Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
331/12.7JALRA.S1
Nº Convencional: 5ª SECÇÃO
Relator: ISABEL PAIS MARTINS
Descritores: ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
MATÉRIA DE DIREITO
MATÉRIA DE FACTO
ERRO DE JULGAMENTO
VÍCIOS DO ARTº 410 CPP
REPETIÇÃO DA MOTIVAÇÃO
REJEIÇÃO DE RECURSO
ROUBO AGRAVADO
AGRAVAÇÃO PELO RESULTADO
MORTE
DOLO
NEGLIGÊNCIA
CONCURSO DE INFRACÇÕES
CONCURSO DE INFRAÇÕES
FURTO
ROUBO
HOMICÍDIO
HOMICÍDIO QUALIFICADO
DOLO EVENTUAL
EXEMPLOS-PADRÃO
ESPECIAL CENSURABILIDADE
ESPECIAL PERVERSIDADE
CÚMULO JURÍDICO
PENA ÚNICA
MEDIDA CONCRETA DA PENA
IMAGEM GLOBAL DO FACTO
ANTECEDENTES CRIMINAIS
EVASÃO
ESTABELECIMENTO PRISIONAL
ILICITUDE
CULPA
Data do Acordão: 04/09/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Área Temática:
DIREITO PENAL - FACTO / PRESSUPOSTOS DA PUNIÇÃO / CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DO FACTO / PUNIÇÃO DO CONCURSO DE CRIMES - CRIMES CONTRA AS PESSOAS / CRIMES CONTRA A VIDA - CRIMES CONTRA O PATRIMÓNIO / CRIMES CONTRA A PROPRIEDADE.
DIREITO PROCESSUAL PENAL - RECURSOS.
Doutrina:
- Acta da 2.ª Sessão da Comissão Revisora do Código Penal, de 17 de Março de 1966, Acta n.º 20, de 13 de Dezembro de 1989, da Comissão de Revisão, Actas e Projecto da Comissão de Revisão, Rei dos Livros, p. 188 e ss..
- Conceição Ferreira da Cunha, em Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo II, Coimbra Editora, 1999, comentário ao artigo 210.º, n.º 3, especialmente §§ 95, 99, 100, pp. 189-191.
- Figueiredo Dias, em Comentário Conimbricense ao Código Penal, Coimbra Editora, Tomo I, 2.ª edição, em anotação ao artigo 132.º, p. 47 e ss..
- Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal, 2.ª edição actualizada, Universidade Católica Editora, em comentário ao artigo 132.º, § 28, p. 405.
- Teresa Serra, Homicídio Qualificado, Tipo de Culpa e Medida da Pena, Livraria Almedina, Coimbra, 1990, p. 58 e ss., 77 e ss., e 127.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGOS 410.º, N.º2, 420.º, N.º 1, ALÍNEA B), 432.º, N.º1, AL. B), 434.º.
CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGOS 14.º, 18.º, 77.º, N.ºS 1 E 2, 131.º, 132.º, N.ºS 1 E 2, ALS. G) E H), 210.º, N.º3.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 21/02/2008 (PROCESSO N.º 4805/06-5.ª SECÇÃO);
-DE 20/12/2006 (PROCESSO N.º 3661/06).
Sumário :

I - Os recursos para o STJ de acórdãos da Relação são admissíveis, nos termos do art. 432.º, n.º 1, al. b), do CPP. E, nos termos do art. 434.º do CPP, o recurso interposto para o STJ visa exclusivamente o reexame da matéria de direito. Não sendo, portanto, admissível o recurso com a finalidade de impugnar a decisão proferida sobre matéria de facto, por erro de julgamento (de facto) ou mesmo em razão de vícios do n.º 2 do art. 410.º do CPP.
II - Em medida substancial, o recorrente reconduz o seu recurso para o STJ à impugnação da decisão proferida sobre matéria de facto, por erro de julgamento da matéria de facto, em termos amplos (erro na apreciação e valoração da prova), dirigindo a sua censura, nesse âmbito, à decisão da 1.ª instância. Persiste na mesma linha de argumentação que desenvolvera no recurso interposto para a Relação, praticamente reproduzindo, no recurso para o STJ, tudo quanto já alegara, a propósito, no recurso interposto para a Relação.
III - Na medida em que no recurso implica a impugnação da decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente desconsiderou, efectivamente, os poderes de cognição do STJ, não tendo a sua pretensão, nesse particular, qualquer viabilidade, devendo o recurso ser rejeitado (art. 420.º, n.º 1, al. b), do CPP).
IV - O n.º 3 do art. 210.º do CP é um crime agravado pelo resultado; crime de roubo agravado pelo resultado morte. Nos termos do art. 18.º do CP do que aqui se trata é da fusão de um crime doloso (crime de roubo) e de um evento agravante negligente (homicídio).
V - “Se do facto resultar a morte” significa que a morte deve provir do comportamento levado a cabo para roubar, ou seja, dos meios usados para subtrair ou constranger à entrega do bem e do específico perigo que lhe está associado, por aqui se estabelecendo a necessidade de unidade de acção. A imputação do resultado morte é sempre feita a título de negligência, trate-se de negligência grosseira ou grave ou de mera negligência. Não cabe no preceito o latrocínio (roubo doloso com homicídio doloso).
VI - Se o homicídio for cometido para preparar, facilitar, executar ou encobrir um crime de roubo ou um crime de furto, o art. 210.º, n.º 3, do CP, não deve ser convocado, pois, o que se verifica é um concurso efectivo de crimes; roubo ou furto, consoante a situação, em concurso com homicídio doloso (sendo sempre de ponderar se se verifica homicídio qualificado, nos termos do n.º 1 e da al. g) do n.º 2 do art. 132.º do CP), podendo, neste caso, já não se verificar a referida unidade de acção.
VII - No caso, o resultado morte foi imputado aos três recorrentes a título de dolo eventual. E isto basta para que a hipótese de subsunção dos factos ao n.º 3 do art. 210.º seja imediatamente arredada. Todavia, não ocorre unidade de acção entre a apropriação dos bens de DM e a morte de MT, sendo esta produzida com a finalidade de facilitar a prática da apropriação. Assim, o que se verifica é um concurso efectivo de crimes de furto e de homicídio.
VIII - O homicídio qualificado é, tal como o homicídio simples, um tipo punível a título de dolo, em qualquer das suas modalidades inscritas no art. 14.º do CP – directo, necessário ou eventual. Para a afirmação do dolo, o que o aplicador tem de fazer é partir da situação tal como ela foi representada pelo agente e, a partir dela, perguntar se a situação, tal como foi representada, corresponde a um exemplo-padrão ou a uma situação substancialmente análoga. E, em caso afirmativo, se ela é susceptível de revelar a especial censurabilidade ou perversidade do agente. Para que possam afirmar-se certos motivos ou finalidades, o agente tem de estar consciente desses motivos ou finalidades. Tal como tem que ter conhecimento das circunstâncias em que executa o facto.
IX - Os recorrentes, ao desferirem pancadas na zona da cabeça de MT, agindo os três em conjugação de esforços e de vontades, sabiam que criavam uma situação de particular perigosidade para a vítima, dificultando qualquer possibilidade de a vítima se defender da actuação conjugada deles. Por outro lado, tinham perfeita consciência da instrumentalidade do homicídio. A morte de MT serviu o propósito de cada um dos recorrentes de facilitar a prática do furto. No plano dos recorrentes, o homicídio de MT é, assim, determinado, numa relação meio/fim, ainda que só de forma eventual, pela perpetração do crime de furto.
X - Assim, na ponderação das circunstâncias do caso, determinantes de uma especial censurabilidade dos recorrentes, a punição deles pela prática, em co-autoria, de um crime de homicídio, p. e p. pelos arts. 131.º e 132., n.ºs 1 e 2, als. g) e h), do CP, deve ser mantida.
XI - No caso, a moldura abstracta do concurso tem como limite mínimo 14 anos e 6 meses de prisão – a medida da pena singular mais elevada – e como limite máximo 19 anos e 4 meses de prisão – a soma das duas penas singulares aplicadas (art. 77.º, n.º 2, do CP).
XII - O recorrente cometeu o crime de homicídio com a finalidade de facilitar a prática do crime de furto, pelo que a conexão que, no caso, se estabelece entre os dois crimes, por terem sido cometidos na mesma ocasião e no quadro da satisfação da mesma motivação não tem um qualquer significado de atenuação da culpa pelo ilícito global. Neste, projecta-se uma culpa elevada e, sobretudo, qualidades muito desvaliosas da personalidade do recorrente, pela indiferença que demonstrou pelo valor da vida não se coibindo de matar num plano meramente instrumental da concretização de um projecto de furto.
XIII - Tudo isto não pode deixar de relevar muito negativamente, tanto mais quanto o recorrente tem amplos antecedentes criminais, já cumpriu penas de prisão, à data dos factos encontrava-se evadido do EP, caracterizando-se o seu comportamento por práticas conflituosas, agressivas e delituosas. O recorrente deve ser, assim, caracterizado como um delinquente por tendência.
XIV - Nesta ponderação, em que sobreleva a gravidade do ilícito global e as qualidades negativas da personalidade do recorrente nele projectadas, não encontramos razões de censura da pena conjunta de 15 anos e 11 meses de prisão cominada.


Decisão Texto Integral:

Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça

I

1. No processo comum, com intervenção do tribunal colectivo, n.º 331/12.7JALRA, do Tribunal Judicial de Mação – Santarém, por acórdão de 24/06/2014, foi decidido:

1.1. Condenar o arguido AA, pela prática, em co-autoria e concurso efectivo, de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos artigos 131.º e 132.º, n.os 1 e 2, alíneas g) e h), do Código Penal (CP) e de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203.º e 204.º, n.º 2, alínea e), do CP, nas penas, respectivamente, de 13 anos de prisão e de 2 anos e 8 meses de prisão.

 E, em cúmulo jurídico dessas penas parcelares, na pena conjunta de 13 anos e 10 meses de prisão.

1.2. Condenar o arguido BB, pela prática, em co-autoria e concurso efectivo, de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelo artigos 131.º e 132.º, n.os 1 e 2, alíneas g) e h), do CP, e de um crime de furto qualificado, p. e p. pelo artigos 203.º e 204.º, n.º 2, alínea e), do CP, nas penas, respectivamente, de 14 anos e 6 meses de prisão e de 4 anos e 10 meses de prisão.

E, em cúmulo jurídico dessas penas parcelares, na pena conjunta de 15 anos e 11 meses de prisão.

1.3. Condenar o arguido CC pela prática, em co-autoria, de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203.º e 204.º, n.º 2, alínea e), do CP, na pena de 3 anos e 4 meses de prisão efectiva;

1.4. Condenar o arguido DD pela prática, em co-autoria e concurso efectivo, de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelo artigos 131.º e 132.º, n.os 1 e 2, alíneas g) e h), do CP, e de um crime de furto qualificado, p. e p. pelo artigos 203.º e 204.º, n.º 2, alínea e), do CP, nas penas, respectivamente, de 14 anos e 6 meses de prisão e de 4 anos de prisão.

E, em cúmulo jurídico dessas penas parcelares, na pena conjunta de 15 anos e 10 meses de prisão.

