Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
04A043
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: PONCE DE LEÃO
Descritores: DIREITO À INFORMAÇÃO
DIREITO DE PERSONALIDADE
DIREITO À IMAGEM
DIREITO À INDEMNIZAÇÃO
DANOS MORAIS
OFENSAS À HONRA
DIREITO AO BOM NOME
JORNAL
JORNALISTA
Nº do Documento: SJ200403020000436
Data do Acordão: 03/02/2004
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL ÉVORA
Processo no Tribunal Recurso: 715/03
Data: 05/29/2003
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Sumário : - O direito de informação e de livre expressão não pode deixar de respeitar o direito à honra e ao bom nome tutelados pelo artigo 70º do Código Civil.
- O artigo 70º do Código Civil tem em vista a defesa dos cidadãos contra qualquer ofensa ou ameaça ilícitas da sua personalidade física ou moral.
- A Lei nº. 62/79 não só estabelece os direitos dos jornalistas, como lhes impõe deveres, nomeadamente o respeito pelo rigor e objectividade da informação.
- A publicação na 1ª página do jornal O Público de uma fotografia do autor legendada com a informação "Engil ilibada em Loulé", "facturas falsas dão prisão" e "na foto o advogado de defesa, Proença de Carvalho com alguns dos réus" (A) e doc. de fls. 11), apesar de desmentida no jornal do dia seguinte, constitui, objectivamente, uma ofensa à honra e consideração social do autor, justificando o direito a uma indemnização.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

"A", residente em Loulé, veio propor a presente acção contra "B, S.A.", com sede em Lisboa, pedindo a condenação deste a pagar-lhe a quantia de 10.000.000$00 (dez milhões de escudos), acrescida de juros moratórios contados desde a data da citação, a título de indemnização por danos de carácter não patrimonial, tendo, para tanto, alegado, em síntese, que:
- a ré fez publicar na edição de 09.11.1996 do jornal "B, S.A." uma fotografia em que, entre outras pessoas, figurava o autor, mencionando a legenda que se trataria de um dos réus em processo crime envolvendo facturas falsas.
- com tal publicação afirma o autor ter sofrido graves danos morais, porquanto os milhares de pessoas que o conhecem, no país e no estrangeiro, tomaram tal notícia como verdadeira, pelo que se sentiu enxovalhado e achincalhado, razão por que ora pretende ser indemnizado.
Devidamente citada, veio a Ré apresentar contestação, onde, em resumo, alega, que:
- é evidente que a legenda aposta na fotografia publicada no seu jornal não se referia ao autor, mas que, de todo o modo, logo no dia seguinte, na coluna " "B, S.A." Errou", foi esclarecido que nenhuma das pessoas retratadas na dita fotografia eram réus na referida acção, pedindo desculpa pelo lapso cometido - pelo que nenhuma afronta existiu que possa justificar a indignação autor.
Os autos seguiram a sua normal tramitação processual, vindo a ser proferida sentença que julgou a acção improcedente, por não provada dela tendo absolvido a ré.
Inconformado o autor interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Évora, que viria a proferir acórdão que, julgando-a parcialmente procedente, revogou a sentença recorrida e condenou a Ré a apagar ao recorrente a quantia de 12.469,93 euros (Esc: 2.500.000$00), acrescida dos correspondentes juros.

Foram dados como provados os factos seguintes:
1. No dia 9 de Novembro de 1996 o autor A foi confrontado com a manchete da primeira página do jornal "B, S.A.", na qual aparecia uma fotografia com quatro pessoas em grande plano e bem visíveis, sendo uma delas o autor, com uma legenda para além do mais com os seguintes dizeres: "Engil ilibada em Loulé", "facturas falsas dão prisão" e "na foto o advogado de defesa, ... com alguns dos réus" (A) e doc. de fls. 11).
2. A legendagem referida na alínea anterior foi feita à última hora, num dia em que o jornal só fechou à meia-noite e não foi possível ao director controlar a redacção final da legenda por estar envolvido noutras tarefas de "fecho" (B).
