Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JSTJ00030443 | ||
| Relator: | MARIANO PEREIRA | ||
| Descritores: | ARGUIDO | ||
| Nº do Documento: | SJ199607100472063 | ||
| Data do Acordão: | 07/10/1996 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Referência de Publicação: | BMJ N459 ANO1996 PAG376 | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | REC PENAL. | ||
| Decisão: | NEGADO PROVIMENTO. | ||
| Indicações Eventuais: | A REIS IN CPC ANOTADO VOLIV PÁG469. | ||
| Área Temática: | DIR CRIM - CRIM C/PATRIMÓNIO. DIR PROC PENAL - RECURSOS. | ||
| Legislação Nacional: | |||
| Sumário : | I - A acareação é um meio de prova que consiste no confronto entre pessoas que prestaram declarações contraditórias, tendo por finalidade esclarecer depoimentos divergentes sobre o mesmo facto. II - A leitura de declarações do arguido só é permitida nos termos do artigo 357 do Código do Processo Penal. | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: Em processo comum - com intervenção do Tribunal Colectivo - foram julgados no Tribunal de Círculo de Sintra os arguidos: - Miguel Jorge Carrilho da Silva, casado, canalizador, nascido em 20 de Janeiro de 1952 em São Domingos de Rana - Cascais - filho de Joaquim da Silva e de Maria Carrilho Rodrigues, residente na Quinta da Alagoa, Lote 14 - 1. Direito em Rebelva; - Virgílio Rodrigues Candeias, solteiro, empregado da indústria hoteleira, nascido em 28 de Agosto de 1958 em Vale de Espinho - Sabugal, filho de Virgílio Candeias e de Glória Rodrigues Malhadas, residente na Avenida Nossa Senhora das Neves - Edifício Maças - 4. Direito - A-Ver-O-Mar, em Póvoa de Varzim; - Manuel António Farrancho Gonçalves, divorciado, gerente comercial, nascido em 26 de Janeiro de 1951, em Salvador - Penamacor, filho de Joaquim Gonçalves e de Maria Albertina Farrucho, residente na Praceta Câmara Reis, Lote 124 C/V-C, em Casal de São Brás - Amadora; pela prática, em co-autoria material, de um crime de roubo na forma consumada previsto e punido pelo artigo 306 ns. 1 e 3 alínea a) e 5, com referência ao artigo 297 ns. 1 alínea a) e 2 alínea b), todos do Código Penal e de um crime de falsificação previsto e punido pelo artigo 228 n. 1 alínea a) e 2 com referência ao artigo 229 ns. 1 e 3 do referido Código e ainda o Virgílio Candeias pela prática de um crime de furto qualificado previsto e punido pelos artigos 296 e 297 n. 1 alínea a) e n. 2 alínea c) do Código Penal e o Manuel António Gonçalves pela prática de um crime de detenção de arma proibida previsto e punido pelo artigo 260 do mesmo Código. Após o julgamento, foram todos os arguidos absolvidos de todos os crimes. Inconformado com a decisão dela recorreu o Excelentíssimo Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal "a quo". Na motivação, motivou também o recurso que havia interposto para a acta durante o julgamento e do despacho que indeferiu a sua pretensão de ser examinado ou lido em audiência o auto de acusação de três dos arguidos, mais precisamente o auto de folha 100. Conclui: 1 - a acusação é um meio de prova legalmente admissível regulado pelo capítulo próprio do Código de Processo Penal (artigo 146). 2 - Como tal e para que valha em julgamento para efeito da formação da convicção do Tribunal deve ser produzida ou examinada em audiência (artigo 355 n. 2 do Código de Processo Penal). 3 - Por isso que se não encontra abrangida pela ressalva do n. 2 do referido artigo e diploma legais. 4 - Sob pena de se tratar de meio de prova inútil e sem que fizesse qualquer sentido a sua presença no Código de Processo Penal. 5 - Ao não admitir o seu exame em audiência votou o Tribunal Colectivo o disposto nos artigos 146, 355 e 356 do Código Penal. 6 - Não o fazendo e, consequentemente, não a utilizando para formar a sua convicção, o Tribunal "a quo" procedeu a erro notório na apreciação da prova - artigo 410 n. 2 alínea c) do Código de Processo Penal. 7 - Que determinou a absolvição dos arguidos. 