2. Inconformados os arguidos AA, EE e BB interpuseram recursos para a relação.

3. Por acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 11/11/2014, foi decidido negar provimento aos recursos.

4. Inconformados com o acórdão da relação interpuseram recursos, para este Tribunal, AA [AA], EE [EE], BB [BB] formulando as seguintes conclusões:

4.1. O arguido AA:

«1.ª A douta decisão recorrida, ao condenar o recorrente pela prática, como co-autor em concurso efectivo, de um crime de homicídio qualificado na forma consumada, p. e p. pelo art.º 131.º, pelo n.º 1 e pelas als. g) e h do n.º 2 do art.º 132.º e um crime de furto qualificado na forma consumada, p. e p. pela al. e) do n.º 2 do art.º 204.º, conjugado com o n.º 1 do art.º 203.º, todos do Código Penal, fez uma apreciação e uma aplicação incorrecta do Direito.

«2.ª A morte da vítima não poderia ter sido imputada ao recorrente a título de dolo eventual.

«3.ª Dos factos dados como provados, o crime de homicídio apenas lhe poderia ser imputado a título de negligência, pois o mesmo não chegou sequer a representar a possibilidade de realização do facto (morte).

«4.ª O recorrente e os co-arguidos não utilizaram nenhum objecto contundente para agredir a vítima.

«5.ª Tendo utilizado apenas as mãos para o fazer e não o tendo feito de forma particularmente violenta, querendo apenas que lhe fosse indicado o lugar onde estariam quantias ou objectos de que pretendiam apoderar-se.

«6.ª Nunca o recorrente e os co-autores ao proferirem as referidas pancadas na vítima, colocaram sequer a possibilidade de com essa conduta, lhe provocar a morte.

«7.ª Veja-se que, essas pancadas não produziram nenhuma fractura nos ossos, quer do crânio, quer da face da vítima.

«8.ª O perito médico legal, após a realização da autópsia, referiu à Inspectora da Polícia Judiciária FF, que as lesões encontradas na vítima, ao nível do hábito interno, foram provocadas por agressões, sendo certo que, pela extensão das mesmas, elas não foram causa directa da sua morte.

«9.ª Houve circunstâncias relativas à saúde da vítima que concorreram para o resultado morte.

«10.ª Resulta da matéria de facto dada como assente, que a resolução, por acordo, tomada pelos arguidos, foi sempre a de se apoderarem dos valores e objectos que encontrassem na residência.

«11.ª O resultado morte aparece como elemento adicional do comportamento levado a cabo pelos arguidos, ao molestarem fisicamente a vítima para a compelirem a revelar onde estavam guardados todos os valores, comportamento esse que consubstancia o roubo.

«12.ª Como se refere no Comentário Conimbricence (II, pág 190 e 191), a propósito do crime de roubo de que resulta o homicídio da vítima (n.º 3 do art.º 210.º do CP), “está em causa um crime preterintencional – fusão de um crime fundamental doloso (roubo simples doloso) e de um evento agravante negligente (homicídio).

«13.ª O crime de roubo consome as ofensas corporais incitas (sic) na violência, as ofensas corporais graves e o homicídio negligente.

«14.ª Ao condenar o recorrente pelos crimes de furto qualificado e de homicídio qualificado, em concurso real efectivo, houve, por parte do Tribunal recorrido, uma errada subsunção dos factos às normas penais aplicadas e uma errada aplicação do Direito.

«15.ª Os factos praticados pelo recorrente integram o tipo do crime de roubo agravado, p. e p. pelos n.ºs 1 e 3 do art.º 210.º do Código Penal.

«16.ª Está amplamente representada quer na doutrina quer na jurisprudência, que as diferentes alíneas do n.º 2 do art. 132.º do CP são especiais tipos de culpa e não especiais tipos de ilícitude.

«17.ª Os elementos constitutivos dos exemplos padrão, esgotam o seu sentido e a sua função na indicação exemplificativa de um tipo de culpa agravado pela especial censurabilidade ou perversidade ou perversidade do agente.

«18.ª A qualificação do homicídio deriva da verificação de um tipo de culpa agravado por recurso a uma cláusula geral e extensiva ao conceito de “especial censurabilidade e perversidade do agente”, referido no n.º 1 do art.º 132.º do CP.

«Assim,

«19.ª Pode haver um homicídio em que se verifica alguma das circunstâncias previstas no n.º 2 do art.º 132.º e, contudo, não se trata de um homicídio qualificado, pois no caso em concreto, aquela circunstância não revela “especial censurabilidade ou perversidade”, como pode suceder o contrário.

«20.ª A ideia de censurabilidade constitui o conceito nuclear sobre o qual se funda a concepção normativa da culpa. Culpa é censurabilidade do facto ao agente.

«21.ª No art.º 132.º trata-se de uma censurabilidade especial, sendo que a razão da qualificação do homicídio reside exactamente nessa censurabilidade especial revelada pelas circunstâncias em que a morte foi causada. Pois que qualquer homicídio simples, enquanto lesão do bem jurídico fundamental que é a vida Humana, revela já censurabilidade ou perversidade do agente que o comete.

«22.ª Ao fazer depender a qualificação de um tipo de culpa agravada está a conceder-se ao julgador uma maior flexibilidade na valoração do caso concreto.

«23.ª No Acórdão recorrido nada comprova que os arguidos, em co-autoria, tivessem actuado movidos com uma intensa vontade criminosa de especial censurabilidade ou perversidade na forma como actuaram.

«24.ª Bem, pelo contrário, actuaram a título de dolo eventual, ou seja, na forma mais mitigada de intenção criminosa, o que só por si, não se compatibiliza com a especial censurabilidade ou perversidade, requisito exigido por lei para a qualificação do homicídio. (cfr., entre outros, Ac. STJ de 23/11/2006 – proc. 06P3770, Ac. STJ de 10/12/2002 – proc. 03P1671 e Ac. RL, de 03/06/2014,  – proc. 20/13.5JAFAR.E1

«25.ª O recorrente não tem antecedentes criminais e encontra-se socialmente integrado.»

Termina a pedir que, no provimento do recurso, seja o acórdão recorrido substituído por outro que o condene «pela prática de um crime de roubo agravado pelo resultado morte, p. e p. pelos n.ºs 1 e 3 do art.º 210.º do Código Penal, na pena de nove anos de prisão, pena esta que se julga adequada e suficiente a satisfazer cabalmente as necessidades das penas, prevenção geral, mas também de prevenção especial ou de ressocialização. Ou em alternativa, (…) pela prática de um crime de homicídio simples p. e p. art.º 131.º do CP fixando-se a pena em torno dos 9 anos de prisão e, em consequência reformular-se o cúmulo jurídico de penas em consonância e de acordo com os critérios legais.»

4.2. O arguido EE:

«1º) A conduta do arguido descrita nos factos 5, 13 e 14, é compatível com a pretensão de subsumir os mesmos ao tipo de roubo agravado p. e p. pelo artigo 210 nº 3 do C.P.

«2°) Por este prisma a decisão do Acórdão deve ser revogada e substituída por outra que determine uma pena de prisão não superior a dez anos;

«3°) Contudo se se entender que os factos permitem imputar ao Recorrente um crime de homicídio qualificado, deve ter-se em conta que as circunstâncias em que o Recorrente agiu e cometeu o crime não são reveladoras de especial censurabilidade ou perversidade, sendo compatível com um homicídio simples;

«4°) Efetivamente o recorrente agiu a título de dolo, ou seja, a forma mais mitigada da intenção criminosa (dolo eventual);

«5°) Além disso o recorrente nunca agiu com o propósito de tirar a vida à vítima, nem representou a sua morte como consequência direta ou necessária da sua conduta, mas unicamente admitiu esse resultado como possível conformando-se com ele.

«6°) Neste contexto, a pena fixada mostra-se exagerada e deve ser substituída por outra que fixe a pena concreta nunca superior a dez anos, tendo em conta as necessidades de prevenção geral e especial.

«7°) Mostra-se violado o contido nos artigos 210° n.º 3 e 31º do C.Penal.»

Termina a pedir justiça.

4.3. O arguido BB:

«1.º O arguido foi condenado, na pena única de 15 anos e 11 meses, de prisão efectiva.

«2º A distonia que o recorrente pretende demonstrar relativamente à sentença recorrida prende-se com a análise e valoração da prova produzida nos autos, com a incorrecta subsunção jurídica dos factos e com a determinação da pena aplicada ao recorrente.

«3º O tribunal a quo fundamentou a sua decisão na prova documental enumerada em sede de motivação e testemunhal produzida em julgamento, não cuidando, contudo, de efectuar um exame critico e isento à mesma, porquanto fundamentou a sua valoração atendendo a meras presunções judiciais, sem qualquer correspondência com a conjugação de tal prova, posto que não estão excluídos outros cenários (resultados) que hipoteticamente se poderiam ter verificado, mormente pela ausência de prova acerca da presença e participação do recorrente nas agressões perpetradas á vitima GG.

«4º Atenta a factualidade dada como provada nos pontos 5º, 7º, 8º e 13º e que constituem acervo fáctico integrante do tipo objectivo de ilícito imputado ao recorrente, deveria o tribunal a quo ter dado como não provados os referidos pontos e ditado a absolvição do recorrente.

«5º Dando cumprimento à normatividade plasmada no artigo 412º do CPP, designadamente o seu nº3, alínea a), incorre o douto acórdão nos vícios contidos no artigo 410º, nº 2, alíneas a) e c) do CPP, considerando-se incorrectamente julgados os seguintes pontos da matéria de facto, por manifesta ausência de prova, contradição com a prova gravada e documental (nomeadamente: relatórios médico - legais e relatórios da policia judiciária de Leiria) produzidas, erro na apreciação da prova produzida ou não apreciação da prova produzida:

«5º,7º,8º,13º, Da matéria de facto dada como provada.

«Reproduzem-se aqui os citados pontos incorrectamente julgados:

«"5°- ENTÃO, COM VISTA A EVITAR QUE FOSSEM IMPEDIDOS NA SUA ACTUAÇÃO, ATUANDO EM CONJUGAÇÃO DE ESFORÇOS E DE VONTADES, OS ARGUIDOS AA, BB E DD DESFERIRAM UM NUMERO EM CONCRETO NÃO APURADO DE PANCADAS NA ZONA DA CABEÇA DE GG, SOBRETUDO NOS ROSTO;

«7º- AS LESÕES TRAUMÁTICAS CRANIO-MENINGO-ENCEFÁLlCAS ACIMA DESCRITAS (ponto 6º da matéria dada como provada) FORAM A CAUSA DIRET A, NECESSÁRIA E ADEQUADA DA MORTE DE GG;

«8º- APÓS VERIFICAREM QUE GG SE ENCONTRAVA PROSTRADO NO CHÃO, OS ARGUIDOS AA, BB E DD SAIRAM DESSA DIVISÃO;

«13º- OS ARGUIDOS AA, BB E DD, AGINDO EM CONJUGAÇÃO DE ESFORÇOS E DE VONTADES, AO DESFERIREM UM NÚMERO EM CONCRETO NÃO PURADO DE PANCADAS NA ZONA DA CABEÇA DE GG, COLOCARAM A POSSIBILIDADE DE, COM ESSA CONDUTA, LHE TIRAREM A VIDA, CONFORMANDO-SE COM A MESMA."

«6º No que diz respeito á prova documental, cumprirá desde logo realçar as contradições

manifestas que emergem do cotejo de informações que dela se podem retirar.

«A fls. 44 dos autos (certificado de óbito), consta a informação de que a causa da morte seria DESCONHECIDA, e acrescenta que o desconhecimento da causa da morte fundamentou-se em " … elementos de ordem cliníca".

