Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 6.ª SECÇÃO | ||
Relator: | MARIA OLINDA GARCIA | ||
Descritores: | CONTRATO DE EMPREITADA ABANDONO OBRA CUMPRIMENTO DEFEITUOSO REPARAÇÃO INTERPELAÇÃO MORA INCUMPRIMENTO DEFINITIVO RESOLUÇÃO RETROATIVIDADE RESTITUIÇÃO ADMISSIBILIDADE RECURSO DE REVISTA SUCUMBÊNCIA NULIDADE DO ACÓRDÃO | ||
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Data do Acordão: | 07/09/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | REVISTA IMPROCEDENTE | ||
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Sumário : | O dono da obra tem o direito de resolver o contrato de empreitada, com base em incumprimento definitivo, se o empreiteiro abandona a obra, deixando-a inacabada e inapta para o fim a que se destina, e não a retoma depois de interpelado para tal. Como consequência do efeito retroativo da resolução do contrato, o dono da obra tem direito de reaver o preço já pago, podendo o empreiteiro reaver os painéis fotovoltaicos que forneceu no âmbito do contrato de empreitada. | ||
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Decisão Texto Integral: |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I. RELATÓRIO 1. “SCI Algarve”, sociedade civil imobiliária de direito francês, propôs ação declarativa de condenação com processo comum contra “Electro AA, Unipessoal, Ldª”, pedindo a condenação da ré a pagar-lhe a quantia de €27.000,00, correspondente ao que a autora já havia pago em execução do contrato, bem como da quantia de €861,00, correspondente ao valor da reparação que suportou, num total de €28.361,00, acrescida dos inerentes juros. Alegou, em síntese, que celebrou com a ré um ou mais contratos de empreitada e que a ré executou parte das obras com defeitos que se recusou a reparar, tendo abandonado outras obras sem que as tivesse concluído, sendo a quantia de € 27.000,00, reclamada nos autos, correspondente ao que a autora já pagou em execução dos contratos e a quantia de €861,00 correspondente ao valor da reparação que suportou. A ré, com base em orçamentos por si apresentados, foi incumbida pela autora de fornecer e proceder à instalação de painéis fotovoltaicos com baterias e bomba de calor, bem como fornecimento e montagem de oito aparelhos de ar condicionado. A Ré procedeu à realização de tais trabalhos de forma deficiente; nomeadamente, os painéis fotovoltaicos não correspondem ao acordado; não entregou nem instalou os inversores, controlador e baterias; instalou uma bomba de calor inferior ao acordado que funciona deficientemente; só instalou sete aparelhos de ar condicionado que também funcionam deficientemente 2. Na sua contestação, a ré admitiu ter celebrado com a autora os contratos descritos nos artigos 5º a 11º, 13º, 16º e 23º da petição inicial, mas defendeu-se por impugnação e por exceção; e deduziu pedido reconvencional. Invocou a exceção de não cumprimento e alegou que suspendeu os trabalhos (não colocação das baterias dos painéis solares) por a autora não lhe ter entregue uma viatura que correspondia ao pagamento de parte do preço. Por impugnação, defendeu que cumpriu o acordado com a autora e que a realização dos trabalhos não apresenta vícios ou defeitos. Deduziu pedido reconvencional, pedindo a condenação da autora a pagar-lhe €2.760,00 devidos a título de IVA referentes aos pagamentos das quantias de €750,00, €6.000,00 e €5.250,00 pelo fornecimento e montagem do automatismo do portão, ar condicionado e bomba de calor. A autora respondeu ao pedido reconvencional. 3. A primeira instância proferiu sentença com o seguinte dispositivo: «A) Julgo a presente acção improcedente e, em consequência, absolvo a Ré do pedido. B) Julgo procedente, por provado, o pedido reconvencional e, em consequência, condeno a Autora/Reconvinda a pagar à Ré/Reconvinte a quantia de € 2.750,00 (dois mil setecentos e cinquenta euros).» 4. Inconformada, a autora interpôs recurso de apelação, que o TRE julgou parcialmente procedente. Colhe-se nesse aresto o seguinte dispositivo: «Nos termos e pelas razões expostas, acordam em julgar parcialmente procedente a apelação e, consequentemente: a)- Revogam a sentença recorrida na parte em absolveu a Ré do pedido em relação ao contrato de empreitada dos painéis fotovoltaicos, condenando-a a pagar à Autora a quantia de €15.000,00 (quinze mil euros), sem prejuízo da Ré proceder ao levantamento dos referidos painéis, e, ainda, condenam a Ré a pagar juros de mora vencidos e vincendos deste a citação até integral pagamento, à taxa aplicável às obrigações comerciais; b)- Alteram a sentença em relação ao valor da condenação do pedido reconvencional, condenando a Autora a pagar à Ré reconvinte a quantia de €2.010,00 (dois mil e dez euros), absolvendo-a do valor restante, incidindo sobre o valor da condenação juros de mora vencidos e vincendos deste a notificação da contestação até integral pagamento, à taxa aplicável às obrigações comerciais; c) – No mais confirmam a sentença recorrida.» 5. Contra esse acórdão, o réu interpôs recurso de revista. Nas suas alegações, formulou as seguintes conclusões: «1- Concentrando o objecto do litígio e sopesada a prova produzida em audiência de julgamento, nenhum outro desfecho se poderia dar à questão sub judice que não a da Primeira Instância. 2. Expurgando as considerações laterais e que pouco relevam para a matéria controvertida, o Tribunal a quo decidiu alterar o Facto Provado do artigo 52.º da Sentença da 1.ª Instância. 3. Andou mal o tribunal ad quo sabendo que o Recurso deve ter por finalidade apontar os vícios da Decisão, quer em termos da prova, quer em termos da aplicação do direito e nunca promover um novo julgamento da matéria de facto. 4. Desconsiderando o facto de a carrinha Iveco fazer parte do objecto contratual e aceite por todas as partes e ademais nunca ter sido posto em crise no recurso de apelação, quando ela própria atesta que: 5. “Ou seja, a única prova sobre a razão da suspensão dos trabalhos reside nas declarações do legal representante da Ré.” 6. Foi feita prova, mas o Tribunal a quo, desconsiderou totalmente a prova produzida, a fundamentação e a percepção dos factos por parte do Tribunal da 1.ª Instância. 7. O Tribunal a quo faz um total e novo julgamento da prova produzida, sem que efectivamente tal tivesse sido posto em crise pelo Recurso de Apelação. 8. A decisão recorrida foi além do objecto de recurso. 9. Andou mal o Tribunal a quo, em alterar como alterou o art.º 52. 10. A Apelante incumpriu com as suas obrigações. 11. Ao se impor um nexo causal de forma a responsabilizar a ora Recorrente é subverter as regras básicas do direito e de um estado de direito democrático. 12. Andou bem a Sentença ao tomar a decisão nos termos e da forma como o fez. 13. No que efectivamente importa para os presentes autos decorre da alteração do art.º 52.º, em que a alteração da decisão de facto, com a consequente alteração da factualidade considerada provada, importa que se considere prejudicada a reapreciação da questão de direito suscitada pelos apelantes, dado que a solução que preconizam se baseia na modificação da factualidade assente, concretamente no aditamento à matéria assente dos factos considerados provados, conforme decorre das alegações de recurso apresentadas. 14. O Tribunal a quo julgou incorrectamente os factos provados e dos factos não provados e indevidamente fundamentados no Acórdão de que se recorre. 15. O Tribunal ad quo não fundamentou a sua decisão e não se manteve dentro dos limites do objecto do recurso. 16. O Tribunal a quo foi para além do objecto do recurso e que tenha atacado a formação da convicção do Tribunal da 1.º Instância que formou a sua decisão estribada na posição assumida pelas partes nos autos e na análise de toda a prova produzida oralmente e dos documentos juntos aos autos. 