3. No dia seguinte a ré "B, S.A.", na coluna "O "B, S.A." Errou" do jornal "B, S.A." pediu desculpas, em que para além do mais disse: "... foi um lapso: nenhum dos outros elementos que surgiu na fotografia era réu nesse processo. Aos próprios e aos nossos leitores, pedimos desculpa"(C).
4. A publicação da rectificação e do pedido de desculpas na coluna " "B, S.A." Errou" foi do imediato conhecimento do autor (D).
5. Também os leitores do mesmo jornal tiveram imediato conhecimento, já que esta coluna tem grande número de leitores (E).
6. Entre os 15 (quinze) e os 20 (vinte) anos de idade o autor trabalhou nos serviços da Câmara Municipal (1º).
7. E desde os 21 (vinte e um) anos o autor trabalhou como comerciante até finais do ano de 1997 (2º).
8. Como comerciante e caixeiro percorreu o país até Alcobaça e Marinha Grande (3º).
9. Relacionando-se com milhares de pessoas em todo o país (4º).
10. Tinha reputação de íntegro, coerente e sério (5º).
11. O autor recebeu uma carta da Casa Real Espanhola (6º).
12. O autor enviou uma música ao General ..., que este agradeceu pessoalmente (8º).
13. O autor é pessoa dotada de sensibilidade (10º).
14. O autor desconhecia a publicação do especificado em A) (11º).
15. O autor não tinha dado o seu consentimento para publicação da sua fotografia no jornal referido na alínea A) ( 12º).
16. O autor ficou chocado e humilhado (13º).
17. O jornal da ré tem divulgação em todo o país (14º).
18. O jornal da ré é lido no estrangeiro (15º).
19. Pessoas das relações e dos contactos do autor tiveram conhecimento da notícia (16º).

No acórdão recorrido, que, diga-se, desde já, merece o nosso acolhimento, fez-se uma adequada interpretação dos factos dados como assentes, assim como um correcto enquadramento jurídico dos mesmos.
Passa a transcrever-se a sua parte decisória:
"A questão fulcral levantada na apelação, ora em apreço, traduz-se na indagação a incidir sobre a eventual ofensa ao bom nome e reputação do apelante, em virtude da notícia publicada numa primeira página de um jornal diário de grande expansão, acompanhada de uma fotografia, onde o mesmo surgia, sendo aí referido que se encontraria envolvido na prática de um crime de emissão de facturas falsas e, caso se conclua pela existência dessa ofensa se ela reveste especial gravidade, numa perspectiva objectiva, que mereça a tutela do direito.
Na sentença recorrida, considerou-se que, embora o "B, S.A." devesse proceder de forma mais cuidadosa, ficou por provar que a aludida publicação fosse susceptível de ter para o bom nome do autor as consequências gravosas pelo mesmo invocadas, nomeadamente por não ser dado como provado o facto constante no nº. 17 da base instrutória, onde se referia que o ora apelante era alvo de comentários depreciativos em função da dita publicação.
Também se considerou, que, não obstante ter sido provado que o recorrente era uma pessoa dotada de sensibilidade e de ter ficado chocado e humilhado tais factos não seriam entendidos como mais do que um incómodo ou contrariedade e, como tal, não mereceriam a tutela do direito, nos termos do disposto no artº. 496º, nº. 1 do C.Civil.
Não se concorda com esta posição, atendendo à difusão que a fotografia do apelante teve (trata-se um diário de grande distribuição), onde lhe era imputado um facto desonroso - ser arguido de um crime de emissão de facturas falsas - associando-o, quem leu tal notícia e quem, ao mesmo tempo, conhecia o apelante, indelevelmente à prática de um crime.
Entendeu-se, pois, que não teria sido violado o direito à honra e ao bom nome do apelado e, como tal, o normativo constante do artº. 70º do C.Civil.

Vejamos.
A ordem jurídica portuguesa reconhece, efectivamente pelo referido artº. 70º do C.Civil, o direito geral de personalidade, compreendendo a personalidade física e a personalidade moral.
Na personalidade moral, incluem-se, designadamente os valores da liberdade, igualdade, honra e reserva de vida. Consequentemente, o C. Civil (artº. 484º) dispõe que responde civilmente pelos danos causados quem afirmar ou definir um facto capaz de prejudicar o crédito ou bom nome de qualquer pessoa, singular ou colectiva.
