Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
5677/17.5T8GMR-A.G1.S1
Nº Convencional: 6.ª SECÇÃO
Relator: MARIA OLINDA GARCIA
Descritores: INADMISSIBILIDADE
REVISTA
OPOSIÇÃO À PENHORA
Data do Acordão: 07/09/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: RECLAMAÇÃO INDEFERIDA
Sumário :

A decisão, proferida em ação executiva, sobre a oposição à penhora não é suscetível de recurso de revista, porque tal se encontra vedado pelo artigo 854.º do CPC.

Decisão Texto Integral:




Processo n.º 5677/17.5T8GMR-A.G1.S1


Recorrente: AA


Recorrido: BB


Acordam em Conferência no Supremo Tribunal de Justiça


I. RELATÓRIO


1. Por apenso ao processo de execução n.º 5677/17.5T8GMR, movido por AA contra BB, veio a executada deduzir oposição à execução, por embargos, alegando que a sentença homologatória de transação que serviu de título executivo padeceria de anulabilidade, por não refletir o que as partes pretendiam submeter a homologação, tendo, entretanto, apresentado recurso de revisão para obter a revogação de tal transação. E requereu a suspensão da execução até à decisão a proferir naquele recurso. Peticionou a condenação do exequente como litigante de má-fé.


Com os embargos de oposição à execução cumulou a oposição à penhora, por entender ser suficiente a penhora do imóvel já concretizada (e, consequentemente, ser excessiva a indicação de outros bens à penhora).


2. O exequente contestou, pugnando pelo indeferimento dos embargos, da condenação como litigante de má-fé e da oposição à penhora, nos termos constantes do articulado de 08.01.2018. Concluiu peticionando a condenação da executada como litigante de má-fé.


3. Foi suspensa a instância de embargos e a instância executiva até trânsito em julgado da decisão a proferir no recurso de revisão. Esse recurso acabou por ser julgado improcedente.


4. A primeira instância veio a proferiu a seguinte decisão:


«Pelo exposto, decide-se:


1) julgar totalmente improcedentes os embargos de executado;


2) indeferir os pedidos de condenação de exequente e executada como litigantes de má-fé;


3) julgar procedente a oposição à penhora, determinando o levantamento e cancelamento de todas as penhoras efectuadas para além da penhora do prédio identificado em d) dos factos provados


5. Inconformado com esta decisão, o exequente dela interpôs recurso de apelação na parte em que julgou procedente a oposição à penhora [e em consequência determinou o levantamento e cancelamento de todas as penhoras efetuadas para além do prédio identificado em d) dos factos provados].


6. A segunda instância decidiu:


«(…) julga-se improcedente o recurso, pelo que, não obstante com fundamentação em parte diversa, se mantém a decisão recorrida


7. Ainda inconformado, o exequente-apelante interpôs recurso de revista, invocando os artigos 629.º, n.º 2, alínea a), 671.º, n.º 2, alínea a) e n.º 3 e artigo 854.º do Código de Processo Civil, por o acórdão recorrido confirmar a decisão da 1ª instância com fundamentação essencialmente diferente. Nas suas alegações formulou as seguintes conclusões:


« a) - Vem a presente revista interposta do douto acórdão de fls. _ dos autos, que julgou a apelação improcedente, que embora tenha confirmado a decisão da 1ª Instância, fê-lo com fundamento essencialmente diferente, pois percorreu um caminho diverso, até oposto ao do usado por esta, assentando a sua decisão em premissas diametralmente opostas, acerca dos factos relevantes para a decisão de procedência da oposição à execução;


b) Ademais, a Relação de Guimarães e a 1ª Instância, nas decisões proferidas, ofenderam o caso julgado, pois decidiram de forma diversa, contrariando e pondo em causa os factos julgados e a decisão proferida nos autos que correram termos sob o número 5010/2016.3..., do Juízo Central Cível ... - Juiz ..., já transitada em julgado após acórdão da Relação de Guimarães – Cfr. teor da certidão judicial junta a fls.;


c) O tribunal da Relação, tendo em vista o tratamento da matéria de oposição à execução e à penhora, apreciou a situação, estando, no seu entendimento, perante um único articulado, consubstanciado ou dividido em três partes, a saber: “i) a oposição à execução; ii) a litigância de má fé do exequente e iii) a oposição à penhora.