17. Das declarações do legal representante da Recorrente se retira precisamente o que se suporta na fundamentação da Sentença. 18. A matéria de facto foi devidamente julgada e ponderada pelo Tribunal da 1.ª instância, atestando que: a demais matéria de facto dada como provada fundou-se essencialmente nas declarações prestadas pelo representante legal da Ré que depôs de forma clara, natural, fundada e esclarecedora e inteiramente credível. 19. Relativamente à matéria de facto dada como não provada, resultou de não ter sido produzida prova ou prova concludente sobre a mesma e da prova produzida em sentido diverso. 20. Não se respondeu à demais matéria alegada por se tratar de matéria conclusiva e/ou de direito, repetida e/ou argumentativa ou por ter ficado prejudicada pela resposta dada a outra/s. 21. O ónus da prova cabia à Apelante, que ficou aquém de tal desiderato. 22. Nos termos do artigo 799.º, n.º 1 do Código Civil incumbe ao devedor provar que a falta de cumprimento não procede de culpa sua (presunção). 23. Não resultou provado, que a falta de cumprimento procedeu de culpa da Ré, ou seja, incumbia à Autora provar dois factos que alegou. 24. Não há prova alguma nesse sentido e nem sequer a própria Recorrente faz qualquer alusão concreta a factos ou circunstâncias que impenda uma conclusão diferente da tomada na Sentença de que recorre. 25. Na Sentença não há qualquer contradição insanável entre a matéria assente e o depoimento das testemunhas. 26. Não houve errada aplicação do direito! 27. Não houve errada avaliação da prova! 28. Não houve nulidades da Sentença! 29. Não houve falta de fundamentação ou explicação do juízo decisório. 30. A fase de recurso visa tão só encontrar a errada aplicação da lei e a contradição insanável entre o depoimento das testemunhas e a matéria assente como provada 31. Não visa um novo julgamento como fez o Tribunal ad quo. 32. O Tribunal ad quo, alega que: afigura-se-nos que se trata de prova indiciária, mas insuficiente, por não estar coadjuvada por outro meio de prova que não provenha de quem tem interesse direto na causa. 33. O que mais não faz do que um novo julgamento da matéria de facto... quando contradiz a Sentença recorrida. 34. Andou mal o Tribunal Ad Quo na aplicação do artigo 414.º do CPC, já que foi feita prova dos factos pela ausência de prova de quem alegou o facto, ou seja, a Apelante, e nas declarações das partes, nomeadamente do R. 35. Ora se não havia prazo definido, nenhum efeito se pode retirar do comportamento das partes, atestando o Tribunal ad quo que: “Não estando provado qual fosse o prazo de cumprimento dessa prestação e tendo a Ré suspendido os trabalhos antes de concluir a instalação de todos os equipamentos necessários ao funcionamento dos painéis solares (cfr. factos provados 39, 40, 22 e 30) não se pode concluir que a Ré suspendeu os trabalhos porque o legal representante da Autora nada fez para a carrinha IVECO lhe fosse entregue.” 36. A entrega da carrinha dizia respeito a toda a obra e não apenas a parte. 37. Nem em algum momento a Apelante refere tal facto. 38. Também aqui o Tribunal ad quo andou para além do objecto de recurso. 39. Nem se pode aceitar que da alteração de tal facto resulte numa alteração do sentido da Sentença Recorrida. 40. No limite deveria ter sido mandado baixar à 1.ª Instância para ajustamento na sua globalidade e não de forma a alterar o sentido da decisão. 41. Existe na opinião da recorrente uma insuficiência de prova para a decisão da matéria de facto provada; e erro quanto à qualificação jurídica e na apreciação da prova. 42. O Tribunal ad quo não indica, no entanto, os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, fazendo mera referência aos pontos carreados na Sentença decidindo em sentido contrário em desrespeito pelo juízo do julgador e da forma como suportou a sua convicção. 43. Nem as concretas provas impõem decisão diversa da recorrida ou existem provas que devam ser renovadas. 44. O Tribunal ad quo não especifica expressamente de que forma é que tais alegados vícios se concretizam e de que forma devem ser decididos sem atacar o primado a imediação da produção da prova, jogando mão apenas a parte da prova para vir alterar o artigo 52.º da forma como o faz. 45. O Tribunal ad quo andou mal. 46. Não existiu in casu qualquer insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, não há qualquer contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, e tão pouco existe qualquer erro notório na aplicação da prova, pelo que deveria ser mantida a decisão da 1.ª instancia. 47. A Sentença encontra-se devidamente fundamentada, não merecendo qualquer censura. 48. O Recurso encontra-se delimitado pelo que as partes trouxeram a juízo em sede conclusões, que, deveriam ser sucintas o objectivas. 49. O Apelante teve oportunidade de, em audiência de julgamento, questionar as testemunhas que menciona e solicitar qualquer diligência que suportasse a sua pretensão e não o fez! 50. Nem alegou de direito, fazendo fazer valer os seus pontos de vista! 51. A matéria de facto em sede de Sentença dada como assente não merece qualquer reparo. 52. Como não merece qualquer reparo a aplicação do direito substantivo. 53. Mas com a decisão do Tribunal ad quo nada mais se faz do que subverter o ónus da prova, beneficiando a A. que alega factos e não os provou. 54. O conhecimento do recurso fica delimitada pelas conclusões da Apelante. 55. A Apelante não alega novos factos, nem cria uma dúvida insanável sobre a matéria controvertida. 56. Visa tão só contradizer o que decorreu da audiência de julgamento, nomeadamente da produção de prova. 57. Apresenta apenas as suas conclusões e interpretações dos factos. 58. O que mais não é do que uma inversão do ónus da prova em detrimento da ora Recorrente e para eximir-se a uma qualquer responsabilidade. 59. A prova produzida em Audiência de julgamento é suficiente e validamente eficaz para fundamentar a decisão versada na Sentença recorrida. 60. O Tribunal ad quo andou para além do objeto de recurso decidindo questões e factos que não foram, sequer, objecto de contradita ou prova que sustente a posição da sua decisão. 61. O recurso ordinário da forma como foi decidido representa um novo julgamento sobre a matéria de facto, com a produção de juízos sobre a prova que a própria Apelante não carreou ao processo. 62. O Tribunal ad quo atacou, o princípio geral de livre apreciação de prova conforme as regras da experiência e a livre convicção do julgador. 63. Andou bem ao decidir como decidiu o Tribunal da 1.ª Instância. 64. Depois e em contradição com o versado na sua Decisão o Tribunal ad quo afirma que: “Por conseguinte, não estando provado que a Autora deu cumprimento ao disposto no artigo 1221.º e 1222.º do CC, não lhe assiste o direito de pugnar pela devolução dos valores pagos à Ré a pretexto de invocar a resolução contratual de um outro contrato de empreitada.” 65. Acrescendo ainda que: “Em conclusão, ainda que com fundamento diferente do acolhido na sentença recorrida, a Ré tem de ser absolvida do pedido em relação ao peticionado quanto aos contratos de empreitada supra identificados sob os n.ºs 1 3.” 66. Interessante que o Tribunal ad quo veja um abandono da obra sem que este esteja correlacionado com o não pagamento do preço acordado. 67. Andando mal nesta decisão. 68. Também andou mal quando afirma que: Porém, não tendo resultado provado que foi acordado qualquer prazo para pagamento do remanescente do preço, e estando esta obrigação correlacionada com a realização da obra, na falta de convenção em contrário quanto ao prazo de pagamento, o preço (ou o remanescente, conforme o caso) apenas é devido após a realização, entrega e aceitação da obra (artigo 1210.º, n.º 2, do CC), cabendo ao empreiteiro o ónus de prova da realização e entrega (artigo 342.