Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
98S239
Nº Convencional: JSTJ00036022
Relator: DINIZ NUNES
Descritores: NOTA DE CULPA
NOTIFICAÇÃO À PARTE
NOTIFICAÇÃO POSTAL
Nº do Documento: SJ199901130002394
Apenso: 1
Data do Acordão: 01/13/1999
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL PORTO
Processo no Tribunal Recurso: 32/98
Data: 03/02/1998
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Área Temática: DIR TRAB - CONTRAT INDIV TRA.
Legislação Nacional: DL 64-A/89 DE 1989/02/27 ARTIGO 10.
Sumário : I - A nota de culpa, no caso de não ser entregue em mão ao trabalhador arguido, deverá ser-lhe remetida por meio de carta registada com aviso de recepção para a sua morada.
II - O que interessa para assegurar o princípio do contraditório é a possibilidade de defesa do arguido, não sendo de exigir que este o faça efectivamente.
III - Tem de considerar-se como tendo tomado conhecimento da nota de culpa o arguido a quem foram remetidas duas cartas registadas com aviso de recepção, cada uma delas para as residências por ele deixadas na entidade empregadora, cartas que vieram devolvidas com a indicação de "não reclamada", a enviada para uma das moradas, e de "não atendeu", a outra.
Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

A intentou no Tribunal de Trabalho de Vila Nova de Gaia, acção declarativa emergente de contrato de trabalho, com processo ordinário, contra B, alegando em síntese:
Foi a A. admitida ao serviço da R., por meio de contrato de trabalho celebrado sem prazo, em 1 de Março de 1973.
Em 7 de Agosto de 1995, a R. suspendeu verbalmente a A. do exercício das suas funções, sem perda de retribuição, invocando como motivo a instauração de um processo disciplinar.
Até à presente data, 7 de Maio de 1996, nada mais soube a A. qual o resultado desse processo, se foi ou não arquivado, ou se lhe foi aplicada alguma sanção, sabendo apenas que a partir de 31 de Janeiro de 1996, a R. deixou de lhe pagar o seu salário, tendo ouvido rumores de que tinha sido despedida.
Após a suspensão da A. por parte da Ré do exercício de suas funções, o estado mental e psicológico da A., que desde Junho de 1995 vem apresentando sintomas disfuncionais, agravou-se e ainda hoje apresenta problemas a nível psicológico, tendo muita dificuldade em perceber e desempenhar certas tarefas da vida social, por mais simples que sejam.
A A. nunca recebeu da R. qualquer nota de culpa nem foi sequer notificada de qualquer decisão ou sanção aplicada na sequência da instauração do processo disciplinar.
Sempre a A. desempenhou as suas funções com grande dedicação, responsabilidade, capacidade e lealdade para com a R., pelo que haverá falta de fundamento para despedimento.
Terminou por pedir que, declarada a ilicitude do despedimento seja a Ré condenada:
a) A reintegrar a A. sem prejuízo da sua antiguidade e categoria e a pagar-lhe todas as prestações salariais e outros vencidas até ao momento da reintegração, ou:
b) Se a A. assim optar, nas mesmas prestações salariais vencidas até à decisão judicial e em legal indemnização de um mês de salário por cada ano de serviço.
Contestou a demandada dizendo que instaurou à A. um processo disciplinar, no qual foi elaborada nota de culpa, que a Ré tentou comunicar à A. bem como a intenção de a despedir pelos motivos constantes da mesma, enviando-a para a morada que a A. fornecera como sendo a sua, a qual foi devolvida. Foi ainda expedida nova carta igual para uma outra morada que a A. lhe deixou em Junho de 1995.
À Ré não é, pois imputável que a A. não tenha recebido a nota de culpa/intenção de despedimento. De resto sabe a Ré que a A. tomou conhecimento dessa nota de culpa mas decidiu não apresentar defesa.
Depois de articular factos tendentes a demonstrar o grau de gravidade e de culpa da A. e a impossibilidade da manutenção da relação de trabalho, finalizou pela improcedência da acção com a consequente absolvição.
Foi proferido o despacho saneador e organizou-se a especificação e o questionário, ficando aquela irrecorrida e estes irreclamados.
