Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
685/13.8JACBR.C1-B.S1
Nº Convencional: 5.ª SECÇÃO
Relator: ANTÓNIO GAMA
Descritores: RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA
DESPACHO
TRIBUNAL DA RELAÇÃO
DECISÃO INTERLOCUTÓRIA
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Data do Acordão: 02/04/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: INDEFERIDA A RECLAMAÇÃO.
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
I - Das decisões singulares proferidas na pendência de um recurso na relação, cabe reclamação, nos casos e nos termos estabelecidos pelo legislador (art. 417.º, n.º 8, do CPP).
II - As decisões interlocutórias proferidas em recurso nos tribunais da Relação são irrecorríveis, por não conhecerem a final, do objeto do processo (art. 432.º, n.º 1, CPP).
III - O despacho que designa dia para a audiência não é recorrível. E tanto designa data para a audiência o despacho que marca o dia, como aquele que, não a adiando, mantém a data inicial.
IV - Dos despachos singulares, proferidos na pendência de recurso na relação, não cabe recurso para o STJ, mas reclamação para a conferência, na relação respetiva; as decisões da relação recorríveis são os acórdãos.
V - A rejeição do recurso por erro na forma de tutela jurisdicional a que os recorrentes deitaram mão, não obsta, em princípio, considerando o princípio da economia processual e do aproveitamento dos atos validamente praticados, que se ordene que os autos voltem à relação, para o despacho sindicado ser submetido à conferência, desde que a reconversão do recurso em reclamação seja tempestiva.
Decisão Texto Integral:

Processo n.º 685/13.8JACBR:C1-B

Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça

I

1. Os arguidos AA, BB, CC e DD, recorreram dos despachos do juiz desembargador presidente de seção do Tribunal da Relação ….. que indeferiu o requerimento de alteração da data da audiência de julgamento e indeferiu a arguição de nulidade do despacho que determinou a realização da audiência, na data inicialmente indicada, apesar de ter sido requerida a sua recusa, apresentando as seguintes conclusões (transcrição):

1. No âmbito dos autos de processo comum com intervenção do tribunal coletivo com o n.º 685/13…. foram os Recorrentes condenados pela prática, como coautores materiais, de oito crimes de tráfico de pessoas.

2. Inconformados com tal decisão, interpuseram recurso para o Tribunal da Relação …, requerendo a realização de audiência para discussão das matérias aí melhor concretizadas (ao abrigo do disposto no artigo 411º/5 do C.P.P.), a qual, por despacho de 03-09-2020, foi marcada para o dia 16-09-2020 às 10:00 horas.

3. Mediante requerimento datado de 07-09-2020, veio o Mandatário dos Recorrentes requerer a alteração da data da audiência de julgamento com base em incompatibilidade de agenda, alicerçando o seu pedido no artigo 151.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do n.º 4 do artigo 312.º do C.P.P.

4. Não obstante ter logrado indicar três datas alternativas, por despacho datado de 08-09-2020 – o primeiro do qual iremos recorremos na presente peça – veio o T.R….., na figura do Exmo. Sr. Juiz Desembargador EE, afastar a hipótese de alterar a data para realização da audiência por diversas razões.

5. Desde logo, resulta do despacho em crise que o artigo 312º, nº 4 do C.P.P. não é aplicável aos recursos nos tribunais superiores, ainda que aí se faça a ressalva da possibilidade de emprego desse mesmo normativo “em casos pontuais”.

6. Ainda assim, continua o Mm.º Juiz ao afirmar que, no caso concreto, não haveria lugar à aplicação desta exceção pois que, tendo por base o disposto no artigo 422º, nº 1 do C.P.P., a presença do Mandatário dos Recorrentes não se demonstrava essencial, na medida em que as questões suscitadas nas alegações de recurso se encontravam amplamente concretizadas nessa mesma peça.

7. Desde o primeiro momento que os Recorrentes defendem que estas palavras são claramente demonstrativas do caráter parcial do Exmo. Juiz Desembargador, tal como lesivas dos seus direitos, não só como Arguidos, mas mesmo como cidadãos.

8. Motivo pelo qual, na data de 14-09-2020, vieram os Arguidos requerer a recusa do Mm.º Juiz EE perante o Supremo Tribunal de Justiça.

9. A 15-09-2020, pronunciou-se o Exmo. Juiz Desembargador do T.R…... no sentido de manter a audiência para o dia seguinte, por considerar que esta constituía um ato processual urgente, enquadrando-a no disposto no artigo 45º, nº 2 do C.P.P., visto que existiam Arguidos em prisão preventiva cujo prazo termina a 09-11-2020.

10. Inconformados com o conteúdo do referido despacho, vieram os Arguidos, nesse mesmo dia, arguir a sua nulidade nos termos do artigo 43º, nº 5 do C.P.P.

11. A 16-09-2020, no decurso da audiência de julgamento e por despacho do qual também se recorre na presente peça, indeferiu o Tribunal a nulidade invocada, reiterando tudo quanto tinha sido dito no seu despacho do dia anterior.

12. É assim indubitável que, tanto o despacho datado de 08/09, como aquele proferido no dia 16/09, são manifestamente lesivos do direito de defesa dos Arguidos, os quais viram afastada a possibilidade de terem presente – em diligência que especificamente requereram – o Advogado de sua confiança, que escolheram e que sempre os acompanhou.

13. Não nos esqueçamos que, de acordo com o nº 3 do artigo 32º da Constituição da República Portuguesa, o arguido tem direito a escolher defensor e a ser por ele assistido em todos os atos do processo.

14. Contextualização feita, segue-se o recurso propriamente dito de cada despacho individualmente.

15. Assim, no que especificamente concerne o despacho de 08-09-2020, cabe sublinhar, desde já, que se revelava de máxima importância a presença do Mandatário dos Arguidos tanto na audiência de julgamento ora em questão, como naquela que tinha já sido previamente marcada para o mesmo dia.

16. Com efeito, não tendo o Advogado o dom da ubiquidade, outra solução não se afigurava como viável senão a de requerer a alteração da data da audiência relativa aos presentes autos.

17. Após estabelecer contacto com os Ilustres Colegas, veio a indicar, no seu requerimento de 07-09-2020, as datas alternativas de 01-10, 02-10 e 14-10 do presente ano.

18. Foi o referido pedido indeferido pelo despacho de que agora se recorre, não podendo os Recorrentes dele deixar de discordar por diversa ordem de razões.