º, n.º 1, do CC). 69. Na situação sub judice, a Ré não cumpriu esse ónus e, bem pelo contrário, o que se provou foi que suspendeu os trabalhos, abandonou a obra deixando-a inacabada. 70. O que determinou o incumprimento definitivo do contrato por facto imputável ao empreiteiro e o direito da dona da obra resolver o contrato (artigos 798.º, 799.º e 801.º do CC). 71. Também aqui o Tribunal ad quo andou para além do objecto de recurso. 72. Ficou provado que estava estipulado a necessidade do pagamento do valor para produção da obra. 73. O “abandono” não foi definitivo, nem tal prova foi feita em audiência de julgamento, mas tão só correlacionado com a falta de não pagamento. 74. A falta de pagamento reconhecido pelo A. 75. Andou mal o Tribunal ad quo na aplicação do direito das normas do artigo 1210.º, n.º 2 do CC, 341, n.º 1 do CC, 432 e ss do CC. 76. Também estranhamente o Tribunal ad quo, após afirmar que: 77. “Aliás, percebe-se (…) que não será essa a sua vontade por os painéis não corresponderem à marca que constava do orçamento. 78. Donde a possibilidade de condenar a Ré a pagar a diferença entre o valor recebido e o custo dos materiais e da execução parcial da obra, no caso, não é viável sob pena de excesso de pronúncia (artigo 608.º, n.º 2, do CPC). 79. Por outro lado, afigurando-se que não existe impossibilidade (…) de levantamento dos equipamentos (painéis solares) colocados, a Ré tem de ser condenada a devolver o valor recebido a título de pagamento, assistindo-lhe o direito de levantar os painéis.” 80. E sem que tais questões tenham sido objecto de discussão, ou de Recurso, o Tribunal ad quo, tomou conhecimento de “percepções” e “considerações” decidindo sobre estes aspectos, quando, quanto muito. deveria ter mandado repetir o julgamento para afigurar de tais questões. 81. Andando, também aqui, mal e para além do objecto de recurso. 82. Ademais nunca foi objecto de prova ou discussão esse facto e que agora o Tribunal ad quo decidiu conhecer e tomando considerações subjectivas e sem relação com o objecto do recurso. 83. Decidindo em contrario à lei, nomeadamente, desconsiderando o facto de o A. ter e estar a utilizar tais equipamentos e pura e simplesmente apagou do seu juízo decisório o principio da equidade, em que nunca o A. pediu a remoção dos equipamentos, e não considerou a valoração da desvalorização dos equipamentos pelo lapso temporal decorrido, prejudicando em grande monta os direitos da ora Recorrente. 84. Também estranhamente desconsiderou o facto de a ora Recorrente ter invocado em sede de audiência de julgamento e que salvo melhor opinião é de seu conhecimento oficioso o facto de a A. não ter personalidade jurídica, nem o legal representante da A. ter feito prova dessa qualidade em todo o processo. 85. A A. como entidade jurídica no direito francês não tem correspondência no ordenamento jurídico português e tal facto foi totalmente desconsiderado por ambos os Tribunais. 86. Salvo melhor opinião a A. está desprovida de representação legal e ela própria não tem existência jurídica já que não prova sequer a sua existência no ordenamento jurídico francês. 87. Sendo este facto de conhecimento oficioso. 88. Nulidade invocável a todo o tempo e que consubstancia questão essencial nos presente autos. 89. Parece-nos que nenhum dos argumentos decididos para alterar a decisão deverão merecer acolhimento, não sendo a decisão revogada passível de qualquer censura. 90. O Tribunal da 1.ª instância, agiu segundo a livre apreciação de prova, conferindo credibilidade às declarações das testemunhas, e quando assim o mereceu, das Partes. 91. O Tribunal da 1.ª Instância justificou de forma clara, e prova não pode ser analisada de forma compartimentada, segmentada, atomizada, mas, ao invés, dever ser valorizada na sua globalidade, estabelecendo conexões, conjugando os seus diferentes meios e não desprezando as presunções simples, naturais ou hominis, que são meios lógicos de apreciação das provas e de formação da convicção, como efectivamente o fez. 92. A Livre Convicção da prova é formada “não em observância a qualquer arbitrária análise dos elementos probatórios, mas antes estribada na sua análise segundo as regras da experiência comum, num complexo de motivos, referências e raciocínios de cariz intelectual e de consciência que deve de todo em todo ficar de fora a qualquer intromissão interna em sede de conhecimento” (v.g. Ac. do S.T.J. de 11/03/98, C.J., Acs do S.T.J. – 1998, Tomo I, 220). 93. Por isso mesmo uma livre valoração entendida como “(...) valoração racional e critica de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos, que permita objectivar a apreciação, requisito necessário para uma efectiva motivação da decisão (…)” 94. Ao julgador cabe, não um poder arbitrário, mas antes um dever de perseguir a chamada “verdade material”, a verdade prático-jurídica, segundo critérios objectivos e susceptíveis de motivação racional”. 95. Consequentemente, “(...) num segundo nível referente à valoração da prova intervêm as deduções e induções que o julgador realiza a partir dos factos probatórios e agora já as inferências não dependem substancialmente da imediação, mas hão-de basear-se na correcção do raciocínio que há-de basear-se nas regras da lógica, princípios da experiência e conhecimentos científicos, tudo se podendo englobar na expressão regras da experiência (...). 96. Pelo exposto, ganha particular e decisiva importância a fundamentação da sentença, ou seja, a exigência de que dela conste não só a enumeração dos factos provados e não provados, mas ainda uma exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do Tribunal a quo. 97. Ora, como expressamente se afirma no Ac. do T. R. P de 05/06/2002, processo n.º 0210320 (in “www.dgsi.pt”), “(...) estes motivos de facto que fundamentam a decisão não são nem os factos provados, nem os meios de prova, mas os elementos que em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos constituem o substrato racional que conduziu a que a convicção do Tribunal se formasse em determinado sentido, ou valorasse de determinada forma os diversos meios de prova apresentados em audiência (…)” 98. Certo será que, “(...) tal fundamentação deverá, intraprocessualmente, permitir aos sujeitos processuais e ao Tribunal Superior o exame do processo lógico ou racional que lhe subjaz, pela via do recurso” e, extraprocessualmente, “(...) assegurar pelo conteúdo um respeito efectivo pelo princípio da legalidade na sentença, e a própria independência e imparcialidade dos juízes, uma vez que os destinatários da decisão não são apenas os sujeitos processuais, mas a própria sociedade(...)”. 99. Da mescla entre o sistema da livre apreciação da prova e a possibilidade de controle imposto pela obrigatoriedade duma motivação racional da convicção formada, “(...) evitar-se-ão situações em que se impute ao julgador a avaliação “caprichosa” ou “arbitrária” da prova, e, sobretudo, justificar-se-á a confiança no julgador ao ser-lhe conferida pela liberdade de apreciação da prova garantindo-se, simultaneamente a credibilidade na justiça “. (...) a convicção do juiz há-de ser uma convicção pessoal - até porque nela desempenha um papel de relevo não só a actividade meramente cognitiva, mas também elementos racionalmente não explicáveis [v.g. a credibilidade que se concede a um certo meio de prova], e mesmo puramente emocionais – mas, em todo o caso, também ela uma convicção objectivável e motivável, capaz de se impor aos outros (...)” 100. Por isso mesmo, “(...) uma tal convicção existirá quando e só quando o Tribunal [a quo] tenha logrado convencer-se da verdade, para além de toda a dúvida razoável (...)” assumindo aqui como princípio fundamental o “principio da imediação”, i.e., “(...) a relação de proximidade comunicante entre o Tribunal e os participantes no processo, de modo tal que aquele possa obter uma percepção própria do material que haverá de ter como base a sua decisão(...)”