d) E assim, embora se afirme que improcedeu a oposição à execução, o certo é que esta materialmente procedeu, já que a decisão recorrida decidiu a oposição (toda ela, julgando-a como uma só) com base no fim e nos limites da execução, mediante a interpretação do título executivo, o que é matéria e fundamento de oposição à execução e não à penhora;


e) Ora, como se alcança dos autos, decidiu o tribunal de 1ª instância aludir e dar conta do requerimento apresentado nos autos pela executada em 06/10/2020, para dessa forma considerar que de acordo com os termos da transacção, que constituem o fim e o limite da execução, no que tange à aqui executada, apenas o imóvel identificado na alínea d) dos factos provados responde pela divida, já que tal resulta da clausula terceira da transacção. Mais considerou que a executada não se confessou devedora da quantia exequenda, tendo apenas reconhecido ao exequente o direito de executar o prédio objecto da impugnação pauliana;


f) E embora esta fosse uma questão nova e colocada posteriormente aos embargos de executado e à oposição à penhora, entendia assistir ao tribunal o seu conhecimento oficioso, tendo em consequência decidido pela procedência da oposição à penhora.


g) Por seu turno, a Relação entendeu oficiosamente aditar factos á matéria de facto provada e considerou que a oposição à execução e a oposição à penhora, não constituem incidentes distintos, antes são, no caso, um único articulado, tendo por essa via considerado que foi alegado o facto pertinente e decisivo para a procedência da oposição à penhora.


h) Porém, as decisões proferidas pelas respectivas instâncias, sem prejuízo de outras vicissitudes, ofenderam o caso julgado, pois resulta dos autos por certidão, no processo 5010/16.3... – do Juízo Central Cível ... – Juiz ..., foi proferida sentença já transitada em julgado após acórdão da Relação, que assentou e considerou existir responsabilidade pessoal e patrimonial da aqui executada relativamente ao crédito do aqui exequente, aliás a este propósito, os factos provados sob os pontos 1 e 2, e os factos não provados (atento ao ónus da prova da recorrente executada) sob os pontos 1, 2, 3, 4, 5 e 6, que aqui se dão por reproduzidos, insertos na dita decisão, - vide documento (certidão) de fls.


i) Assim, a transacção judicial que a Ré BB quis pôr em causa, além de confirmada pelo Tribunal, no apuramento da matéria e a propósito do eventual erro, também o Tribunal apurou que a Ré sabia e pretendeu responsabilizar-se pela divida existente, pois no seu espírito nunca esteve algo diferente, como melhor resulta da matéria de facto.


j) Aliás, por existir responsabilidade pessoal e patrimonial da Ré/executada, na dívida existente, é que esta intentou o Recurso de Revisão de Sentença, na tentativa de se irresponsabilizar pela mesma, mas que não logrou conseguir. Antes ficou demonstrado o contrário.


k) Esta matéria mostra-se assente e foi julgada pelo Tribunal nos autos nº 5010/16.3... – do Juízo Central ... – Juiz ....


l) Sendo certo que, o título dado à execução é precisamente a sentença proferida nos autos principais como o número 5010/16.3.... Sendo inequívoco que, a executada fundamentou os embargos de executado na anulabilidade da transacção que efectuou, mediante a impugnação feita no Recurso de Revisão de Sentença, apenso aqueles mesmos autos principais. Porém, não logrou a pretendida anulabilidade, pois nos autos ficou demonstrado que a executada quis efectivamente assumir e assumiu responsabilidade pessoal e patrimonial no crédito do aqui exequente.