19. Desde logo, é do entendimento dos Recorrentes que não colhe qualquer provimento a lógica de que o art.151º, nº 2 do C.P.C. (aplicável ex vi do artigo 155º, nº 4 do C.P.P.) não tem aplicabilidade à audiência que, nos termos do art.411º, nº5 C.P.P., se requereu.

20. Ora, a ratio subjacente às normas supracitadas prende-se com a compreensão de que, quando não exista comunicação prévia no sentido de marcação das audiências de julgamento, é perfeitamente normal que venham a surgir casos de incompatibilidade de agenda.

21. Com efeito, e nunca perdendo de vista que o artigo 423º, nº 1 do C.P.P. nos diz que são subsidiariamente aplicáveis as disposições relativas à audiência de julgamento em 1ª instância, não havendo qualquer norma que afaste a aplicação do artigo 312º, nº 4 do C.P.P., não se encontra qualquer explicação para o facto de esta disposição não ser aplicável ao caso concreto!

22. Questão diferente é aquela presente no nº 1 do artigo 422º do C.P.P., segundo o qual a não comparência de pessoas convocadas só determina o adiamento da audiência quando o tribunal o considerar indispensável à realização da justiça.

23. Pela leitura desta norma, somos levados a concluir que a mesma é aplicável aos casos em que, apesar de regularmente convocado, um dos sujeitos processuais não compareceu no dia da audiência de julgamento.

24. Ora, in casu., o Mandatário dos Arguidos, perante a necessidade de conciliar a defesa dos seus vários constituintes e previamente à data da diligência, veio apenas e só requerer a alteração do dia de audiência de julgamento para uma das primeiras datas na sua disponibilidade e de todos os seus Ilustres colegas.

25. Fazendo-o em tempo de ser ainda possível encontrar uma outra solução que se revelasse mais conveniente para o Tribunal e os restantes Mandatários!

26. O que nos leva para uma outra questão: o facto de, no despacho recorrido, se afirmar que, ainda que se colocasse a hipótese de concertar datas para a audiência, no caso em apreciação, por as datas sugeridas superarem os 20 dias enunciados no artigo 421º, nº 1 do C.P.P., não seria esta uma solução plausível.

27. Salvo o devido respeito face à opinião do Tribunal recorrido, o que o nº 1 do art.421º do C.P.P. preconiza é que, aberta a conclusão ao presidente da secção, este designa a data para a audiência para um dos 20 dias seguintes.

28. Ou seja, a regra imposta é, apenas, para esse agendamento inicial, nada impedindo que não possa vir a ser designada, nomeadamente por impossibilidade de comparência de um mandatário ou por situação de doença de um dos Mm.ºs Desembargadores, data posterior a esses 20 dias!

29. Mais, ao afirmar que não era essencial a presença do Mandatário dos Recorrentes na audiência, não só lhe nega a possibilidade de comparecer, como desvaloriza por completo o seu papel como advogado e até a relevância da própria diligência cuja realização se requereu.

30. Note-se que, atualmente, a realização de audiência em sede de recurso já não é obrigatória, mas depende da manifestação expressa da vontade do recorrente nesse sentido.

31. Ora se a lei coloca o ónus de requerer ou não esta diligência na pessoa que recorre e, portanto, que quer ver decidida a sindicância sobre anterior decisão com a qual discorda, tem que se lhe assegurar todas as condições para efetivar este seu direito e para tirar o melhor partido possível de uma faculdade que a lei lhe confere – sendo evidente que a presença em juízo do mandatário que elaborou o recurso e que sempre acompanhou o processo do recorrente é indispensável.

32. E, insiste-se, as datas propostas em alternativa eram mais que razoáveis, mesmo para acautelar a não ultrapassagem da duração máxima da medida de coação de prisão preventiva a que se encontravam sujeitos alguns dos arguidos.

33. Encontrando-se assim posto em causa o direito a uma defesa condigna dos Recorrentes, os quais não prescindiam da presença do Advogado que constituíram, que sempre os acompanhou e no qual sempre confiaram.

34. Daí que o direito de escolher o defensor se encontre constitucionalmente consagrado no artigo 32º, nº 3 da C.R.P. e se fez constar expressamente do Código de Processo Penal o direito do arguido em ser assistido, em todos os atos que lhe digam respeito, por defensor.

35. Não se pode ter por justo e imparcial o Juiz que relega para segundo plano o papel do Advogado, e muito menos aquele que o faz com plena consciência de que essa sua tomada de posição resultará num claro prejuízo para a defesa dos Arguidos.

36. Não se pode sequer esperar que a comunidade tenha confiança nas instituições judiciais quando se depara com situações em que os Digníssimos Magistrados não só não procuram a verdade material, como não julgam de acordo com a Constituição e com a lei, mas sim de acordo com os seus próprios juízos de valor.

37. Salvo o devido respeito, outra não pode ser a conclusão senão a de que estamos perante uma clara afronta à justiça!

38. Com efeito, violou o despacho recorrido os artigos 61º/1/e) e f), 312º/4, 423º/5 e 119º/c), todos do C.P.P., e ainda o artigo 151º/1 do C.P.C.

39. Além de que, a interpretação que o tribunal recorrido fez, no despacho ora em crise, das normas constantes do art. 423º/5, 312º/4, 61º/1/e) e f) e 421º/1 do C.P.P. e 151º/1 do C.P.C., no sentido de, em audiência que deva realizar-se nos termos do art.411º/5 C.P.P., não terem que se observar, mormente quanto à compatibilização de agendas com os mandatários, as regras previstas para o julgamento em 1ª Instância, nem se podendo adiar a audiência para lá do prazo de 20 dias a que alude o art.421º/1 C.P.P., assim inviabilizando a presença em juízo do mandatário escolhido pelos arguidos para os representar nessa diligência, é inconstitucional por violação dos arts.32º/2 e 3 da Constituição da República Portuguesa – inconstitucionalidade que, desde já e para os devidos efeitos, se argui.

40. Do exposto, resulta evidente que deve o despacho que indeferiu o pedido de alteração da data da audiência de julgamento ser revogado e substituído por outro que determine o agendamento de nova data para realização de alegações orais, com as necessárias e devidas consequências.