«A fls. 47 dos autos - relatório da polícia judiciária de Leiria de 12.09.2012, elaborado pela sr.ª inspectora FF a quem o tribunal recorrido se refere deste jeito a fls.13 da Douta decisão: " ... não sendo tidos por relevantes os relatos nesta matéria, feitos pela testemunha FF, seja por não ter especiais conhecimentos na matéria, seja por a mesma ter relatado apenas o que lhe foi transmitido."

«7º Num processo penal que se quer claro e aberto, de fácil compreensão e o mais próximo possível da realidade dos factos, não deverá haver lugar a presunções sobre qual o caminho percorrido por cada um dos sujeitos processuais, mas apenas certezas - o que só se obtém a partir da fundamentação das peças produzidas.

«Apenas o que se extrai da Douta Decisão é que não foram consideradas concretas provas para a imputação de cada um dos factos ou acontecimentos relatados, subsumíveis a normas penais, tendo-se enredado o julgamento numa complexidade inútil e indesejável.

«A fundamentação tem que justificar, mediante a indicação da prova e a sua análise critica, cada um dos pontos de facto considerados assentes, o que, na realidade, não ocorre.

«Efectivamente, aqueles pontos de facto sobreditos (5º, 7º, 8º e 13º) afiguram-se claramente infundados.

«8º No entendimento do recorrente, não basta ao tribunal recorrido afirmar e justificar a sua "crença" por uma determinada versão, apelando à suposta presença dos arguidos AA, BB e DD, num determinado espaço temporal, junto da vitima, às lesões encontradas (não esquecendo a sonegação da pedra encontrada encrustada na testa da vitima, apenas recordada pela única testemunha preterida pelo Tribunal recorrido – FF, que presenciou pessoalmente tal facto!!), e os termos em que os arguidos prestaram declarações para dar tais factos como matéria provada.

«9º Tem o tribunal a quo que justificar porque razão se entende que outros cenários foram preteridos, como por exemplo aquele adiantado pela testemunha FF, e ainda o motivo pelo qual se considerou a prova indirecta (fls-14- 1º e 2º parágrafo da Douta Decisão), não bastando enunciar o seu conceito - ou sinónimo de prova indirecta -, e apontar o recurso ao uso do mesmo para dar como provados os sobreditos pontos de facto 5º, 7º, 8º e 13º.

«10º É necessário ainda que o tribunal explique o motivo pelo qual considerou que, sem qualquer prova objectiva e direta, o arguido BB desferiu pancadas na vitima, ao mesmo tempo que o arguido AA e DD, e que de tal comportamento resultou inequivocamente, sem qualquer dúvida, a MORTE de GGa.

«11º Tais factos ficaram por demonstrar, não se entendendo desta forma como é que o tribunal a quo consegui estabelecer o nexo causal entre a suposta atuação dos arguidos e o resultado MORTE e dar como provados os pontos 5º, 7º, 8° e 13º., sem estes arguidos o terem confirmado em sede de audiência e julgamento, sem que ninguém o tivesse presenciado, em margem para a eventualidade de estarmos perante outros cenários, isto é, usou mais uma vez de presunções judiciais para chegar a um resultado, que poderia ser outro qualquer e perfeitamente conjecturável: " A afirmação da prova de determinado facto em processo penal supõe a comprovação efectiva do facto para além de toda a dúvida razoável, não se bastando com meras aproximações indiciárias de probabilidade - ac.ST J, 9/2/2004, p.04p4721".

«12º No que concerne às declarações dos srºs perito médico e inspectora da Policia Judiciária responsável pela investigação que ditou a acusação pública, o tribunal recorrido retirou conclusões incorrectas. Fê-lo de tal modo, que operou-se em sede de fundamentação da decisão a uma verdadeira inversão da presunção da inocência comutada em presunção de culpa, é inadmissível porque violador da presunção da inocência consagrada no artº32, nº2 da CRP.

«13° As declarações prestadas pelas sobreditas testemunhas, nunca poderiam demonstrar a

culpa do recorrente, porquanto não demonstram: em 1° lugar a presença do recorrente no momento da perpetração da agressão ou agressões à vitima GG, em 2° lugar a causa da morte de GG, em 3° lugar o contexto circunstancial e dinâmico-factual em que ocorre verdadeiramente a MORTE de GG, isto é, que fenómeno físico-bio-quimico despoletou o resultado MORTE, se efectivamente se deveu tal resultado a agressão perpetrada por outro ou outros seres humanos (um ou mais arguidos), ou ao invés, pela perda dos sentidos da vitima, que provoca a sua queda ao chão, que por sua vez, provoca o forte embate da parte frontal da cabeça da vitima no chão levando então ao seu decesso, por todas as consequências hemorrágicas que daí (queda/choque/) advieram.

«14º Quanto a estes pontos 4º, 5º e 15º, da matéria dada como provada advém perspícuo, do supra alegado e dos meios de prova convocados, que mal andou o acórdão recorrido ao dá-los como provados, os quais deverão merecer resposta negativa.

«15º Na realidade, os meios de probatórios submetidos à apreciação imediata do tribunal impunham assunção fáctica inelutavelmente diversa.

«16º Desta forma, incorreu a decisão sob escrutínio em erro de julgamento, devendo os pontos 4º, 5º e 15º dos factos provados serem dados como não provados, não obstante estar o supremo tribunal de justiça restringido à análise da matéria de direito.

«17º E as considerações acima desenvolvidas têm indubitáveis reflexos na subsunção jurídica dos factos, o que permite ao supremo tribunal de justiça, não obstante a sobredita restrição, conhecer a fundamentação do presente recurso, porquanto os vícios apontados pelo recorrente resultam do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiencia comum, nos termos do disposto nos nºs 2 e 3 do artigo 410º do CPP.

«18º Uma vez que como defende o douto acórdão recorrido, estão representados conscientemente todos os elementos constitutivos do respectivo ilícito objectivo, p. e p. pelos artigos 131º, pelo nº 1 e pela als. g) e h) do nº 2 do artigo 132º, ambos do código penal.

«19º Ressumbra, assim, evidentemente que o conhecimento de todos os elementos constitutivos do tipo é indispensável para a correcta orientação da consciência do agente e que, falecendo tal conhecimento ou existência de tais elementos constitutivos, a conduta do recorrente naquelas circunstâncias de tempo e lugar nunca deveriam ditar a punição do mesmo inciso legal.

«20º As motivações e as circunstâncias da prática do facto são relevantes em sede de qualificação da conduta, na medida em que estão tipificadas diferentes circunstâncias e se configuram vários tipos de homicídio, cuja diferença se estabelece a partir de factores diversos, que ora agravam, ora atenuam a responsabilidade do agente. Além disso, temos que determinar de forma exaustiva e sem margem para qualquer duvida quem (se for mais que um agente, como foi nesta hipótese académica por força da Douta Decisão da 1ª instância e da relação) teve o domínio do processo lesivo, sendo aqui fundamental saber quem deteve intencionalmente o domínio sobre o processo de lesão da vida até ao fim, ou seja, quem foi o responsável pelo ultimo acto conducente à lesão à vida, - o que no caso concreto não se apurou.

«21º A Douta Decisão do tribunal recorrido sufraga a teoria da existência da figura do dolo eventual, até para a conduta (não fundamentada em nosso entender) do recorrente, bastando-se com tal figura para preencher o tipo subjectivo do crime de homicídio simples, mas em todo o raciocínio utilizado pelo tribunal recorrido não existe uma única prova, mesmo a indirecta em que se socorre, para condenar o recorrente.

«22º Efectivamente não basta afirmar-se que o recorrente admitiu a hipótese de GG vir a falecer, como consequência possível da sua conduta, quando nem sequer está, em nosso entender, preenchido o elemento objectivo do crime base.

«23º Isto é, a prova da conduta de matar por parte do recorrente, tendo sido suficiente para o tribunal de 1º instância e depois pela relação o fundamento (que não é fundamentação nenhuma) de que seria necessário, na opinião do tribunal, mais que um agente para provocar aquele resultado em GG, contrariando tudo o que era expectável numa análise critica, criteriosa e exaustiva das circunstâncias e provas, ou neste caso, falta delas.

«24º A censurabilidade constitui o juízo direccionado para o comportamento do agente, pelo facto deste ter atuado contrariamente à lei, podendo conformar a sua atuação de acordo com ela. Tratando-se de especial censurabilidade, constitui uma conduta que revela uma profunda distância em relação a determinado quadro valorativo, afastando-se de um padrão normal, havendo maior exigência na não motivação por aqueles motivos. Prende-se essencialmente com a atitude interna do agente, superando o problema de matar, acentuando a atitude manifestada naquele ato. As circunstâncias que rodeiam o agente e o motivo para matar, representam maior refracção, sendo razões que deviam acarretar maior contra motivação para que o agente não tivesse agido daquele modo. O grau de censura aumenta por haver na decisão do agente o vencer de factores que em princípio deveriam orientá-lo ainda mais para se abster de actuar, as motivações que agente revelou, ou a forma como realizou o seu facto, apresentam, não apenas um profundo desrespeito por um normal padrão axiológico vigente na sociedade, como ainda traduzem situações em que a exigência para não empreender a conduta se revela mais acentuada.

«25º Por seu turno, a especial perversidade representa um comportamento que traduz uma acentuada rejeição, por força dos sentimentos manifestados pelo agente que revela um egoísmo abominável. A decisão de matar assenta em pressupostos absolutamente inaceitáveis. O agente toma a decisão sob grande reprovação atendendo à personalidade manifestada no seu comportamento. O agente deixa-se motivar por factores por factores completamente desproporcionais, aumentando a intolerância perante o seu facto.

«26º Para aplicação do tipo de crime importa, desde logo, verificar se estamos em presença

de um facto que se enquadra no âmbito do nº2, após se verificar que está preenchido uma situação das que estão previstas neste elenco levanta-se um efeito indiciador, mas não constitui fundamento suficiente para sustentar a qualificação do tipo, sendo necessário apurar se, em concreto, o agente manifestou a culpa agravada que se suscitou. Não se pode concluir pela qualificação sem estar demonstrado que o agente tenha revelado especial censurabilidade ou perversidade, sendo estes os factores que funcionam como pedra de toque para a concretização do tipo de crime. Independentemente da circunstância que for, o facto de estar preenchida uma das alíneas do nº2, não fundamenta por si o tipo. Sem concluir pela especial censurabilidade ou perversidade, não se pode sustentar a aplicabilidade do tipo qualificado, o que conduz à conclusão de que, o que efectivamente é determinante na concretização do tipo são os elementos constantes do nº 1 e que sustentam a culpa agravada do agente. A agravação tem como motivação um maior grau de culpa que o agente revela com a sua conduta.

«27º Assim se justifica o recurso do legislador à técnica dos exemplos padrão, que permite fundamentar a qualificação em factos que não estejam previstos no nº 2, sem que haja violação do princípio da legalidade. No nº 2 não está apontado o critério determinante para a qualificação, apenas se elencam factores que podem servir de indiciador duma culpa agravada. Sem embargo de, numa ou noutra circunstância, o agente com a sua conduta revelar um maior desvalor da acção, e assim uma ilicitude maior, não é por esse motivo que se alcança a qualificação da sua conduta, sendo sempre imprescindível que se conclua pela especial censurabilidade ou perversidade que o seu comportamento revele. Não sendo pelo grau de ilicitude que se assinala a qualificação mas sim pela culpa do agente.