. 101. Só estes princípios permitem, com efeito, o indispensável contacto vivo e imediato a produção da prova testemunhas e de todos os elementos necessários à boa decisão da causa, bem como a recolha da impressão deixada pela sua personalidade e a avaliação mais correcta possível da credibilidade das declarações prestadas pelos participantes processuais, bem como uma plena audiência destes mesmos participantes, possibilitando-lhes da melhor forma que tomem posição perante o material de facto recolhido e comparticipem na declaração do direito do caso. 102.“(...) isto não significa, como é evidente, que o Tribunal de recurso não possa e deva controlar a convicção do juiz da 1.ª instância, designadamente quando assenta em raciocínios contrários às regras da lógica, às máximas da experiência ou aos conhecimentos científicos, sem olvidar, porém, que casos há em que, face à prova produzida, as regras da experiência permitem ou não colidem com mais do que uma solução. De facto, se a decisão do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis segundo as regras da experiência, ela só será inatacável já que foi proferida em obediência à lei que impõe que ele julgue de acordo com a sua livre convicção. Isto é mesmo quando, como no caso dos autos, houver documentação da prova. De outra maneira seriam defraudados os fins visados com a oralidade e a imediação da prova (...)” (Ac. do STJ de 13/02/03, Proc. 03P141, idem) 103. Há que afirmar, neste contexto, que a fundamentação do douta Sentença em apreço se encontra devidamente fundamentada. 104. Fundamenta e explicita o processo de formação da convicção do Tribunal e o exame crítico das provas que o alicerçou, nomeadamente, o raciocínio logico-dedutivo seguido e, por essa via, o porquê, a medida e extensão da credibilidade que mereceram os depoimentos prestados em Audiência. 105. As regras da experiência e em adequados juízos de normalidade, sob pena de violação de regras lógicas e ensinamento da experiência comum, corroboram a douta sentença em toda a sua extensão. 106. Aliás como as próprias as declarações do legal representante da Autora o afirmam. 107. Aceitar-se a posição agora manifestada pelo Tribunal ad quo é desvirtuar totalmente o ónus da prova. 108. Relativamente à impugnação do processo deformação da convicção do tribunal a quo que levou à fixação da matéria de facto dada como provada e não provada, a verdade é que este “in casu” obedeceu a todos os ditames legais e, nomeadamente, segundo a qual “a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da autoridade competente”. 109. As regras da experiência e em adequados juízos de normalidade, sob pena de violação de regras lógicas e ensinamento da experiência comum, corroboram a douta sentença em toda a sua extensão. 110. A Sentença esta devidamente fundamentada e não merece qualquer censura. 111. Não assiste razão ao Tribunal ad quo! Nestes termos e nos melhores de direito, deve o presente recurso ser julgado totalmente procedente por provado, com todas as consequências legais nomeadamente revogando-se o acórdão proferido.» 6. A recorrida respondeu, sintetizando a sua posição nas seguintes conclusões: «a) A alteração da matéria de facto só deve ser efetuada pelo Tribunal da Relação, quando este Tribunal, depois de proceder à audição efetiva da prova gravada, conclua, com a necessária segurança, no sentido de que os depoimentos prestados em audiência final, conjugados com a restante prova produzida, apontam em direção diversa, e delimitaram uma conclusão diferente daquela que vingou na primeira Instância. Temos por seguro que foi o que aconteceu. b) Andou bem a Relação ao considerar mal julgado o facto provado do artigo 52.º da sentença da 1.ª Instância, retirando-o dos factos provados e remetendo-o para os factos não provados. c) A fundamentação da decisão sobre a matéria de facto tem a ver com a análise crítica das provas e bem assim com a especificação dos fundamentos tidos como decisivos para a convicção do julgador, e foi isso que sucedeu. d) A sociedade estrangeira não depende da lei portuguesa para existir. e) O formalismo decisório deve sempre ceder à procura da verdade material, nomeadamente quando a solução formal se encontra viciada, e foi isso que os Srs. Juízes Desembargadores fizeram e bem, levando-os a decidir pela procedência do recurso interposto pela A., ora recorrida revogando em consequência a “errada” decisão proferida pela Mma. Juiz da 1.º Instância e, julgando parcialmente procedente a ação. f) Quanto ao mais, concordando-se integralmente com os fundamentos de facto e de direito da decisão recorrida para os quais se remete, a recorrida sustenta o não provimento do recurso interposto e ora em análise. g) Assim sendo deve o presente recurso improceder in totum. Nestes termos, e nos demais de Direito do douto suprimento de Vossas Excelências, Venerandos Juízes Conselheiros, no qual desde já se louvam os recorridos, deverá ser confirmado na integra o douto Acórdão proferido pela 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora, só assim se realizando a habitual e tão necessária justiça.» Cabe apreciar. * II. FUNDAMENTOS 1. Admissibilidade e objeto do recurso Tendo o acórdão recorrido revogado a sentença em sentido desfavorável ao recorrente, e verificados os pressupostos gerais de recorribilidade, a revista é admissível, nos termos do artigo 671.º, n.º 1 do CPC. A recorrida (nas contra-alegações) sustentou a inadmissibilidade da revista, com base na falta de sucumbência, dado que a ré havia sido condenada no montante de 15.000,00 Euros. Porém, como se encontra esclarecido no despacho da segunda instância que admitiu a subida do recurso, a ré decaiu no pedido reconvencional em 75,00 Euros, pelo que o valor total da sucumbência é de 15.075,00 Euros, não se verificando, portanto, o obstáculo apontado pela recorrida. O objeto central da revista, traçado pelas conclusões das suas alegações, é o de saber se o acórdão recorrido fez errada aplicação das regras de direito processual ao alterar a matéria de facto e se fez errada aplicação do direito substantivo, particularmente do regime do contrato de empreitada. 2. A factualidade provada Foi dada como provada a seguinte factualidade: «1. A A. é dona e legítima proprietária do prédio misto, composto de cultura arvense, amendoeiras, figueiras e oliveiras, e casas térreas, para habitação, sito em ..., freguesia de ..., concelho de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o número ... (...) ali registada a aquisição a seu favor pela Apresentação ..42 de 2016/02/22, inscrito na matriz sob o artigo rústico ... Secção ...e sob o artigo urbano .48 da freguesia de ..., concelho de .... 2. Esse imóvel adveio à posse da Autora por compra que realizou em 22/02/2016 através de escritura pública. 3. A Ré sociedade tem como objeto social instalações elétricas, canalizações e outras instalações em construções. 4. O legal representante da Autora, BB, estabeleceu contacto com o representante legal da Ré, na filial de ... da sociedade Ré sita em Quinta ..., Lote ..., no sentido do fornecimento e montagem de painéis solares, fornecimento e instalação de uma bomba de calor, fornecimento e montagem de um automatismo do portão de acesso à propriedade e fornecimento e montagem de aparelhos de ar condicionado no imóvel referido em 1. 5. Nessa conformidade a Ré por intermédio do seu gerente, AA, no dia 06/11/2016 entregou ao legal representante da Autora o documento a que chamou “Orçamento n.