| Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
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| Nº Convencional: | 3.ª SECÇÃO | ||
| Relator: | ERNESTO VAZ PEREIRA | ||
| Descritores: | RECURSO PER SALTUM CÚMULO JURÍDICO PENA PARCELAR MEDIDA CONCRETA DA PENA PENA ÚNICA | ||
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| Data do Acordão: | 06/21/2023 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
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| Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
| Decisão: | PROVIDO EM PARTE | ||
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| Sumário : | I. Perante novo cúmulo jurídico a fazer, fica sem efeito o anterior ou anteriores, as penas parcelares que o(s) integravam ganham de novo autonomia e, com isso, o limite mínimo da pena única abstratamente aplicável é a pena parcelar mais elevada, não a pena única encontrada no(s) cúmulo(s) anterior(es). Não há cúmulo de cúmulos. II. Importa, porém, não olvidar que como se refere no ac. STJ de 23/7/2017, Proc. 804/10.6PBVIS.C1, Maia Costa, «o cúmulo anterior mais elevado não deixará de ser um “ponto de referência” a ter em consideração na fixação da nova pena, embora não possa funcionar como “ponto de partida” para essa operação»; e, no ac. STJ de 16/5/2019, Proc. 790/10.2JAPRT.S1, o mesmo relator, acrescenta-se: «o cúmulo anterior mais elevado não deixará de ser um “ponto de referência” a ter em consideração na fixação da nova pena conjunta, na medida em que esta última deverá normalmente, pelo acréscimo de novas penas, ser superior a esse cúmulo anterior»; e no mesmo sentido ac. de 29/03/2023, 1759/19.7JABRG-J.S1, Sénio Alves. III. A expressa pretensão do Recorrente de, apesar de no novo cúmulo acrescerem mais duas penas parcelares de 4 anos e 4 meses de prisão e de 3 anos e 1 mês de prisão, baixar, ou mesmo manter, a anterior pena única conduziria a uma autêntica antinomia processual já que o acórdão de finalidade cumulatória traduzir-se-ia em acórdão não cumulatório e excludente de penas para o cúmulo, no caso, exclusão das duas penas parcelares a acrescer e ainda não integradas no cúmulo,  e, baixando, exclusão até de outras já cumuladas. IV. Além de que, como se salientou no ac. de 23/02/2022, proc. nº 1089/13.8JAPRT.S1, Nuno Gonçalves, afrontaria mesmo o texto constitucional. A interpretação conforme à Constituição proíbe o “corte”. “Sob o critério legislativo que erige como finalidade primeira da pena a proteção dos bens jurídicos, poderá até equacionar-se a desconformidade constitucional da redução de uma anterior pena conjunta ou, sendo várias, da mais elevada, aplicada em anterior cúmulo jurídico. É suposto que aquela pena conjunta se situa no limiar capaz de satisfazer as exigências de prevenção evidenciada pela gravidade do “ilícito global” e pela personalidade do agente nele revelada. Com mais crimes a entrar nessa unidade jurídico-criminal não é configurável diminuição de qualquer dos fatores que determinaram a anterior pena conjunta. Assim e no limite, o “corte” na medida concreta dessa anterior pena única poderia configurar uma medida de graça, isto é, um perdão parcial de uma pena judicialmente fixada por sentença/acórdão transitada/o em julgado. Na nossa constituição penal, o direito de graça está reservado a outros órgãos de soberania, não competindo aos tribunais.” | ||
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| Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça os juízes da 3ª Secção Criminal: 