«28º Relativamente à alínea h) do nº2 do artigo 32º, também aqui o tribunal a quo e anteriormente o tribunal de 1ª instância errou na sua subsunção, simplesmente porque aplicou tal alínea sem qualquer demonstração probatória da necessária actuação conjunta e o modo como esta se processou, nomeadamente em termos de comparticipação. Sendo que, na nossa opinião, errou ainda mais ao nem sequer fundamentar, ou explicar porque motivo qualificou o crime de homicídio relativamente ao recorrente, ao arguido AA e DD, e não em relação a alguns deles. É que, por força das regras da comparticipação criminosa, mormente a acessoriedade limitada, a culpa é analisada individualmente, podendo até acontecer que o grau de comportamento, se devidamente analisado e demonstrado - o que não aconteceu no caso concreto, seja enquadrável num dos tipos de homicídio privilegiado, desde que ele revele uma culpa diminuída. Porque no âmbito da comparticipação criminosa a regra é a da unidade de ilícito e pluralidade de culpa, o participante é punido de acordo com o desvalor do facto praticado pelo autor, mas não pelo seu grau de culpa, tudo por força do artigo 29º do Código Penal. E como se observa da Douta Decisão, todos estes pressupostos ficaram por explicar, uns na sua aplicação e outros na sua não aplicação, simplesmente foram preteridos.

«29º Outra questão em que o Tribunal a quo errou, na nossa opinião, foi a de considerar ter-se verificado, por parte do recorrente, a existência do Dolo Eventual (= culpa diminuta) no crime de homicídio qualificado. Ora, para a qualificação deste crime, na nossa opinião, o tribunal recorrido não fundamentou nem explicou como é que os agressores de GG, concretamente o recorrente, tinha conhecimento das qualidades da vitima para admitir que da sua conduta (o desferir de um numero não apurado de pancadas na zona da cabeça da vitima, factos sem qualquer prova directa ou indirecta!!) lhe poderia tirar a vida, conformando-se com isso. É que a incriminação em sede de homicídio qualificado pressupõe que tenha sido representada pelo agente a causa que integra o exemplo-padrão, de outro modo não se poderia concluir, que o agente tivesse revelado especial censurabilidade ou perversidade, a qual se funda na sua atitude.

«30º Ao não ter decidido assim, violou o douto acórdão recorrido os artigos 131º, nº 1, al.s g) e h) do nº2 do 132º, ambos do Código Penal.

«31º Muito embora o recorrente não se possa conformar com a condenação de que foi alvo, o não pode deixar de, ad cautelam, manifestar a sua discordância quanto à pena única que lhe foi aplicada.

«32º Com efeito, no que atina à dosimetria da pena, a decisão recorrida não aplicou correctamente o preceituado nos artigos 40º nº2, 71º nº2 e 72º todos do CP. Efectivamente,

«33º Considera o recorrente que a medida da pena ultrapassa a medida concreta da culpa e

emerge desproporcionada, posição aliás também defendida pelo Ministério Público na sua resposta.

«34º Violou, nesta confluência, o acórdão recorrido o preceituado nos artigos 40º nº2, 71º nº2  e 72º todos do CP.

«35º Neste conspecto, a consideração do que supra se referiu não deixará de representar, necessariamente, uma fixação num patamar indubitavelmente menor da sobredita pena, devendo, o douto acórdão recorrido, ser revogado e substituído por outro que acolhe os argumentos expendidos.»

Termina a pedir que o recurso seja julgado procedente e, consequentemente, extraídos os corolários dimanados das "conclusões" tecidas, assim se fazendo a acostumada JUSTIÇA!»

5. Foi proferido despacho a admitir os recursos.

6. O Ministério Público respondeu aos três recursos e, relativamente a todos eles, sustentou o parcial provimento, quanto à qualificação jurídica dos factos, relativamente ao crime de homicídio, no entendimento de que as circunstâncias em que o crime foi cometido – e tendo os agentes actuado a título de dolo eventual – afastam a especial censurabilidade ou perversidade requerida para a qualificação do homicídio, em conformidade, pronuncia-se pela redução da pena, pelo crime de homicídio, com necessário reflexo na medida da pena única.

No mais, pronunciou-se pela improcedência ou manifesta improcedências das questões colocadas nos recursos.

7. Remetidos os autos a esta instância, na oportunidade conferida pelo artigo 416.º, n.º 1, do CPP, a Ex.ma Procuradora-geral-adjunta pronunciou-se pela improcedência dos recursos e, consequentemente, pela confirmação do acórdão recorrido, dando especial destaque à questão da compatibilidade entre o dolo eventual e a especial censurabilidade ou perversidade reclamadas para o preenchimento do tipo qualificado de homicídio.

8. Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do CPP, apenas o recorrente DD respondeu ao parecer, remetendo para a posição que expressou na sua alegação de recurso.

9. Nenhum dos requerente requereu a realização da audiência (artigo 411.º, n.º 5, do CPP).

Muito embora, relativamente a algumas das questões postas, seja manifesta a improcedência dos recursos, a implicara a sua rejeição (artigos 420.º, n.º 1, alínea a), e 417.º, n.º 6, alínea b), do CPP), por razões de economia e celeridade processual entendeu-se remeter para a conferência o julgamento de todas as questões objecto dos recursos (artigo 419.º, n.º 3, alínea c), do CPP).

Colhidos os vistos, com projecto de acórdão, realizou-se a conferência.

Dos respectivos trabalhos procede o presente acórdão.

II

1. O acórdão recorrido

1.1. Todos os, agora, recorrentes impugnaram, nos recursos interpostos para a relação, o acórdão da 1.ª instância, colocando, segundo o enunciado que consta do acórdão da relação, as seguintes questões:

«AA

«a) - impugnação da matéria de facto dada como provada – conclusões 2ª a 10ª;

«b) - em consequência, o preenchimento – exclusivamente - de um crime de roubo agravado do n. 3 do artigo 210º do Código Penal – conclusões 11ª a 15ª;

«DD

«c) - impugnação da matéria de facto dada como provada – conclusões 2ª a 10ª;

«d) - em consequência, o preenchimento – exclusivamente - de um crime de roubo agravado do n. 3 do artigo 210º do Código Penal – conclusões 11ª e 12ª;

«e) - o erro notório na apreciação da prova – conclusões 13ª a 28;

«BB

«f) – omissão de pronúncia e falta de fundamentação;

«g) - impugnação da matéria de facto dada como provada nos factos 5, 7, 8 e 13, sendo certo que aqui se insurge contra as presunções operadas pelo tribunal recorrido e com a sua fundamentação – conclusões 3ª a 13ª;

«h) - impugnação da matéria de facto dada como provada nos factos 4, 5 e 15, aqui se insurgindo contra a conclusão da perícia – conclusões 14ª a 19ª;

«i) - em consequência, a dúvida sobre a existência de um crime de homicídio qualificado pelas alíneas do n. 2 do artigo 132º do Código Penal – conclusões 20ª a 34ª;

«j) - a medida da pena única imposta.»

Por isso, a relação não deixou de apreciar os recursos nas vertentes da impugnação de facto, tanto por erro de julgamento, como no quadro dos vícios do artigo 410.º do CPP e, apreciou, ainda, a formação da convicção do tribunal expressa na motivação da decisão de facto.

Não encontrando razões que fundadamente levassem a que a decisão da 1.ª instância sobre matéria de facto não fosse mantida.

1.2. Os factos dados por provados no acórdão da 1.ª instância e que foram integralmente mantidos pelo acórdão da relação recorrido são os seguintes:

«1. No dia 10 de Setembro de 2012 os arguidos, na concretização de um plano previamente delineado, dirigiram-se à residência de GG e de HH, sita na Rua ..., área da comarca de Mação, com intenção de ali entrarem e fazerem seus objectos e quantias em dinheiro que lhes interessassem;

«2. Após aí chegarem, num período temporal não concretamente determinado, mas situado entre as 21h00 de 10 de Setembro de 2012 e as 04h00 de 11 de Setembro de 2012, os arguidos, utilizando um instrumento em concreto não apurado, estragaram o canhão exterior da fechadura da porta de entrada da referida residência, logrando desse modo entrar na mesma;

«3. Uma vez no seu interior, os arguidos remexeram várias das divisões da referida habitação;

«4. Durante tal actuação, tendo os arguidos dado pela presença de GG, enquanto o arguido CC ficou junto do quarto onde HH dormia, os arguidos AA, BB e EE deslocaram-se à parte da casa adjacente e interligada, onde se situa o quarto de GG;

«5. Então, com vista a evitar que fossem impedidos na sua actuação, actuando em conjugação de esforços e de vontades, os arguidos AA, BB e DD desferiram um número em concreto não apurado de pancadas na zona da cabeça de GG, sobretudo no rosto;

«6. Em virtude de tal actuação, GG sofreu as seguintes feridas e lesões:

«a) na cabeça:

«- ferida contusa com 1,5 cm de comprimento na região mediana da comissura labial do lábio esquerdo;

«- duas escoriações com 0,5 cm de comprimento cada na face externa do lábio superior;

«- ferida contusa com 0,5 cm de comprimento na região frontal esquerda;

«- equimose com 2 cm por 1,5 cm na região oxipito-parietal mediana;

«- cicatriz nacarada com 1,5 cm de comprimento na região infra-mentoneana;

«- partes moles: infiltrado hemorrágico de ambos os músculos temporais, mais marcado à direita;

«- encéfalo: edema cerebral, congestão cerebral marcada das superfícies de corte, focos de contusão dos lobos cerebrais parieto-oxipitais direito e esquerdo;

«b) no pescoço:

«- músculos - infiltrado hemorrágico do terço inferior de ambos os músculos esternocleidomastoideus, mais marcado à esquerda;

«- laringe e traqueia - infiltrado hemorrágico na parede interna da traqueia laríngea;

«7. As lesões traumáticas crânio-meningo-encefálicas acima descritas foram a causa directa, necessária e adequada da morte de GG;

«8. Após verificarem que GG se encontrava prostrado no chão, os arguidos AA, BB e DD saíram dessa divisão;

«9. Os quatro arguidos, depois, retiraram e abandonaram o local na posse dos seguintes objectos, pertença de HH:

«- uma mala de senhora, de cor preta, no valor de € 1,50 (um euro e cinquenta cêntimos);

«- uma bata de tecido aos quadrados, de cor verde no valor de € 2,50 (dois euros e cinquenta cêntimos), contendo num dos bolsos uma moeda de € 0,01 (um cêntimo);

«- quatro porta-moedas, de cor preta, em mau estado de conservação e sem qualquer valor;

« um terço religioso, em plástico, no valor de € 1,00 (um euro);

«- um porta-documentos, em mau estado de conservação e sem qualquer valor;

«- uma esferográfica, de cor encarnada e cinzenta, sem qualquer valor;

«- uma nota de Esc. 100$00 (cem escudos) do Banco de Portugal com o n. ECN56543;

«- um cartão de contribuinte com o n. 175311617;

«- uma navalha de cor verde, incluindo saca-rolhas, com duas lâminas, um abre-latas e uma folha normal no valor de € 0,20 (vinte cêntimos);

«- uma navalha de cor amarela, incluindo saca-rolhas, com duas lâminas, um abre-latas e na folha normal, no valor de € 0,10 (dez cêntimos); e