41. Por sua vez, recorre-se também do despacho proferido na audiência de 16-09-2020, o qual indeferiu a prévia arguição de nulidade pelos Recorrentes relativamente ao despacho de dia 15-09-2020.

42. Em síntese, na referida peça apresentada pelos aqui Recorrentes, tinham estes vindo afirmar que o despacho de 15-09-2020, ao qualificar de urgente e bem assim manter a realização da audiência de julgamento para o dia 16-09-2020, padecia de nulidade, nos termos do disposto no artigo 45º, nº 3 do C.P.P.

43. Chegado o dia da audiência, vem o Mm.º. Juiz a proferir despacho no qual sustenta que a audiência deveria proceder, não obstante ter sido apresentado requerimento de recusa de juiz, indeferindo por isso a nulidade invocada.

44. Mais concretamente, afirma que, por existirem Arguidos em prisão preventiva cujo prazo máximo termina a 9-11-2020, este é um ato processual urgente, enquadrando-se por isso no disposto no nº 2 do artigo 45º do C.P.P.

45. Salvo o devido respeito, não podem os Recorrentes deixar de demonstrar a sua discordância face ao que acabou de ser dito.

46. Optando por uma formulação idêntica àquela utilizada no artigo 41º, nº 3 do C.P.P., aí quanto ao regime do impedimento, deixou o legislador vertido na 2ª parte do artigo 43º, nº 5 do mesmo diploma, no que aos autos praticados pelo juiz após requerimento de recusa concerne, que estes só são válidos se não puderem ser repetidos utilmente e se se verificar que deles não resulta prejuízo para a justiça da decisão do processo.

47. Ora, de acordo com o disposto no artigo 45º, nº 3 do C.P.P., dispunha o Supremo Tribunal de Justiça de 30 dias contados desde 14-09-2020 para proferir decisão relativamente ao requerimento de recusa, portanto até 14 de Outubro.

48. Significa isto que, até que o S.T.J. viesse a proferir decisão no último dia de prazo, continuava o Tribunal da Relação ….. a beneficiar de praticamente um mês para praticar o ato em tempo útil, não se verificando qualquer conflito com aquela que é a data em que termina o prazo de prisão preventiva.

49. Tanto assim é que, logo no dia 23-09-2020, já tinha o T.R……. em sua posse a decisão do Supremo Tribunal de Justiça relativamente ao requerimento de recusa de juiz.

50. Encontrando-se o Tribunal da Relação em tempo útil para proferir a sua decisão e, como tal, não sendo este um ato urgente.

51. Serve isto por dizer que, embora o processo seja de considerar formalmente um processo urgente (pois conta com arguidos presos preventivamente), o ato que se decidiu manter (a audiência na Relação) não se revestia de qualquer urgência, na medida em que, como vimos, tendo em consideração os prazos que a lei impõe para a decisão do incidente de recusa, nunca estaria posta em causa a ultrapassagem dos prazos máximos da prisão preventiva.

52. E a norma em que se refugiou o tribunal recorrido para determinar a manutenção da audiência na data para que se encontrava designada refere-se, precisamente, à manutenção de ATOS urgentes e não de processos urgentes.

53. O que significa, logo por aqui (leia-se, por manifesta inexistência de fundamento), que o despacho que determinou a manutenção da data da audiência era, efetivamente e como bem se invocou, nulo, por violação do art.43º/5 C.P.P.

54. Por outro lado, é indubitável que, tendo-se praticado o ato em crise, e face a tudo o que se tem vindo a dizer, verificou-se manifesto prejuízo para a justiça da decisão do processo.

55. Assim, não só se verificou manifesto prejuízo para a justiça da decisão do processo, como de novo se reitera que não foi respeitado o direito de defesa constitucionalmente consagrado no artigo 32º, nº 3 da C.R.P.

56. Destarte, violou o despacho recorrido os artigos 45º/2 e 43º/5 do C.P.P., tal como o artigo 32º/3 da C.R.P.

57. Do exposto, resulta evidente que deve o despacho que indeferiu a arguição da irregularidade ser revogado e substituído por outro que reconheça tal vício, com as devidas e necessárias consequências.

Nestes termos e nos melhores de Direito, devem os recursos ora interpostos ser julgados procedentes, com as necessárias consequências.

2. Respondeu o MP concluindo nos seguintes termos (transcrição):

1. Qualquer das decisões recorridas, encontram-se legalmente tomadas, não merecendo qualquer delas nenhuma censura;

2. A data para audiência requerida pelos recorrentes ao abrigo do artigo 411.º, n.º 5 do CPP, foi marcação pelo Mmº Juiz Desembargador Presidente da Secção, dentro do prazo previsto no artigo 421.º, n.º 1 do CPP;

3. A pretensão dos recorrentes em que fosse alterada a data designada, para data para além do prazo legalmente estabelecido, era ilegal;

4. Nenhum dos argumentos invocados para que fosse alterada a data configura um justo impedimento do advogado Dr. FF para que tivesse faltado e não se realizasse a audiência na data que foi designada;

5. O Dr. FF não compareceu porque não quis, pois não tinha possibilidade de comparecer no dia designado para defender os recorrentes em audiência, por não haver incompatibilidade de hora, e poder, no mesmo dia, estar presente nas duas audiências designadas, ou então substabelecer noutro colega;

6. Tendo faltado, nem tendo substabelecido relativamente à recorrente AA, que era a única que apenas lhe tinha passado procuração em nome em individual, ao contrário dos outros três recorrentes que podiam ser representados por qualquer outro colega da Sociedade de Advogados FF e Associados, RL, de que são sócios e colaboradores também o Dr. GG, Dr. HH, Dr.ª II, Dr.ª JJ e Dr.ª LL, foi nomeado defensor oficioso aos recorrentes, nos termos do n.º e 2 do artigo 422.º do CPP, uma vez que não era indispensável à realização da justiça a comparência do Dr. FF, pois tinha especificado claramente na motivação escrita do recurso os pontos que queria ver debatidos na audiência, nos termos do artigo n.º 5 do artigo 411.º do CPP, e não ter sido requerida renovação de prova que justificasse o adiamento da audiência;

7. Sendo obrigatória a assistência do defensor nos recursos e na audiência (artigo 64.º, n.º 1, alíneas e) e g) do CPP), tendo este faltado à audiência requerida na motivação de recurso e sido, nomeado aos recorrentes de imediato defensor oficioso, nos termos do artigo 67.º, n.º 1 do CPP, que compareceu e fez a defesa dos arguidos, não foi praticada a nulidade insanável prevista no artigo 119.º, alínea c) do CPP, invocada pelos recorrentes;

