que se encontravam no interior de um mealheiro em cima de uma mesa na sala de estar. 26. O referido valor monetário pertencia a JJ. 27. O arguido agiu, conforme acima descrito, de forma voluntária, livre e consciente, com o propósito concretizado de se introduzir na aludida habitação, a fim de fazer seus bens com valor superior a €102,00, que sabia não lhe pertencerem e que actuava contra a vontade do seu legítimo proprietário, o que representou, quis e conseguiu. 28. Na posse de tal valor o arguido abandonou o local para parte incerta, valor esse não recuperado. 29. Ademais, como resultado directo do comportamento adoptado o arguido causou danos no vidro da porta da lavandaria, sendo a sua reparação do valor de € 1.000,00€. 30. O arguido agiu com o intuito concretizado de causar estragos no vidro da porta de modo a poder entrar na habitação ciente de que ao actuar desse modo causava aos seus proprietários um prejuízo correspondente ao valor da reparação dos estragos causados. 31. O arguido sabia que não podia entrar na residência dos ofendidos que ali tinham o seu domicílio, sem o seu consentimento. 32. O arguido ao entrar nesta habitação tinha pleno conhecimento que actuava sem autorização e contra a vontade deste e, não obstante, não se absteve de actuar da forma descrita. Do NUIPC 1106/23.3...: 33. No dia ........2023, pelas 10:30h o arguido formou o propósito de entrar na residência de DD, sita na Rua ..., ..., e dela retirar e fazer seus os objectos de valor que encontrasse. 34. Para tanto e após entrar no terreno, aproximou-se da porta da varanda da residência, tentando entrar na mesma, quando foi surpreendido por DD a qual gritou, tendo o arguido fugido do local, não logrando conseguir os seus intentos. 35. Os objectos ali existentes ascendiam a mais de 105 euros e pertenciam a DD. 36. O arguido quis fazer seus tais objectos, bem sabendo que os mesmos não lhes pertenciam, o que não conseguiu por ter sido surpreendido pela proprietária. Do NUIPC 1140/23.3...: 37. No dia ........2023 entre as 14:30h e as 20:20h, o arguido formou o propósito de entrar na residência de DD, sita na Rua ..., ..., e dela retirar e fazer seus os objectos de valor que encontrasse. 38. Para tanto trepou o muro da residência de forma a aceder ao seu interior e após partiu com uma pedra o vidro da porta da lavandaria, entrou pela janela, entrando na residência, na qual não se encontrava ninguém naquele momento, retirando os seguintes objectos, que fez seus: • um anel em ouro no valor de 500 euros, que se encontrava na gaveta da mesa de cabeceira do quarto no r/c ; • uma quantia em moedas no valor de 100 euros que se encontra num pote num aparado; • um par de brincos Swarovski no valor de 124,90€ e um anel de família antigo em ouro, no valor de 500,00€ que se encontravam no interior e uma gaveta do quarto. • 100 euros em dinheiro que se encontravam no 1 piso no interior de uma mala; 39. Os objectos supra-descritos pertenciam DD. 40. O arguido quis fazer seus tais objectos, conforme fez, bem sabendo que a mesmos não lhes pertenciam. 41. O arguido, para conseguir os seus intentos, subiu o muro e partiu a janela da porta da lavandaria, para ali se introduzir e retirar os aludidos objectos, bem sabendo que actuava contra a vontade dos proprietários. 42. Na posse de tais bens o arguido abandonou o local para parte incerta, os quais não foram recuperados. 43. Ademais, como resultado directo do comportamento adoptado o arguido causou danos no vidro da porta da lavandaria, sendo a sua reparação do valor de € 300,00€. 44. O arguido agiu com o intuito concretizado de causar estragos no vidro da porta de modo a poder entrar na habitação ciente de que ao actuar desse modo causava aos seus proprietários um prejuízo correspondente ao valor da reparação dos estragos causados. 45. O arguido sabia que não podia entrar na residência dos ofendidos que ali tinham o seu domicílio, sem o seu consentimento. 46. O arguido ao entrar nesta habitação tinha pleno conhecimento que actuava sem autorização e contra a vontade deste e, não obstante, não se absteve de actuar da forma descrita. Do NUIPC 1105/23.5... 47. No dia ........2023, pelas 11h o arguido formou o propósito de entrar na residência de EE, sita na Travessa ..., e dela retirar e fazer seus os objectos de valor que encontrasse. 48. Para tanto e após entrar no terreno subindo o muro, aproximou-se da porta de correr da residência e tentou forçar a mesma tentando entrar quando foi surpreendido por EE, tendo o arguido fugido do local, não logrando conseguir os seus intentos. 49. Os objectos ali existentes ascendiam a mais de 105 euros e pertenciam a EE. 50. O arguido quis fazer seus tais objectos, bem sabendo que os mesmos não lhes pertenciam, o que não conseguiu por ter sido surpreendido pelo proprietário. 51. Em todas as supra aludidas ocasiões o arguido agiu de forma deliberada, livre e consciente, bem sabendo que tais condutas não lhes eram permitidas e eram punidas por lei. 52. Não é conhecida actividade remunerada do arguido, não se encontrando a efectuar descontos para a segurança social. Das Condições pessoais. À data das ocorrências AA, encontrava-se desempregado, vivia na zona de ... em condições precárias, em situação de sem abrigo, distanciado da família e desinteressado em dispor de suporte social. Em autorrelato referiu ter efectuado trabalhos, insuficientes para se sustentar, deslocando-se entre o sul de Espanha e .... Está preso preventivamente no EP de ..., desde ...-...-2023, à ordem dos presentes autos. O arguido nasceu na sequência de relação não mantida entre os progenitores, só conheceu o pai em adulto, por sua iniciativa e interesse unilateral. Cresceu num contexto familiar com padrasto e dois irmãos mais novos, com indicadores de estabilidade afectiva e suficiência económica. A mãe é auxiliar de acção educativa, está actualmente separada. AA não se destacou como aluno, tem como habilitações literárias completas o 9º ano de escolaridade. Terá sido a partir da adolescência que começou iniciou experiências de consumos de substâncias aditivas, aproximando-se de pares de idêntica faixa etária. Reativo às orientações da família ou de figuras de referência, desenvolveu comportamentos desajustados me contexto familiar, motivando a mãe a coloca-lo na rua. Teve vários trabalhos sem continuidade que lhe permitisse autonomizar-se, entre restauração, lar de idosos e construção civil. Tende a ficar alojado em diversos locais, com períodos breves na família natural. Tem vindo a desorganizar-se devido às adições. Já efetuou tentativas de tratamento para a dependência de substâncias aditivas, junto da Equipa Técnica Especializada de Tratamento (ETET), em regime ambulatório e numa comunidade terapêutica. Residiu na comunidade “A .....” entre ...-...-2020 até ...-...-2021, altura em que teve alta. Nesta fase reaproximou-se do núcleo familiar materno e procurou inserir-se no mercado de trabalho. Voltou a ter recaídas e a mãe colocou-o fora de casa novamente. Voltou a viver entre quartos arrendados quanto tinha trabalho, aumentou, todavia, os períodos de precariedade e de situação de sem abrigo: neste contexto foi referenciado em novembro/2022 no Serviço Social da Câmara Municipal de ..., junto do Núcleo de Planeamento e Intervenção Sem – Abrigo de Lagos (NPISA). Recorreu nesse período a instituições locais para apoio alimentar e higiene até voltar a ter trabalho e alojamento. Por sua iniciativa prescindiu do tratamento em ambulatório na ETET. Actualmente em meio prisional mantém um comportamento ajustado às normas. A mãe, irmãos e ex-padrasto visitam-no, mantendo a mãe preocupação em preservar alguma forma de vinculação positiva. Além do actual processo, o arguido tem pendente o Proc. Nº 224/19.7... do Juízo de Competência Genérica de ... – Juiz 2, no qual foi condenado numa pena de três anos de prisão, suspensa na sua execução e aguarda decisão por incumprimento da mesma. Face à presente sujeição a julgamento AA expressou-se com sentido critico e noção da ilicitude me causa, identificou fragilidades associadas a uma desorganização pessoal que se acentuou nos últimos tempos, sem reconhecer, todavia, necessidade de tratamento para a problemática aditiva. Dos antecedentes criminais No âmbito do processo n.