m) Atenta a decisão então proferida nos autos, é manifesto que não era possível uma pronúncia diferente daquela já transitada em julgada e que escrutinou e decidiu a matéria em causa, da qual emerge o conhecimento por parte da ré aqui executada, de que se estava a vincular ao pagamento da divida, tanto mais que nunca teve no seu espírito coisa diversa. E nesta medida, o ali decidido, tem força de caso julgado material, tornando indiscutível “erga omnes” a situação fixada na sentença transitada (“res judicata pro veritate habetur”).


n) Sendo certo que, a Relação, ao decidir aditar aos factos provados o teor da transacção feita, interpretando e decidindo a mesma de forma diversa daquele que foi o entendimento do Tribunal e que melhor consta da motivação/fundamentação da sentença, nos autos 5010/16.3... do Juízo Central Cível ... – Juiz ..., já transitada em julgado, incorreu em ilegalidade, na medida em que os factos apreciados e decididos naquela acção, sobre a mesma matéria dos presentes autos, teriam que ser observados e considerados por se imporem a quaisquer outros.


o) Com efeito, o caso julgado constitui uma excepção dilatória de conhecimento oficioso – Cfr. artigos 576.º, 577.º e 578.º do CPC. Pelo que, não podia nem devia, quer a 1ª instância quer a Relação, ignorar a existência da pronúncia nos autos nº 5010/16.3...


p) O «caso julgado material» torna indiscutível, nos termos do artigo 619º, n.º 1, do Cód. Proc. Civil, a situação fixada na sentença transitada (res judicata pro veritate habetur), ficando a decisão sobre a relação material controvertida a ter força obrigatória dentro e fora do processo, nos limites fixados pelos artigos 580º e 581º, isto sem prejuízo de revisão extraordinária, ao abrigo dos artigos 696º a 702º, todos do Cód. Proc. Civil.


q) Não pode haver duas decisões incompatíveis, a agora recorrida, a pugnar pela irresponsabilidade pessoal e patrimonial da executada, na divida ou crédito do exequente, para além do prédio identificado sob a alínea d) dos factos provados e a anterior decisão, in casu, no processo 5010/16.3..., transitada em julgado, que considerou que a sentença proferida não padecia de erro que conduzisse á sua anulabilidade ou nulidade, pois, como motivou a decisão e contrariamente ao alegado pela recorrente aqui executada, considerou que a executada é pessoal e patrimonialmente responsável pela divida, pois face às negociações encetadas as partes quiseram que fosse assumida essa responsabilidade, aliás, como se infere da matéria de facto da dita decisão e supra alegada.


r) Além do assacado vicio de ofensa do caso julgado, é entendimento do recorrente que, a decisão proferida padece de outros.


s) A Relação, no acórdão recorrido, para concluir pela procedência da oposição à execução, decidiu aditar à matéria de facto o teor da transacção realizada nos autos 5010/16.3..., fazendo constar sob a alínea j) dos factos provados, a mesma e ainda a alínea i) identificando novamente o prédio referido sob a alínea d) da matéria de facto.


t) Contudo, não assiste razão ao Tribunal na posição manifestada. Pois tal como resulta da decisão proferida pela 1ª Instância, a executada não alegou os factos em sede de oposição à execução, fundamentando a mesma de direito e de facto na procedência do Recurso de Revisão de Sentença, então intentado por apenso aos autos principais nº 5010/16.3... Recurso este que foi julgado improcedente, por no entendimento plasmado na sentença, na sua motivação, não existir qualquer erro sobre a declaração e a recorrente ter assumido a responsabilidade pessoal e patrimonial na divida.


u) Sendo certo que, não podia o Tribunal alhear-se desta decisão transitada em julgado, fazendo outra e nova interpretação dos factos, no caso, em sentido contrário ao versado naquela sentença.