8. O despacho recorrido de 16/9/2020, tendo reafirmado e mantido a data designada para julgamento e ordenado a realização da audiência nesse dia, que se realizou, proferido depois de ter entrado o pedido de recusa do Mmº Juiz Desembargador Presidente da Secção que os proferiu, num processo com arguidos presos preventivamente, em que a caducidade da prisão preventiva de três deles estava para breve, todos os actos nele praticados, designadamente estes são manifestamente urgentes, e podiam e deviam ser praticados, nos termos do n.º 2 do artigo 45.º do CPP;

9. E, tendo sido indeferido o pedido de recusa pelo STJ, por decisão de 23/09/2020, antes de ser proferido acórdão, todos os actos praticados pelo magistrado alvo do pedido de recusa, antes e depois deste pedido, foram validados pela decisão do STJ;

10. Deve, assim, ser negado total provimento ao recurso, confirmando-se, consequentemente as decisões recorridas.

3. Já neste tribunal o MP foi de parecer que o recurso não pode ser admitido, por inadmissibilidade legal, dado que as decisões interlocutórias proferidas pelos tribunais da Relação são irrecorríveis, por não conhecerem a final, do objeto do processo.

4. Responderam os recorrentes pugnando pela admissão e procedência do recurso.

5. Por decisão sumária do relator foi decidido rejeitar o recurso. Na oportunidade, entre o mais, foi entendido:

“(…) os recorrentes sindicam o despacho que indeferiu o requerimento de alteração da data da audiência de julgamento e o despacho que indeferiu a arguição de nulidade do despacho que manteve a realização da audiência, na data inicialmente indicada. Em direitas contas o que sindicam os recorrentes é que tenha sido mantida a data para a audiência que não teve o seu acordo; e que essa data tenha sido mantida uma segunda vez apesar de terem suscitado a recusa do presidente de seção. O que temos, ao cabo e ao resto, é uma questão de marcação da data de audiência que o legislador de forma expressa resolveu: do despacho que designa dia para a audiência não há recurso (art. 313.º/4, CPP ex vi art. 423.º, ou via art.º 4.º, CPP, para quem entenda que a remissão não abrange o art. 313.º, CPP). Esta norma dá continuidade à solução do art. 390.º/2, 2ª parte, CPP 1929, cuja constitucionalidade foi afirmada no ac. TC 31/87. Os despachos que os recorrentes pretendem pôr em crise apenas mantêm a data designada para a audiência. Nada decidem, nomeadamente se a audiência teria lugar mesmo que o mandatário não comparecesse. Essa decisão é da formação que intervém em audiência (presidente de seção, relator e adjunto); apesar de o presidente de seção ter mantido a data para a audiência, ela podia ter sido adiada se o Tribunal assim tivesse decidido (art. 422.º, CPP)”.

“Ocorre, assim, circunstância que obsta ao conhecimento do recurso que é a irrecorribilidade dos despachos sindicados pelo que o recurso vai ser sumariamente rejeitado (art. 417.º/6/b, art. 420.º/1/b, CPP), a tal não obstando a circunstância de o recurso ter sido indevidamente admitido (art. 414.º/2, CPP)”.

“O despacho proferido em audiência tem ainda uma outra dimensão, ao qualificar o ato em causa – a audiência – como ato urgente, que foi levado a cabo apesar do pedido de recusa. Admitindo, por comodidade de raciocínio, que esse segmento decisório possa não se conter dentro dos limites do prover ao andamento regular do processo, não seria recorrível, apenas suscetível de reclamação para a Conferência por aplicação, via art. 4.º, CPP, do art. 652.º/3, CPC, nomeadamente no que se refere às decisões do presidente de seção, por analogia”.

“O despacho recorrido, na parte em questão, foi proferido em 16.09.2020 e o recurso foi interposto em 15.10.2020. A reclamação para a Conferência deve ocorrer no prazo de dez dias (art. 105.º/1, CPP), pelo que o erro na forma de tutela jurisdicional a que os recorrentes deitaram mão não permite a reconversão do recurso em reclamação para a Conferência, por intempestividade”.

6. Da decisão sumária reclamam os arguidos para a Conferência, ao abrigo do disposto no art. 417.º/8, CPP, nos termos seguintes (transcrição):

1. Em sede de recurso interposto a 15/10/2020, vieram os ora Reclamantes recorrer dos despachos judiciais proferidos pelo Exmo. Sr. Juiz Presidente …. Secção do Tribunal da Relação …. a 08/09/2020 e 16/09/2020.

2. Sucede que, por decisão sumária proferida a 03/01/2021, entendeu este Tribunal, mais concretamente o Mmo. Juiz Conselheiro Relator, que ambas as decisões são irrecorríveis, por diversa ordem de razões, pelo que foram os recursos rejeitados por inadmissibilidade, não sendo objeto de decisão de mérito.

3. Desde logo, na medida em que, da sua perspetiva, consubstanciam despachos que designam o dia para a audiência, assim se enquadrando na previsão do artigo 313º, nº4 aplicável ex vi artigo 423º, ambos do C.P.P. e, como tal, irrecorríveis.

4. Neste particular, chama-se a atenção para o seguinte excerto da decisão sumária: “os despachos que os recorrentes pretendem pôr em crise apenas mantêm a data designada para a audiência. Nada decidem, nomeadamente se a audiência teria lugar mesmo que o mandatário não comparecesse”.

5. Salvo o devido respeito, não podem os ora Reclamantes deixar de demonstrar a sua discordância face à argumentação a que acabamos de aludir.

6. Em primeiro lugar, é desprovida de sentido a afirmação de que os despachos recorridos designam dia para a audiência.

7. Veja-se que o despacho que designou dia para a audiência é indubitavelmente aquele datado de 03/09/2020, do qual os Recorrentes tomaram conhecimento no mesmo dia através de notificação com referência Citius nº …., cujo assunto era precisamente “data de julgamento”, estando o seu conteúdo apenas e só relacionado com a marcação da mesma.

8. Daí que, em requerimento datado de 07/09/2020, o Mandatário dos Arguidos, subscritor da presente peça, face à incompatibilidade de agenda verificada – por ter já marcada uma outra audiência de julgamento com arguidos presos para o mesmo dia – tenha requerido a alteração da data aí designada.