º 157/17.1..., por decisão proferida em 11.12.2018 e transitada em julgado a 09.01.2019, foi o arguido condenado pela prática em 20.08.2017, de um crime de furto qualificado na forma tentada na pena de 120 dias de multa à razão diária de €5,00. No âmbito do processo n.º 224/19.7..., por decisão proferida em 20.11.2020 e transitada em julgado a 05.05.2021, foi o arguido condenado pela pratica em 13.09.2019, de um crime de furto qualificado na pena de três anos de prisão suspensa na sua execução por igual período de tempo. No âmbito do processo n.º 24/20.1..., por decisão proferida em 08.11.2021 e transitada em julgado a 09.12.2021, foi o arguido condenado pela pratica em 12.09.2019, de dois crimes de burla simples, na pena única de 235 dias de multa à razão diária de €6,00.) Destaca-se da motivação da decisão de facto: a) Quanto aos factos provados: O Tribunal fundou a sua convicção, quanto aos factos que resultaram provados constantes da acusação, no depoimento do arguido AA que confessou a totalidade dos factos, nas testemunhas que depuseram sobre os valores dos bens furtados e na prova constante dos autos. Na verdade, o arguido confessou o furto a todas as residências que constam da acusação, confirmou o modo de entrada nas mesmas e o que de lá retirou. O arguido explicou que o fez porque o que ganhava de salário não lhe dava para se sustentar e pagar renda de casa. Confrontado com o facto de consumir produtos estupefacientes e precisar de dinheiro para o vicio referiu que o que consumia era em grupo e não pagava nada. O arguido mostrou uma atitude contrita em tribunal, respondendo a todas as perguntas formuladas ainda que não mostrasse arrependimento pelo que fez, pois o encarou como necessário para se sustentar face ao que recebida como salário. O acórdão procedeu ao seguinte enquadramento jurídico-penal: É imputado ao arguido, Dois crimes de furto qualificado, em autoria material e na forma tentada, p. e p. termos dos art.204.º, n.º 2, al. e) por referência aos art.202.º, al. d), art.203.º, n.º 1, arts. 22.º e 23.º, todos do Código Penal; Cinco crimes de furto qualificado, em autoria material e na forma consumada, p. e p. nos termos do art.204.º, n.º 2, al. e) por referência aos art.202.º, al. d), art.203.º, n.º 1, todos do Código Penal; Pedindo a condenação do arguido como reincidente, nos termos do disposto no art.75.º do Código Penal. * Dos Crimes de furto qualificado: De acordo com o disposto no artigo 203º nº 1 do Código Penal, “Quem, com ilegítima intenção de apropriação para si ou para outra pessoa, subtrair coisa móvel alheia, é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa”. Sendo certo que, no crime de furto, o que está em causa é a tutela do direito de propriedade, consubstanciada no direito de gozo, fruição e de disposição sobre coisas móveis, de modo que o mesmo só é violado através de uma acção de subtracção – cfr. C. Colaço, in “O furto no Código Penal e no Projecto”, 1981, pág. 59 e ss. Convém desde logo salientar que o crime de furto é necessariamente doloso, sendo que o dolo, como resulta do disposto no artigo 14º do Código Penal, é constituído por dois elementos: o intelectual ou cognoscitivo e o emocional ou volitivo. O elemento intelectual ou cognoscitivo circunscreve-se, por um lado, à previsão pelo agente do facto ilícito com todos os seus elementos integrantes e, por outro, à consciência de que esse facto é censurável. O elemento emocional ou volitivo consubstancia uma especial direcção de vontade traduzida na realização do facto ilícito previsto pelo agente e que se pode traduzir: (i) num querer o resultado da conduta (dolo directo); (ii) na previsão do facto criminoso como consequência necessária da sua conduta, e a não abstenção dessa mesma conduta, embora o agente não tivesse em vista o cometimento do facto criminoso (dolo necessário); na previsão do facto criminoso como consequência possível da sua conduta, conformando-se com essa possibilidade, embora não querendo directamente o resultado dessa acção (dolo eventual). De acordo com o artigo 203º nº 1 do Código Penal, o crime de furto é constituído pelos seguintes elementos: a subtracção, o carácter alheio de coisa móvel, a ilegítima intenção de apropriação. Ora, quanto ao conceito de coisa móvel alheia, dever-se-á entender que é toda e qualquer coisa (um pedaço da realidade que ocupa espaço) que seja susceptível de ser deslocada espacialmente e que esteja ligada, por uma relação de interesse, a uma pessoa diferente daquela que pratica a infracção (cfr. José de Faria Costa, in Comentário Conimbricense do Código Penal, II vol., pág. 40-41). A ilegítima intenção de apropriação deve ser vista como a vontade intencional do agente de se comportar, relativamente a coisa móvel, que sabe não ser sua, como seu proprietário, querendo, assim, integrá-la na sua esfera patrimonial ou na de outrem, manifestando, assim, em primeiro lugar, uma intenção de desapropriar terceiro (cfr. ob. cit., pág. 33). Por seu lado, a subtracção “traduz-se em uma conduta que faz com que a coisa saia do domínio de facto do precedente detentor ou possuidor. Implica, por consequência, a eliminação do domínio de facto que outrem detinha sobre a coisa” (cfr. José Faria de Costa, in Comentário Conimbricense do Código Penal, II vol., pág. 45). Discute-se na Doutrina, no entanto, qual o momento em que se verifica a quebra, por parte do agente, da posse que sobre a coisa era exercida pelo seu detentor e a integração da coisa na sua esfera patrimonial ou de terceiro, tendo surgido várias teorias: a da “illatio” (esconder, pôr em segurança), da “ablatio” (levar, retirar), da “amotio” (agarrar) e da “contrectatio” (tocar). No início do século passado ainda era seguida a teoria da “contrectatio”, bastando apenas o contacto físico do agente com a coisa para se verificar o momento consumativo; no entanto, esta teoria acabou por ser suplantada pelas outras três. Para a teoria da “amotio” não basta o simples contacto material com a coisa, sendo necessário que esta fique sob o controle de facto “exclusivo” do seu novo detentor, ou pelo menos este há-de ter algum poder sobre ela quando a desloca do seu lugar originário. A teoria da “ablatio” exige uma actividade posterior à deslocação da coisa do seu lugar originário, ficando o objecto fora da esfera de custódia do seu proprietário. A teoria da “illatio” exige para a consumação, que o agente detenha a coisa em pleno sossego. Ora, o Código Penal Português, segundo a corrente que acabou por se impor na jurisprudência dos nossos tribunais, “repudia a tese de consumação do furto que exige que a coisa entre pacificamente na esfera da disponibilidade do ladrão e esteja em sua mão em pleno sossego, nomeadamente nos casos de fuga, perseguição e transporte após a apreensão, tese que não protege eficazmente o direito da vítima” (cfr. por ex., Acórdão da Relação de Lisboa de 01/06/1983, BMJ 335-331). Ou seja, actualmente, é exigido não só o desapossamento como também a integração da coisa no