v) Ademais, no âmbito do recurso apresentado, é suscitada a questão da (im)possibilidade do Tribunal se pronunciar e decidir com base em requerimento apresentado pela executada em momento ulterior ao do articulado da oposição à execução e à penhora, no caso, através do requerimento apresentado em 06/10/2020 e no qual visa limitar a responsabilidade pela divida ao prédio penhorado e identificado sob a aliena d) dos factos provados.


w) Verifica-se que ambas as instâncias divergem nesta matéria e seguem caminhos opostos, pugnando uma pelo conhecimento oficioso dos factos e outra pela sua desnecessidade, atento, na sua optica ter existido alegação em momento e local próprios.


x) Esta posição é errada, pois tal como reconheceu a 1ª instância, a executada não alegou tal factualidade no articulado de oposição à execução deduzido nos autos, além de que, a posição manifestada no aludido requerimento de 06/10/2020, para se isentar de responsabilidade no pagamento da divida, colidia como colide necessariamente com a decisão proferida nos autos nº 5010/16.3... do Juízo Central Cível ... – Juiz ..., transitada em julgado após acórdão da Relação de Guimarães. Além disso, não podia o Tribunal “a quo” considerar como um único articulado, a oposição à execução e a oposição à penhora, bem como não podia ignorar que a oposição à execução foi declarada improcedente, estando, por isso, vedada a possibilidade de extrair dali matéria factual, para julgar a oposição à penhora.


y) Sendo ainda certo que, em processo executivo o executado pode defender-se por dois meios, opondo-se à execução, atacando o direito que o exequente pretende efectivar, através do incidente de oposição ou opondo-se à penhora, por considerar que os bens atingidos por esta diligência não o devem ser ou porque a extensão da mesma, vai além do permitido pelo princípio da proporcionalidade. Estes dois meios têm um campo de aplicação e fundamentos completamente distintos. A oposição à execução «visa a extinção da execução, mediante o reconhecimento da actual inexistência do direito exequendo, ou da falta de um pressuposto, específico ou geral, da acção executiva», enquanto a oposição à penhora respeita a casos de impenhorabilidade objectiva. Sendo incidentes distintos, o CPC trata a oposição à execução na Secção II – artigos 728.º e seguintes ao passo que a oposição à penhora é tratada na Secção VI – artigos 784.º e seguintes. Resultando daqui que os prazos para a sua dedução são diferentes, a tramitação é também ela diferente, sendo a oposição à execução um incidente declarativo ao passo que a oposição à penhora não é – Cfr. artigos 732.º, nº 2 e 785, nº 2 do CPC.


z) Pelo que, sendo incidentes distintos, como são, não tem acolhimento legal a pronuncia do tribunal da relação no sentido em que o fez.


aa) Além do mais, carece de fundamento que o Tribunal, tendo os embargos de executado, pelo menos formalmente, sido declarados improcedentes, decida a oposição à penhora com argumentos e fundamentos atinentes aos embargos de executado.


bb) Acresce ainda que, os fundamentos em que assentaram os embargos, residiam única e exclusivamente no pressuposto da procedência do Recurso de Revisão da Sentença nos autos nº 5010/16.3..., no qual era invocado o erro na declaração, por entender não estar nem pretender a sua vinculação ou responsabilidade pessoal e patrimonial, na divida ou no crédito reconhecido ao autor. No entanto, essa situação não se verificou, como resultou da sentença proferida. Assim, nesta mediada, o alegado sob os artigos 19º, 20º, 21º e 26º do articulado da executada, a que a Relação faz alusão e se estriba para suportar a sua decisão, não tem sentido. Inapelavelmente, estes factos ou fundamentos foram rejeitados naquela decisão de Revisão de Sentença e que não podia nem pode o Tribunal da Relação pôr em crise.


cc) Assim, o recorrente reitera, que o facto inserto na sentença e que serviu de fundamento à procedência da oposição à penhora, não foi alegado em momento próprio, no caso, no articulado apresentado para a oposição. Deste articulado apenas resulta que a executada alega que o prédio identificado sob a alínea d) dos factos provados, é suficiente para o pagamento da divida, não se justificando qualquer outra penhora de quaisquer outros bens.