8 - Dando cumprimento ao disposto no artigo 412 n. 2 alínea b) do Código de Processo Penal entende o recorrente que o Tribunal Colectivo interpretou as normas legais citadas (artigos 146, 355 e 356 do Código de Processo Penal) no sentido de que contendo a acusação declaração dos arguidos e não tendo estes consentido na sua leitura, impedido estava de a examinar em audiência e, assim, a valorar em termos de formar a sua convicção. 9 - Devendo tais normas serem interpretadas, pelo contrário, no sentido preconizado pelo recorrente. Termina requerendo "seja concedido provimento ao... recurso e em consequência seja o processo reenviado para novo julgamento e desde já deferida a pretensão... em que seja examinada em audiência a acareação produzida (artigos 426 e 436 do Código de Processo Penal)". Na sua resposta à motivação os arguidos Manuel António Farrancho Gonçalves e Virgílio Rodrigues Candeias pugnam pelo não provimento dos recursos. Neste Tribunal foi cumprido o disposto nos artigos 416 e 417 do Código de Processo Penal e realizada a audiência pública. Cumpre decidir. Factos provados no Tribunal "a quo": - Na noite de 16 para 17 de Fevereiro de 1989 a hora indeterminada, indivíduo cuja identidade não foi possível determinar introduziu-se na viatura de marca Citroen com a matricula RC-78-76 pertencente a Eurico José Castelo Branco de Almeida Correia que se encontrava estacionada no interior do parque de estacionamento da oficina da Citroen sita na Rua de Luanda em Carcavelos a qual tinha a chave no local da ignição. - Essa viatura a que foi atribuído o valor de 1450000 escudos foi retirada desse local por esse tal indivíduo contra a vontade e sem autorização do proprietário. - No dia 20 de Fevereiro de 1989, cerca das 10 horas e 30 minutos, três indivíduos cuja identidade não foi também possível determinar e que se faziam transportar num veículo automóvel de marca Citroen modelo AX e que ostentava a matrícula com o n. RC-87-79 chegados às instalações do posto de revenda de combustíveis da Mobil no Cacém que era explorado pela Sociedade "J. Marreiros Borba Limitada" estacionaram essa viatura junto das bombas de gasolina que ficam à direita da faixa de rodagem da então Estrada Nacional n. 249/3, actual IC n. 19, considerando o sentido Sintra - Lisboa. - De seguida apearam-se os três indivíduos e dirigiram-se às referidas instalações da Mobil, indo um deles munido com uma espingarda caçadeira de canos cerrados levando os outros dois um deles um revólver e o outro uma pistola. - Lá chegados os dois indivíduos que estavam munidos com a pistola e revólver e se encontravam encapuçados, por forma a não serem identificados, entraram de imediato naquelas instalações tendo o outro indivíduo que estava armado com a caçadeira, e que usava óculos escuros, permanecido junto à porta de entrada em actividade de vigia. - Aqueles dois indivíduos ao entrarem nas mencionadas instalações disseram em voz alta "isto é um assalto" e virando-se para os funcionários Marisia Emília Dias Pereira e Elvira Maria da Costa Coutinho que se encontravam na caixa por um deles foi-lhes dito "para estarem caladinhas". - Depois um desses dois indivíduos dirigiu-se a uma dependência interior onde funcionavam os serviços de escritório e onde se encontravam João Marreiros da Conceição Borba e Carlos Manuel Lourenço de Matos. - Na parede dessa dependência encontrava-se um cofre donde esse indivíduo retirou determinada quantia em dinheiro, cujo montante exacto não foi possível determinar, mas que ascendia a algumas centenas de contos que meteu num saco que trazia consigo. - Enquanto todos estes actos eram praticados os três mencionados indivíduos mantinham as armas de que cada um estava munido apontadas às pessoas que se encontravam nas referidas instalações da "Mobil" dissuadindo-as de esboçarem qualquer reacção, o que conseguiram por essas pessoas recearem ser alvejadas a tiro. - Depois e na posse do dinheiro de que se