«- pelo menos € 140,00 (cento e quarenta euros) em notas do Banco Central Europeu;

«10. GG nasceu no dia ...;

«11. Os arguidos, ao levarem a cabo a conduta referida em 1. a 3. e 9., agiram de forma livre, deliberada e consciente, na concretização do plano que delinearam, conjugando esforços no intuito de o concretizar, querendo e conseguindo fazer seus os referidos objectos, bem sabendo que os mesmos não lhes pertenciam e que actuavam contra a vontade da sua dona;

«12. Para concretizarem os seus intentos, quiseram e conseguiram entrar na residência de GG e de HH, para onde sabiam não estar autorizados, forçando a abertura da porta;

«13. Os arguidos AA, BB e CC, agindo em conjugação de esforços e de vontades, ao desferirem um número em concreto não apurado de pancadas na zona da cabeça de GG, colocaram a possibilidade de, com essa conduta, lhe tirarem a vida, conformando-se com a mesma;

«14. Os arguidos AA, BB e DD não se coibiram de utilizar a força, de modo a não serem impedidos de retirar e levar consigo, fazendo seus, todos os objectos que lhes interessassem;

«15. Mais sabiam os arguidos que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal;

«16. O arguido AA é proveniente de uma família de etnia cigana, sendo que os seus pais se dedicavam à venda ambulante;

«17. Sendo o mais novo de cinco irmãos, cresceu num ambiente familiar onde as tradições e os costumes ciganos lhe foram incutidos, com fraco investimento ao nível escolar, cujo percurso foi marcado pelo insucesso por desinteresse e falta de assiduidade;

«18. O arguido seguiu a profissão de seus pais na venda ambulante e actividades sazonais na agricultura, nomeadamente na apanha da azeitona e na vindima;

«19. Aos vinte e um anos de idade iniciou um relacionamento marital com II, de vinte cinco anos, com quem tem um relacionamento próximo e equilibrado, tendo duas filhas, de sete e três anos de idade;

«20. O agregado reside numa barraca de tijolo, sem condições de habitabilidade e conforto, formada por uma única divisão, dispondo como infraestruturas básicas a água;

«21. No local residem familiares, com quem mantém um relacionamento de dinâmica e coesão;

«22. Beneficia de rendimento social de inserção, cujo valor, conjuntamente com os abonos das filhas, se aproxima dos € 340,00 mensais e a companheira um rendimento social de inserção no valor de € 300,00;

«23. Das vendas que faz retira um rendimento entre € 30,00 e € 60,00 diários, laborando todos os dias;

«24. Beneficia ainda de apoio do banco alimentar e de familiares;

«25. A companheira do arguido padece de mal formação congénita (espinha bífida), tendo sido intervencionada cirurgicamente, apresentando debilidade física e de mobilidade;

«26. O convívio do arguido é essencialmente estabelecido no seio da família e de elementos da mesma etnia;

«27. No seu meio residencial não existem reacções de rejeição à presença do arguido;

«28. No Estabelecimento Prisional o arguido tem adoptado uma postura colaborante e calma, mantendo relacionamento com todos os elementos do meio prisional e revela interesse em investir na formação escolar ou profissional;

«29. Recebe visitas da família, sobretudo dos pais, irmãos, companheira e filhas;

«30. Face aos factos, o arguido denota frágil censura e relativiza a sua gravidade;

«31. O arguido BB é o mais velho de quatro irmãos, tendo o seu processo evolutivo decorrido junto dos progenitores e irmãos, na zona do ..., numa comunidade de etnia cigana constituída essencialmente por elementos da mesma família;

«32. Desde criança acompanhou os pais na venda ambulante, descurando a frequência escolar, sem que haja completado o 1° ano de escolaridade;

«33. Iniciou um relacionamento de união de facto aos quinze anos de idade com a actual companheira, tendo três filhos dessa união, com 18 anos, 13 anos e 4 anos de idade;

«34. Dedicam-se à venda ambulante;

«35. Tendo os pais sido presos, o arguido assumiu a liderança do agregado familiar, confrontando­-se com dificuldades económicas para fazer face às necessidades dos irmãos que ficaram ao seu cuidado, bem como do próprio agregado familiar;

«36. À data dos factos o arguido encontrava-se evadido do estabelecimento prisional, fazendo-se acompanhar de outros indivíduos da mesma etnia e igualmente em situação de ausência ilegítima ou evasão de estabelecimento prisional, estando-lhes associados comportamentos conflituosos, agressivos e delituosos;

«37. O arguido, das vendas que faz, retira entre € 15,00 e € 60,00 diários, laborando um a dois dias por semana;

«38. A companheira beneficia de rendimento social de inserção no montante de € 250,00 mensais;

«39. O arguido apresenta ausência de capacidade de crítica e censura, não interiorizando a gravidade dos crimes para as vitimas, centrando o discurso das consequências para os condenados e/ou reclusos;

«40. Recebe visitas da família, sempre que possível, no estabelecimento prisional;

«41. No Estabelecimento Prisional frequenta o 10 ciclo;

«42. Ao nível da reclusão apresenta dois momentos punitivos, em 2004 e em 2007;

«43. Apresenta um discurso revelador de deficit cognitivo, mas manipulador;

«(…)[1]

«57. O arguido DD ficou órfão aos três anos de idade, na sequência de um acidente de viação que vitimou os pais, tendo sido acolhido por um casal de etnia cigana até aos 13 anos de idade;

«58. Não frequentou a escola, acompanhando os pais adoptivos num modo de vida itinerante na venda ambulante, tendo uma dinâmica familiar coesa, embora marcada por alguma permissividade pedagógica;

«59. Aos 13 anos de idade autonomizou-se, mantendo o estilo de vida dos pais na venda ambulante e, aos dezoito anos de idade, casou com uma jovem de etnia cigana, tendo cinco filhos desse relacionamento, com 30, 28, 26, 22 e 15 anos de idade;

«60. Nos primeiros anos de actividade negociou na venda ambulante e, após, de velharias, tendo adquirido casa própria e automóveis de luxo;

«61. Em liberdade, o arguido beneficiava de rendimento social de inserção no montante de cerca de € 300,00 mensais;

«62. Da apanha e venda de sucata auferia ainda cerca de € 10,00 a € 30,00 diários, laborando dois a três dias por semana;

«63. Com a reclusão do arguido, a situação económica do agregado deteriorou-se, agravada por um acidente que vitimou a mulher, baleada num conflito, tendo sido sujeita a intervenções cirúrgica a um dos olhos, que a incapacitaram de trabalhar na venda ambulante durante período prolongado;

«64. O arguido teve uma ausência ilegítima numa licença de curta duração, vindo a ser recapturado em 23.10.2012 e evadiu-se do Estabelecimento Prisional em 17.11.2013, sendo recapturado em Fevereiro de 2014;

«65. No período de evasão não há conhecimento de actividade laboral ao arguido;

«66. O arguido concluiu o 5° ano de escolaridade em contexto prisional, mas apresenta reduzidas competências no âmbito laboral;

«67. O arguido, uma vez em liberdade, tenciona regressar à actividade na venda ambulante e retomar as condições habitacionais e familiares anteriormente vivenciadas, especialmente no plano económico;

«68. No Estabelecimento Prisional o arguido tem vindo a registar um comportamento institucional correcto, não havendo registo de situação anómala;

«69. O arguido revela dificuldades no reconhecimento dos seus comportamentos anti-sociais, tendo reduzida capacidade de avaliação crítica, no que se refere às consequências dos seus actos para si, para os seus familiares, bem como para as vítimas e impacto na sociedade;

«70. Tem beneficiado das visitas das filhas;

«71. O arguido tem o seu círculo familiar e de amizades referenciado por elementos com condutas criminais;

«72. Ao arguido AA não são conhecidos antecedentes criminais;

«73. O arguido BB foi condenado, por sentença de 15.05.2001, na pena de 60 dias de multa à taxa diária de Esc. 1.000$00 pela prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, p. e p. pelo art. 3° do Decreto-lei n. 2/98 de 03 de Janeiro;

«74. Por acórdão de 25.14.2004 foi condenado na pena de seis anos de prisão pela prática, em concurso efectivo, de quatro crimes de roubo agravado, p. e p. pelos n.º 1 e 2 do art. 210° e pelas als. d) e f) do n. 1 do art. 204°do Código Penal;

«75. Por acórdão de 09.03.2005 foi condenado na pena única de dez anos de prisão pela prática, em concurso efectivo, de seis crimes de furto qualificado, p. e p. pela al. a) do n. 2 do art. 204°, cinco crimes de furto qualificado, p. e p. pela a.. e) do n. 2 do art. 204°, um crime de furto qualificado, p. e p. pela aI. a) do n. 1 do art. 204°, cinco crimes de violação de domicílio, p. e p. pelos n.os 1 e 3 do art. 190° do e um crime de violação do domicílio, p. e p. pelo n. 1 do art. 190°, todos do Código Penal;

«76. Por acórdão de 30.05.2005 foi condenado na pena de 30 meses de prisão pela prática de um crime p. e p. pelo art. 256° do Código Penal;

«77. Por sentença de 07.10.2008 foi condenado na pena de 250 dias de multa à taxa diária de € 2,00 pela prática de um crime de abuso de confiança, p. e p. pelo art. 205° do Código Penal;

«(…)[2]

«85. O arguido DD foi condenado, por acórdão de 09.10.2000, na pena de três anos de prisão pela prática de um crime de passagem de moeda falsa, p. e p. pelo n. 1 do art. 265° do Código Penal;

«86. Por acórdão de 13.03.2002 foi condenado na pena única de três anos de prisão pela prática, em concurso efectivo, de um crime de detenção de munições, um crime de desobediência qualificada e um crime de simulação de crime;

«87. Por sentença datada de 22.01.2007 foi condenado na pena única de dois anos de prisão, suspensa na sua execução pelo período de três anos, pela prática de dois crimes de furto qualificado, p. e p. pela al. n do n. 1 do art. 204°, conjugado com o art. 203°, ambos do Código Penal;

«88. Por sentença de 11.05.2007 foi condenado na pena de um ano e seis meses de prisão pela prática de um crime de falsificação ou contrafacção de documento, p. e p. pela al. a) do n° 1 e n° 3 do art. 256° do Código Penal;

«89. Por acórdão de 09.04.2008 foi condenado na pena única de quatro anos de prisão pela prática de dois crimes de roubo, p. e p. pelo n. 1 do art. 210° e três crimes de falsas declarações, p. e p. pelo n° 2 do art. 359°, ambos do Código Penal;

«90. Por sentença datada de 23.02.2009 foi condenado na pena de onze meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de um ano, com regime de prova, pela prática de um crime de furto simples, p. e p. pelo art. 203° do Código Penal;

«91. Por sentença datada de 13.06.2008 foi condenado na pena de sete meses de prisão pela prática de um crime de falsidade de depoimento ou declaração, p. e p. pelo art. 3590 do Código Penal;

«92. Por despacho (sic) de 09.06.2011 foi condenado na pena de oito meses de prisão, substituída por 140 dias de multa à taxa diária de € 5,50 pela prática de um crime de extorsão na forma tentada, p. e p. pelo n. 1 do art. 223° e pelos arts. 22° e 23° do Código Penal;»

1.3. O acórdão da relação recorrido também manteve intocados os factos dados por não provados pela 1.ª instância.

São eles:

«Factos não provados - Não se provaram os seguintes factos:

«a) Os arguidos foram surpreendidos por GG;

«b) O arguido CC esteve junto de GG;

«c) O arguido CC desferiu pancadas em GG, ciente de que lhe poderia provocar a morte por atingir órgãos vitais;

«d) As pancadas foram desferidas mediante a utilização de instrumento(s);

«e) Os arguidos verificaram que GG estava sem vida;

«f) Os arguidos AA, BB, CC e DD agiram com o propósito de tirar a vida a GG.»