dd) E ao julgar-se procedente a oposição à execução com base num requerimento (extemporâneo e anormal), sem que sequer tenha feito constar da fundamentação de facto, os factos atinentes ao requerimento apresentado em 06/10/2020, o Tribunal “a quo”, ao actuar como actuou e decidir como decidiu cometeu uma ilegalidade que conduz à nulidade da sentença – Cfr. artigos 615.º nº 1 al. b) e d) e artigo 195.º do CPC;


ee) Por outro lado, no que à decisão da Relação diz respeito estava-lhe vedado, mantendo-se como se manteve a improcedência da oposição à execução e ainda por existir uma sentença transitado em julgado que apontava e aponta no sentido da responsabilidade da executada pela divida, numa extensão superior aquela que resulta do prédio aludido sob a alínea d) dos factos provados, entender que a matéria daquele requerimento de 06/10/2020, já havia sido alegada, no articulado de oposição à execução, ignorando que este e o da oposição à penhora são incidentes manifestamente distintos e na medida em que, deste não constava nem consta quaisquer dos factos em causa, não poderia proceder a mesma.


ff) Tanto mais que, a decisão que julgou procedente a oposição, que mais não foi do que a procedência da oposição à execução assentou em factos e argumentos, que ao tempo da dedução da oposição, a executada não alegou.


gg) E a decisão ora tomada põe em causa de forma manifesta o princípio da concentração da defesa a que se liga o princípio da preclusão dos meios que as partes têm ao seu alcance quer, quando autores devendo alegar os factos essenciais da causa de pedir que sejam do seu conhecimento, quer quando são réus, devendo opor ao seu antagonista todas as excepções que, desde logo, puderem invocar. Sendo que, este princípio da preclusão ou da eventualidade é um dos princípios enformadores do processo civil. Decorrendo o postulado da concentração dos meios de alegação dos factos essenciais da causa de pedir e das razões de direito, do artigo 552.º, nº 1 d) e das excepções, quanto à defesa, do artigo 573.º, nº 1 do CPC.


hh) Pelo que, a admitir-se que a embargante/oponente pudesse invocar, fundamentos que omitiu, voluntariamente, no âmbito da apresentação dos embargos de executado e de oposição à penhora, constitui uma forma de contornar o efeito preclusivo da invocação factual e desconsiderar o princípio da concentração da defesa e a que, a Relação de Guimarães, usando de outra e diferente fundamentação considerando estarem os factos alegados em sede e momento próprio, o que é errado e não resulta do articulado de oposição, está também, e de forma indevida, a colocar factos no articulado que este não tem nem foram no incidente próprio deduzidos.


ii) Assim, a executada/oponente ao não ter alegado em momento oportuno os factos e ou fundamentos em sede de oposição, deixou precludir o direito, não sendo lícito ao Tribunal, resolver a questão em seu favor, quando esta olvidou a alegação e o fez tardiamente e tão só porque os fundamentos em que assentou a sua defesa no articulado apresentado, improcederam.


jj) Deste modo, violou o douto acórdão recorrido, para além de outros, os arts. 552, nº 1, al. d), 573.º, 576.º, 577.º, 578.º, 580.º, 581.º, 619.º, nº 1, 728.º, 729.º, al. g), 732.º, 784.º, 785.º do CPC;


kk) Funda-se, ainda, o presente recurso no disposto nos artºs 195.º, 607º, 615º nº 1 als. b) e d), 629.º, nº 2, al. a) e nº 3, 854.º, todos do CPC.


Termos em que deva ser concedida a revista, e em consequência ser revogado o douto acórdão recorrido, substituindo-se por outro que julgue a oposição totalmente improcedente com as legais consequências.»


8. A recorrida respondeu, sustentando, além do mais, a inadmissibilidade da revista, por a tal se opor a dupla conforme; e defendeu a inexistência de qualquer questão de caso julgado.