º 1157” com o teor manuscrito seguinte: “Proposta de fornecimento e montagem de sistema de autoconsumo de painéis fotovoltaicos e bomba de calor 300 litros com painéis de AQS. Autoconsumo Para este serviço propomos a montagem de 18 painéis de 250Wts com inversor com potência acima dos valores de geração para no futuro em caso de necessidade, se possam montar mais painéis ou outros no género por insuficiência dos existentes. O inversor será colocado ou montado na cabine das bombas da piscina, onde terá lugar um quadro de alimentação e proteção de todo o equipamento. Estes painéis terão a sua localização em muro de suporte de terras, junto à casa das bombas e terá estrutura feita no local de acordo com a necessidade e orientação dos mesmos, toda a estrutura terá proteção à terra com os elétrodos necessários para fazer uma boa terra e caixa de medição. Todo o sistema terá ligações em trifásico e terá acesso a leitura de geração de energia. Valor 10.452,00€.” 6. E entregou ao legal representante da Autora o documento a que chamou “Orçamento n.º 1158” que constitui uma continuação do anterior com o teor manuscrito seguinte: “NB: A estrutura extra além da que o sistema traz, ou seja, o que for necessário de serralheiro será faturado de acordo com o que for feito pelo mesmo. Os trabalhos de pedreiro ou pintura será por vossa conta. Iva não incluído à taxa em vigor. Bomba de calor e painéis AQS Para estes serviços os equipamentos serão entre várias marcas de qualidade acima da média a que tivermos para entrega sempre com a mesma garantia e qualidade. A bomba de calor terá capacidade de 300 litros e terá apoio de dois painéis de AQS a instalar junto aos fotovoltaicos, ou seja, os que ficam mais próximos da casa das máquinas, onde a bomba vai ficar, assim como o quadro de proteção e o sistema de circulação do fluido entre a bomba e os painéis. Esta bomba terá também resistência elétrica 230 Volts para alguma falha ou avaria. O sistema será na parte de águas protegido por um filtro anticalcário e outro anti impurezas com baipasse. A este sistema será feito um outro que será retorno das águas quentes desde a casa de…” 7. E entregou ao legal representante da A. o documento a que chamou “Orçamento n.º 1159” que constitui uma continuação do anterior com o teor manuscrito seguinte: “…habitação até à máquina com Kit de circulação e termostato de maneira que as águas se mantenham sempre quentes até a casa para chegar mais rápido às torneiras. As tubagens desde a casa às máquinas na casa das máquinas serão feitas em tubo multifex de 20 mm protegido por manga térmica de boa qualidade e será feito a 60 cm abaixo do solo com marcação em fita própria. Terá o vosso canalizador que nos deixar pontos de entrega de águas frias e quentes dentro ou fora de casa de habitação, mas preparado em conjunto entre a minha firma e ele. NB: Todos os trabalhos de abertura e tapamento de vala, bem como serviço de pedreiro e pinturas será por vossa conta. Valor 5.380,00 IVA não incluído à taxa legal em vigor Sistema de pagamento a combinar, mas sempre com adjudicação.” 8. Para o fornecimento e montagem de sistema de autoconsumo de painéis fotovoltaicos a Ré Sociedade orçamentou o valor de 10.452,00€ e para o fornecimento e montagem da Bomba de Calor de 300 litros com painéis de AQS orçamentou o valor de 5.380,00€, valores a que acresceria o IVA à taxa legal. 9. No dia 05/08/2017 a Ré por Intermédio do seu gerente, AA, entregou ao legal representante da Autora o documento a que chamou Orçamento n.º 1275” com o teor manuscrito seguinte: “(…) Proposta de fornecimento e montagem de oito aparelhos de ar condicionado na sua habitação - 5 quartos 1 sala e 1 cozinha. Para 4 quartos dois no r/c e dois no andar proponho que sejam de 9000 BTUS. Para o quarto maior no R/C proponho 12000BTUS. Na sala o indicado será de 18.000 BTUS x 2 aparelhos. Na cozinha 12000 BTUS A marca que vou propor será UP LIVE mas dentro destes valores tenho várias marcas com a mesma qualidade e garantia. A garantia dos aparelhos e serviços será de 2 anos em que a fatura serve de garantia aos mesmos. Nas máquinas exteriores no telhado por causa de não se verem e por causa das intempéries proponho que sejam individuais. Orçamento total 6500,00€ euros IVA não incluído à taxa legal em vigor Sistema de pagamento a combinar. NB: Serviços de pedreiro ou pinturas não incluídos e só em caso de necessidade.” 10. E nesse mesmo dia, a Ré dirigiu e entregou ao legal representante da Autora o documento a que chamou “G. Remessa n.º 1276”, que se junta sob DOC. 8, com o teor manuscrito seguinte: “(…) Montagem com materiais e mão de obra de automatismo para portão de braços da marca V2, 675,00 euros. Reforço do portão com tubo retangular em ferro zincado 75,00 euros IVA não incluído a taxa legal em vigor” 11. A Autora adjudicou esse serviço à Ré e esta executou a montagem do automatismo do portão. 12. A Autora no dia 13/10/2017, ainda no decurso dos trabalhos de montagem do automatismo do seu portão, acordou com o legal representante da Ré sociedade a adjudicação da empreitada relativa ao ar condicionado ficando estabelecido que os aparelhos a instalar seriam económicos e silenciosos e da marca Daikin, tendo-lhe entregue nesse mesmo dia em numerário a importância de 2.000,00€. 13. Após receber essa importância a Ré iniciou a instalação dos aparelhos de ar condicionado. 14. No decurso da referida obra a Autora entregou-lhe ainda a importância de €4.000,00 em numerário, de que também não foi emitida fatura/recibo, e acordou com o legal representante da Ré sociedade a adjudicação da empreitada relativa à Bomba de calor e painéis AQS, cujo orçamento havia sido apresentado em 06/11/2016 e a que se refere fls. 2 e 3 “Orçamentos n.ºs 1158 e 1159” 15. Nessa conformidade, a Ré durante o mês de março de 2018, numa altura em que a instalação dos aparelhos de ar condicionado ainda não estava concluída, informou pretender iniciar os trabalhos de montagem da bomba de calor, solicitando à Autora um pagamento no valor de 5000,00€ (cinco mil euros). 16. Em 31 de março de 2018 a Autora, encontrando-se ausente do país, por intermédio de CC – pessoa através da qual o legal representante da A. conheceu o legal representante da R. – entregou a AA, em numerário, a importância de 5.000,00€ (cinco mil euros). 17. Na sequência desse pagamento, AA, entregou o documento que aqui se junta sob DOC. 10 com o teor seguinte: “31 Março 2018 - Recebi do CC a quantia de mil euros (…)” 18. No dia 10 de agosto de 2018 a Autora a solicitação do legal representante da Ré entregou-lhe em numerário a importância de €1.000,00 19. Uma vez que a Autora não tinha aceitado a proposta de fornecimento e montagem de sistema de autoconsumo de painéis fotovoltaicos e bomba de calor 300 litros com painéis de AQS apresentada em 06/11/2016 e referida em 5.º da pi., o legal representante da R. sociedade no decurso das empreitadas apresentou à Autora em 19/02/2019 o documento a que chamou “Orçamento n.º 1493” com o teor manuscrito seguinte: “(…) Fornecimento e montagem de Kit Hibrido de painéis fotovoltaicos com baterias. Para este serviço os módulos fotovoltaicos são da marca “KIOTO” de 270 WP numa quantidade de 24 (vinte quatro) com baterias com capacidade de 9,6 KWh da marca alemã RCT com inversor e controlador da mesma marca. Todos os cabos e estrutura bem como a proteção e cortes ficam incluídos. A estrutura referida acima será a própria para os painéis e será em alumínio fundido sendo que todos os adaptadores e parafusos são em inox. Este sistema está previsto ser montado no canil existente e para isso será feita estrutura em ferro por serralheiro de madeira a que a sua inclinação será de 40% máximo podendo ficar menos. NB: Esta estrutura não tem nada a ver com telhado e será por minha conta. Preço total 17.600 euros. IVA 4.048 euros. Preço final 21.648 euros. Sistema de pagamento 10.000 euros adjudicação Resto dividido em 3 frações iguais. (…)” 20. Para a adjudicação desses trabalhos a Autora propôs à Ré que aceitaria pagar o valor de 15.000,00€ e para pagamento do restante entregaria uma carrinha da marca IVECO o que o legal representante da Ré aceitou. 