9. Em despacho datado de 08/09/2020, o primeiro do qual se recorre nos presentes autos, o Mmo. Juiz Presidente, vem a tomar uma efetiva decisão de mérito, apreciando o pedido de adiamento que havia sido apresentado pelo mandatário dos Recorrentes e decidindo pelo seu indeferimento.

10. Ora, salvo o devido respeito, um despacho judicial no qual o juiz que o profere toma posição sobre determinado pedido formulado por arguido (ou seu mandatário) é evidente que não corresponde, nem equivale ao despacho que designa dia e hora para determinada diligência processual!

11. Concluindo mesmo que “definido, nestes termos, o âmbito das alegações a produzir no julgamento, não se revela essencial a presença na dita diligência de julgamento do Ilustre Advogado Requerente. Posto o que precede, em face do conjunto de razões expostas, indefiro o requerido”.

12. Em face do trecho do despacho que acaba de se expor, contrariamente ao referido na decisão sumária de que ora se reclama, é indiscutível que, no primeiro dos despachos recorridos, o Mm.º Desembargador que o profere decide que a audiência se realizará mesmo perante a ausência do mandatário dos Arguidos (pois que estabelece que tal presença “não se revela essencial” para a diligência e, apesar da indisponibilidade de agenda do mandatário, decide manter a data já agendada).

13. Aliás, é precisamente esta posição no sentido da irrelevância da presença em juízo do mandatário dos Recorrentes que, na nossa perspetiva e por violar gritantemente o direito de defesa destes, que não só legitima, como exige a sindicância do despacho em crise e plenamente justifica que do mesmo tenha sido interposto recurso.

14. Por sua vez, o despacho datado de 16/09/2020, proferido em plena audiência de julgamento, debruça-se sobre a nulidade arguida pelos Reclamantes no seu requerimento datado de 15/09/2020.

15. Desta feita, conclui o Mmo. Juiz da seguinte forma: “para todo o exposto, indefiro a nulidade invocada e determino que se dê início à audiência de julgamento”.

16. Com efeito, resulta manifesto que em ambos os despachos em se decide, bem como ambos indicam que a audiência continue mesmo na ausência do mandatário.

17. Com efeito, não só não são despachos de mero expediente como, acima de tudo, não são despachos que designam o dia para a audiência.

18. Ademais, e no que especificamente diz respeito ao despacho de dia 16/09/2020, resulta da decisão sumária que, no limite, do mesmo apenas poderia existir reclamação para conferência, por aplicação analógica do artigo 652º, nº3 do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do artigo 4º do C.P.P.

19. Conforme é bem sabido, recorre-se ao instrumento jurídico da analogia quando existe uma lacuna jurídica, deste modo procurando encontrar-se uma solução jurídica para os casos omissos.

20. Veja-se, porém, que, in casu, o Código de Processo Penal não é omisso, não se demonstrando necessário (e, portanto, inadmissível) o recurso ao Código de Processo Civil.

21. Conforme nos diz o artigo 399º do C.P.P., é permitido recorrer de todos os acórdãos, sentenças e despachos, desde que a sua irrecorribilidade não esteja prevista na lei.

22. Com efeito, visto que não existe nenhuma disposição que afaste a possibilidade de recorrer dos despachos em crise, é por demais óbvio que o recurso interposto pelos aqui Reclamantes é admissível.

23. Ainda que assim não se entenda, o que se concebe por mero efeito de patrocínio, sem conceder, a verdade é que o artigo 652º do Código de Processo Civil não tem sequer aplicação (ainda que por analogia…) no caso concreto.

24. Isto porque, o referido normativo, sob a epígrafe “Função do relator”, regula precisamente os atos que este pratique, mas já não aqueles levados a cabo pelo Juiz Presidente.

25. Motivo pelo qual, da mesma forma também não colhe provimento a lógica vertida na decisão sumária de que, por aplicação do artigo 417º, nº 8 do C.P.P., as decisões singulares proferidas na pendência do recurso devem ser alvo de reclamação.

26. Tal como o artigo 652º do Código de Processo Civil se refere às funções do relator, também o artigo 417º do C.P.P. é aplicável meramente aos atos praticados por esse Juiz.

27. Mais: o nº8 do referido artigo diz respeito aos despachos proferidos num número muito limitado de situações, descritas nos dois números que lhe antecedem, as quais são clara e manifestamente inaplicáveis in casu.

28. Face ao exposto, não existindo qualquer causa que afaste a admissão dos recursos interpostos, devem os mesmos ser admitidos e julgados procedentes.

Nestes termos e nos melhores de Direito, deverá ser considerada a ilegalidade da decisão sumária ora reclamada e serem os recursos interpostos admitidos, discutidos e julgados em conferência, nos termos do art.419º/3/a) do C.P.P., determinando-se a procedência dos mesmos.

II

A marcha processual relevante:

a) Em 03/09/2020, aberta conclusão ao presidente da secção, na mesma data, proferiu o seguinte despacho:

“Para audiência de julgamento designo o dia 16 de Setembro de 2020, pelas 10:00 horas.

Notifique.”

b) Em 07/09/2020 o mandatário dos recorrentes, requereu (transcrição):

1. Foi o ora signatário notificado da designação do dia 16/09/2020, às 10:00, para a realização do julgamento em audiência nos presentes autos.

2. Sucede que, para a mesma data e conforme documento que se junta, tem já agendada audiência de discussão e julgamento do processo n.º 2366/19….., que corre os seus termos no Juiz …. do Juízo Central Criminal …. e onde representa o Arguido (preso preventivamente).

3. Ora, tanto o arguido que representa no processo n.º 2366/19….., como os Recorrentes que representa nestes autos, não prescindem de ser por si representados.

4. Pois que, tanto num caso, como no outro, é o ora signatário quem tem assegurado a sua defesa e em que depositam exclusivamente a sua confiança para o efeito.

5. Assim, em virtude da audiência no processo 2366/19…. ter sido agendada anteriormente, pretende o ora signatário a alteração da data da audiência de julgamento neste processo.

6. Tendo contactado com os mandatários dos co-arguidos e dos assistentes/demandantes cíveis, foi possível compatibilizar agendas para qualquer dos dias 01/10, 2/10 e 14/10.