âmbito patrimonial do ladrão; no entanto, é indiferente o período de tempo em que a coisa esteja no seu âmbito patrimonial (neste sentido, cfr. entre outros, Ac. STJ de 06/01/1984, BMJ nº 338, pág. 212; Ac. do STJ de 13/01/1988, BMJ nº 373, pág. 279; Ac. do STJ de 26/01/1995, Acs. STJ III, 1, 190; Ac. do STJ de 22/05/1997, Acs. STJ, V, 2, 224; Ac. do STJ de 12/01/2000, proc. Nº 17/99; Ac. do STJ de 06/06/2001, proc. nº 1073/01-3). Assim, logo que a coisa subtraída passa da esfera do poder do seu detentor para a esfera do poder do agente, o crime tem-se por consumado, nesse momento se verificando a lesão do interesse tutelado. A consumação de que se trata é a consumação formal ou jurídica, a qual não depende de o agente haver conseguido a sua meta, pois somente supõe que se realizem todos os elementos constitutivos do tipo. Já a consumação material do delito (crime exaurido) consistirá na produção de todos os efeitos ou consequências que, não sendo embora exigidos como elementos essenciais do tipo legal do crime, constituem a plena realização do objectivo pretendido pelo agente. Acresce que, nos termos das disposições conjugadas dos arts 204º, nº 2, al. e) e 202º, al. d) e e), ambos do Código Penal, o furto é qualificado quando o agente, para o praticar, penetre em habitação ou estabelecimento comercial arrombamento, escalamento ou chaves falsas. Sendo que escalamento é a introdução por local não destinado normalmente à entrada, nomeadamente através de janelas e arrombamento é o rompimento, fractura ou destruição, no todo ou em parte, do dispositivo destinado a fechar ou a impedir a entrada. Ao nível subjectivo, para além de ilegítima intenção de apropriação, exige-se dolo por parte do agente (artº 13º do C.P.) consistindo, este, no conhecimento do carácter alheio da coisa e na vontade de a subtrair, devendo tal conhecimento e vontade abarcar, também, a circunstância qualificativa (artº 14º do C.P.). Face à factualidade provada, os ilícitos em causa subsumem-se a I. Partir a janela para entrar (proc. 1154/23.3...) II. Subir e saltar o muro com vedação de cerca de 2 metros de altura e arrombar as portas (proc. 739/23.2...) III. Entrar pela janela de um dos quartos que se encontrava com a persiana fechada (proc. 798/23.8...) IV. Subir o muro da residência e partir o vidro da porta das traseiras (proc. 836/23.4...) V. Varanda da residência (1106/23.3...) VI. Subir o muro e partir o vidro da porta da lavandaria (proc. 1140/23.3...) VII. Subir o muro e forçar a porta da residência (proc. 1105/23.5...) pelo que se encontram preenchidas a qualificativas do n.º 2, alínea e) do artigo 204º do Código penal. O arguido actuou com dolo directo (artº 14º, nº 1 do C.P.). Em suma, encontram-se preenchidos todos os elementos objectivos e subjectivos dos crimes em analise. Quanto à escolha e medida da pena, o acórdão recorrido ponderou: O crime de furto qualificado é punido com pena de prisão de dois a oito anos (artigo 202º e 204º., n.º2, alínea e), do Código penal). O crime de furto qualificado tentado é punido com pena de prisão de um mês a cinco anos e quatro meses. (artigo 202º e 204º., n.º2, alínea e) e artigo 73º do Código penal). * Na determinação da medida concreta da pena, importa atender à culpa do agente, às exigências de prevenção de futuros crimes e a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor do agente ou contra ele (artº 71º do C.P.). Pela via da culpa, segundo refere o Prof. Figueiredo Dias (“As Consequências Jurídicas do Crime”, 1993, pág. 239), releva para a medida da pena a consideração do ilícito típico, ou seja, “o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente”, conforme prevê o artº 71º, nº 2, al. a) do C.P. A culpa, como fundamento último da pena, funcionará como limite máximo inultrapassável da pena a determinar (artº 40º, nº 2 do C.P.). A prevenção geral positiva (“protecção de bens jurídicos”), fornecerá o limite mínimo que permita a reposição da confiança comunitária na validade da norma violada. Por último, é dentro daqueles limites que devem actuar considerações de prevenção especial, isto é, de ressocialização do agente (F. Dias, ob. cit., págs. 227 e segs.; Anabela Rodrigues, in R.P.C.C., 2, 1991, pág. 248 e segs.; e Ac. S.T.J. de 9/11/94, B.M.J. nº 441, pág. 145). No caso em análise, são elevadas as necessidades de prevenção geral, quanto a todos os crimes em presença, pelas razões acima referidas e, em especial, pela frequente ocorrência de ilícitos destas naturezas e pelo aumento progressivo que se regista da prática de tais crimes, impondo-se a severidade das penas, como forma de face a esta situação. Atendendo, em cada um dos crimes de furto, ao valor dos respectivos bens furtados e ao modo de execução dos factos, às circunstâncias de cada uma das infracções, aos objectos recuperados, é de concluir que é médio/elevado o grau de ilicitude dos factos e médias as suas consequências. Devendo-se ter presente que a elasticidade da pena decorre, não só do valor das coisas furtadas, mas também da multiplicidade das condutas que se compreendem na previsão das diversas alíneas da norma. Ao nível das exigências de prevenção especial, temos que concluir que à data dos factos, o arguido não estava inserido profissional ou socialmente, tinha fases de consumo de substâncias psicoativas, configurando forte factor de risco, sendo um problema desvalorizado pelo próprio (segundo o Relatório Social). Acresce que já possui antecedentes criminais de igual natureza. Milita, no entanto, a favor do arguido a assunção total dos factos. São, assim, elevadas as exigências de prevenção especial quanto ao arguido. Não podemos olvidar igualmente que, os objectos furtados no processo 1154/23.3... são de valor muito superior aos demais, pelo que importa em relação a este crime uma pena concreta superior. Nestes termos, considera este Tribunal justo, adequado e proporcional a aplicação das seguintes penas parcelares: • a pena de cinco anos de prisão pela pratica de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelo artigo 203º, n.º 1 e 204º, n.º2, alínea e) do Código penal (Processo n.º 1154/23.3...); • a pena de três anos e seis meses de prisão pela prática de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelo artigo 203º, n.º 1 e 204º, n.º2, alínea e) do Código penal (Processo n.º 739/23.2...); • a pena de três anos e seis meses de prisão pela prática de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelo artigo 203º, n.º 1 e 204º, n.º2, alínea e) do Código penal (Processo n.º 798/23.8...); • a pena de três anos e seis meses de prisão pela prática de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelo artigo 203º, n.º 1 e 204º, n.º2, alínea e) do Código penal (Processo n.º 836/23.4...); • a pena de três anos e seis meses de prisão pela prática de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelo artigo 203º, n.º 1 e 204º, n.º2, alínea e) do Código penal (Processo n.º 1140/23.3...); • a pena de um ano e seis meses de prisão pela pratica de um crime de furto qualificado na forma tentada, previsto e punido pelo artigo 203 e 204º, n.º2, alínea e) e 22º do Código Penal (processo n.º 1106/23.3...). • a pena de um ano e seis meses de prisão pela pratica de um crime de furto qualificado na forma tentada, previsto e punido pelo artigo 203 e 204º, n.º2, alínea e) e 22º do Código Penal (processo n.