21. Nessa conformidade, a Autora no dia 14 de Março de 2019 transferiu para a Ré Sociedade a importância de 10.000,00€. 22. A Ré deu início aos trabalhos e após montar os 24 painéis solares suspendeu os trabalhos, não tendo colocado as baterias. 23. A Ré exigiu à Autora que lhe fosse pago o valor de 5.000,00€ 24. A Autora no dia 17 de Maio de 2019 transferiu para a Ré Sociedade a importância de 5.000,00€ 25. Dos oito aparelhos de ar condicionado, constantes do orçamento, apenas foram colocados sete aparelhos, (sala jantar, sala de estar, quarto R/C nascente, quarto rés-do-chão poente, quarto escritório R/C, quarto 1° piso nascente e quarto do 1.º piso poente), 3 já foram reparados (sala de jantar, quarto R/C poente e quarto 1° piso nascente) e os restantes 4 funcionam de forma deficiente.». [Redação após reapreciação da decisão de facto pela segunda instância] 26. Os equipamentos do quarto 1º piso poente, apesar de não apresentar erro de funcionamento no comando, apenas faz ventilação, e tudo indicada que seja gás refrigerante insuficiente, já que nas unidades exteriores os compressores encontravam-se a funcionar. 27. Em relação ao equipamento instalado na sala de estar, o mesmo apresenta o erro ‘U0’ que significa ‘refrigerante insuficiente’. 28. Os aparelhos instalados da marca Daikin (marca com renome no mercado) são de qualidade superior aos inicialmente propostos da marca UPlive (marca branca). 29. Os 24 módulos fotovoltaicos que a Ré montou não têm nenhuma correspondência aos orçamentados – Kit Híbrido de 24 módulos fotovoltaicos da marca Kioto de 270 WP com baterias com capacidade de 9,6 KWh da marca alemã RCT com inversor e controlador da mesma marca. 30. Para além disso, esses módulos fotovoltaicos ficaram incompletos, faltam as baterias, o inversor e controlador, que são os componentes mais caros, e sem eles o sistema não funciona, e a Autora entregou por esta empreitada a quantia de 15.000,00€. 31. Os painéis instalados da marca Ulica de 275Wp tem mais 5Wp do que os painéis inicialmente acordados da marca Kioto de 270Wp. 32. O local onde se encontra instalada a bomba de calor tem uma altura de pé direito de 2,06m e a bomba de calor de 300L para esta marca Therca tem uma altura de 1,9m. Como é necessário colocar 2 curvas 90º da tubagem de admissão e exaustão de ar com um diâmetro de 150mm, devido aos raios de curvatura necessários para a tubagem, não é possível a colocação da bomba de calor de 300L da mesma marca neste local. 33. Para que os vários sistemas sejam colocados a funcionar de acordo com as várias propostas é necessário o seguinte: . Fornecimento e substituição da bomba de calor 194L por uma bomba de calor de 300L com serpentina solar e resistência de apoio conforme proposto e isolamento da tubagem de água quente e retorno dentro da casa da piscina; (4500€+IVA) . Fornecimento e substituição da tubagem de retorno AQS existente entre o barbecue e a bomba de calor por tubagem multicamada 16 devidamente isolada; (390€+IVA) . Relocalização dos painéis solares térmicos para junto da casa da piscina onde se encontra a bomba de calor; (350€+IVA) . Fornecimento e passagem nova tubagem de cobre devidamente isolada entre a bomba de calor e os painéis solares térmicos; (250€+IVA) . Fornecimento e montagem de baterias de 9,6kWh, controlador/inversor e respectiva ligação ao quadro AC conforme proposto; (11.400€+IVA) . Fornecimento e montagem de unidade mono-split 12000btu na cozinha; (750€+IVA). Fornecimento e substituição da tampa em PVC 60x60 partida na caixa de passagem entre os painéis e a casa da piscina por nova tampa em ferro 60x60; (145€+IVA). [Aditamento introduzido após reapreciação da decisão de facto pela segunda instância.] 34. No dia 23/07/2019 a pedido da Autora foi elaborado por “DD – Ar Condicionado e Refrigeração, Lda.” relatório de avaria nos equipamentos Daikin instalados pela Ré no Imóvel da A., tendo sido referido o seguinte: “Após visita do técnico à moradia sita no Caminho ... Postal ...-C, ... ..., foram detetadas as seguintes anomalias nos equipamentos DAIKIN existentes: . Sala – existe humidade no equipamento; . 2 quartos 1.º andar – existe fuga na tubagem. 35. A Autora pagou a importância de 861,00€. 36. No dia 12 de Julho de 2019, o legal representante da Autora decidiu remeter para a sede da Ré, a carta registada com aviso de receção que aqui se junta sob DOC. 21 com o teor seguinte: “(…) Ex.mo Sr. AA, Acordou V. Exa. no dia 19/02/2019 a execução de uma empreitada de fornecimento e montagem de Kit Híbrido de 24 módulos fotovoltaicos da marca Kioto de 270 WP com baterias com capacidade de 9,6 Kwh da marca alemã RCT com inversor e controlador da mesma marca no meu prédio, pelo valor total de 21.648,00€. Acontece que os 24 módulos fotovoltaicos montados por V. Exa. como já tive oportunidade de referir não são da marca Kioto de 270 WP, sendo certo que V. Exa. na qualidade de empreiteiro deveria executar a obra em conformidade com o que foi convencionado e não o fez, mostrando-se a obra inacabada. Em 14/03/2019 procedi ao pagamento por transferência da quantia de 10.000,00€, da qual V. Exa. ainda não entregou qualquer Fatura ou recibo e no intuito de V. Exa. terminar os trabalhos no dia 17/05/2019 atendi ao seu pedido de pagar a quantia de 5.000,00€, o que realizei por transferência bancário para o IBAN que me forneceu , quantia essa de que não disponho de Fatura ou recibo não obstante lhe ter enviado o NIF da m/ empresa em 31/03/20019 (NIF: ... ... .46) Nos termos do artigo 1221.º do Código Civil venho exigir a Exa. mais uma vez, a substituição dos módulos fotovoltaicos que instalou devendo proceder à colocação dos 24 módulos fotovoltaicos da marca Kioto de 270 WP que ficou entre nós convencionado que instalaria. Atendendo a que tenho necessidade premente de ver concluída a instalação dos painéis solares, venho pela presente solicitar a substituição dos módulos colocados e a colocação dos módulos que ficou convencionado que seriam colocados e o seu acabamento, para o que entendo razoável o prazo máximo de 15 dias contados da assinatura do aviso de receção desta carta para dar inicio aos trabalhos. Findo este prazo sem que V. Exa. dê cumprimento ao solicitado, informo que considero rescindido o contrato, por incumprimento da vossa parte, adjudicando os trabalhos a outrem e debitando a V. Exas. o que for devido, pela desmontagem dos módulos deficientemente colocados. Sem outro assunto de momento, resta-me aguardar me informem o que tiverem por conveniente sobre este assunto.” 37. Nessa mesma data remeteu para a Filial de ... da Ré que se localizava em Quinta ..., Lote..., ... ..., a carta registada com aviso de receção que aqui se junta sob DOC. 20, a qual tem o mesmo teor da transcrita no ponto anterior. 38. Nem a R. nem o seu legal representante reclamaram a carta que foi remetida para a sua sede e a carta remetida para a sua filial veio devolvida com a indicação de que o endereço era insuficiente. 39. A partir de 17 de maio de 2019 a Ré deixou de comparecer na obra. 40. A Ré não procedeu à sua conclusão, nem à reparação dos defeitos, conclusão e reparação que foram solicitadas através de mensagens sms e pelas cartas de 12-07-2019 remetidas sob registo postal e com aviso de receção para a sede e filial da A. 41. A primeira empreitada remonta à data de 6/11/2016 e a última a 19/02/2019. 42. A Ré viu-se impossibilitada de emitir a fatura em nome da Autora, uma vez que o sistema da Autoridade Tributária e Aduaneira (adiante designada por ATA) não reconhece o NIF da sociedade Autora. 