2. O Objecto dos recursos

Atendendo às conclusões formuladas pelos recorrentes – pelas quais se define e delimita o objecto dos recursos (artigo 412.º, n.º 1, do CPP – são as seguintes as questões trazidas à apreciação deste Tribunal:

2.1. Pelo recorrente AA:

– o resultado morte não lhe poder ser imputado a título de dolo eventual mas, apenas, a título de negligência [conclusões 1 a 10];

– a sua conduta dever ser subsumida ao tipo de crime de roubo, agravado pelo resultado, do artigo 210.º, n.os 1 e 3, do Código Penal[3] [conclusões 11 a 15]; de qualquer modo,

– não se comprovarem circunstâncias, relativamente ao homicídio, que permitam qualificá-lo, nos termos do artigo 132.º do CP [conclusões 16.ª a 24.ª].  

2.2. Pelo recorrente DD:

– a sua conduta dever ser subsumida ao tipo de crime de roubo, agravado pelo resultado, do artigo 210.º, n.os 1 e 3, do CP [conclusões 1.ª e 2.ª]; sem prejuízo,

– não se comprovarem circunstâncias, relativamente ao homicídio, que permitam qualificá-lo, nos termos do artigo 132.º do CP [conclusões 3.ª a 5.ª], neste contexto,

– ser exagerada a pena pelo homicídio [conclusão 6.ª]. 

2.3. Pelo recorrente BB:
            – o erro de julgamento da matéria de facto  reflectido nos pontos 4.º 5.º, 7.º, 8.º, 13.º e 15.º dados por provados [conclusões 3.ª a 15.ª, 18.ª a 23.ª],
            – âmbito em que convoca, ainda, a falta de fundamentação e a existência dos vícios do n.º 2 do artigo 410.º do CPP [mesmas conclusões e conclusões 16.º e 17.º];
            – o erro de qualificação jurídica dos factos traduzido na qualificação do homicídio [conclusões 24.ª a 30.ª]; sem prejuízo,
            – ser excessiva a medida da pena conjunta [conclusões 31.ª a 35.ª].
3. A rejeição parcial dos recursos
Por razões de precedência lógica há que começar por apreciar as questões relativamente às quais os recursos se apresentam sem qualquer viabilidade.
3.1. Os recursos para o Supremo Tribunal de Justiça de acórdãos da relação são admissíveis, nos termos do artigo 432.º, n.º 1, alínea b), do CPP, segundo o qual [recorre-se para o Supremo Tribunal de Justiça], “de decisões que não sejam irrecorríveis proferidas pelas relações em recurso, nos termos do artigo 400.º”.
E, nos termos do artigo 434.º do CPP, o recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça visa exclusivamente o reexame da matéria de direito.

Não sendo, portanto, admissível o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça com a finalidade de impugnar a decisão proferida sobre matéria de facto, por erro de julgamento (de facto) ou mesmo em razão de vícios do n.º 2 do artigo 410.º do CPP.

             Pois, como se escreveu no acórdão, deste Tribunal, de 21/02/2008 (processo n.º 4805/06-5.ª secção) e, aqui, mais uma vez, se reproduz[4], «a revista alargada ínsita no art. 410.º, n.os 2 e 3, do CPP pressupunha (e era essa a filosofia original, quanto a recursos, do CPP de 1987) um único grau de recurso (do júri e do tribunal colectivo para o STJ e do tribunal singular para a Relação) e destinava-se a suavizar, quando a lei restringisse a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito (o recurso dos acórdãos finais do júri ou do colectivo; e o recurso, havendo renúncia ao recurso em matéria de facto, das sentenças do próprio tribunal singular), a não impugnabilidade (directa) da matéria de facto (ou dos aspectos de direito instrumentais desta, designadamente «a inobservância de requisito cominado sob pena de nulidade que não devesse considerar-se sanada»). Esta revista alargada (do STJ) deixou, porém, de fazer sentido – em caso de prévio recurso para a Relação – quando, a partir da reforma processual de 1998 (Lei 59/98), os acórdãos finais do tribunal colectivo passaram a ser susceptíveis de impugnação, «de facto e de direito», perante a Relação (arts. 427.º e 428.º, n.º 1). Actualmente, com efeito, quem pretenda impugnar um acórdão final do tribunal colectivo, de duas uma: se visar exclusivamente o reexame da matéria de direito (art. 432.º, al. c)) dirige o recurso directamente ao STJ[5] e, se o não visar, dirige-o, «de facto e de direito», à Relação, caso em que da decisão desta, se não for «irrecorrível nos termos do art. 400.º», poderá depois recorrer para o STJ (art. 432.º, al. b)). Só que, nesta hipótese, o recurso – agora, puramente, de revista – terá que visar exclusivamente o reexame da decisão recorrida (a da Relação) em matéria de direito (com exclusão, por isso, dos eventuais «erro(s)» das instâncias «na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa».

            Não é da competência do Supremo Tribunal de Justiça conhecer dos vícios aludidos no artigo 410.º, n.º 2, do CPP, uma vez que o conhecimento de tais vícios, sendo do âmbito da matéria de facto, é da competência do Tribunal da Relação.

O Supremo Tribunal de Justiça, como tribunal de revista, apenas conhece de tais vícios oficiosamente, se os mesmos se perfilarem no texto da decisão recorrida ainda que em conjugação com as regras da experiência comum, uma vez que o recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça visa exclusivamente o reexame da matéria de direito (artigo 434.º do CPP).

3.2. Em medida substancial, o recorrente BB reconduz o seu recurso para o Supremo Tribunal de Justiça à impugnação da decisão proferida sobre matéria de facto, por erro de julgamento da matéria de facto, em termos amplos (erro na apreciação e valoração da prova), dirigindo a sua censura, nesse âmbito, à decisão da 1.ª instância.

Persiste na mesma linha de argumentação que desenvolvera no recurso interposto para a relação, praticamente reproduzindo, no recurso para este Tribunal, tudo quanto já alegara, a propósito, no recurso interposto para a relação.

O recorrente, nas conclusões já especificadas, centra-se no erro de julgamento da matéria de facto. Sustenta, com efeito, que, com base na prova produzida e examinada em audiência – documental, declarações dos arguidos e declarações do perito médico e da inspectora da Polícia Judiciária, Dora Lopes –, o tribunal (de 1.ª instância) não podia ter adquirido uma convicção de certeza nem quanto aos factos dados por provados nos n.os 5, 7, 8, 13, nem quanto aos factos dados por provados n.os 4, 5 e 15.

Retomando a matéria que já fizera constar do recurso para a relação, o que questiona é, afinal, que tenham sido fixados os factos que o constituem co-autor do crime de homicídio, a título de dolo eventual, por que foi condenado, pretendendo que uma criteriosa apreciação da prova conduziria, ao invés, a que tais factos não fossem dados por provados. A implicar a sua absolvição por esse crime.

Nesse âmbito, o recurso contempla a crítica da convicção do tribunal da 1.ª instância, expressa nos factos dados por provados, por, na perspectiva do recorrente, a prova produzida em audiência não ser de molde a permitir adquirir uma convicção de certeza quanto a esses factos que o constituem co-autor do crime de homicídio.

Na medida em que no recurso implica a impugnação da decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente – muito embora aqui e ali (p. ex. conclusões 16.º e 17.º) proclame que os poderes de cognição do Supremo Tribunal de Justiça são restritos a matéria de direito –, desconsiderou, efectivamente, os poderes de cognição deste Tribunal, dedicando-se a um inútil exercício.

A pretensão de que o Supremo Tribunal de Justiça aprecie a decisão proferida sobre matéria de facto não tem, pois, qualquer viabilidade.

3.3. No contexto da impugnação da decisão proferida sobre matéria de facto e nas conclusões 16.ª e 17.ª, o recorrente BB vai aludindo à existência dos vícios do artigo 410.º, n.º 2, alíneas a) e c) do CPP.

Independentemente de o Supremo Tribunal de Justiça não conhecer desses vícios a requerimento, como vimos, deve reconhecer-se que não é às realidades supostas para o respectivo preenchimento que o recorrente alude.

Na verdade, não é a uma qualquer insuficiência da matéria de facto provada para a decisão proferida, quanto ao crime de homicídio, nem a um qualquer erro evidente na apreciação da prova, que resultem do texto da decisão recorrida, por si só ou em conjugação com as regras da experiência comum, que o recorrente se refere.

Quando invoca tais vícios, o recorrente está, ainda, a impugnar a decisão proferida sobre matéria de facto, por erro de julgamento da matéria de facto; erro na apreciação da prova, por um lado, por a prova produzida e examinada em audiência não ser bastante para dar por assentes os factos que o constituem co-autor do crime de homicídio; erro na apreciação da prova, por outro lado, por a prova produzida e examinada em audiência, a ter sido criteriosamente apreciada, em observância das regras que devem reger a respectiva valoração, conduzir, ao invés, a que tais factos fossem dados por não provados.

3.4. Ainda no contexto das conclusões que se dirigem à impugnação da decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente BB vai aludindo a deficiências na explicitação da convicção positiva adquirida pelo tribunal da 1.ª instância quantos aos factos que deu por provados.

Tendo levado esta questão, tal como as anteriores – o erro de julgamento em matéria de facto e a existência dos vícios do n.º 2 do artigo 410.º do CPP –, à apreciação da relação, no recurso interposto para essa instância, não é à decisão da relação que o recorrente se refere.

A relação, certeiramente, compreendeu que as supostas deficiências da motivação, suscitadas pelo recorrente, mais não eram do que manifestações da inconformação com a decisão proferida sobre matéria de facto – pelo valor conferido pelo tribunal de 1.ª instância ao relatório de autópsia e pelos factos que estabeleceu com base em presunções –, e, com suficiência, esclareceu por que entendia que a fundamentação da apreciação da prova a que a 1.ª instância procedera «se mostra sistematizada e clara, não ocorrendo “intolerável” ausência de fundamentação ou omissão de decisão».  

Porém, a decisão da relação, nesse ponto, não mereceu qualquer reparo ao recorrente.

É, ainda e sempre, à decisão da 1.ª instância que o recorrente se dirige.

3.5. Ora, no sistema do duplo grau de recurso, terceiro de jurisdição, tal como está desenhado no nosso direito processual penal, da decisão da 1.ª instância é interposto recurso para a relação e da decisão da relação é interposto recurso (quando admissível) para o Supremo Tribunal de Justiça. É, portanto, o acórdão da relação a decisão de que é admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, ou seja, é ele que constitui a decisão que pode ser impugnada no recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça e, por ser assim, a impugnação tem de conter-se no âmbito da decisão recorrida.

O que significa que, num recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça de um acórdão da relação, o recorrente já não pode retomar a impugnação da decisão da 1.ª instância como se a relação não tivesse decidido um recurso, justamente, com esse âmbito e objecto. Julgado, pela relação, o recurso interposto da decisão proferida em 1.ª instância, o recorrente, inconformado com a decisão da relação, e por isso mesmo – porque do que se trata é da inconformação com a decisão da relação em recurso –, já só pode impugnar a decisão da relação. E não (re)introduzir no recurso para o Supremo Tribunal de Justiça a impugnação da decisão da 1.ª instância.