9. Distribuídos os autos no STJ, e prefigurada a não admissibilidade da revista, foram as partes notificadas do despacho proferido em 15.04.2024 para se pronunciarem, nos termos do artigo 655.º do CPC.


O recorrente respondeu, reafirmando a admissibilidade do recurso. A recorrida, por sua vez, pronunciou-se no sentido da não admissibilidade.


10. Em 20.05.2024, foi proferida decisão de não conhecimento do objeto do recurso, nos termos do artigo 652º, n.º 1 alínea h), ex vi do artigo 679.º do CPC.


O recorrente veio requerer que sobre tal decisão recaísse acórdão.


Cabe apreciar.


*


II. FUNDAMENTOS


No requerimento através do qual o recorrente reclama contra a decisão proferida em 20.05.2024, e pede a intervenção da Conferência, não é apresentada qualquer razão legal para sustentar a discordância com a decisão reclamada. Efetivamente, o reclamante não enuncia minimamente em que medida a decisão reclamada teria feito errada aplicação do direito. Limita-se, simplesmente, a requerer a decisão coletiva.


É o seguinte o teor da decisão que agora se aprecia coletivamente:


«1. A questão da admissibilidade do recurso:


1.1. O acórdão recorrido foi proferido no apenso de oposição à execução (art.º 728.º e 729.º do CPC), no qual a executada apresentou também oposição à penhora (nos termos do art.º 784º do CPC).


A subida do recurso foi admitida pelo tribunal recorrido, nos termos do art.º 671.º, n.º 1 do CPC, por ter entendido não existir o obstáculo da “dupla conforme”, porquanto o acórdão recorrido teria fundamentação essencialmente diferente daquela que constava da sentença.


Todavia, nos termos do artigo 641.º, n.º 5 do CPC, a decisão que admite o recurso não vincula o tribunal superior.


Efetivamente, se o recurso fosse admissível (pela sua natureza), nos termos normais, não seria bloqueado pela “dupla conforme”. Porém, essa questão nem chega a colocar-se, pois a decisão proferida pelo acórdão recorrido, por respeitar apenas a matéria da oposição à penhora (e não de oposição à execução), não é, pela sua própria natureza, suscetível de recurso de revista, como decorre claramente do art.º 854.º do CPC.


Assim, em rigor, a subida da revista nem devia ter sido admitida.


Determina o artigo 854º do CPC:


«Sem prejuízo dos casos em que é sempre admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, apenas cabe revista, nos termos gerais, dos acórdãos da Relação proferidos em recurso nos procedimentos de liquidação não dependentes de simples cálculo aritmético, de verificação e graduação de créditos e de oposição deduzida contra a execução


A decisão que tem por objeto matéria respeitante à oposição à penhora cabe, portanto, na regra geral estabelecida no art.º 854.º, ou seja, a da não admissibilidade da revista, pela própria natureza da matéria em causa, sendo irrelevante a circunstância de processualmente essa matéria ser tramitada no apenso onde se cumulou tanto a oposição à execução como a oposição à penhora.


Assim, não sendo admissível a revista, pela própria natureza da matéria em causa, é irrelevante a questão da ausência de “dupla conforme”, pois tal só seria pertinente se o recurso fosse admissível nos termos gerais.


O recorrente sabe perfeitamente que o acórdão recorrido se pronunciou apenas sobre o segmento da decisão da primeira instância que apreciou a oposição à penhora (e não a oposição à execução, que foi considerada improcedente), pois só essa parte foi alvo do seu recurso de apelação (na medida em que só nessa parte o exequente agora recorrente tinha legitimidade para recorrer, por ter ficado vencido).


Sabendo que a decisão sobre a oposição à penhora não é suscetível de recurso de revista, porque tal se encontra vedado pelo artigo 854.º do CPC, o recorrente procura contornar esse obstáculo, construindo uma tese no sentido de que o acórdão recorrido se teria baseado em fundamentos próprios da oposição à execução, embora o faça de forma inconsequente e até contraditória, pois demonstra claramente [no ponto y das suas conclusões de revista] que sabe distinguir a natureza e o alcance da oposição à execução e da oposição à penhora.