43. A pedido da Autora a Ré instalou no local aparelhos da marca Daikin; foi o próprio Representante Legal da Autora, que prescindiu da instalação de um aparelho na cozinha do imóvel, solicitando a instalação de apenas 7. 44. Tendo o mesmo apenas pago a aquisição e instalação de 7 equipamentos, no valor de 6.000,00€. 45. A pré-instalação dos aparelhos de ar condicionado, ou seja, as instalações/trabalhos efetuados dentro das paredes, foi executada por terceiros, estranhos à Ré. 46. Quando deu por terminados os serviços relativamente aos aparelhos de ar condicionado, estes funcionavam sem qualquer defeito, sendo que ainda decorriam obras de pedreiro no imóvel, no 1º andar. 47. Em 11/02/2019, após estar instalada a bomba de calor, foi efetuada uma intervenção por técnico da marca da bomba instalada BESUN, que veio a verificar o seguinte: “Verificou-se que a bomba de calor não tinha rendimento, quando se fechou a entrada de água a mesma começou a responder (aquecendo)”. 48. Sucede, porém, que à ré apenas foi adjudicada a implementação da bomba, não tendo sido a Ré responsável pela ligação deste equipamento às torneiras de água quente. 49. A Ré nos orçamentos que entregou à Autora, deixou sempre explicito que o valor do IVA não estava incluído nos preços apresentados, e que, portanto, os mesmos deviam ser calculados à parte de acordo com a taxa em vigor. 50. Não obstante, apesar de ter pago as quantias de 750,00€, 6.000,00€ e 5.250,00€, a Autora nunca procedeu à entrega do imposto devido por aquelas quantias, respetivamente 172,50€, 1.380,00€ e 1.207,50€. 51. Perfazendo um total de 2.760,00€. 52. Não Provado. 53. A bomba de calor orçamentada tinha uma capacidade de 300 litros, a Ré instalou uma bomba com capacidade de 194 litros.» A segunda instância considerou não provado o facto n.º 52, o qual tinha (na decisão da primeira instância) o seguinte teor: «A Ré suspendeu os trabalhos como referido, porque o representante legal da Autora nada fez para que a carrinha IVECO fosse entregue à Ré.» * 3. O direito aplicável 3.1. O objeto da revista é o de saber se o acórdão recorrido fez errada aplicação das regras de direito processual quando alterou a matéria de facto; e se fez errada aplicação do direito substantivo, particularmente do regime do contrato de empreitada. 3.2. O recorrente, nas conclusões das suas alegações, invoca, porém, outras “questões” que devem ser previamente afastadas do objeto da revista. Assim: De forma dispersa ao longo das (extensas) conclusões, o recorrente vai afirmando que o acórdão recorrido decidiu para além do objeto do recurso (por exemplo, nos pontos, 8, 9, 15, 16), nomeadamente, quando alterou o facto provado n.º 52 (que a primeira instância havia dado como provado). Porém, confrontando o objeto da apelação com o teor do acórdão agora recorrido, é manifesto que tais afirmações da recorrente são absolutamente inconsequentes e destituídas de fundamento, pois em nenhuma matéria se identifica qualquer extravasar do objeto decisório. Aliás, nem a recorrente consegue demonstrar, de forma tecnicamente credível, qualquer concreto ponto em que tivesse existido excesso de pronúncia. Não existe, portanto, qualquer vício do acórdão recorrido, nomeadamente qualquer nulidade (nos termos do artigo 615.º do CPC). Por outro lado, alega a recorrente, ainda que em termos vagos (nos pontos 84 a 88 das conclusões das alegações) que a sociedade autora não teria personalidade jurídica, o que conduziria a uma nulidade. É manifesta a falta de fundamento de tal alegação. Nos termos do artigo 577.º, alínea c) do CPC, a falta de personalidade é exceção dilatória, que obsta ao conhecimento do mérito da causa, nos termos do artigo 576.º, devendo tal exceção ser conhecida no despacho saneados, como dispõe o artigo 595º, n.º 1, alínea a). Porém, como consta do relatado na sentença, nenhuma exceção obstou ao conhecimento do mérito da causa. Efetivamente, afirma-se na sentença: «Foi realizada audiência prévia na qual foi proferido despacho saneador com fixação do valor da causa e despacho de fixação do objecto do litigio e enunciação dos temas da prova, sem reclamações. Instruído o processo, realizou-se a audiência final com observância das formalidades legais, conforme consta das respectivas actas. Depois do saneador nada ocorreu que afectasse os pressupostos de validade e regularidade da instância. Nada obsta, assim, a que se conheça do mérito da causa.» Na segunda instância tal questão também não foi suscitada ou conhecida, pelo que a invocação da falta de personalidade da sociedade autora num recurso de revista é absolutamente extemporânea e destituída de qualquer base legal, já que a revista se destina a reapreciar as questões que foram decididas na decisão recorrida. 3.3. Arredadas essas “questões”, o objeto da revista consiste, em primeiro lugar, em saber se o acórdão recorrido fez errada aplicação das regras de direito processual quando alterou a matéria de facto. Efetivamente, a esmagadora maioria das conclusões da recorrente destinam-se a expressar o seu desacordo com a decisão que alterou o facto provado n.º 52, tendo passado a considerar-se como não provado. O teor desse facto, dado como provado pela primeira instância, era o seguinte: «A Ré suspendeu os trabalhos como referido porque o representante legal da Autora nada fez para que a carrinha IVECO fosse entregue à Ré.» Eliminado este facto, desapareceu a base para sustentar a tese da exceção do não cumprimento, que havia levado a primeira instância a absolver o réu do pedido. No entendimento da recorrente o acórdão recorrido teria violado as regras que disciplinam o julgamento da matéria de facto. O Tribunal da Relação alterou a decisão sobre a matéria de facto (dando como não provado o facto n.º 52), por ter entendido que da decisão da primeira instância «(…) não resulta a razão pela qual a Ré suspendeu os trabalhos referentes à instalação dos painéis solares, sendo que não foi produzida prova donde se possa concluir com a necessária segurança que a Ré suspendeu os trabalhos pela razão referida neste ponto 52.» O julgamento dessa matéria de facto teve por base as declarações do legal representante da autora e as declarações do legal representante da ré. Tais declarações foram, assim, valoradas de forma diferente pela primeira instância e pela Relação. Deve, desde já, afirmar-se que ao STJ não cabe rever o modo como a Relação julgou essa matéria, porque tal lhe está vedado pela interpretação conjugada do disposto no artigo 682.º, n.º 1 e 2 e no artigo 674.º, n.º 3. Dispõe o artigo 682.º do CPC: «1- Aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, o Supremo Tribunal de Justiça aplica definitivamente o regime jurídico que julgue adequado. 2 - A decisão proferida pelo tribunal recorrido quanto à matéria de facto não pode ser alterada, salvo o caso excecional previsto no n.º 3 do artigo 674.º.» Artigo 674º, «3- O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.» Assim, não estando em causa matéria que caiba na ressalva constante da última parte do n.º 3 do artigo 674.º, mas sim prova que cabe no âmbito da livre convicção do julgador, nenhuma censura pode ser dirigida por este tribunal ao modo como a Relação julgou aquela matéria de facto, encontrando-se tal decisão devidamente fundamentada. Improcede, assim, nesta matéria, a pretensão da recorrente. 