 I - RELATÓRIO   I.1. Operando o cúmulo jurídico das penas parcelares aplicadas nos processos nºs P. 96/07...., P. 684/10...., P. 223/12.... e P.2713/16...., foi o arguido AA, por acórdão de 07/02/2023, condenado pelo Tribunal Judicial da Comarca dos Açores, Juízo Central Cível e Criminal ... - Juiz ... na pena única de 16 (dezasseis) anos e 6 (seis) meses de prisão.   I.2. Inconformado com o decidido, interpôs recurso para este STJ, apresentado motivação com as seguintes conclusões: “a. Nos presentes autos de autos de cúmulo jurídico com intervenção do Tribunal Coletivo, foi decidido o seguinte: 1. Em desfazer o cúmulo relativo a AA preconizado no processo 223/12....; 2. Operar o cúmulo jurídico das penas parcelares aplicadas nos processos supra referidos em 1, 2, 3 e 4 – P. 96/07...., P. 684/10...., P.223/12.... e P.2713/16.... –, em consequência, condenar AA na pena única de 16 (dezasseis) anos e 6 (seis) meses de prisão. b. O recorrente não se pode conformar com a decisão proferida nos autos por a mesma incorrer em erro de direito, com violação dos artigos arts. 40.º, n.º 1, e 71.º, n.º 1, e 77.º, n.ºs 1 e 2, todos do Código Penal. c. Entende o Recorrente, com o devido respeito, que o Tribunal a quo errou na determinação do cúmulo jurídico aplicável, considerando que a pena de 16 anos e seis meses de prisão é excessiva. d. O recorrente havia sido condenado nos seguintes processos: - 96/07...., na pena única de 6 anos de prisão; - 684/10...., na pena única de 6 anos de prisão; - 223/12...., na pena de 4 anos e 4 meses de prisão; - nos presentes autos, na pena de 5 anos e 2 meses de prisão. e. Não pode o recorrente concordar com a interpretação do Tribunal recorrido que valorou, manifesta e incorrectamente, a circunstância (censurável, mas já censurada) de os factos terem sido praticados no exercício das funções de advogado. f. Na determinação de cada uma das penas acima identificadas os Tribunais e respectivas decisões já tiveram em consideração (quando aplicável) o facto de o recorrente ter praticado os factos pelos quais foi condenado enquanto advogado, assim violando a confiança em si depositada. Ao ter em consideração tal circunstância o Tribunal penaliza o recorrente duplamente. g. Neste sentido, adverte o Professor Figueiredo Dias (in Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime) que os factores de determinação da medida das penas singulares não podem voltar a ser considerados na medida da pena conjunta (dupla valoração). h. Considerando que na fixação do cúmulo deve punir-se o agente não apenas pelo somatório de factos criminosos e respectivas penas, mas tendo em conta a dimensão e gravidade global do comportamento delituoso do agente, não podia o Tribunal recorrido ter considerado como agravante a pluriocasionalidade que menciona no Acórdão recorrido. i. Com efeito, Importante na determinação concreta da pena conjunta será, pois, a averiguação sobre se ocorre ou não ligação ou conexão entre os factos em concurso, bem como a  indagação da natureza ou tipo de relação entre os factos, sem esquecer o número, a natureza e gravidade dos crimes praticados e das penas aplicadas, tudo ponderando em conjunto com a personalidade do agente referenciada aos factos, tendo em vista a obtenção de uma visão unitária do conjunto dos factos, que permita aferir se o ilícito global é ou não produto de tendência criminosa do agente, bem como fixar a medida concreta da pena dentro da moldura penal do concurso, tendo presente o efeito dissuasor e ressocializador que essa pena irá exercer sobre aquele. j. No caso concreto, considera o Recorrente a factualidade penalmente relevante e dada como provada não são a expressão de um modo de ser, de uma escolha assumida de determinado trajecto de vida, ou seja, não são um traço da personalidade do agente, mas antes são fruto de uma multiplicidade de circunstâncias casuais, ou de uma particular conjuntura da vida do recorrente, uma situação passageira, mais