É, assim, manifesta a improcedência da sua pretensão.


1.2. Por outro lado, o recorrente procura uma alternativa à exclusão da revista decorrente do art. 854.º invocando a hipótese prevista no art.º 629.º, n.º 2, alínea a) do CPC, por se verificar uma hipotética violação do caso julgado.


Alega, para o efeito, que tanto o acórdão recorrido como a sentença, ao decidirem pela procedência da oposição à penhora, teriam violado o decidido no processo 5010/16.3..., no qual as partes haviam celebrado uma transação que foi homologada por sentença (que constituiu o título executivo da execução contra a qual foi deduzida a oposição).


Porém, é manifesto que a alegação da hipotética violação do caso julgado não pode constituir fundamento de admissibilidade da revista. Por um lado, trata-se de uma questão suscitada ex novo no recurso de revista (que não integrou as conclusões do recurso de apelação), apesar de o recorrente vir afirmar que já a sentença teria violado esse caso julgado. Por outro lado, o recorrente não demonstra minimamente em que medida o acórdão recorrido teria contrariado uma decisão anterior (transitada em julgado) que se tivesse pronunciado precisamente sobre o mesmo pedido e com a mesma causa de pedir, sendo absolutamente irrelevante que o acórdão tivesse acrescentado ou (em rigor) explicitado factos que já constavam dos autos (teor da transação). Basta atender à natureza dos processos em causa. É, assim, manifesta a ausência dos requisitos exigidos pelo art.º 581.º do CPC para que existisse uma hipótese de violação de caso julgado.


Efetivamente, nas conclusões das suas alegações da apelação (que delimitam o objeto do recurso, nos termos do artigo 635.º, n.º 4 do CPC) o recorrente restringiu esse recurso, claramente, aos fundamentos da procedência da oposição à penhora, como se encontra sintetizado nos seguintes pontos dessas alegações:


«a) Vem a presente apelação interposta da douta sentença de fls., que julgou procedente a oposição à penhora e em consequência determinou o levantamento e cancelamento de todas as penhoras efetuadas para além do prédio identificado em d) dos factos provados;


b) Porém, entende o apelante que tal decisão não está correta, no que à oposição à penhora diz respeito, tendo a Meritíssima Juiz “a quo”, incorrido além do mais, em erro de julgamento e num erro de interpretação ou de determinação da norma aplicável ou de aplicação do direito;


c) Pois, no concernente à oposição à penhora e que tem a ver com as questões a dirimir- 1- Do excesso de penhora e 2- Da responsabilidade de bens da executada que excedam o prédio mencionado no título executivo, tendo sido entendido, não haver excesso de penhora, aliás como resulta da sentença: “(…) afigura-se-nos evidente que os restantes bens penhorados não serão excessivos – e possivelmente serão insuficientes – para garantir a quantia exequenda, juros que se venceram desde 2017, despesas e honorários de SE e demais custas”, acaba por ser contraditório que, com fundamento num requerimento apresentado pela executada, em 06/10/2020, ou seja, extemporâneo, o Tribunal “a quo” entenda que a penhora deva ser limitada ao imóvel melhor identificado sob a alínea d) dos factos provados, julgando procedente a oposição à penhora


Nas alegações da apelação o recorrente não suscitou qualquer questão respeitante à hipotética violação do caso julgado, vindo agora, nas alegações de revista, afirmar que já a sentença havia incorrido em violação do caso julgado.


Não tendo tal questão integrado o objeto da apelação (delimitado nos termos do artigo 635.º, n.º 4 do CPC), também não poderia integrar o objeto da revista, porque o acórdão recorrido não se pronunciou, obviamente, sobre tal matéria (artigo 671º, n.º 1 do CPC), tratando-se, portanto, de uma questão nova.