º 1105/23.5...). * Determinadas as penas (parcelares) dos crimes cometidos pelo arguido, importa determinar a pena do concurso, em ordem a condenar o arguido numa pena única, em conformidade com o disposto no artº 77º, nº 1 do C.P. (cfr. Ac. do S.T.J. de 24/03/99, in C.J., tomo I, pág. 255). Nos termos do artº 77º, nº 2 do C.P., “a pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão (…); e como limite mínimo a mais elevada das penas concretas aplicadas aos vários crimes. No caso sub judice, O arguido praticou sete crimes de igual natureza no espaço temporal de cerca de dois meses. Já foi condenado por duas vezes pelo mesmo tipo de crime. Assim, a moldura abstracta da pena única a aplicar ao arguido tem como limite mínimo cinco anos de prisão e como limite máximo 22 (vinte e dois) anos de prisão. Dentro de cada uma das molduras encontradas, é determinada a pena concreta do concurso, a aplicar ao arguido, tomando em consideração, em conjunto, os factos e a personalidade do respectivo agente (artº 77º, nº 1 do C.P.). Assim, e à luz dos critérios supra expostos, tendo em consideração, no seu conjunto, os factos praticados pelo arguido (crimes de igual natureza e praticados em diversas ocasiões) e a personalidade revelada pelo mesmo e acima já referida, entendemos adequado e proporcional fixar a pena única: - do arguido, em 13 (treze) anos de prisão; *** 1. Nulidade do acórdão É jurisprudência constante e pacífica que o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas na motivação (art.s 403º e 412º do Código de Processo Penal), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso. Embora o Recorrente não tenha arguido expressamente a existência de nulidades ou vícios, face à posição assumida pelo Ex.mo Procurador-Geral Adjunto, justifica-se uma análise mais detalhada à existência das referidas nulidade e vício, aliás, de conhecimento oficioso (art.s 379º nº 2 e 410º do Código de Processo Penal3). * Sustenta o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto que “o Tribunal “a quo” não dedica, pois, uma linha que seja à tentativa (e à sua punibilidade) da prática dos referidos crimes de “furto qualificado”, não sendo, evidentemente, de concluir que tal argumentação se extrai a contrario sensu, da demonstração do momento da consumação da subtracção. (…) E, nesse corolário, o arguido, ora recorrente, vem, precisamente (no reverso do iter criminis) – em espaço de discussão que porventura entendeu como virgens –, suscitar a questão da distinção entre a tentativa e a os actos preparatórios, não puníveis, pugnando por que, no caso, apenas estes foram cometidos. (…) Padece, nesta parte, a douta decisão recorrida da nulidade de falta de fundamentação, vício que deverá ser declarado, com a correspondente anulação parcial, para sanação (cfr, arts. 374º/2 e 379º/1-a) e 2 do Código de Processo Penal). Vejamos. É certo que os actos decisórios são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão (art. 97º nº 5 do Código de Processo Penal, na decorrência do art. 205º da Constituição da República Portuguesa) e que sobre as sentenças e acórdãos impende um dever de fundamentação acrescido que resulta linearmente do disposto no art. 374º do Código de Processo Penal e da consequência do desrespeito desse dever de fundamentação poder acarretar a nulidade de conhecimento oficioso (art. 379º do Código de Processo Penal). Porém, a regra imposta pelo art. 379º nº 2 do Código de Processo Penal é que as nulidades devem ser supridas pelo tribunal de recurso, mormente sobre os fundamentos de direito, Nos termos do art. 379.º, n.º 2, do CPP, sobre o tribunal de recurso impende a obrigação de suprir as nulidades de que padeça a sentença recorrida, a menos que a nulidade só seja susceptível de suprimento pelo tribunal recorrido, sendo certo que exigindo-se uma maior explicação de uma questão jurídica, pode o Supremo suprir essa deficiência/insuficiência de fundamentação, justificando juridicamente a decisão 4. Por outro lado, de acordo com a jurisprudência constante deste Supremo Tribunal, omitir pronúncia sobre determinada questão é nada dizer sobre a mesma, não tomar sobre essa concreta questão, substantiva ou processual, qualquer posição, expressa ou implícita, mas claramente entendível5. Estão em causa os crimes dos proc.s 1106/23.3... e 1105/23.5... (factos provados 33 a 36 e 47 a 50). Ora, in casu, embora sintética, a fundamentação de direito decorre da referência ao disposto nos art.s 22º, 23º e 73º do Código Penal e também, da definição do momento da consumação do crime. Por outro lado, factualmente, a existência de actos de execução está explanada nos factos provados supra referidos. A lei não impõe uma fundamentação exaustiva de cada questão. Depende das circunstâncias do caso concreto. No caso dos autos, em que o arguido não apresentou contestação e a prova se baseou essencialmente na sua confissão, inclusivamente no que respeita aos factos em apreço, salvo o devido respeito, as considerações tecidas constituem fundamentação suficiente da questão em apreço. Sem embargo, tendo sido suscitadas em sede de recurso questões relativas à idoneidade dos actos praticados como actos de execução, não deixarão as mesmas de ser conhecidas, por força do princípio iura novit cura. Não se verifica, pois, a invocada nulidade nem, analisado o acórdão recorrido, qualquer nulidade de conhecimento oficioso. 2. Vícios da decisão Considera o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto que: Face à condenação pelos referidos crimes de “furto qualificado” na forma tentada, a consistência lógico-jurídica dessa incriminação (e a sua fundamentação) pressupunha levar à discussão e à deliberação do Colectivo – com expressão no Acórdão proferido – a realidade, essencial, acerca dos concretos actos em que se revelou a tentativa. Sendo o Direito por essência a Ciência do facto, vista a matéria-de-facto provada, parece inevitável concluir que não foi dada a devida relevância lógica e fáctico-normativa a tal matéria (na sequência, aliás, da acusação deduzida) (…) Questiona-se: - No primeiro caso, subiu mesmo à varanda, e como, ou tratava-se de uma varanda ao nível do piso térreo ou com escadas de acesso, com a porta de entrada e saída da casa? - De que forma (e com que meios) é que o arguido tentou forçar e tentou entrar, e se as portas (com painéis de madeira ou metal ou vidro?) estavam fechadas à chave ou trancadas? Segundo cremos, com todo o respeito, são estas questões que nos parece que o Colectivo menosprezou na discussão da causa e no Acórdão proferido, mas que se mostram relevantes à decisão clara e assertiva sobre: - Quanto à primeira questão, se ocorreu o acto qualificativo do escalamento (cfr, os arts. 202º/2-e) e 204º/2-e) do Código Penal); - Quanto à segunda questão – concedendo quanto à natureza conclusiva e tautológica do arranjo narrativo do facto –, se de tal modo e com tais meios era possível ou impossível (ou, até, manifestamente impossível) a entrada nas residências em causa (cfr, o art. 23º/3 do Código Penal). São, em síntese, factos essenciais – e não se somenos importância – e a uma decisão justa e criteriosa que não constam do elenco dos “provados” ou não “provados”, assim obstando a um juízo seguro e criterioso de condenação ou absolvição (ou de punição) pela prática dos crimes em causa (para além de potenciarem uma fundamentação de direito – clara e eficaz, porque convincente – nesta matéria). Como resulta, então, do próprio texto da decisão recorrida, no seu cotejo com as regras da experiência comum, o tribunal “a quo” não incluiu na discussão da causa, nem formou a sua livre convicção sobre factos cuja consideração era essencial a uma correcta, justa e criteriosa decisão de direito. O Acórdão do Colectivo padece, pois, do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, previsto na disposição do art. 410º/2-a) do Código do Processo Penal, a ser sanado com o reenvio