breve ou mais longa. k. Dir-se-á, na verdade, que a conduta do agente está mais próxima da figura jurídica do crime continuado do que reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma “carreira”) criminosa, caso em que será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. l. A pena de 16 anos e seis meses de prisão aplicada em cúmulo é excessiva. m. O recorrente já interiorizou o desvalor da sua conduta, tendo revelado sincero arrependimento e adoptou uma postura socialmente correcta, sendo um recluso educado e cumpridor. n. A aplicação de uma pena de 16 anos e seis meses de prisão impedirá que o recorrente, consiga arranjar trabalho quando for posto em liberdade (terá 69 anos) o que dificultará a sua reinserção social. o. Entende o recorrente que lhe deveria ter sido aplicada, em cúmulo, uma pena de 10 anos de prisão, assim permitindo a sua ressocialização, a qual é o fim último das penas. p. A consideração, em conjunto, dos factos e da personalidade do agente (cfr. n.º 1, 2.ª parte do art. 77.º do CP), implica uma nova valoração dos mesmos, por isso, pode acontecer, em casos excepcionais, no concurso superveniente, que a pena única do cúmulo a refazer seja inferior à pena única anterior. q. No humilde entendimento do recorrente, o cúmulo de 13 anos de prisão ora desfeito era excessivo e deproporcional. E, apesar de tal tal não constar no acórdão aqui em crise, o Tribunal recorrido tomou como ponto de partida e não apenas como ponto de referência a pena de 13 anos anteriormente aplicada em cúmulo e adoptando critérios de índole matemática o que não deve suceder. r. Isto porque, na óptica do recorrente, justificação à luz dos critérios gerais da culpa e das exigências de prevenção estabelecidas nos arts. 40.º, n.º 1, e 71.º, n.º 1, do CP, que justifique a pena de 16 anos e seis meses de prisão aplicada.”   I.3. Respondeu o MP, rematando a resposta com as seguintes conclusões:  “1. Ao contrário do que alega o Tribunal a quo não violou o principio da dupla valoração, pois o Tribunal recorrido apenas considerou as condenações sofridas pelo recorrente supra referidas, ponderou o conjunto de todos os factos, o grau de ilicitude dos mesmos, o grau de culpa, as exigências de prevenção especial, a personalidade do agente, as necessidades de prevenção geral, atenta a natureza, o número de crimes cometidos. 2. No caso em apreço os factos foram praticados desde o ano de 2005 até ao dia 04.01.2012, reportam-se a vários crimes de abuso confiança e de falsificação de documento, e ainda de burla qualificada. 3. Considerando que no meio prisional tem vindo a revelar tendenciais capacidades para ajustar o seu comportamento, registando uma única infração disciplinar por factos ocorridos em agosto de 2021 no estabelecimento prisional precedente. 4. As necessidades de prevenção especial são muito fortes, atentas as condenações sofridas pelo arguido, em elevado número e por crimes de natureza diversa praticados no exercício da sua profissão advogado, a revelar uma certa propensão para a prática de ilícitos criminais. São também elevadas as necessidades de prevenção geral, por ser tratarem de crimes de “colarinho branco”, geradores de elevado repúdio e alarme social na comunidade, extensamente propalados nos meios de comunicação social aquando da realização dos julgamentos dos factos supra referidos. 5. Pelo que entendemos que o douto acórdão recorrido fundamenta corretamente os parâmetros da ponderação conjunta dos factos e personalidade do arguido, sendo que por força do artigo 77.º n.