Nestes termos e nos melhores de Direito, requer-se a V. Exa. a alteração da data de julgamento nos presentes autos para qualquer das indicadas em 6.”

c) Em 08.09.2020, o presidente da seção proferiu o seguinte despacho (transcrição):

“Requer (…) que seja dada sem efeito a data de julgamento designada para o próximo dia 16 de Setembro de 2020, pelas 10:00 h, propondo uma nova, a situar num dos seguintes dias: 01-10, 02-10 e 14-10, do ano presente. (…)

Cumpre apreciar:

Enquadrada na fase do julgamento a realizar no tribunal da 1.ª instância, dispõe o artigo 312.º, n.º 4, do Código de Processo Penal (serão também deste diploma as demais normas seguidamente indicadas sem referência de base legal):

«O tribunal deve marcar a data da audiência de modo a evitar a sobreposição com outros actos judiciais a que os advogados ou defensores tenham a obrigação de comparecer, aplicando-se o disposto no artigo 155.º [actualmente, 151.º - redacção dada pela Lei 41/2013, de 26 de Junho] do Código de Processo Civil, cuja redacção é a seguinte:

«1 – A fim de prevenir o risco de sobreposição de datas de diligências a que devam comparecer os mandatários judiciais, deve o juiz providenciar pela marcação do dia e hora da sua realização mediante prévio acordo com aqueles, podendo encarregar a secretaria de realizar, por forma expedita, os contactos prévios necessários.

2 – Quando a marcação não possa ser feita nos termos do número anterior, devem os mandatários impedidos em consequência de outro serviço judicial já marcado comunicar o facto ao tribunal e identificar expressamente a diligência e o processo a que respeita, no prazo de cinco dias, propondo datas alternativas, após contacto com os restantes mandatários interessados.

3 – O juiz, ponderadas as razões aduzidas, pode alterar a data inicialmente fixada, apenas se procedendo à notificação dos demais intervenientes no acto após o decurso do prazo a que alude o número

anterior.

4 – (…).

5 – (…).

6 – (…).

7 – (…).»

Contrariamente ao normativamente previsto a propósito de outras situações relativas ao julgamento na Relação ou no STJ – de expressa alusão à aplicabilidade de regras legais reguladoras do julgamento na 1.ª instância (cfr. n.º 2 do artigo 422.º, 423.º, n.º 5, 424.º, n.º 2, e 425.º, n.º 4) –, o artigo 421.º não referencia nenhum ditame alusivo à marcação da data da audiência, nomeadamente o do n.º 4 do artigo 312.º.

Apesar de o artigo 423.º, n.º 5, determinar a aplicação (subsidiária) à audiência de julgamento nos tribunais superiores das “disposições relativas à audiência de julgamento em 1.ª instância”, daí não se segue a inclusão (implícita) na dita norma do enquadramento legal previsto no n.º 4 do artigo 312.º. Aquele preceito (n.º 5 do artigo 423.º) contempla as disposições relativas à publicidade da audiência e sua disciplina, direção dos trabalhos, conduta das pessoas que a ela assistem ou nela intervêm, continuidade, contraditoriedade, etc. (neste sentido, Simas Santos e Lea-Henriques, Recursos em Processo Penal, 6.ª edição 2007, Editora Rei dos Livros, pág. 124).

Não transparece, pois, no referenciado contexto, qualquer lacuna a integrar por recurso ao artigo 312.º, n.º 4. Ressuma, não uma “incompletude contrária a um plano” do legislador, antes um “silêncio eloquente da lei”, de acordo com uma inexistência programaticamente assumida que, de todo, não corresponde a uma deficiência de regulamentação jurídica (Karl Larenz, Metodologia da Ciência do Direito, tradução da 5.ª edição, revista, Fundação Calouste Gulbenkian, pág. 448 e ss; Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 1987, pág. 194).

É forçoso reconhecer assim que, de acordo com a letra da lei e a ratio do julgamento a efectuar nos tribunais superiores – esta revelada pela natureza do recurso, de remédio jurídico destinado a despistar e corrigir, cirurgicamente, erros in judicando ou in procedendo, conferindo, por via disso, ao julgamento uma feição qualitativa e quantitativamente reduzida, mesmo quando haja renovação da prova (veja-se, nesta justa dimensão, ainda a previsão do artigo 411.º, n.º 5 – o legislador não quis “emprestar” na designação da data daquele acto a norma do n.º 4 do artigo 312.º.

Embora a regulamentação do recurso e a orgânica dos tribunais superiores afaste a aplicação do n.º 4 do artigo 312.º, aceita-se, em casos pontuais, devidamente comprovados, a concertação de datas para audiência, mas sempre que daí não decorra o desrespeito do prazo legal – 20 dias – previsto no já acima citado artigo 420.º, n.º 1.

Sucede que, no caso em apreciação, entre a data em que foi designado o julgamento (3 de Setembro de 2020) e as datas sugeridas pelo Recorrente medeia um prazo manifestamente superior ao considerado pelo julgador como razoável, circunstância que assume maior relevância se se tiver em conta, como não pode deixar de ser, a proximidade temporal do termo do prazo da medida de coação de prisão preventiva em que se encontram três dos Arguidos/Recorrentes representados pelo Ilustre subscritor do requerimento em apreciação.

*

Dispõe o artigo 422.º do CPP (serão deste diploma os demais normativos que se vierem a indicar, sem indicação de fonte legal):

«1 – A não comparência de pessoas convocadas só determina o adiamento da audiência quando o tribunal o considerar indispensável à realização da justiça.

II – Se o defensor não comparecer e não houve lugar a adiamento, o tribunal nomeia novo defensor. É correspondentemente aplicável o disposto no n.º 2 do artigo 67.º.

3 – Não é permitido mais de um adiamento da audiência.»

Por sua vez, prescreve o artigo 421.º, n.º 1:

«Se o processo houver de prosseguir, é aberta conclusão ao presidente da secção, o qual designa a audiência para um dos 20 dias seguintes (…).»

De acordo com o primeiro dos dois referenciados artigos, a falta de comparência de Advogado/Defensor na audiência de julgamento não é, em regra, motivo de adiamento. Só o será se o tribunal, ponderadas as específicas circunstâncias do caso, entender que a presença daquele é indispensável. Assim, a mera utilidade da mesma não é razão determinante do adiamento.