do processo para novo julgamento, apenas relativamente às questões acima enumeradas, conforme o disposto nos preceitos dos arts. 426º/1 e 434º do mesmo diploma legal. Estabelece o art. 410º nº 2 do Código de Processo Penal que, mesmo nos casos em que a lei restringe a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum: a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão; c) Erro notório na apreciação da prova. Decorre da própria letra da lei que o vício deve resultar “do texto de decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum” (art. 410º nº 2 do Código de Processo Penal). Assim, em qualquer das apontadas hipóteses, o vício tem que resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo por isso admissível o recurso a elementos àquela estranhos, para o fundamentar, como, por exemplo, quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento6. Existe o vício previsto na alínea a) do nº 2 do art. 410º do Código de Processo Penal quando a factualidade dada como provada na sentença não permite, por insuficiência, uma decisão de direito ou seja, quando dos factos provados não possam logicamente ser extraídas as ilações do tribunal recorrido. A insuficiência da matéria de facto determina a incorrecta formação de um juízo, porque a conclusão ultrapassa as respectivas premissas7. Dito de outro modo: quando a matéria de facto provada não basta para fundamentar a solução de direito e quando não foi investigada toda a matéria de facto com relevo para a decisão8. A insuficiência para a decisão da matéria de facto como vício, com as consequências que determina – reenvio para novo julgamento – é um vício de lógica jurídica ao nível da matéria de facto e exige a impossibilidade de permitir uma qualquer decisão segundo as várias soluções plausíveis para a questão. Diversamente, a não suficiência dos factos provados para a decisão, ainda permite uma decisão, embora diversa da que foi tomada. “Se os factos provados permitem uma decisão, não existe insuficiência para a decisão da matéria de facto provada mas, eventualmente, se for o caso, erro de julgamento e de integração dos factos provados9. Tentar tem um significado comum evidente de “fazer esforço ou tratar de conseguir atingir um objectivo”, “usar meios para chegar a um resultado”. Forçar tem o significado comum de “exercer força contra”, “abrir caminho por meio de força” 10. Da factualidade provada não consta nenhuma subida a varanda (no sentido de escalamento) pelo que essa questão não se coloca, extravasando o objecto do processo delimitado pela factualidade constante da acusação que o acórdão recorrido acolheu. Por outro lado, se o arguido tentou forçar a porta é manifesto que a mesma não estava aberta. Por fim, refira-se que, como ficou provado em ambos os casos a acção foi interrompida pela intervenção dos proprietários. Assim, o “pedaço de vida” destacável do comportamento do arguido, que vai ser sujeito a um juízo de subsunção jurídico-penal está suficientemente delimitado na factualidade em apreço sem necessidade de maiores detalhes. A questão da qualificação jurídica será abordada posteriormente, na medida em que o Recorrente a questiona. * Para além do vício invocado e já apreciado, no caso dos autos, da leitura do texto da sentença, por si só ou conjugada com as regras da experiência e o senso comum, não resulta a evidência de qualquer dos vícios do art. 410º do Código de Processo Penal. Efectivamente, a decisão da matéria de facto provada, aparece fundamentada em elementos probatórios bastantes, permitindo a correcta formação de um juízo fundamentador da decisão de direito, não se vislumbrando qualquer contradição entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a factualidade e a motivação, nem ocorrendo qualquer vício de raciocínio na apreciação das provas. Dito de outro modo, da análise da sentença recorrida resulta uma apreciação livre da prova, “vinculada aos princípios em que se consubstancia o direito probatório e às normas da experiência comum, da lógica, regras de natureza científica que se devem incluir no âmbito do direito probatório”11, não se vislumbrando qualquer ilogicidade na convicção do tribunal a quo nem qualquer violação das regras da experiência: Os factos provados e não provados não conflituam entre si, nem com a motivação e com a decisão e são bastantes para fundamentar a qualificação jurídica dos factos e a decisão e a motivação aparece na sequência lógica da factualidade provada e não provada, clarificando e esclarecendo a convicção do tribunal de acordo com as regras da experiência. 3. Actos preparatórios ou actos de execução Pretende o Recorrente que os factos dados como provados pelo Tribunal a quo nos processos 1106/23.3..., 1105/23.5... são actos de execução e por isso puníveis como tentativa ou se se tratam de meros actos preparatórios não puníveis. Conclui que com os dados carreados aos autos pelo MP, nem se pode falar na comissão, sob a forma tentada, do crime de furto simples (art. 203º/1 e 2 do CP). Invoca que “(…) a tentativa, exige que a intenção do agente se exteriorize em actos que contenham já, eles próprios, um momento de ilicitude, (…) achando-se tais actos caracterizados nas als. a) a c) do art. 22º do CP (apud CP anotado, de Simas Santos e Leal-Henriques, vol. I, fls. 313. 4ª Edição, Rei dos Livros, 2014), (…) bastando que um acto preencha um elemento constitutivo de um tipo-de-ilícito, (…) ”ou apareça como parte integrante da execução típica” (Figueiredo Dias, in Sumários de Direito Penal, pág. 21) (…) para que se possa falar na verificação do acto de execução previsto na al. a) do mesmo art. 22º do CP, (…) e, logo, na existência de um crime sob a forma tentada, (…) sendo que, como diz Eduardo Correia (in BMJ 143-57): “em rigor poder(ia)á mesmo dizer-se que basta(va) para definir o acto de execução o princípio da alínea a); mas convém que se precise o conceito e para isso lá estão as alíneas seguintes”. (…) Ora, sendo, os elementos constitutivos dos crimes de furto qualificado sob a forma tentada, aqui imputado ao arguido, a penetração em habitação (…), estabelecimento comercial ou industrial ou outro espaço fechado, por arrombamento, escalamento ou chaves falsas (art. 204º/2-e) do CP), (…) preste constatamos que, nenhum dos actos que o MP, nestes dois processos, imputa ao arguido na acusação - entrada no terreno da ofendida, aproximando-se da porta da varanda da residência, tentando entrar na mesma, quando foi surpreendido por DD a qual gritou, tendo o arguido fugido do local, não logrando conseguir os seus intentos, no caso do proc. 1106/23.J...; e, entrar no terreno subindo o muro, aproximando-se da porta de correr da residência e tentando forçar a mesma tentando entrar quando foi surpreendido por EE, tendo fugido do local, no referente ao proc. 1105/23.S... -, se identifica com quanto previsto se acha na dita al. e) do nº2 do art. 204º do CP”, Porém, Uma coisa é a verificação de actos de execução do crime de furto, independentemente da sua qualificação nos termos dos nºs 1 e 2 do art. 204º do Código Penal, outra é a análise das circunstâncias qualificativas do crime. A execução compreende todos os actos idóneos à produção do resultado típico – subtração de coisa móvel alheia, sem violência (furto) – bem como os actos que os antecedem segundo um juízo de normalidade e experiência comum (artigo 22.º, n.