haviam apoderado retiraram-se os três indivíduos para a mencionada viatura e fugiram do local a grande velocidade levando com eles o dinheiro que fizeram seu, apesar de saberem que não lhes pertencia e que agiam contra a vontade do dono. - O arguido Manuel António Gonçalves desde altura não determinada e até 14 de Setembro de 1993, altura em que lhe foi apreendida, manteve consigo na sua residência sita no Casal de São Brás, na Amadora, uma espingarda de cartucho, de calibre 9 milímetros, com o n. 37849, sem marca, sem culatra, em péssimo estado de conservação e incapaz de ser utilizada como arma de fogo. - Ignora-se a situação sócio-económica dos arguidos. - Cada um deles já sofreu as condenações que constam dos seus certificados do registo criminal junto aos autos. - Todos eles têm outros processos crime pendentes noutros tribunais. Factos não provados: - Que tivesse sido o arguido Virgílio Candeias que na noite de 16 para 17 de Fevereiro de 1989 se introduziu no veículo de marca Citroen de matricula RC-78-86 e que tivesse sido ele quem retirou essa viatura do parque de estacionamento onde se encontrava, em Carcavelos. - Que os arguidos alguns dias depois dessa data se tenham reunido na residência do arguido Manuel António Gonçalves no Casal de São Brás, na Amadora e que aí tivessem combinado entre si assaltar o posto de abastecimento de combustíveis da Mobil, no Cacém. - Que os arguidos no dia 20 de Fevereiro de 1989 se tivessem deslocado até esse local, na referida viatura, e que esta fosse conduzida pelo arguido Virgílio Candeias. - Que os arguidos previamente tivessem substituído a matricula dessa viatura por uma outra com o n. RP-87-79. - Que os arguidos soubessem que o dinheiro dos apuros feito no referido posto de revenda de combustíveis na noite anterior ao dia 20 de Fevereiro de 1989 não havia sido depositado no banco e que se encontrava nas instalações desse posto. - Que os factos dados como provados e relacionados com a concretização do assalto a essas instalações tivessem sido praticados por qualquer um dos arguidos. - Que o dinheiro de que os assaltantes se apropriaram ascendesse a 1169710 escudos. - Que os arguidos tivessem feito deles o dinheiro que foi retirado do referido posto de revenda de combustíveis e que o tenham dividido em partes iguais pelos três e que o tivessem gasto em proveito próprio. Análise Jurídica: Como supra se vê existem dois recursos. a) - o interposto na acta do julgamento relacionado com o facto de o Excelentíssimo Magistrado do Ministério Público ter visto indeferido o seu requerimento onde pretendia fosse examinado ou lido em julgamento o auto de acareação de folha 100 de três dos dois arguidos e produzido durante o inquérito. b) - e o da sentença final absolutória. Importa examinar o primeiro, já que tem nitidamente um carácter prévio em relação a uma eventual apreciação do segundo. Examinando. Durante o julgamento o Excelentíssimo Magistrado do Ministério Público requereu fosse examinado ou lido em audiência o auto de acareação de folha 100 produzido em inquérito e respeitante à acareação dos arguidos Virgílio Rodrigues Candeias, Manuel António Farrancho Gonçalves e Miguel Jorge Carrilho da Silva. A defesa opos-se à referida leitura argumentando com o facto de a mesma não ser permitida nos termos do n. 2 do artigo 355 do Código de Processo Penal. A pretensão foi indeferida por despacho ditado para a acta argumentando-se, fundamentalmente, com o facto de tal auto conter declarações dos arguidos e estas só poderem ser lidas nos casos previstos no artigo 357 do Código de Processo Penal, o que não é o caso. Há que tomar posição. A acareação segundo o Professor Alberto dos Reis in Código de Processo Civil Anotado volume IV página 469 "consiste em pôr em presença uma da outra ou umas das outras (cara a cara) duas ou mais pessoas que depuseram e fizeram nos seus depoimentos afirmações que colidem". Esta figura jurídica é admissível quer no