Cingindo-nos ao caso concreto revelado pelos autos, embora a audiência de julgamento haja sido requerida pelo ora Requerente para discussão oral das questões suscitadas nas alegações do recurso – onde pontificam:

(i) os descritos erros de julgamento em sede de matéria de facto dada como provada na sentença recorrida; (ii) a questão da verificação da coautoria na prática dos crimes imputados aos arguidos; (iii) a (in)existência desses ilícitos penais; (vi) em qualquer caso, a problemática do quantitativo das penas e suspensão da execução da pena única –, tais questões estão amplamente concretizadas na motivação e nas respectivas conclusões.

Definido, nestes termos, o âmbito das alegações a produzir no julgamento, não se revela essencial a presença na dita diligência de julgamento do Ilustre Advogado Requerente.

*

Posto o que precede, em face do conjunto de razões expostas, indefiro o requerido.

Notifique-se.”

d) Os recorrentes apresentaram pedido de recusa do juiz presidente da seção criminal; o juiz presidente de seção manteve a realização da audiência para a data inicialmente designada, por reputar ato urgente. Os recorrentes arguiram em 15.09.2020 a nulidade deste último despacho.

e) No dia designado para audiência, 16.09.2020, o presidente da seção criminal do Tribunal da Relação …, proferiu seguinte despacho(transcrição):

“O despacho arguido de nulo, constando de fls., 3714 dos autos, é manifestamente explícito sobre os motivos legais que determinam a realização da audiência de Julgamento no dia de hoje, à hora designada.

Não obstante, reitera-se o que, em essência, já antes ficou escrito. O requerimento de recusa do Juiz não obsta, em todos os casos, à realização dos atos processuais a praticar após a apresentação do dito requerimento. É o que inequivocamente decorre do art.º 45º, nº 2, do C.P.Penal.

O outro normativo invocado pelos Requerentes (art. 43.º, n.º 5, do mesmo diploma) traduz, tão somente, consequências jurídicas a extrair do eventual diferimento da recusa.

O processo onde se inclui este despacho assume natureza urgente, porquanto nele alguns dos arguidos estão sujeitos à medida de coação de prisão preventiva, sendo que, relativamente aos arguidos BB, CC, DD e MM, o termo dessa medida, considerada a fase processual em que nos situamos, ocorrerá no próximo dia 09 de Novembro de 2020. Daí que, tendo o processo natureza urgente, igual natureza também necessariamente assumem os atos processuais que estão por praticar, onde se inclui o ato de julgamento.

Mais uma vez, para melhor entendimento do que fica expresso, se apela à leitura dos fundamentos contidos, a propósito, no Acordão do STJ, de 04-07-2019, proferido no processo com o nº 461/17.9GABRR.L1.C1, publicado em www.DGSI.pt.

Para todo o exposto, indefiro a nulidade invocada e determino que se dê início à audiência de julgamento.

Notifique”

III

As questões a decidir são as seguintes:

a) A questão prévia da (ir)recorribilidade das decisões;

b) Decidida afirmativamente a questão da recorribilidade, importa conhecer as questões suscitadas no recurso.

1. Na sua estrita objetividade temos o seguinte: no Tribunal da Relação …. o presidente de seção designou dia para audiência. Notificados os recorrentes pediram a alteração da data, pedido que não foi atendido, porque não respeitava o disposto no art. 421.º/1, CPP, e os prazos de duração máxima das medidas de coação estavam a esgotar-se. Os recorrentes deduziram incidente de recusa; o juiz visado pronunciou-se sobre o requerimento de recusa e ordenou que lhe fosse aberta conclusão no processo principal onde considerou que a realização da audiência de julgamento era ato urgente pelo que mantinha a data da audiência. Os recorrentes arguiram a nulidade desse despacho, na parte em que manteve a audiência. A nulidade foi indeferida por despacho proferido no início da audiência. O incidente de recusa foi indeferido por acórdão deste Supremo Tribunal de 23.09.2020, e convalidados os atos considerados urgentes (arts. 45.º/2 e 43.º/5 a contrário, CPP.

2. Os recorrentes sindicam dois despachos a) o que indeferiu o requerimento de alteração da data da audiência de julgamento; b) o que indeferiu a arguição de nulidade do despacho que determinou a realização da audiência, na data inicialmente indicada.

A circunstância de estarem em causa dois despachos proferidos na pendência de um recurso no tribunal da Relação suscita, em abstrato, a interrogação quanto à sua recorribilidade, questão que foi concretamente suscitada pelo MP neste tribunal.

3. É certo, como referem os reclamantes, que em matéria de recursos ordinários o princípio geral é o de que é permitido recorrer dos acórdãos, das sentenças e dos despachos cuja irrecorribilidade não estiver prevista na lei (art. 399.º, CPP). Mas o Código de Processo Penal, como codificação sistematizada de normas, dá respostas sistemáticas e mal vai o interprete quando se atem a uma norma desconsiderando o sistema normativo. Esse sistema que afirma a regra, permissão de recorrer dos acórdãos, das sentenças e dos despachos cuja irrecorribilidade não estiver prevista na lei, também regula o recurso para o Tribunal da Relação e para o Supremo Tribunal de Justiça. E em matéria de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça dispõe, na parte que aqui releva, o art.º 432.º (CPP):

1 - Recorre-se para o Supremo Tribunal de Justiça:

a) De decisões das relações proferidas em 1.ª instância;

b) De decisões que não sejam irrecorríveis proferidas pelas relações, em recurso, nos termos do artigo 400.º;

c) De acórdãos finais proferidos pelo tribunal do júri ou pelo tribunal colectivo que apliquem pena de prisão superior a 5 anos, visando exclusivamente o reexame de matéria de direito;

d) De decisões interlocutórias que devam subir com os recursos referidos nas alíneas anteriores.