º 2, al. b) e c), do Código Penal). Embora a lei não defina actos preparatórios, consideramos, como referencial, a sua definição constante do art. 14º do Código Penal de 1886: «os actos externos conducentes a facilitar ou preparar a execução do crime, que não constituam ainda começo de execução». No caso em apreço, os actos foram praticados com o propósito de produzir os resultados (típicos) pretendidos. Não restam dúvidas de que o arguido, ora Recorrente praticou actos de execução de tais crimes porque, conforme ficou assente, agiu com o propósito de se apropriar de objectos que aí se encontrassem, o que só não conseguiu porque, em ambas as ocasiões, foi surpreendido pelos proprietários: entrou no terreno, aproximou-se da porta da varanda da residência, tentando entrar na mesma (facto 34 - NUIPC 1106/23.3...) e entrou no terreno subindo o muro, aproximou-se da porta de correr da residência e tentou forçar a mesma tentando entrar (facto 48 - NUIPC 1105/23.5...). Em ambos os casos existem actos já de si ilícitos (entrada nos terrenos contra a vontade dos donos) marcadamente de execução, sempre com o aludido propósito de apropriação. Com efeito, mostram-se perfectibilizados todos os elementos que a lei exige para a sua verificação, a saber: - o arguido decidiu, com ilegítima intenção de apropriação para si, subtrair e deles se tornar dono dos bens que se encontrassem nas residências referidas; - crime que não chegou a consumar-se por circunstancias independentes da sua vontade, mediatizadas no facto de haver sido interrompido pela intervenção dos proprietários. Como afirma o Ministério Público nas suas alegações: «…o arguido ao iniciar os actos de subida do muro adjacente à residência dos ofendidos e ao entrar no terreno da residência destes, dirigindo-se à porta da varanda e à porta de correr (respectivamente) tentado abri-las, dúvidas não subsistem que tais actos se tratam de actos de execução pois tratam-se de actos aptos a colocar em perigo o bem jurídico (in casu o património dos ofendidos), pois não fora a circunstância de o arguido ter sido detetado pelos ofendidos, e aquele teria logrado alcançar os seus intentos de aceder ao interior das respectivas residências e apropriar-se dos bens, objetos e valores que ali se encontrassem». Por outro lado, se tivessem sido praticados apenas actos preparatórios a intervenção dos proprietários, para que os crimes não se consumassem, não se verificaria. Assim, ao entrar nos terrenos, o arguido praticou actos de execução e não actos preparatórios, como pretende o recorrente, estando preenchido o condicionalismo constante das alíneas a), b) e c) do nº 2 do art. 22º do Código Penal 4. Qualificativa da al. e) do art. 204º nº 2 do Código Penal O Recorrente sustenta que com os factos respeitantes ao proc. 798/23.8... (factos 15 a 23) está em causa a prática de um crime p. e p. pelo art. 204º nº 1 al. f) do Código Penal porquanto a conduta do arguido não tem a virtualidade de integrar nenhum dos conceitos jurídicos previstos na al. e) do nº 2 do art. 204º, concretamente, o arrombamento/escalamento/chave falsa, na medida em que “levantar uma persiana para aceder ao interior de uma casa não é, nem arrombar, nem escalar, nem usar chave falsa”. Como sustentam o Ministério Público na sua resposta e o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto no seu parecer, com referência a doutrina e jurisprudência12, decorre do art. 202º al. e) do Código Penal que a introdução em casa pela janela é conduta compreendida na noção de escalamento e já assim era entendido antes da versão do Código Penal de 1995. Aliás, “a definição legal de escalamento corresponde no essencial, à que estava consagrada no CP de 1886. Daí que haja uma tradição sobretudo jurisprudencial, no que se refere à sua definição de conteúdos. Contudo, também aqui – não obstante o que se acabou de dizer – nos devemos guiar por um critério teleológicamente determinado. Vale por afirmar: em casa ou em lugar fechado dela dependente as pessoas introduzem-se, por norma, através da entrada. Ora, quem se introduz naqueles lugares, não utilizando as vias normais ou comuns, pratica um acto de escalamento”13. Consequentemente, não tem razão o Recorrente ao considerar que não se verifica a qualificativa da al. e) do nº 2 do art. 204º do Código Penal. 5. Medida das penas parcelares, da pena única e suspensão da execução da pena Insurge-se ainda o Recorrente contra as penas concretamente aplicada a cada um dos crimes e contra a pena única “estratosférica” por as considerar excessivas, entendendo que, quanto às penas parcelares, o Tribunal a quo não teve em consideração o modo de execução rudimentar; os valores “irrisórios” das quantias em dinheiro de que o arguido se apropriou na generalidade dos furtos; não considerou que todos os bens móveis foram recuperados e bem assim que os valores em dinheiro que não foram recuperados pelos lesados, o arguido os destinou ao seu sustento, concretamente, à sua alimentação - a “fome” – pois o que auferia do seu trabalho não era suficiente para se alimentar e pagar a renda de casa; a recuperação quase integral dos valores subtraídos, com a sua colaboração; a confissão; a sua juventude; bom comportamento prisional; os seus antecedentes criminais. Importa salientar que o Recorrente não questionou os factos provados e que estes delimitam a apreciação a efectuar sobre a medida das penas, sendo certo que não resulta da factualidade provada que que todos os bens móveis foram recuperados; que a parte que não foi recuperada se destinou ao seu sustento, concretamente, à sua alimentação - a “fome” – pois o que auferia do seu trabalho não era suficiente para se alimentar e pagar a renda de casa; bem assim, também não consta da factualidade assente que a recuperação parcial ocorresse com a sua colaboração. * O recurso mantém o arquétipo de remédio jurídico também em matéria de pena e a sindicabilidade da medida concreta da pena em recurso abrange a determinação da pena que desrespeite os princípios gerais respectivos, as operações de determinação impostas por lei, a indicação e consideração dos factores de medida da pena, mas, de acordo com Figueiredo Dias14 não abrangerá a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto de pena, excepto se “tiverem sido violadas regras da experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada”15 reconhecendo-se, assim, uma margem de actuação do juiz dificilmente sindicável se não mesmo impossível de sindicar16. Vejamos então: Como se alcança da fundamentação do acórdão recorrido o tribunal observou os ditames dos art.s 40º e 71º do Código Penal na determinação da medida da pena: O acórdão recorrido, na determinação da medida concreta da pena, atendeu à culpa como limite máximo inultrapassável da pena a determinar, às exigências de prevenção e a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor do agente ou contra ele, observando o disposto no art. 71º do Código Penal. Considerou as elevadas necessidades de prevenção geral, face à frequente ocorrência de ilícitos destas naturezas e pelo aumento progressivo que se regista da prática de tais crimes, teve em conta em cada um dos crimes de furto, o valor dos respectivos bens furtados (em particular, os objectos furtados no processo 1154/23.3... que são de valor muito superior aos demais), o modo de execução, as circunstâncias de cada uma das infracções, os objectos recuperados, concluindo por um grau de ilicitude médio/elevado com consequências médias. Deu o devido relevo às exigências de prevenção especial (desinserção profissional e social, fases de consumo de substâncias psicoativas, como factor de forte risco, desvalorizado pelo próprio e os antecedentes criminais de igual natureza. Por fim, valorou a favor do arguido a assunção total dos factos. Como bem salienta o Ministério Público na sua resposta, os crimes em causa nos autos são muito graves