Os danos não patrimoniais ressarcíveis, nesse âmbito, são apenas os que, pela sua gravidade, mereçam, face às circunstâncias concretas do caso, a tutela do direito (artº. 493º do C.Civil), computando-se a indemnização correspondente em termos de equidade, tendo em conta o grau de responsabilidade do responsável, a situação económica do lesante e do lesado e as demais circunstâncias do caso (artº. 494º do mesmo Código) (1).
Está, assim, em causa saber-se se a apelada praticou qualquer tipo de factos, susceptíveis de beliscar o direito à honra do apelante.
Escreveu-se no Ac. do STJ de 5.3.96 (2) que "a auto-estima, o sentimento individual da própria honra (a honra interna), não se distingue, enquanto objecto de protecção jurídica, da honra entendida como um conjunto de qualidades necessárias a uma pessoa para ser respeitada no meio social (a honra externa). O conceito de honra, tendo, embora, ingredientes de facto constituídos pelos factos ou imputações feitas e as suas circunstâncias, envolve, também, um juízo de valor através do qual se apura se aqueles factos ou imputações violam o valor jurídico da honra tal como a lei no-lo apresenta.
Por isso, nesta parte, a formulação de tal juízo de valor faz apelo à noção de honra, sendo de invocar realidades como a intuição, a sensibilidade, as reacções instintivas do jurista, do homem de leis e não do homem comum, do bom pai de família".
Na definição do conceito de honra, encontra-se estreitamente interligado a noção de consideração.
No dizer de Mário Raposo (3), a consideração será o equivalente social da honra. Esta terá um acento predominantemente subjectivo; aquela constituirá um conceito fundamentalmente objectivo. Por isso mesmo, fala-se de honra subjectiva (o sentimento da própria dignidade) e em honra objectiva (o património moral de estima e reputação que qualquer pessoa, vivendo em sociedade, adquire e goza junto dos outros).
Mas para ser afectada a honra de outrem, quer na feição subjectiva, quer na vertente objectiva - a consideração devida - torna-se necessário a imputação de um facto, não bastando alusões vagas e gerais.
Conforme sustenta Almeida Costa (4), torna-se indiferente, todavia, que o facto afirmado ou difundido seja verdadeiro ou não. Apenas interessa que, dadas as circunstâncias concretas, se mostre susceptível de afectar o crédito ou a reputação da pessoa visada.
Contudo, não é o sentimento de quem se considera ou diz ofendido o padrão aferidor de uma ofensa, pois esta resulta da acção de alguém que, de forma censurável, a título de dolo ou por simples culpa, lesa interesses ou direitos alheios e com isso causa um dano ou prejuízo ao titular do direito. Assim, para que possa haver lugar a indemnização por danos não patrimoniais é necessário a existência de um comportamento ilícito violador da imagem e reputação de outrem, preenchidos os demais requisitos legalmente definidos (Ac. do STJ de 20.6.96) (5).
Por sua vez, e no que concerne ao dano moral este pode-se provar através de presunções judiciais ou de facto. A gravidade do dano depende, por um lado, da gravidade das afirmações feitas e da divulgação que lhes é dada; por outro lado, da personalidade e funções do visado - o que tudo são aspectos, não exteriores, mas intrínsecos ao próprio conceito de dano moral (6).
Dúvidas não restam que o comportamento da apelada ao publicar a aludida notícia com a fotografia do apelante, imputando-lhe a prática de um crime, consubstancia um ilícito violador da imagem e consideração devidas a outrem, merecedor de sanção legal.
Numa actividade de grande impacto social, como é a que se interliga com a comunicação social, deve haver um especial cuidado com o teor das notícias que se publicam, pois que é inquestionável que, algumas delas, podem alterar o rumo e vida das pessoas, ficando estas marcadas, indelevelmente com o que lhes é imputado, sendo-lhes, as mais das vezes, difícil, posteriormente, levar a bom termo um processo de "reabilitação" perante a sociedade, na preocupação de apagar a mácula deixada.