4. Como já foi referido na decisão reclamada, os despachos em causa não são decisões da relação proferidas em 1.ª instância; nem são decisões da relação para o efeito da norma, mas decisões singulares de um juiz desembargador (ac. STJ de 2.10.2003, SANTOS CARVALHO, disponível em www.verbojurídico.net). Das decisões singulares proferidas na pendência de um recurso na relação, cabe reclamação, nos casos e nos termos estabelecidos pelo legislador (art. 417.º/8, CPP). Daí que, em regra, está arredada a possibilidade de recurso para o STJ, das demais decisões singulares proferidas pelo relator ou presidente de seção, na pendência de um recurso. Esta solução é clara e consensual, por uma razão muito simples: em regra, esses despachos destinam-se a prover ao andamento regular do processo, não interferindo no âmbito material do recurso, nem nos interesses que os sujeitos processuais pretendem fazer valer. Podemos assentar em que as decisões singulares proferidas na relação, na pendência de um recurso, quando se destinam a prover o andamento regular do processo não são recorríveis; para os despachos que o legislador entende que ultrapassam o regular andamento do processo, estabeleceu um modo de sindicância, que não passa pelo recurso para o STJ (arts. 417.º/8, CPP). Como regra, não é admissível recurso de decisões singulares proferidas na relação na pendência de um recurso, pois também em regra visam prover o andamento regular do processo. Afirma-se, assim, como regra, a solução normativa de que as decisões interlocutórias proferidas em recurso nos tribunais da Relação são irrecorríveis, por não conhecerem a final, do objeto do processo (art. 432.º/1, CPP).

5. Os despachos sindicados, na estrita medida em que mantiveram a realização da audiência, na data inicialmente indicada não são sindicáveis, pois o legislador, de forma expressa diz que do despacho que designa dia para a audiência não há recurso (art. 313.º/4, CPP ex vi art. 423.º, ou via art.º 4.º, CPP, para quem entenda que a remissão não abrange o art. 313.º, CPP). E tanto designa data para a audiência o despacho que marca o dia, como aquele que, não a adiando, mantém a data inicial. Esta solução normativa é de continuidade com a solução do art. 390.º/2, 2ª parte, CPP 1929, cuja constitucionalidade foi afirmada no ac. TC 31/87. Os despachos que os recorrentes pretendem pôr em crise, na parte que aqui releva, mantêm a data designada para a audiência. Nada decidem, nomeadamente, se a audiência teria lugar mesmo que o mandatário não comparecesse.

6. Ponderada de novo a questão subscreve-se a afirmação da decisão reclamada de que, em último caso, a decisão sobre o adiamento é da formação que intervém em audiência (o tribunal formado pelo presidente de seção, relator e adjunto). Apesar de o presidente de seção ter mantido a data para a audiência, a audiência podia ter sido adiada se o tribunal assim tivesse decidido. Se a marcação da audiência é, no caso, uma competência inquestionável do presidente de seção, como literalmente resulta do art. 421/1, CPP, já o adiamento da audiência, quando a questão se suscita em plena audiência, é uma competência do tribunal, isto é, da formação que intervém na audiência (presidente de seção, relator e adjunto). A não comparência de pessoas convocadas pode determinar o adiamento da audiência quando o tribunal o considerar indispensável à realização da justiça (art. 422.º/1, CPP). Faltando o mandatário do arguido, continua a caber ao tribunal a competência para decidir o adiamento ou a realização da audiência (art. 422.º/2, CPP), com o defensor nomeado pela Ordem dos Advogados, sendo ainda aplicável o disposto no art. 67.º/2, CPP.

7. Em via subsidiária, desenvolveu-se na decisão sumária um segmento argumentativo admitindo, em abstrato, que o despacho proferido em audiência podia não se conter dentro dos limites do prover ao andamento regular do processo. Mas, a ser assim, esse despacho continua a não ser recorrível, apenas suscetível de reclamação para a conferência, por aplicação, via art. 4.º, CPP, do art. 652.º/3, CPC, nomeadamente no que se refere às decisões do presidente de seção, por analogia, juízo que aqui se reitera. Dos despachos singulares, proferidos na pendência de recurso na relação, não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, mas reclamação para a conferencia, na relação respetiva; as decisões da relação recorríveis são os acórdãos (ac. STJ de 2.10.2003, SANTOS CARVALHO, disponível em www.verbojurídico.net). Mas a rejeição do recurso, por inadmissível, não obsta, em princípio, considerando o princípio da economia processual e do aproveitamento dos atos validamente praticados, que se ordene que os autos voltem à relação, para o despacho sindicado ser submetido à conferência (ac. STJ de 2.10.2003, citado) art. 193.º/1, CPC, ex vi, art. 4.º, CPP.

8. Como o despacho recorrido foi proferido em 16.09.2020 e o recurso foi interposto em 15.10.2020, e a reclamação para a Conferência deve ocorrer no prazo de dez dias (art. 105.º/1, CPP), o erro na forma de tutela jurisdicional a que os recorrentes deitaram mão não permite, por intempestividade, a reconversão do recurso em reclamação para a Conferência, por intempestividade. Mas nem este esforço de convencimento dos recorrentes satisfez os agora reclamantes pois para eles as normas aplicáveis ao relator não consentem aplicação ao presidente de seção.

9. Respeitando a saudável divergência, o certo é que o Código de Processo Penal dá respostas sistemáticas e a congruência entre o art. 399.º e 432.º, CPP, dita, como tem sido entendido sem controvérsia neste Supremo Tribunal, inequivocamente, que as decisões singulares dos juízes desembargadores quando proferidas na pendência de um recurso, só podem ser sindicadas, nos casos e pelos meios previstos na lei de processo, o que não passa, no caso, pela interposição de recurso para o STJ.

10. A argumentação dos recorrentes não tem o condão de transmutar a questão a decidir, que é a irrecorribilidade, em questão de garantias de defesa. Não é um obter dictum, mais ou menos descontextualizado e que não cabe aqui apreciar, que torna a data em problema de direitos de defesa. Tanto designa data para a audiência o despacho que marca o dia, como aquele que, não a adiando, mantém a data inicial, em estrito respeito por norma processual penal (art. 421.º/1, CPP), porque as datas alternativas indicadas pelos recorrentes não respeitavam o prazo fixado na lei de processo e os arguidos estavam sujeitos a prisão preventiva com o seu prazo máximo de duração a esgotar-se.

11. Há que reiterar o juízo de irrecorribilidade e confirmar a decisão sumária de rejeição do recurso o que implica que fica prejudicado o conhecimento das questões postas no recurso.

Decisão:

Acorda-se em indeferir a presente reclamação e, em consequência, confirmar a decisão reclamada que rejeitou o recurso por irrecorribilidade, ficando prejudicado o conhecimento das questões suscitas no recurso.

Custas pelos recorrentes fixando-se a taxa de justiça em 2 UC, para cada um deles.

Lisboa, 4 de fevereiro de 2021

António Gama (Relator)

Helena Moniz