º 2 do Código Penal, a pena abstratamente aplicável no caso concreto se situa entre 5 anos e 6 meses de prisão e limite máximo 25 anos de prisão e, tendo ainda em conta a revelada propensão criminosa do arguido na prática dos factos e o efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do arguido, valorando o ilícito global perpetrado, ponderando em conjunto os factos, sua natureza, gravidade, e conexão, e a personalidade do arguido manifestada nos factos e por eles revelada, e que como dá conta a decisão recorrida e já supra mencionada conclui-se, que a pena única aplicada não se revela desproporcional, nem ultrapassa o limite da culpa. 6. Por último cumpre ainda dizer, que ao contrário do que o recorrente alega, a fixação pena única, tal como resulta da lei, não se determina com a soma dos crimes cometidos e das penas respetivas, mas da dimensão e gravidade global do comportamento delituoso do arguido, pois tem de ser considerado e ponderado um conjunto dos factos e a sua personalidade “como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado” (Figueiredo Dias, cit. pág. 290,292). 7. Pelo que entendemos que a pena única de 16 anos e 6 meses se mostra justa e adequada, em nada excessiva atentos os circunstancialismos apontados no douto acórdão, a gravidade dos ilícitos da culpa e as necessidades de prevenção geral e especial. Isto é, 8. Nenhuma censura merece a determinação das medidas das penas, sendo as penas parciais, e a pena única, aplicada ao arguido ora recorrente adequadas à sua culpa, à sua conduta anterior e posterior aos factos, às exigências de prevenção geral e especial e não pecam por excesso, bem como são acertadas face às condições pessoais e potencial de inserção social do arguido. 9. Em concreto, a medida da pena do concurso de crimes, tal como vem sendo unanimemente afirmado pela jurisprudência e doutrina, é determinada, tal como nas penas parcelares, em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, a que acresce, como decorre do n.º 1, do artigo 77.º, do Código Penal, um critério específico– “a consideração em conjunto dos factos e da personalidade do agente”. 10. Como consequência o douto acórdão não viola os preceitos legais invocados pela recorrente., pelo que o recurso não merece provimento.”   I.4. A pronúnica do Exmo PGA junto do STJ foi do seguinte teor, em síntese,:  Começou por assinalar os erros detetados no quadro sinóptico das penas parcelares aplicadas em cada um dos processos.  E depois de enunciar as regras de fixação da pena única e de rejeitar a pretensão do Recorrente condescende, porém, no abaixamento da pena para 14 anos e seis meses de prisão.  E rematou: “Aqui chegados, na ponderação de tudo quanto vem de ser exposto, considerando também a correção do limite mínimo da moldura do concurso, não nos custa reconhecer que a pena fixada pelo tribunal coletivo do Juízo Central Cível e Criminal ... peca por alguma imoderação e que uma pena de 14 anos e 6 meses de prisão ajusta-se mais equilibradamente aos parâmetros legais dos artigos 71.º e 77.º, n.º 1, do Código Penal e aos princípios da necessidade e da proporcionalidade que devem presidir à determinação da pena.” I.5. Cumprido o contraditório imposto pelo artigo 417º, nº 2, do CPP, não veio resposta.  I.6. Foi aos vistos e decidiu-se em conferência. I.7. Admissibilidade e objeto do recurso O recurso é admissível, por o Recorrente ter legitimidade e interesse em agir, estar em tempo e a decisão ser recorrível. Objeto do recurso, na enunciação do Recorrente,: “- a pena de prisão de dezasseis anos e seis meses de prisão é excessiva e devendo ser-lhe aplicada, em cúmulo, uma pena não superior a 10 anos de prisão As normas jurídicas violadas pela decisão recorrida são as seguintes:  Código Penal: arts. 40.º, n.º 1, e 71.º, n.º 1, e 77.º, n.ºs 1 e 2.” Em resumo, a questão a resolver é a da concreta medida da pena conjunta, que o Recorrente considera excessiva.  