pois atentam não só contra o património dos lesados, mas também, no caso concreto, atentam contra a privacidade e a segurança que os lesados deveriam sentir nas suas habitações; o modus operandi revela uma personalidade do arguido totalmente despreocupada e acrítica quanto à gravidade e às consequências da sua actuação, não podendo deixar de se registar, neste conspecto, que quatro dias depois da tentativa de furto, no dia ........2023, pelas 10:30h na residência de DD, sita na Rua ..., ... (factos 33 a 36) o arguido volta à mesma residência, quatro dias depois, em pleno dia, conseguindo então os seus intentos; o factor diferenciador das penas aplicadas a cada um dos crimes em apreciação foi o valor dos objectos subtraídos e a tentativa. Por outro lado, pese embora a relativa relevância atenuante da assunção da prática dos factos, a desinserção social e profissional e os antecedentes criminais por crimes da mesma natureza, assumindo particular relevância negativa a circunstância dos crimes em apreço terem sido praticados no período de suspensão da execução da pena que lhe foi aplicada pela prática de um crime da mesma natureza (proc. 224/19.7..., decisão proferida em 20.11.2020, transitada em julgado a 5.5.2021). Conclui-se, assim, pelo respeito dos princípios gerais que presidem à determinação da medida da pena e pelas operações de determinação impostas por lei, com a indicação e consideração dos factores de medida da pena, tendo sido sopesadas todas as circunstâncias atendíveis. Resta, então apreciar se as penas parcelares definidas pelo tribunal a quo são excessivas, como sustenta o Recorrente, ou se, ao invés, se mostra justas, adequadas e proporcionais, sendo certo que não sendo caso de manifesta desproporcionalidade17, não se justifica qualquer compressão. A pena de cinco anos de prisão fixada relativamente ao crime de furto qualificado respeitantes ao proc. processo 1154/23.3... (factos provados 1 a 14) situa-se no meio da moldura penal, no que foi tido em consideração o valor especialmente significativo dos objectos subtraídos (€51.740); aos restantes crimes consumados foram fixadas penas no ¼ da moldura penal; aos crimes de furto qualificado na forma tentada também foram fixadas penas pouco acima do ¼ da respectiva moldura . Com o enquadramento efectuado, as penas parcelares mostram-se justas adequadas e proporcionais, plenamente fundamentadas, conforme os critérios plasmados no art. 71º do Código Penal, não merecendo qualquer censura. * Quanto à pena única Pretende o Recorrente que a pena única encontrada é exagerada, “estratosférica”. O acórdão recorrido ponderou na determinação da medida da pena única a personalidade revelada e que está em causa a prática de sete crimes de igual natureza no espaço temporal de cerca de dois meses após já ter sido condenado por duas vezes pelo mesmo tipo de crime. O Ministério Público em 1ª instância concorda com a pena única fixada enquanto o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal considera que a pena única não deve ultrapassar os 10 anos e 6 meses de prisão, fundamentando: Não concorda o recorrente com a pena única aplicada, que considera excessiva, por superior a 05 anos de prisão. Porque, em síntese conclusiva: Confessou os factos; Usou sempre um modus operandi rudimentar; Agiu por necessidade de pagar a renda de casa (“a fome é má conselheira”). Com todo o respeito, entende o Ministério Público que são de desvalorizar tais argumentos: A confissão não passou, claramente, de uma estratégia processual, com propósito suavizador da evidência dos autos de apreensão; O modus operandi era o necessário e o bastante; Se todas as famílias com dificuldades em pagarem a renda de casa optassem por tal caminho, poucas casas haveria já para assaltar – mas o arguido, previdente, retira de uma só casa assaltada um pecúlio superior a 51.000.00€, porventura o bastante para muitas das “rendas” durante quase dez anos. Contudo, entende também o Ministério Público que as concretas circunstâncias da prática dos crimes, com relevância ao nível da formulação dos juízos de ilicitude e de culpa (que constam dos factos-provados e são ponderadas na douta fundamentação) – valoradas, pois, à luz dos critérios tipológicos previstos nas disposições dos arts. 71º e 77º/1 do Código Penal para a determinação da sanção –, permitem a conclusão de que a pena única concretamente aplicada se mostra, adentro da moldura abstracta do concurso (05 a 22 anos de prisão) desproporcionada e excessiva, excedendo, com todo o respeito, a expressão necessária às exigências do princípio da culpa e da prevenção geral e especial – sempre na consideração da globalidade dos factos e da personalidade do arguido (necessidade, adequação e proporcionalidade). Por duas razões essenciais: As penas parcelares já foram fixadas bem perto do limite superior da moldura da ilicitude e da culpa e da prevenção geral e especial (atente-se que nalguns dos “furtos qualificados”, punidos com 03 anos e 06 meses de prisão, estavam em causa bens de valores a rasar o carácter diminuto; A amplitude da moldura penal abstracta tem o seu limite médio, efectivamente, nos 13 anos e 06 meses de prisão, mas, justificar-se-á no caso a aproximação à “regra do terço” (1/3 da pena a somar à mínima) – perante a expressividade das penas parcelares e alguma ponderação comparada que se impõe sempre realizar nesta operação (face a uma política-criminal que se pretende justa). O que, segundo cremos, justificará a redução da pena única a 10 anos e 06 meses de prisão, mormente no desempenho de uma justiça comparativa face a penas que têm sido aplicadas e sancionadas pelos nossos Tribunais em casos de white collor crime, nomeadamente. Veja-se, nesta matéria, o impressivo Ac. do STJ de 06.05.2019, P-765/15.5T9LAG.E1.S1: I - O Código Penal, divergindo de ordenamentos jurídico-penais próximos optou (por razões politico-criminais e de dogmática) pelo sistema de pena conjunta, assente na combinação dos princípios da acumulação material e do cúmulo jurídico. II - Na dosimetria da pena única é considerado o “comportamento global”resultante da ponderação concorrente dos “factos”e da “personalidade”. Não operando por referência a todos os crimes do concurso como se de uma unidade de sentido punitivo se tratasse, mas por referência aos factos e à pena aplicada a cada um e a todos. III- É esta referenciação aos crimes do concurso e às penas parcelares que confere autonomia dogmática ao sistema da pena conjunta e o diferencia do sistema da pena unitária (ou da pena unificada). IV- A avaliação do comportamento “unificado” pelo concurso de crimes deve assentar na ponderação conjugada do número e da gravidade dos crimes e da dimensão das penas parcelares. V- O parâmetro primordial do «modelo» de determinação da qualquer pena judicial é primariamente fornecido pela medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos violados, estabelecendo, em concreto, o limiar mínimo abaixo do qual se perde aquela função tutelar. VI- Todavia, a absolutização desta finalidade, (da defesa da sociedade e da prevenção do crime), tendencialmente associada ao caráter mais ou menos drástico das reacções criminais, não seria compatível com a dignidade humana. VII- Se a determinação de qualquer pena deve ser orientada pelo princípio da proporcionalidade (à gravidade do crime, ao grau e intensidade da culpa e às necessidades de reintegração do agente), essa orientação deve ser especialmente ponderada na pena única, porque a moldura do concurso pode assumir amplitude enorme, e atingir limiar superior muito elevado, não raro, igual ao máximo de pena consentida, e também porque os crimes englobados podem incluir, fenomenologias de diferente hierarquia. VIII- Não através do que ao julgador subjectivamente possa parecer a justa medida, mas como produto da objectiva e justificada comparação ou equivalência entre o desvalor legalmente atribuído aos factos contidos no “comportamento global” que sobreleva dos crimes em concurso, do número e dimensão das penas parcelares, da gravidade da pena única e das finalidades da punição. IX- Sempre que tiver de convocar-se o princípio da «justa medida», impõe-se fundamentar o procedimento que conduziu à obtenção do juízo da desproporcionalidade da pena e da dimensão do correspondente excesso, enunciando o juízo comparativo efectuado e demonstrar as razões convincentes e o suporte normativo que podem justificar a intervenção correctiva e respetiva amplitude –art. 205º n.