No caso dos autos, é óbvio que não houve, por parte da apelada, qualquer intenção de atentar contra o bom nome do apelante, mas não se rodeou dos especiais deveres de cuidado, nomeadamente na revisão do jornal, antes de ser remetido à impressão, por forma a que fosse rectificado algo que não correspondia à verdade, sendo certo que o artº. 11º do Estatuto do Jornalista (Lei nº. 62/79 de 20 de Setembro) inclui entre os deveres destes profissionais o respeito escrupuloso do rigor e objectividade da informação.
A rectificação operada pelo jornal "B, S.A." na edição subsequente, numa página interior, se bem que atenue o seu grau de culpa, não apaga a ilicitude da conduta.
Sobre a apelada recai, consequentemente o dever de indemnizar o apelante pelos danos não patrimoniais sofridos, afigurando-se-nos equitativo, nos termos do disposto no artº. 494º do C.Civil, fixar o montante indemnizatório em € 12.469,93 (Esc. 2.500.000$00)." (caixas e sombreados nossos).

Inconformada, a A. veio interpor recurso de revista para este Supremo Tribunal de Justiça, tendo, atempadamente, apresentado as respectivas alegações, que foram concluídas pela forma seguinte:
1ª) O acórdão do Tribunal da Relação de Évora que condenou a recorrente por violação do direito ao bom nome e consideração do recorrido em virtude da publicação da fotografia e texto em causa nos presentes autos carece de fundamento factual e legal, pelo que deve ser revogado.
2ª) Nos termos do acórdão recorrido, o jornal violou o direito à honra e consideração social do recorrido porque lhe imputou falsamente a prática de um crime.
3ª) Ora, a fotografia e os artigo publicados no jornal "B, S.A.", nomeadamente o texto da "chamada" de 1ª página, não identificam o recorrido pelo nome, nem lhe imputam qualquer responsabilidade criminal no chamado processo das facturas falsas, sendo certo que na fotografia em causa, o recorrido encontra-se numa posição relativamente afastada do advogado ... e de costas voltadas para este.
4ª) Falta, assim, um dos pressupostos essenciais da responsabilidade civil enunciados no artigo 483º do CC, a saber, a existência de uma conduta ilícita geradora de um dano e de uma obrigação de indemnizar.
5ª) Mesmo que se entendesse que a publicação da fotografia acompanhada do texto em que, entre outras coisas se diz "Na foto o advogado ... com alguns dos réus" é ilícita, o tribunal a quo estava obrigado a ponderar os valores em confronto - por um lado o direito à honra e por outro lado a liberdade de imprensa e de informação - através da aplicação do princípio constitucional da concordância prática e atendendo às circunstâncias concretas do caso.
6ª) Por um lado, ficou provado que o artigo, que versava sobre um assunto actual e de relevante interesse "B, S.A.", foi feito sobre a pressão do "fecho" do jornal, não tendo sido possível verificar a exactidão da informação (cfr. al. B dos factos provados) e por outro lado, ficou provado que logo que detectada a incorrecção, foi prontamente publicada a sua rectificação (cfr. al. C dos factos provados)
7ª) Atendendo a que o lapso se deveu a um erro desculpável do jornal, e que a culpa deste se encontra especialmente atenuada, sempre se deverá entender que a publicação se encontra justificada, por não ter sido violado o dever de cuidado.
8ª) Deve, assim, o direito à honra do recorrido ser comprimido, por forma a salvaguardar o direito de informação.
9ª) Outro dos pressupostos da responsabilidade civil enunciados no artigo 483º do CC é a existência de danos, e também quanto a este pressuposto o Tribunal da Relação ignorou a matéria de facto provada na 1ª instância.
10ª) Só ficou provado que o recorrido "ficou chocado e humilhado" (conferir al. Q dos factos provados), tendo o tribunal de 1ª instância considerado que tal não "deve ser entendido como mais do que um incómodo ou contrariedade, que existindo, é certo, e não sendo agradável, não justifica a atribuição de tutela indemnizatória, atento o disposto no artº. 496º, nº. 1 do Código Civil".