 II - FUNDAMENTAÇÃO   II.1. Matéria de Facto Provada:   O acórdão condenatório deu como provada a seguinte factualidade:   “1. Processo referido em 1 – P.C.C. 96/07....: a) No ano de 2005 a ofendida BB contactou o condenado quando este se encontrava no ..., EUA, pretendendo contratar os seus serviços de advogado para em seu nome proceder à venda de um imóvel sito em ..., de que era comproprietária, tendo para o efeito, em 02.08.2005, outorgado uma procuração conferindo-lhe os necessários poderes. Em 29.09.2005 o condenado outorgou a correspondente escritura de compra e venda, em nome e em representação da ofendida, tendo recebido o a quantia de € 12.700,00, correspondente a metade do preço, descontada a quantia de € 2.500,00 que já tinha recebido da compradora a título de sinal e da quantia de USD 7.000,00 respeitante a negócios entre os vendedores. O condenado deveria, assim, ter entregue à ofendida a quantia de € 15.200,00, o que não fez não obstante as insistências desta, pessoais e por intermédio de terceiros, nem apresentou contas pelos serviços prestados, tendo deixado de atender os telefonemas que esta fazia dos EUA, logrando assim apoderar-se da quantia, sabendo não ter a ela qualquer direito e que a sua conduta era proibida por Lei. b) A ofendida CC, nascida a .../.../1922, residiu nos EUA e conheceu o condenado em janeiro de 2006. No dia 27 desse mês, a ofendida outorgou testamento público pelo qual deixava a quota disponível à sua sobrinha, no que foi assessorada pelo condenado na qualidade de Advogado. Em .../.../2006, aproveitando um período de férias daquelas em S. Miguel, o condenado convenceu a ofendida a transferir o dinheiro que estava depositado numa conta solidária para duas contas bancária somente em nome dela, uma delas à ordem ficando com € 12.755,00, e outra a prazo ficando com USD 410.000,00. Nesta sequência, o condenado convenceu a ofendida a passar procuração a favor da sobrinha, lavrada a 01.09.2006, concedendo-lhe plenos poderes de gestão do seu património, incluindo a movimentação das contas bancárias. Nesse mesmo dia, o condenado convenceu a sobrinha a liquidar a conta a prazo e levantar toda a quantia, sob o pretexto de que era necessário para que o filho da ofendida não se apropriasse do dinheiro, tendo-a acompanhado, para o efeito, à sede do banco. Muito embora o condenado pretendesse levantar imediatamente todo o dinheiro, só foi possível proceder ao levantamento de € 40.000,00 em numerário, pois correspondia ao que havia em caixa na altura. Toda a remanescente quantia, no contravalor de € 279.992,64, foi sacada através de cheque que foi assinado pela sobrinha e emitido à ordem do condenado, a quem esta o entregou por nele ter plena confiança. Este depositou-o na sua própria conta em 04.09.2006 e negou restituí-la quando confrontado para o efeito pela ofendida e um amigo desta. Contudo, três dias depois, acedeu devolver € 150.000,00, fazendo sua a quantia remanescente de € 170.012,49 que, apesar de instado a devolvê-la, nunca o fez. A ofendida e a sobrinha somente cederam em assinar a documentação e entregar tais quantias ao condenado em virtude do engano em que foram induzidas por este, convencidas de estarem apenas a fazer o necessário para formalizar a sua vontade. No decurso do aludido período de férias, o condenado conseguiu que a ofendida assinasse um papel em branco, a meio da folha, convencida de que estaria a formalizar a permissão de acesso da sua sobrinha à conta bancária, confiando naquele por ser Advogado. Posteriormente, na posse desse documento, o condenado elaborou no seu computador pessoal, sem o consentimento daquela, uma declaração em que a mesma doava à sua sobrinha a quantia de € 279.992,64, datando-o de 01.09.2006. O condenado agiu livre e consciente com o intuito concretizado de se apoderar das quantias pertencentes à ofendida, sabendo que atuava contra a vontade desta. Mais sabia não estar autorizado a inserir na folha de papel, colhida a assinatura da ofendida, o texto relativo a uma doação, pretendendo obter um benefício pecuniário que sabia não ter direito. a) Os assistentes DD e EE, casados entre si e residentes em ..., EUA, contrataram os serviços do condenado para lhes tratar de um assunto relacionado com a correção/ retificação de uma escritura de compra e venda de um imóvel, para o que outorgaram uma procuração forense, tendo este proposto duas ações judiciais e recebido verbas a título de provisão. Não obstante, em janeiro de 2008 os assistentes outorgaram uma nova procuração