Após audiência de discussão e julgamento e da decisão da matéria de facto, lavrada foi sentença que, julgando a acção improcedente, absolveu a Ré do pedido.
Inconformada com esta sentença interpôs a A. apelação para a Relação do Porto que, por acórdão de 2 de Março de 1998, negou provimento ao recurso, confirmando integralmente a decisão recorrida.
De novo irresignada traz a A. a presente revista, em cuja alegação formula as seguintes conclusões:
a) Foi violado o princípio do contraditório, previsto no n. 1 e n. 4 do Artigo 10. do Decreto-Lei n. 64-A/89 de 27 de Fevereiro.
b) Foi violado o direito de defesa do Artigo 53 da Constituição da República e 10 e 11, do Decreto-Lei n. 64-A/89 de 27 de Fevereiro.
c) Não existiu notificação da Arguida da nota de culpa, com violação das disposições previstas no processo penal e processo civil, respeitante à matéria das notificações, designadamente da afixação dos editais.
Sustentando a nulidade do processo disciplinar, concluiu pela revogação do aresto sob recurso.
Contra-alegou a recorrida rematando como segue:
1. A A. apenas por sua exclusiva culpa não recebeu a "nota de culpa" que lhe foi enviada pela Ré;
2. As cartas endereçadas pela R. à A. foram para as moradas indicadas pela própria A;
3. Nos termos do disposto no n. 3 do artigo 17 do Regulamento Disciplinar anexo ao Acordo de Empresa da B, em vigor à data dos factos: "No caso de ausência do arguido em parte incerta, a notificação será feita por edital, a fixar à porta do seu último local de trabalho";
4. O Sindelteco, Associação Sindical em que a A. está filiada, deu-lhe conta do conteúdo da nota de culpa;
5. Não houve violação do Princípio do Contraditório;
6. Apenas e tão só o desinteresse da A. em defender-se;
7. O processo disciplinar instaurado contra a A. não padece de qualquer vício sendo, por isso, o seu despedimento lícito;
8. A douta sentença proferida não violou quaisquer disposições legais, nomeadamente o artigo 10 n. 1 e n. 4 do Decreto-Lei n. 64-A/89.
O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de ser negada a revista.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
Começaremos por transcrever os factos dados como provados na 1. instância e aceites pelo acórdão recorrido, a saber:
1) A autora foi admitida ao serviço da Ré em 1 de Março de 1973 e esteve ao seu serviço, ininterruptamente, desde aquela data até 31 de Janeiro de 1996 exercendo funções na Rua João de Deus, 636, Porto.
2) Foi admitida ao serviço da Ré para o desempenho actualmente, das funções de Tag - Técnico Administrativa de Apoio à Gestão, sob as ordens e instruções, com material, utensílios e instalações fornecidos e pertença da entidade patronal sendo a retribuição a que esta estava obrigada constituída por salário mensal (incluindo diuturnidades), férias subsídio de férias e Natal iguais cada um e em cada ano à retribuição de um mês.
3) A organização da Ré tem como fim a exploração de redes de Telecomunicações (antigos TLP - Telefones) para além de prestações de serviços variados ligados às Telecomunicações.
4) A autora desempenhava as funções no estabelecimento da Ré.
5) A retribuição da autora assentava no salário mensal e respectivos subsídios (férias e Natal) que era em Janeiro de 96 de 151612 escudos.
6) A partir de 31 de Janeiro de 1996 a Ré deixou de pagar à autora o respectivo salário como o vinha fazendo até à data por transferência bancária.
7) Com data de 7 de Agosto de 1995 a Ré elaborou a nota de culpa que se encontra junta aos autos a folhas 37 a 40 (arguida a autora) cujo conteúdo dou aqui como integralmente reproduzido.
8) Na sobredita nota de culpa a Ré determinou a suspensão preventiva da autora a partir da notificação da mesma.
9) O dito documento foi endereçado em 7 de Agosto de 1995, pelo correio carta registada com AR, pela Ré à autora para a seguinte direcção:Rua Augusta Nogueira, n. 56, habitação 1-r/c Santa Marinha / Vila Nova de Gaia.