O recurso só pode ter por objecto a reapreciação, em outro grau, de questões decididas pela instância inferior. Essa reapreciação constitui um julgamento parcelar sobre a validade dos fundamentos da decisão recorrida, como remédio contra erros de julgamento.

A natureza e função processual do recurso, como remédio processual, apenas permite a reapreciação, em outra instância, de decisões expressas sobre matérias e questões já submetidas ao tribunal de que se recorre e objecto de decisão por parte do tribunal de que se recorre e que se compreendam, obviamente, no âmbito dos poderes de cognição da instância para que se recorre, No recurso não se decide, em rigor, uma causa, mas apenas questões específicas e delimitadas que tenham já sido objecto de decisão anterior pelo tribunal a quo e que um interessado pretende ver reapreciadas[6].

3.6. Também o recorrente AA, ao sustentar que «a morte da vítima não lhe poderia ter sido imputada a título de dolo eventual» está, afinal, a demonstrar a sua inconformação com os factos dados por provados.

Quando afirma que «dos factos dados como provados, o crime de homicídio apenas lhe poderia ser imputado a título de negligência, pois (…) não chegou a representar a possibilidade de realização do facto (morte)» é evidente que o recorrente está, em absoluto, a desconsiderar os factos que, efectivamente, foram dados por provados.

 Ignorando-os, especialmente, o ponto 13, o que visa é a demonstração de que uma criteriosa apreciação da prova produzida e examinada em audiência conduziria a que o homicídio não lhe fosse imputado a título de dolo eventual mas tão só a título de negligência.

Situa-se, assim, tal como toda a argumentação que desenvolveu demonstra, no estrito âmbito da impugnação da decisão da 1.ª instância proferida sobre matéria de facto, nos mesmos termos em que já a dirigira à relação e sem atender à limitação dos poderes de cognição do Supremo Tribunal de Justiça a matéria de direito.

3.7. Pelo que vem de ser exposto, rejeitam-se os recursos interpostos por BB e AA na parte em que demonstram a respectiva inconformação com a decisão proferida sobre matéria de facto por não ser admissível o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, nesse âmbito (artigo 420.º, n.º 1, alínea b), do CPP).   

4. A qualificação jurídica dos factos provados

Tendo-se os factos dados por provados na 1.ª instância e mantidos pela relação por definitivamente assentes, por neles não se detectar vício de que cumpra oficiosamente conhecer, deve, preliminarmente, deixar-se claro que todas as questões relativas à qualificação jurídica das condutas têm de ser resolvidas em face da matéria de facto fixada.    

4.1. A questão da subsunção das condutas ao crime de roubo do n.º 3 do artigo 210.º do CP

Esta questão é colocada pelos recorrentes AA e DD.

4.1.1. O n.º 3 do artigo 210.º é um crime agravado pelo resultado; crime de roubo agravado pelo resultado morte.

Nos termos do artigo 18.º do CP, do que, aqui, se trata é da fusão de um crime doloso (crime de roubo) e de um evento agravante negligente (homicídio)[7].  

“Se do facto resultar a morte” significa que a morte deve provir do comportamento levado a cabo para roubar, ou seja, dos meios usados para subtrair ou constranger à entrega do bem e do específico perigo que lhe está associado, por aqui se estabelecendo a necessidade de unidade de acção.

A imputação do resultado morte é sempre feita a título de negligência, trate-se de negligência grosseira ou grave ou de mera negligência. Não cabe no preceito o latrocínio (roubo doloso com homicídio doloso).

Se o homicídio for cometido para preparar, facilitar, executar ou encobrir um crime de roubo ou um crime de furto, o artigo 210.º, n.º 3, não deve ser convocado, pois, o que se verifica é um concurso efectivo de crimes; roubo ou furto, consoante a situação, em concurso com homicídio doloso (sendo sempre de ponderar se se verifica homicídio qualificado, nos termos do n.º 1 e da alínea g) do n.º 2 do artigo 132.º do CP), podendo, neste caso, já não se verificar a referida unidade de acção.

4.1.2. No caso, o resultado morte foi imputado aos três recorrentes a título de dolo eventual, como resulta do ponto 13 dos factos provados [«Os arguidos AA, BB e DD agindo em conjugação de esforços e de vontades, ao desferirem um número em concreto não apurado de pancadas na zona da cabeça de GG, colocaram a possibilidade de, com essa conduta, lhe tirarem a vida, conformando-se com a mesma»].

E isto basta para que a hipótese de subsunção dos factos ao n.º 3 do artigo 210.º seja imediatamente arredada.

Todavia, sempre se referirá que, por outro lado, não ocorre unidade de acção entre a apropriação dos bens de HH e a morte de GG, sendo esta produzida com a finalidade de facilitar a prática da apropriação, conforme decorre do ponto 14 dos factos provados [«Os arguidos AA, BB e DD não se coibiram de utilizar a força, de modo a não serem impedidos de retirar e levar consigo, fazendo seus, todos os objectos que lhes interessassem»].       
            Assim, o que se verifica é um concurso efectivo de crimes de furto e de homicídio.
            4.2. A qualificação do homicídio
            Todos os recorrentes contestam a qualificação do homicídio.
            Para afastar a qualificação, o recorrente AA acentua a imputação do crime a título de dolo eventual.
            O recorrente EE pretende que as circunstâncias em que o crime foi cometido não são de molde a revelar uma especial censurabilidade ou perversidade.
            Também o recorrente BB questiona a qualificação do homicídio. Embora, também, neste ponto, tenda a confundir a impugnação de facto com a impugnação de direito, só a esta, agora, atenderemos.

4.2.1. O homicídio qualificado do artigo 132.º do CP é um caso especial de homicídio doloso, punido com uma moldura penal agravada, construído de acordo com o método exemplificador ou técnica dos exemplos-padrão.

O homicídio qualificado resulta de a morte ter sido produzida em circunstâncias que revelem especial censurabilidade ou perversidade (artigo 132.º, n.º 1 – tipo de culpa, constituído por uma cláusula geral), fornecendo o legislador um enunciado, meramente exemplificativo, de circunstâncias cuja verificação nem sempre se revela qualificadora (artigo 132.º, n.º 2 – enumeração não taxativa de circunstâncias susceptíveis de revelarem especial censurabilidade ou perversidade). O método de qualificação combina um critério generalizador, determinante de um especial tipo de culpa, com a técnica dos exemplos-padrão. A qualificação deriva da verificação de um tipo de culpa agravado, assente numa cláusula geral, descrito com conceitos indeterminados (n.º 1), cuja verificação é indiciada por circunstâncias, umas relativas ao facto, outras ao autor, elencadas no n.º 2, a título exemplificativo[8].

O método utilizado pelo legislador português não é censurável à luz do princípio da legalidade e da função de garantia da lei penal, na medida em que a enumeração exemplificativa das circunstâncias susceptíveis de revelarem especial censurabilidade ou perversidade concretiza e determina o critério generalizador e o critério generalizador delimita a enumeração exemplificativa, numa interacção decisiva estabelecida entre as duas partes do preceito[9].

A verificação de qualquer das circunstâncias previstas no n.º 2 do artigo 132.º constitui um indício da existência da especial censurabilidade ou perversidade do agente e a ausência de qualquer das circunstâncias previstas no n.º 2 do artigo 132.º constitui indício de que essa especial censurabilidade ou perversidade não se verifica. Por isso se alude ao efeito de indício dos exemplos-padrão, segundo o qual a afirmação da presença de uma das circunstâncias do n.º 2 do artigo 132.º indicia a existência de uma especial censurabilidade ou perversidade do agente que fundamenta a aplicação da moldura penal agravada, enquanto que a negação da presença de qualquer das referidas circunstâncias indicia a inexistência de uma especial censurabilidade ou perversidade do agente que fundamenta a aplicação da moldura penal do artigo 131.º do CP[10].

            Desencadeado o efeito-padrão, pela verificação de uma circunstância prevista no n.º 2 do artigo 132.º, o tribunal não está dispensado de ponderar (ponderação global do facto e do autor), antes de concluir pela existência de uma especial censurabilidade ou perversidade, se não existem circunstâncias especiais no facto ou na pessoa do agente capazes de substancialmente revogar o efeito de indício do exemplo-padrão. Por outro lado, não está excluído que a inexistência de circunstâncias exemplificadas do n.º 2 do artigo 132.º determine inexoravelmente a punição do agente pelo homicídio simples. Mas se para a revogação do efeito de indício do exemplo-padrão, é necessário que se verifique um circunstancialismo adequado a atribuir ao facto uma imagem global insusceptível de revelar a especial censurabilidade ou perversidade do agente, também para a afirmação da especial censurabilidade ou perversidade, não se verificando qualquer das circunstâncias do n.º 2 do artigo 132.º, se reclama a verificação de circunstâncias extraordinárias ou de um conjunto de circunstâncias especiais capazes de conferirem ao facto a imagem de especial censurabilidade ou perversidade. Mas, além disso, é necessário que tais circunstâncias se compreendam na estrutura valorativa de algum ou de alguns dos exemplos-padrão. Com o que se quer dizer que essas circunstâncias devem revelar uma idoneidade qualitativa concordante com os grupos valorativos dos exemplos-padrão.

            O especial tipo de culpa do homicídio doloso é, em definitivo, conformado através da verificação da especial censurabilidade ou perversidade de que o facto se reveste, adequando-se ao pensamento da lei o de “pretender imputar à especial censurabilidade aquelas condutas em que o especial juízo de culpa se fundamenta na refracção, ao nível da atitude do agente, de formas de realização do facto especialmente desvaliosas, e à especial perversidade aquelas em que o juízo de culpa se fundamenta directamente na documentação no facto de qualidades de personalidade do agente especialmente desvaliosas”[11].

4.2.2. Nos termos da alínea g), primeira parte, pode qualificar o homicídio, a circunstância de o agente “ter em vista, preparar, facilitar executar ou encobrir um outro crime”, “bastando que no plano do agente, o homicídio surja (relação meio/fim) como determinado, ainda que só de forma eventual, pela perpetração de um outro crime”. Não é necessário (apesar da expressão legal “ter em vista …”) que o homicídio seja cometido com dolo intencional ou directo, bastando o dolo eventual[12].

Nos termos da alínea h), constitui exemplo-padrão de qualificação do homicídio a circunstância de o agente “praticar o facto juntamente com, pelo menos, mais duas pessoas”. O preenchimento do exemplo-padrão reclama, pois, que no facto comparticipem pelo menos três pessoas em co-autoria. Deve considerar-se, porém, que não é a co-autoria, “em si e por si mesma, que constitui o exemplo-padrão”, mas apenas se e quando ela determinar uma particular perigosidade do “meio” (no sentido amplo da “situação” e não apenas no sentido estrito do “instrumento”) e uma consequente particular dificuldade da vítima de dele se defender”[13].