º 1 da Constituição da República. Diga-se, desde já que concordamos com a posição do Ex.mo Procurador-Geral Adjunto. Os critérios para a fixação da pena única devem reflectir uma ponderação das “características da personalidade do agente, em termos de revelar ou não tendência para a prática de crimes ou de determinado tipo de crime, devendo a pena única reflectir essa diferença em termos substanciais”, sendo essencial considerar o tipo de criminalidade em causa e efectuar uma “conveniente avaliação da totalidade dos factos como unidade de sentido, enquanto reportada a um determinado contexto social, familiar e económico e a uma determinada personalidade”. “Na avaliação desta personalidade unitária do agente, releva, sobretudo «a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma “carreira”) criminosa, ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização.» Por conseguinte, a medida da pena do concurso de crimes tem de ser determinada em função desses factores específicos, que traduzem a um outro nível a culpa do agente e as necessidades de prevenção que o caso suscita” 18. A pena única fixada no acórdão recorrido aproxima-se do ponto intermédio da moldura da pena única. Porém, os factos inculcam a ideia de uma pluriocasionalidade (após um curto período em que praticou crimes em 2019, no espaço de pouco mais de 2 meses o arguido cometeu uma série de sete crimes contra a propriedade, de forma homogénea). Não se justifica, por isso, que a pluralidade dos crimes tenha um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta, como se disse. Situando-se a generalidade das penas parcelares na proximidade do ¼ da moldura, neste contexto de pluriocasionalidade, não se justifica uma pena única que ultrapasse os 10 anos e 6 meses de prisão, que se mostra justa – proporcional, adequada e necessária – e conforme aos critérios plasmados no art. 71º do Código Penal, na consideração do facto global, da gravidade desse ilícito global e por referência à personalidade unitária do arguido, ora Recorrente. Nesta parte e nesta medida merece provimento o recurso interposto. * Face à medida da pena única, por ser aplicada pena única superior a 5 anos, não é possível a suspensão da sua execução face ao disposto no art. 50º do Código Penal, devendo nesta parte, improceder a pretensão do recorrente nesta parte. 6. Aplicação da Lei 38-A/2023 de 2.8 Nos termos do art. 14º da Lei 38-A/2023 de 2.8 cabe ao juiz da instância do julgamento e não ao Supremo Tribunal de Justiça a competência para aplicar o perdão de penas, conforme jurisprudência sedimentada deste Tribunal19. Assim, observando a idade do arguido e a data da prática dos factos provados 7 a 14, caberá ao tribunal a quo ponderar da aplicação do perdão e reformulação do cúmulo jurídico. III – DECISÃO Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes da 3ª Secção Criminal deste Supremo Tribunal de Justiça em: A) Conceder provimento parcial ao recurso interposto pelo arguido AA e, consequentemente em condená-lo na pena única de dez anos e seis meses de prisão; B) Manter no mais a decisão recorrida; C) O tribunal recorrido procederá à ponderação sobre a eventual aplicação da Lei 38-A/2023 de 2.8 (perdão de penas e amnistia de infrações), face à idade do arguido e à data da prática dos factos provados 7 a 14 e sobre a necessidade de subsequente reformulação do cúmulo jurídico. Sem custas. Lisboa, 15 de Janeiro de 2025 Jorge Raposo (relator) José Carreto Carlos Campos Lobo __________
1. Diário da República n.º 120/2017, Série I, de 23.6.2017. 2. Acórdão de Fixação de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça 5/2017, publicado no Diário da República n.º 120/2017, Série I de 23.6.2017. 3. Acórdão de Fixação de Jurisprudência n.º 7/95, de 19.5.1995, publicado na Iª série do Diário da República de 28.12.1995. 4. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 4.11.2015, no proc. 8/13.6MACSC.L1, de 9.6.2021, no proc. 24/19.4PBPTM.S1, de 16.2.2022, no proc. 333/14.9TELSB.L1-A.S1 e de 26.5.2021, no proc. 1/18.2SOLSB.S1. 5. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16.2.2022, no proc. 333/14.9TELSB.L1-A.S1. 6. Maia Gonçalves, Código de Processo Penal Anotado, 10ª ed., pg. 729, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, Verbo, 2ª ed., pg. 339 e Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6.ª ed., pg.s 77 e ss. 7. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13.05.1998, Proc. nº 98P212. 8. Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6.ª ed., pg. 69. 9. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27.5.2009, Proc. 58/07.1PRLSB.S1. 10. Ambos os significados pesquisados no Dicionário Priberam on line. 11. Prof. Cavaleiro Ferreira, em Curso de Processo Penal, 1986, 1° vol., pg. 211. 12. Nomeadamente: Ac. do STJ de 19.01.1999, CJ, VII, I, 196; Acórdão do Tribunal da Relação do Porto nº 9150177; Ac. do TRE nº 72/07.7GBMMN.E1, Comentário do Código Penal de Paulo Pinto de Albuquerque, UCE, Edição de Dezembro 2008, fls. 548, com referência aos acórdão do STJ, de 4.10.2000, in CJ, Acs do STJ VIII, 3, 189 e acórdão do TRP de 06-01-1998, in CJ, XIII, 1, 219 13. Faria Costa, Comentário Conimbricense do Código Penal, T II, 1999, pg. 17. 14. Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, 2ª reimpressão, 2009, §255, pg. 197. 15. Neste sentido também os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 15.10.2008 e 11.7.2024, respectivamente nos proc.s 08P1964 e 491/21.6PDFLSB.L1.S1. 16. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 4.3.2004, CJ 2004, 1, pg. 220 e de 20.2.2008, proc. 07P4639. 17. “A restrição do direito à liberdade, por aplicação de uma pena (artigo 27.º, n.º 2, da CRP), submete-se, assim, tal como a sua previsão legal, ao princípio da proporcionalidade ou da proibição do excesso, que se desdobra nos subprincípios da necessidade ou indispensabilidade – segundo o qual a pena privativa da liberdade se há-de revelar necessária aos fins visados, que não podem ser realizados por outros meios menos onerosos, – adequação – que implica que a pena deva ser o meio idóneo e adequado para a obtenção desses fins – e da proporcionalidade em sentido estrito – de acordo com o qual a pena deve ser encontrada na justa medida, impedindo-se, deste modo, que possa ser desproporcionada ou excessiva” (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 3.12.2020, proc. 565/19.3PBTMR.E1.S1) 18. Conselheiro António Artur Rodrigues da Costa em “O Cúmulo Jurídico na Doutrina e na Jurisprudência do STJ”, texto disponível in http://www.stj.pt/ficheiros/estudos /rodrigues_costa_cumulo_juridico. pdf, pg. 12. 19. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 27.9.2023, proc. 179/22.0PSLSB.S1; de 14.12.2023, proc. 130/18.2JAPTM.2.S1; de 3.7.2024, proc. 60/20.8PJLRS.S1 |