processo civil onde vem tratada no artigo 642 do Código de Processo Civil quer no processo penal onde se lhe refere o artigo 146 do, Código de Processo Penal. É, assim, um meio de prova que consiste no confronto entre as pessoas que prestaram declarações contraditórias tendo por finalidade esclarecer depoimentos divergentes sobre o mesmo facto. E tais declarações podem ser reduzidas a auto (cfr. artigo 146 n. 4 do Código de Processo Penal). No caso em apreço, o auto de acareação foi produzido durante a fase de inquérito e perante elemento da Polícia Judiciária e nela os arguidos Virgílio Rodrigues Candeias, Manuel António Farrancho Gonçalves e Miguel Jorge Carrilho da Silva, postos em presença uns dos outros, relatam factos e remetem, por vezes, para declarações suas anteriormente feitas. Da acta de audiência e julgamento consta: "... Nesta altura foram os arguidos advertidos de que não eram obrigados a prestar declarações sobre a matéria de que se acham acusados, tendo os mesmos dito que não desejavam prestá-las..." vide folha 324. Refere o artigo 355 do Código de Processo Penal: Seu n. 1 "Não valem em julgamento nomeadamente para o efeito de formação da convicção do tribunal quaisquer provas que não tiverem sido produzidas ou examinadas em audiência". Seu n. 2 "Ressalvam-se do disposto no número anterior as provas contidas em actos processuais cuja leitura em audiência seja permitida nos termos dos artigos seguintes". Vê-se que esta norma apresenta como regra no seu n. 1 a proibição de valoração de provas que não tiverem sido produzidas ou examinadas em audiência, valendo o seu n. 2 como excepção. E, assim, dentro da excepção e na parte que interessa temos o artigo 356 n. 1 alínea b) do referido Código que nos indica que só é permitida a leitura em audiência de autos de instrução ou de inquérito que não contenham declarações do arguido, do assistente, das partes civis ou de testemunhas. E respeitante à leitura de declarações do arguido é o artigo 357 que esclarece: 1 "A leitura de declarações anteriormente feitas pelo arguido só é permitida: a - a sua própria solicitação e, neste caso, seja qual for a entidade perante a qual tiverem sido prestadas; ou b - quando, tendo sido feitas perante o juiz, houve contradição ou discrepâncias sensíveis entre elas e as feitas em audiência que não possam ser esclarecidas de outro modo...". Deste dispositivo resulta que apenas é permitida a leitura de declarações anteriormente feitas pelo arguido em julgamento quando: a) o arguido consentir nessa leitura. b) o arguido querendo prestar declarações em julgamento e prestando-as elas se configuram em contradição com ouras declarações por si já prestadas e constantes do processo. E, a nosso ver, entram no conceito de declarações já prestadas no processo quaisquer declarações pertencentes ao arguido designadamente as que figuram em auto de acarearão. "In casu", como se viu, os arguidos não quiseram e não prestaram declarações em julgamento, pelo que não podiam ser lidas ou examinadas em audiência quaisquer outras declarações já prestadas, inclusivé, as constantes do auto de acareação, pelo que se mantém a regra consignada no n. 1 do artigo 355 do Código de Processo Penal e já acima citada; ou seja, não valem em julgamento para formação da convicção do tribunal as provas constantes do auto de acareação. Face ao exposto, bem indeferida foi a pretensão do recorrente. A solução encontrada obriga a julgar improcedente o 2. recurso, dado que não existe qualquer prova de os arguidos terem cometido os ilícitos criminais que lhes são imputados. Improcedem, pois, ambos os recursos pelo que se confirma na integra o decidido. Sem tributação dado o recorrente estar isento. Honorários à Excelentíssima Defensora Oficiosa nomeada na audiência pública: 7500 escudos a serem pagos pelos cofres. Lisboa, 10 de Julho de 1996 Mariano Pereira, Flores Ribeiro, Brito Câmara, Joaquim Dias. Decisão Impugnada - 12 de Maio de 1994 |