10) A referida carta veio devolvida com a menção de não reclamada lançada no seu rosto.
11) A Ré endereçou de novo a dita nota de culpa à autora agora em 22 de Agosto de 1995 e para a seguinte direcção: Rua do Pinhal, casa n. 3, Soito, Sabugal.
12) A missiva aludida na alínea antecedente veio também devolvida designadamente com a menção de que - não atendeu às 9,15 horas de 8 de Agosto de 1995.
13) O instrutor do p. disciplinar em causa elaborou, no respectivo processo, a nota que se pode ler a folha 59 (contacto telefónico com o Sr. Ismael).
14) Em conclusão do processo disciplinar a Ré elaborou a decisão final que se encontra junta aos autos a folhas 64 a 71, cujo conteúdo deu aqui como reproduzido, na qual aplicou à autora a sanção de despedimento com justa causa.
15) A Ré endereçou à autora a supra referida decisão final pelo correio (folhas 72, 78 e 79) e para a seguinte direcção: Rua Augusto Nogueira, n. 56, r/c, Fracção A1, Vila Nova de Gaia.
16) A supra referida carta foi devolvida (folha 79) designadamente com a menção de - não reclamada 21 de Novembro de 1995.
17) A Ré fez afixar o edital que se encontra junto aos autos a folha 85 cujo conteúdo dou aqui como reproduzido (publicitava-se o despedimento acima referido); a Ré elaborou o termo de afixação junto aos autos a folha 88 (certificava-se que o edital foi afixado no dia 30 de Novembro de 1995 à porta do AONII/FAE; a Ré elaborou também o termo de levantamento junto aos autos a folha 89 (certificava-se que o dito edital foi levantado em 29 de Dezembro de 1995.
18) A morada da Rua Augusto Nogueira foi fornecida pela autora à Ré.
19) A morada do Sabugal foi deixada pela autora na Ré.
20) Houve contactos entre a autora, o seu Sindicato e respectivo advogado sobre o processo disciplinar em questão.
21) À data dos factos por que foi punida a autora desempenhava as suas funções na Rua Tenente Valadim, 431, 6., Porto.
22) No dia 13 de Junho de 1995, pelas 13,30 horas, a autora desferiu um murro no peito da sua colega de trabalho Maria Ivone Barbim Cardoso Almeida que, anteriormente já havia sido insultada por ela.
23) Dessa agressão resultou uma contusão no peito da agredida (o peito ficou vermelho), o que foi observado por elementos do seu serviço nomeadamente o responsável Engenheiro Valentim Pimentel e a empregada Maria Adelina Fonseca, não tendo a lesada em nada contribuído para o facto de ter sido alvo de tal evento.
24) O incidente ocorreu nas instalações supra referidas (Rua Tenente Valadim), local de trabalho de ambas as empregadas, dele se apercebendo a trabalhadora Maria Adelina que, na altura, se encontrava no seu posto de trabalho.
25) No dia 3 de Agosto de 1995, pelas 10,30 horas, a autora voltou a agredir a trabalhadora Maria Ivone Almeida tendo batido com a cabeça desta no tampo da secretária provocando-lhe lesões na testa e no pescoço.
26) Para por termo à agressão de que a Maria Ivone estava a ser vítima por parte da autora tiveram de intervir o empregado Álvaro Abel Pinto Anacleto e o Engenheiro Valentim Pimentel tendo sido necessário, para isso, segurar a autora a qual, nessa altura, atingiu o Engenheiro Valentim com pontapés tendo-lhe ainda cuspido na cara.
27) A autora, na ausência do Engenheiro Valentim (que se afastara para, superiormente, dar conhecimento do que se estava a passar) encaminhou-se para o local onde, entretanto, a Maria Ivone se tinha afastado e apertou-lhe um dos braços.
28) O Engenheiro Valentim, apercebendo-se disso, voltou para trás e interveio no sentido de acalmar a autora a qual, nessa ocasião, lhe fez um arranhão na face esquerda, tendo nessa altura, desferido ainda ao Engenheiro José Manuel de Sousa Gomes Queirós um pontapé no joelho direito.