11ª) "Apenas são indemnizáveis, a titulo de danos morais, os que pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito." (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26/01/91, in www.dgsi.pt), não sendo compensáveis os danos não patrimoniais que se traduzam em meras situações de incómodos (Acórdão do STJ de 10/11/93, Colectânea de Jurisprudência - STJ, Tomo III, pág. 132 e Acórdão da Relação de Lisboa de 05/04/2001, Colectânea de Jurisprudência, Tomo II, pág. 112).
12ª) Os danos morais sofridos pelo recorrido não são suficientemente graves para merecer a tutela do direito, sendo certo que a consideração devida ao recorrido em nada resultou "beliscada" sequer (cfr. respostas aos artºs. 16º e 17º da Base Instrutória)
13ª) Mesmo que o fossem, o que só por dever de patrocínio se concebe, o montante indemnizatório fixado pelo tribunal a quo sempre seria manifestamente exagerado, tendo em conta os danos sofridos e a culpa atenuada da recorrente.
14ª) O acórdão sob recurso viola o disposto nos artigos 483º, 484º, 487º, nº. 2 e 496º, todos do CC e, ainda, os artigos 37º e 38º da Constituição da República Portuguesa.
Não foram apresentadas contra-alegações.
Os autos correram os vistos legais. Cumpre decidir.

Decidindo:
Como é sabido são as conclusões das alegações do recorrente que delimitam o objecto do recurso, pelo que o Tribunal ad quem, exceptuadas as que lhe cabem ex-officio, só pode conhecer as questões contidas nessas mesmas conclusões - artigos 684º, nº. 3 e 690º, nº. 1 do Código de Processo Civil e jurisprudência corrente (por todos, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 23.1.91, 31.1.91 e 21.10.93 in Boletins do Ministério da Justiça números 403º, páginas 192 e 382 e Colectânea de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, Ano I, Tomo III, página 84, respectivamente).
A recorrente faz assentar a sua revista em certos factores, que, em síntese, se poderão referir:
- a fotografia e os artigo publicados no jornal "B, S.A.", nomeadamente o texto da "chamada" de 1ª página, não identificam o recorrido pelo nome, nem lhe imputam qualquer responsabilidade criminal no chamado processo das facturas falsas, sendo certo que na fotografia em causa, o recorrido encontra-se numa posição relativamente afastada do advogado ... e de costas voltadas para este, pelo que falta um dos pressupostos essenciais da responsabilidade civil enunciados no artigo 483º do CC, é dizer, a existência de uma conduta ilícita geradora de um dano e de uma obrigação de indemnizar.
- mesmo que se entendesse que a publicação da fotografia acompanhada do texto em que, entre outras coisas se diz "Na foto o advogado ... com alguns dos réus" é ilícita, o tribunal a quo estava obrigado a ponderar os valores em confronto - por um lado o direito à honra e por outro lado a liberdade de imprensa e de informação - através da aplicação do princípio constitucional da concordância prática e atendendo às circunstâncias concretas do caso;
- o artigo, que versava sobre um assunto actual e de relevante interesse "B, S.A.", foi feito sobre a pressão do "fecho" do jornal, não tendo sido possível verificar a exactidão da informação;
- ficou provado que logo que detectada a incorrecção, foi prontamente publicada a sua rectificação, tudo se tendo devido a um erro desculpável do jornal, não se tendo, assim, violado o dever de cuidado.
- não se provaram danos ao recorrente, mas meramente que este "ficou chocado e humilhado", é dizer, teve simplesmente um incómodo ou contrariedade.
Daí: a inexistência de quaisquer danos não patrimoniais passíveis de virem a ser indemnizados.
Esta tese não merece o nosso aplauso, tal como o não mereceu por parte do acórdão recorrido, que, como supra já se referiu, merece o nosso pleno acolhimento.
E assim, porque o direito de livre expressão não pode, por nenhuma forma, deixar de respeitar o direito à honra e ao bom nome de qualquer cidadão, porquanto é exigível que a informação seja rigorosa e acima de tudo verdadeira.
Temos como certo que a honra do Autor, pese embora o desmentido assumido pela recorrente e o facto de se não ter dado como provada a matéria constante do quesito nº 17, foi objectivamente afectada pela "notícia" de primeira página inserida num jornal com a reputação - diga-se que merecida - de um jornal de referência, como "B, S.A.", de facto, o é.