4.2.3. O homicídio qualificado é, tal como o homicídio simples, um tipo punível a título de dolo, em qualquer das suas modalidades inscritas no artigo 14.º do CP – directo, necessário ou eventual[14].
            Como adverte Figueiredo Dias[15], não havendo motivo para atribuir ao dolo eventual um estatuto de subalternidade em face das demais modalidades de dolo, também não há justificação para “posições que, por princípio e sem mais, afastem ou restrinjam a aplicabilidade do homicídio qualificado logo pela simples razão de o agente actuar com dolo eventual”[16].
            Para a afirmação do dolo, o que o aplicador tem de fazer é partir da situação tal como ela foi representada pelo agente e, a partir dela, perguntar se a situação, tal como foi representada, corresponde a um exemplo-padrão ou a uma situação substancialmente análoga. E, em caso afirmativo, se ela é susceptível de revelar a especial censurabilidade ou perversidade do agente.
            Para que possam afirmar-se certos motivos ou finalidades, o agente tem de estar consciente desses motivos ou finalidades. Tal como tem que ter conhecimento das circunstâncias em que executa o facto[17].
            4.2.4. Os recorrentes representaram a situação fáctica que integra o exemplo-padrão do primeiro segmento da alínea h) e agiram no quadro da, por eles querida, finalidade prevista no primeiro segmento da alínea g) – facilitar a prática do furto.

Os recorrentes, ao desferirem pancadas na zona da cabeça de GG, agindo os três em conjugação de esforços e de vontades, sabiam que criavam uma situação de particular perigosidade para a vítima, dificultando qualquer possibilidade de a vítima se defender da actuação conjugada deles.

Por outro lado, os recorrentes tinham perfeita consciência da instrumentalidade do homicídio. A morte de GG serviu o propósito de cada um dos três recorrentes de facilitar a prática do furto: «de modo a não serem impedidos de retirar e levar consigo, fazendo seus, todos os objectos que lhes interessassem».

No plano dos três recorrentes, o homicídio de GG é, assim, determinado, numa relação meio/fim, ainda que só de forma eventual, pela perpetração do crime de furto.

No homicídio concorrem, pois, elementos constitutivos dos exemplos-padrão das alíneas g) e h) do n.º 2 do artigo 132.º a conferirem ao facto uma imagem global de especial censurabilidade.  

Na ponderação das circunstâncias do caso, determinantes de uma especial censurabilidade dos recorrentes, a punição deles pela prática, em co-autoria, de um crime de homicídio, p. e p. pelos artigos 131.º e 132.º, n.os 1 e 2, alíneas g) e h), do CP, deve ser mantida.
            5. A medida das penas
            5.1. O recorrente AA não deduziu qualquer pretensão em relação à medida da pena pelo homicídio no contexto da qualificação jurídica do homicídio como homicídio qualificado.
            Na verdade, formulou o pedido de condenação numa pena «em torno dos 9 anos de prisão» – relativamente ao qual não apresentou qualquer alegação nem na motivação, nem nas conclusões – na estrita dependência da pretensão, alternativa, de condenação por um homicídio simples.
            Tendo nós mantido a condenação pelo tipo qualificado de homicídio, o pedido de redução da pena, tanto singular, pelo homicídio, e, em função dela, da conjunta, pelo concurso de crimes, tal como foi formulado, mostra-se prejudicado.
            5.2. Também o recorrente EE colocou a questão da redução da pena singular na estrita dependência da pretensão de condenação por um homicídio simples.
            Por isso, é que concretiza a pena concreta que se lhe apresenta justa e adequada em medida nunca superior a 10 anos.
            Se daí se pode inferir que o recorrente não tem em mente o homicídio qualificado (punido, em abstracto, com pena de prisão de 12 a 25 anos), a motivação é, a respeito, de total clareza. Na motivação, o recorrente afasta a hipótese (que parece admitir na conclusão 3.ª) de ser condenado por homicídio qualificado. Sustenta, com efeito, que «o nível de actuação do recorrente reconduz-se a um grau compatível com o homicídio simples», «(…) inexistindo qualquer tipo especial de culpa», «neste contexto, a admitir-se que os arguidos cometeram um crime de homicídio p. e p. pelo artigo 131.º do CP, deve ter-se em consideração que a pena concreta deve ter em conta as circunstâncias relatada», «ora a moldura abstracta varia entre 8 e 16 anos de prisão», «mas atendendo a tudo quanto se expôs, deve no caso concreto determinar-se a fixação da pena que não ultrapasse os dez anos».
            Por ser assim, tendo nós mantido a condenação pelo tipo qualificado de homicídio, a pretensão de redução da pena pelo homicídio, também formulado na estrita dependência da condenação por um homicídio simples, mostra-se prejudicado.
            5.3. O recorrente BB, podendo impugnar, no recurso para este Tribunal, a medida da pena pelo homicídio, absteve-se de o fazer, centrando-se, exclusivamente, na medida da pena conjunta, embora não indique como norma jurídica violada o artigo 77.º, n.º 1, do CP, mas, antes, os artigos 40.º, n.º 2, e 71.º, n.º 2, que importam primacialmente à determinação de penas singulares, e o artigo 72.º (atenuação especial da pena), este último não aplicável à determinação da pena conjunta, pelo concurso de crimes.
5.3.1. Estabelece o n.º 2 do artigo 77.º do CP, que a moldura penal abstracta do concurso de crimes é encontrada em função das penas concretamente aplicadas aos vários crimes em concurso, correspondendo o limite mínimo à pena mais elevada das penas concretamente aplicadas e o limite máximo à soma de todas as penas concretamente aplicadas (não podendo ultrapassar, porém, 25 anos, tratando-se de pena de prisão, e 900 dias, tratando-se de pena de multa).

Assim, no caso, a moldura abstracta do concurso tem como limite mínimo 14 anos e 6 meses de prisão – a medida da pena singular mais elevada – e como limite máximo 19 anos e 4 meses de prisão – a soma das duas penas singulares aplicadas.

5.3.2. A medida concreta da pena do concurso determinar-se-á, no quadro da moldura abstracta, segundo o critério do artigo 77.º, n.º 1, segundo parte, do CP – na determinação da pena do concurso são considerados em conjunto os factos e a personalidade do agente.

No nosso sistema, a pena conjunta pretende ajustar a sanção – dentro da moldura formada a partir de concretas penas singulares – à unidade relacional de ilícito e de culpa, fundada na conexão auctoris causa própria do concurso de crimes. A significar que o nosso sistema rejeita uma visão atomística da pluralidade dos crimes e obriga a ponderar o seu conjunto, a possível conexão dos factos entre si, e a relação da personalidade do agente com o conjunto de factos.

5.3.3. O recorrente cometeu o crime de homicídio com a finalidade de facilitar a prática do crime de furto, pelo que a conexão que, no caso, se estabelece entre os dois crimes, por terem sido cometidos na mesma ocasião e no quadro da satisfação da mesma motivação não tem um qualquer significado de atenuação do culpa pelo ilícito global.

 Neste, projecta-se uma culpa elevada e, sobretudo, qualidades muito desvaliosas da personalidade do recorrente, pela indiferença que demonstrou pelo valor da vida não se coibindo de matar num plano meramente instrumental da concretização de um projecto de furto.
O que não pode deixar de relevar muito negativamente, tanto mais quanto o recorrente tem amplos antecedentes criminais, já cumpriu penas de prisão, à data dos factos encontrava-se evadido do estabelecimento prisional, caracterizando-se o seu comportamento por práticas conflituosas, agressivas e delituosas (cfr., v. g., factos provados 36, 73 a 77).
Tudo a permitir caracterizar o recorrente como um delinquente por tendência.
Nesta ponderação, em que sobreleva a gravidade do ilícito global e as qualidades negativas da personalidade do recorrente nele projectadas, não encontramos razões de censura da pena conjunta de 15 anos e 11 meses de prisão cominada.

III

Assim, nos termos expostos, acordamos:
1. Relativamente ao recorrente AA, em rejeitar o recurso, na parte em que está implícita a impugnação da decisão proferida sobre matéria de facto, em negar provimento ao recurso quanto à pretendida alteração da qualificação jurídica dos factos e em julgar prejudicado o pedido de redução das penas singular e conjunta;
2. Relativamente ao recorrente DD, em negar provimento ao recurso quanto à visada a alteração da qualificação jurídica dos factos e em julgar prejudicada a pretensão de redução da pena singular;
3. Relativamente ao recorrente BB, em rejeitar o recurso na parte em que visa impugnar a decisão proferida sobre matéria de facto e em julgar improcedente o recurso quanto à alteração da qualificação jurídica dos factos e quanto à redução da medida da pena conjunta, pelo concurso de crimes;
4. Consequentemente, em manter o acórdão do Tribunal da Relação de Évora recorrido.
5. Por terem decaído, cada um dos recorrentes AA, DD e BB vai condenado em 6 UC de taxa de justiça e todos, solidariamente, nos demais encargos (artigos 513.º, n.º 1, e 514.º, n.º 1, do CPP, 8.º e tabela III anexa ao RCP).
                                 
                Supremo Tribunal de Justiça, 09/04/2015

 

Isabel Pais Martins (Relatora)
Manuel Braz


           
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[1] Omite-se a transcrição dos factos pessoais relativos ao arguido Francisco Silva.
[2] Omite-se a transcrição dos antecedentes criminais de Francisco Silva.
[3] Daqui em diante abreviadamente designado pelas iniciais CP.
[4] A exemplo do que tantas vezes se tem feito..
[5] Se se verificar o outro pressuposto (aplicação de pena superior a 5 anos), acrescenta-se, agora, atendendo à actual redacção da alínea c) do n.º 1 do artigo 432.º do CPP.
[6] Assim., v. g., acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20/12/2006 (processo n.º 3661/06).
[7] Na matéria, cfr. Conceição Ferreira da Cunha, Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo II, Coimbra Editora, 1999, comentário ao artigo 210.º, n.º 3, especialmente §§ 95, 99, 100, pp. 189-191, que, neste ponto, seguimos.
[8] Cfr. Acta da 2.ª Sessão da Comissão Revisora do Código Penal, de 17 de Março de 1966, Acta n.º 20, de 13 de Dezembro de 1989, da Comissão de Revisão, Actas e Projecto da Comissão de Revisão, Rei dos Livros, p. 188 e ss., Figueiredo Dias, Comentário Conimbricense ao Código Penal, Coimbra Editora, Tomo I, 2.ª edição, em anotação ao artigo 132.º, p. 47 e ss., Teresa Serra, Homicídio Qualificado, Tipo de Culpa e Medida da Pena, Livraria Almedina, Coimbra, 1990, p. 58 e ss.
[9] Teresa Serra, ob. cit., p. 127.
[10] Ibidem, pp. 66-67.
[11] Assim, Figueiredo Dias, ob. e loc. cit., §12, p. 55.
[12] Ibidem, § 31, pp. 64-65.
[13] Ibidem, §37, p. 67.
[14] A jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça tem-se pronunciado, ao que sabemos de forma maioritária, no sentido da compatibilidade entre a qualificação do homicídio e a sua imputação a título de dolo eventual.
[15] Ob. e loc. cit., § 51, p. 74.
[16] Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal, 2.ª edição actualizada, Universidade Católica Editora, em comentário ao artigo 132.º, § 28, p. 405, sustentando que o homicídio qualificado pode ser cometido em qualquer forma de dolo, sendo admissível o seu cometimento na forma de dolo eventual, ressalva, com razão, os casos de tortura ou crueldade, persistência da intenção de matar por mais de 24 horas, reflexão sobre os meios utilizados, avidez e prazer de matar ou causar sofrimento.
[17] Assim, Teresa Serra, ob. cit., p. 77 ss.