Acresce que, como supra referido, na parte em que a fundamentação do acórdão recorrido apresenta alguma diferença relativamente à fundamentação da sentença, nenhum dos requisitos do caso julgado é minimamente identificável, como uma simples leitura dessas duas decisões permite concluir.


1.3. Na resposta à notificação a que respeita o artigo 655.º, o recorrente insiste em não reconhecer o claro alcance do artigo 854º do CPC, o qual, de forma expressa e inequívoca, veda o recurso de revista de decisões proferidas em processo executivo, excecionando apenas três hipóteses de recurso, que não se verificam no caso concreto. Estando em causa uma decisão proferida sobre matéria de oposição à penhora, a revista não é admissível, dado que tal matéria não cabe em nenhuma das exceções legais.


O recorrente bem sabe, assim, que não lhe assiste o direito ao recurso de revista.


1.4. Na resposta à referida notificação prevista no artigo 655.º do CPC, vem ainda o recorrente afirmar que a não admissibilidade da revista constituiria uma decisão surpresa, dado que o tempo decorrido entre a interposição do recurso (no tribunal recorrido) e a notificação prevista no art.º 655.º do CPC lhe teria criado a expetativa de admissibilidade do recurso; e que a não admissão violaria o disposto no artigo 20.º da CRP.


Trata-se de argumentação absolutamente infundada, pois nos termos do artigo 641.º, n.º 5 do CPC, a decisão do tribunal recorrido sobre a admissibilidade do recurso não vincula o Supremo Tribunal de Justiça.


Como decorre da tramitação dos autos, o presente processo foi concluso a este coletivo apenas em 5 de março do corrente ano, pelo que nenhuma demora anormal se verifica nesta etapa entre a análise dos autos e a conclusão da não admissibilidade do recurso (em despacho de 15.04.2024). Acresce que a função da notificação prevista no artigo 655.º do CPC é, precisamente, a de evitar uma decisão surpresa.


1.5. Como o recorrente bem saberá, o direito ao recurso não é ilimitado, e em matéria cível não é sequer constitucionalmente garantido. Acresce que, no caso concreto, o direito ao recurso já lhe foi concedido, e efetivamente exercido, quando interpôs recurso de apelação. Não existe, portanto, qualquer violação do artigo 20.º da CRP, nem inconstitucionalidade de qualquer norma aplicada.


Como tem sido reiteradamente entendido pela doutrina e jurisprudência, o legislador é livre de estipular limitações ao direito de recurso, tendo presentes interesses relacionados com a necessidade do emprego racional dos escassos meios disponibilizados para a administração da Justiça e com a valorização da intervenção do STJ1.


Não existe uma garantia constitucional do direito a um terceiro grau de jurisdição, nem mesmo no domínio do processo penal (a exigência constante do n.º 1 do artigo 32.º da CRP confina-se ao duplo grau)2.»


Concluiu-se que a decisão reclamada não merece censura, pois fez a correta aplicação da lei ao concluir pela não admissibilidade da revista, pelo que se subscreve agora em Conferência.


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DECISÃO: Pelo exposto, indefere-se a Reclamação apresentada pelo recorrente, confirmando-se a decisão recorrida.


Custas pelo recorrente, que se fixam em 3 UCs (art.º 7º, n.º 4 e Tabela II, penúltima linha, do Regulamento das Custas Processuais).


Lisboa, 09.07.2024


Maria Olinda Garcia (Relatora)


Leonel Serôdio


Luís Espírito Santo





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1. LOPES DO REGO, O Direito fundamental de acesso e a Reforma do Processo Civil – Estudos em Homenagem a Cunha Rodrigues, vol. I, Coimbra, pág. 764.↩︎

2. Assim, entre outros, vd. os Acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 31/87, de 28 de janeiro de 1987, e 163/90, de 23 de maio de 1990, ambos acessíveis, respetivamente, em: http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/19870031.html

http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/19900163.html↩︎