3.4. Por outro lado, cabe no âmbito da revista a questão de saber se o acórdão recorrido fez errada aplicação do direito substantivo, quando entendeu que o réu incumpriu o contrato de empreitada respeitante ao fornecimento e instalação dos painéis fotovoltaicos, e o condenou a pagar à autora a quantia de €15.000,00, acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos, deste a citação até integral pagamento, à taxa aplicável às obrigações comerciais. A recorrente dirige as suas alegações de recurso, essencialmente, ao modo como foi apreciada a matéria de facto pelo Tribunal da Relação, dirigindo escassa argumentação contra o modo como foi apreciado o incumprimento do contrato de empreitada. A este propósito afirma, essencialmente, não ter resultado provado que a falta de cumprimento procedesse de culpa sua. Vejamos. Como decorre pacificamente dos autos, a autora celebrou com a ré vários contratos de empreitada, nos termos dos quais a segunda se obrigou a executar obras de diferente natureza num imóvel da primeira. Esses contratos tiveram por objeto o fornecimento e montagem de uma bomba de calor, a reparação e beneficiação de um portão, o fornecimento e montagem de aparelhos de ar condicionado e o fornecimento e montagem de painéis fotovoltaicos. A segunda instância entendeu que apenas quanto a esta última empreitada, ou seja, a respeitante aos painéis fotovoltaicos existia fundamento para condenar a ré. Colhe-se no acórdão recorrido a seguinte fundamentação: «Esta obra não foi concluída como ficou provado. A Autora resolveu o contrato de empreitada e como consta do teor da comunicação resolutiva, fê-lo após interpelar a Ré para eliminar os defeitos e retomar a obra que suspendeu e abandonou, deixando por montar as baterias. Como já referido, o abandono da obra traduz o propósito firme e definitivo de não cumprir a prestação, ficando o empreiteiro a partir desse momento numa situação equivalente à de incumprimento definitivo, sendo legítimo que o dono da obra resolva o contrato. A sentença recorrida considerando que, apesar da Autora ter entregue à Ré a quantia de €15.000,00, não lhe entregou a carrinha IVECO devidamente legalizada como acordado, fazendo, assim operar a exceção de não cumprimento (artigo 428.º do CC), e, consequentemente, concluiu: «(…) a Ré só estará obrigada a continuar a realizar os trabalhos quando a Autora realizar integralmente a prestação a que se obrigou, no caso, o pagamento do remanescente do preço através da entrega da carrinha IVECO à Ré devidamente legalizada.», pelo que absolveu a Ré do pedido correspondente. O assim decidido não pode ser corroborado porque foi eliminado dos factos provados o ponto 52 que corporizava a invocação da exceção de não cumprimento, tendo apenas ficado provado o acordo em relação à entrega da carrinha para pagamento do restante preço da empreitada. Porém, não tendo resultado provado que foi acordado qualquer prazo para pagamento do remanescente do preço, e estando esta obrigação correlacionada com a realização da obra, na falta de convenção em contrário quanto ao prazo de pagamento, o preço (ou o remanescente, conforme o caso) apenas é devido após a realização, entrega e aceitação da obra (artigo 1210.º, n.º 2, do CC), cabendo ao empreiteiro o ónus de prova da realização e entrega (artigo 342.º, n.º 1, do CC). Na situação sub judice, a Ré não cumpriu esse ónus e, bem pelo contrário, o que se provou foi que suspendeu os trabalhos, abandonou a obra deixando-a inacabada. O que determinou o incumprimento definitivo do contrato por facto imputável ao empreiteiro e o direito da dona da obra resolver o contrato (artigos 798.º, 799.º e 801.º do CC). A resolução contratual prevista no artigo 432.º e ss do CC tem os efeitos previstos no artigo 433.º sendo equiparada, na falta de disposição especial, à nulidade ou anulabilidade do negócio jurídico, tendo, em regra, efeito retroativo (artigo 434, n.º 1, do CC). Assim, a resolução do contrato de empreitada determina para o dono da obra o direito de reaver o valor já pago pedindo a sua restituição e para o empreiteiro o direito a que lhe seja pago o valor dos materiais já adquiridos e incorporados (se for possível o seu levantamento sem deteiroração da coisa onde foram incorporados), mais o valor do trabalho efetuado ou, tal não sendo viável, mantendo-se a incorporação, admite-se que seja apurado esse valor e descontado no valor já pago pelo dono da obra, obtido eventualmente com recurso à equidade (cfr. artigos 1211.º, n.º 1, e 883.º, n.º 1, parte final, do CC), considerando as caraterísticas do caso concreto, por exemplo, substraindo ao valor da empreitada o valor já pago. (…) Por outro lado, afigurando-se que não existe impossibilidade de levantamento dos equipamentos (painéis solares) colocados, a Ré tem de ser condenada a devolver o valor recebido a título de pagamento, assistindo-lhe o direito de levantar os painéis. No que concerne ao custo do trabalho executado, não deve ser descontado no valor a restituir à Autora, porquanto a execução foi deficientemente realizada e, por isso, ficou afetado de forma negativa o valor intrínseco dessa prestação, aliás sem qualquer préstimo para a Autora e por isso não o deve pagar, pelo que essa circunstância não pode ser descurada na procura de uma situação justa e equilibrada no que diz respeito aos efeitos da resolução no caso em apreço. Assim sendo, procede o pedido formulado quanto à devolução do valor pago relativamente ao contrato de empreitada identificado supra sob o n.º 5, no montante de €15.000,00, assistindo à Ré o direito de proceder à sua custa ao levantamento dos equipamentos (painéis solares) instalados. (…) Em conclusão, não operando a exceptio non adimpleti contractus, procede a apelação, com a consequente revogação da sentença, em relação ao pedido de condenação da Ré a devolver ao Autor o preço já pago referente ao contrato de empreitada identificado supra sob o n.º 5 (€15.000,00), assistindo à Ré o direito de retirar o equipamento implantado no imóvel da Autora.» 3.5. O modo como o acórdão recorrido justificou o direito da autora à resolução do contrato de empreitada e a condenação da ré na devolução do preço recebido não merece qualquer reparo. Efetivamente, depois de ter dado como não provado o facto n.º 52, deixando de existir uma razão que justificasse o abandono da obra pela ré, o incumprimento só a esta pode ser imputável. A alegação da recorrente no sentido de não ter resultado provado que a falta de cumprimento procedesse de culpa sua é destituído de fundamento, pois deve ter-se presente que se está no âmbito da responsabilidade contratual, pelo que a culpa do devedor se presume, nos termos do artigo 799.º do CC. Como resulta dos factos provados 29 e 30, mesmo antes de a ré ter deixado de comparecer na obra respeitante ao fornecimento e aplicação dos painéis fotovoltaicos, já as prestações realizadas pela ré se apresentavam desconformes com o contrato, pois os painéis fornecidos não correspondiam ao convencionado e a sua montagem encontrava-se incompleta, não permitindo o respetivo funcionamento. Assim, a interpelação da autora, constante do facto provado 36, sem que a ré tivesse procedido à subsequente reparação ou retoma da obra (factos provados 39 e 40), revelou a existência de um incumprimento definitivo, justificador da resolução do contrato de empreitada. Efetivamente, tendo a autora denunciado os defeitos da obra, nos termos do artigo 1220.º do CC, e não tendo estes sido eliminados pela ré, sendo certo que tais defeitos tornavam a obra inadequada ao fim a que se destinava, encontra-se fundado, nos termos do artigo 1222.º do CC, o direito de resolução do contrato. A consequência normativa deste direito extintivo (não havendo específica convenção em contrário) é a que se encontra prevista no artigo 434.º do CC, ou seja, a retroatividade das prestações realizadas. Em resumo, o acórdão recorrido nenhuma censura merece, pois fez a correta aplicação do direito à factualidade provada. * DECISÃO: Pelo exposto, julga-se a revista improcedente e confirma-se o acórdão recorrido. Custas pelo recorrente. Lisboa, 09.07.2025 Maria Olinda Garcia (Relator) Rosário Gonçalves Cristina Coelho |