29) Para afastar a autora do local foi necessário a intervenção de elementos de segurança da Ré que é assegurada pela Securitas.
30) Para o efeito compareceram no local dois vigilantes.
31) Vários empregados da Ré constataram a lesão sofrida pela Maria Ivone no dia 3 de Agosto de 1995.
32) A Maria Ivone e o Engenheiro José Queirós recorrerem aos serviços de urgência do Hospital de Santo António no Porto onde foram assistidos tendo os mesmos apresentado queixa, contra a autora, na Esquadra da P.S.P..
33) A autora é uma pessoa de difícil relacionamento.
34) A autora, nos dois meses antes de Agosto de 1995, entrou no gabinete do Engenheiro Valentim Pimentel e dirigindo-se-lhe disse; "que lá fora lhe batia" e "que podia escrever porque não tinha medo nenhum".
35) Tais expressões foram proferidas em voz alta.
36) O Sindetelco do Porto, Sindicato a que a autora pertence, no sentido de assegurar a defesa da autora, desenvolveu esforços para contactá-la e a mesma, ao comparecer nas instalações da referida associação, além de ter sido incorrecta com quem a atendeu, manifestou desinteresse na elaboração de uma eventual defesa.
Esta a factualidade apurada.
Considerando que o âmbito do recurso é limitado pelas conclusões da alegação do recorrente como é de lei e jurisprudência pacífica, temos que a única questão a decidir funde-se com a notificação da nota de culpa no processo disciplinar instaurado à A.
Sobre a matéria rege o artigo 10, do Decreto-Lei n. 64-A/89, de 27 de Fevereiro.
Estipula o n. 1 do preceito que, nos casos em que se verifique algum comportamento que integre o conceito de justa causa, a entidade empregadora comunicará, por escrito, ao trabalhador que tenha incorrido nas respectivas infracções a sua intenção de proceder ao despedimento, juntou-lhe nota de culpa com a decisão circunstanciada dos factos que lhe são imputáveis.
Estatui o n. 2 que, na mesma data será remetida à comissão de trabalhadores da empresa cópia daquela comunicação e da nota de culpa.
E determina o n. 4 que o trabalhador dispõe de cinco dias úteis para consultar o processo e responder à nota de culpa...
Sendo a nota de culpa um dos elementos essenciais do processo disciplinar, é evidente que a falta da sua entrega ao trabalhador implica a nulidade do processo, conforme dispõe o artigo 12, n. 3, alínea a).
A nota de culpa, no caso de não entregue em mão ao trabalhador, deverá ser remetida por meio de carta registada com aviso de recepção, para a morada do arguido (vide, Abílio Neto, in Contrato de Trabalho - Notas Práticas, 15. edição, página 838).
No caso sub-judice, foram remetidas duas cartas registadas com aviso de recepção para as duas moradas que a A. havia fornecido à Ré as quais vieram devolvidas com as menções de "não reclamado" e "não atendeu".
Não alega a A. que tivesse mudado de residência, que tenha dado à Ré outras moradas ou qualquer outro facto impeditivo do recebimento de qualquer das cartas.
A A., se não tomou conhecimento do conteúdo das cartas, foi pelo facto de as não ter levantado, não podendo imputar à Ré qualquer irregularidade na comunicação da nota de culpa. O que houve foi desinteresse da A. em defender-se, como salienta o Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto, o que aliás voltou a manifestar quando compareceu no Sindicato a que pertence.
O que interessa para assegurar o princípio do contraditório é a possibilidade de defesa da arguida não sendo de exigir que o faça efectivamente.
Por isso, não houve qualquer ofensa ao princípio do contraditório ou preterição do direito de defesa, não podendo agora a A., pelos motivos invocados, alegar que não recebeu a nota de culpa.
Pelo exposto, entende-se que o acórdão recorrido não violou qualquer disposição legal inerente à comunicação da nota de culpa ao arguido, pelo que se acorda em negar a revista, confirmando-se o aresto impugnado.
Custas pela Recorrente.

Lisboa, 13 de Janeiro de 1999
Dinis Nunes,
Manuel Pereira,
José Mesquita.