Não importa que o nome do Autor não conste da dita "notícia", já que o Autor ali é bem referenciado pela sua própria fotografia.
Este facto ultrapassa o direito de crítica social, até face à falsidade da "notícia", atentando contra a honra do recorrido e sua própria integridade, reputação e consideração social, já que é pessoa conhecida pela sua seriedade e honradez.
A honra do Autor, pese embora o desmentido do próprio jornal, foi, assim, profundamente ofendida; e essa ofensa e correspondente gravidade, entendê-mo-la como existente, não apenas e meramente porque o Autor assim o defende, mas também porque um bónus pater familiae assim o entenderia também, merecendo, dessa maneira, a tutela do direito.
Ninguém, mas mesmo ninguém, deixaria de ficar incomodado, mesmo de todo ofendido na sua honra e consideração social, ao ver-se confrontado com a sua própria fotografia na primeira página de um jornal como "B, S.A.", "acusado" de ser réu num "processo de facturas falsas".
Quem não se sente não é filho de boa gente...
E o dever de indemnizar não depende da intenção ofensiva, pouco importando (a não ser para, de algum modo, minimizar a culpa da recorrente) o facto do artigo em causa ter sido feito sobre a pressão do "fecho" do jornal, não tendo sido possível verificar a exactidão da informação; de facto, assim o defendemos, o dolo e a mera culpa apenas deverão relevar para efeitos de graduação da indemnização a atribuir - neste sentido, cfr. o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17.10.2000 in P. 372/00.
Por outro lado, as liberdades de opinião e de expressão, além de expressamente consagradas, em geral, no artigo 37º da Constituição, constituem princípios de direito internacional, reconhecidos, designadamente, pelo artigo 19º da Declaração Universal dos Direitos do Homem e pelo artigo 10º, nº. 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, e nessa medida integrados no direito português por força do artigo 8º da Lei Fundamental, sendo que a liberdade de imprensa tem como limite imediato, entre outros, o direito ao bom nome e reputação consignado no artigo 26º, nº. 1, da Constituição, o qual, para além de penalmente protegido, se integra no direito geral da personalidade, pelo que qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa contra ele dirigidos são causa de responsabilidade civil.
O direito do Autor tem plena consagração no artigo 70º do Código Civil, que tem como escopo a protecção de qualquer um contra ofensas ou ameaças ilícitas à sua personalidade física ou moral.
E, por outro lado, será bom recordar que a Lei nº. 62/79, de 20 de Setembro, nomeadamente o seu artigo 5º, não estabelece apenas os direitos fundamentais dos jornalistas, mas também lhes impõe deveres, nomeadamente a necessidade do respeito escrupuloso do rigor e da objectividade da informação, o que, in casu, não sucedeu.
Conclui-se, assim, que a "notícia" em causa constituiu uma ofensa à personalidade moral do recorrido, devendo ser tida como verdadeiramente violadora do referido artigo 70º do Código Civil, norma esta de tutela geral da personalidade de um qualquer cidadão.
Por todo o ora exposto e pelo constante de toda a tese argumentativa desenvolvida no acórdão recorrido, improcedem, de uma forma genérica, todas as conclusões das alegações da presente revista.

Termos em que acordam os juízes deste Supremo Tribunal de Justiça em negar a revista, pelo que, consequentemente, decidem confirmar o acórdão recorrido.
Custas pela Recorrente.

Lisboa, 2 de Março de 2004
Ponce de Leão
Afonso Correia
Ribeiro de Almeida
______________
(1) Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 27.6.95 in Boletim do Ministério da Justiça nº. 448º-378.
(2) Boletim do Ministério da Justiça nº. 455º- 420.
(3) "Enciclopédia Verbo, Luso-Brasileira de Cultura", ed. Século XXI, tomo 14º, pág. 1383.
(4) "Obrigações", 4ª ed., pág. 371.
(5) Colectânea de Jurisprudência, 2º, pág. 277.
(6) Vide, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25.11.93, Colectânea de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, Ano 1993, Tomo 3º, Pg. 143.