na qual constituíam aquele seu bastante procurador, a quem concederam amplos e extensos poderes para, na qualidade de advogado, administrar os bens móveis e imóveis daqueles e para os representar em instituições públicas, bancárias, finanças, conservatórias e outras, para que este procedesse à necessária correção/ retificação. Porém, sabendo o condenado que os assistentes eram proprietários de um outro prédio, decidiu, sem a autorização e à revelia dos mesmos, proceder à respetiva venda, utilizando para o efeito a referida procuração, o que fez, em execução desse propósito, sem o conhecimento e o consentimento daqueles, recebendo o preço de € 30.000,00, que fez seu e recusou-se a entregar àqueles, não obstante ter sido instado para o efeito. O condenado agiu de forma livre e com o propósito concretizado de usar a referida procuração para uma finalidade diversa daquela a que este documento se destinava, bem sabendo que atuava em desconformidade com as ordens e o mandato que lhe fora transmitido pelos assistentes, atuando com o único e exclusivo propósito de se apropriar, como se apropriou, da sobredita quantia monetária resultante da venda do referido imóvel, apesar de saber que aquela quantia não lhe era devida, bem sabendo que as suas condutas era proibidas por lei. b) O ofendido FF, nascido a .../.../1935, e a ofendida GG são casados um com o outro e são emigrantes nos EUA há mais de 30 anos. Os ofendidos não sabem ler ou escrever. Em março de 1998, o ofendido contactou com o arguido no escritório deste nos EUA, no sentido de intentar uma ação de despejo relativamente a um imóvel que havia dado de arrendamento sito em .... O condenado disse ao ofendido que o despejo seria mais rápido com a elaboração de uma procuração, tendo este outorgado uma procuração no notário público em ... em 16.03.1998. No local destinado à assinatura da ofendida foi aposta por pessoa não identificada, o nome de GG como se da assinatura desta se tratasse, sem que para tal estivesse autorizada. E nesse mesmo dia foi elaborada de forma não concretamente apurada, no mesmo notário público, sem a autorização, consentimento e presença dos ofendidos, uma outra procuração emitida em nome destes, pelo qual eram conferidos amplos e extensos poderes forenses ao condenado, na qualidade de Advogado, para administrar os bens móveis e imóveis daqueles, para os representar quer em instituições públicas, bancárias, finanças, Conservatórias, etc., sendo que, no local destinado às assinaturas, foi aposta na procuração, por pessoa cuja identidade não se apurou, o nome de FF e de GG como se da assinatura destes se tratasse, sem que para tal estivesse autorizado. Tal procuração foi entregue ao arguido que a deteve em sua posse sem que desse conhecimento da sua existência e do seu conteúdo aos ofendidos. Em 2009 o condenado teve conhecimento de que os ofendidos eram proprietários de outro imóvel sito em ..., tendo decidido utilizar a procuração anteriormente elaborada, sem o conhecimento dos ofendidos, para vender o imóvel com vista a receber o preço. Em execução de tal propósito, o condenado contactou um interessado, fazendo-o crer ser legítimo procurador e mandatado pelos ofendidos para negociar e vender o dito imóvel. Nesta sequência, o condenado fez crer ao comprador e ao Cartório Notarial onde marcou a escritura pública que a procuração era um documento autêntico e que a declaração nela aposta correspondia à verdadeira vontade dos ofendidos intervenientes em tal documento, tendo celebrado a escritura de compra e venda pelo preço de € 127.500,00, que recebeu e fez seu. O condenado agiu de forma livre e com o propósito concretizado de usar e deter documento que sabia ser falso pois que não correspondia à vontade dos ofendidos, mais sabendo que seria aceite no cartório notarial para efeitos de celebração da escritura de compra e venda do imóvel, atuando com a intenção de o induzir em erro, permitindo-lhe vendê-la a terceiros, contra a vontade dos seus legítimos proprietários, com o propósito concretizado de se vir a apropriar em seu exclusivo beneficio do valor monetário entregue pelo comprador, consciente de que dessa forma, causaria, como causou uma diminuição patrimonial aos ofendidos, assim obtendo uma vantagem patrimonial que lhe não era devida e que de outra forma não lograria alcançar, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por Lei. c) Os ofendidos HH e II são casados entre si e residem em ..., Canadá. Em data não concretamente apurada, mas anterior a 14 de novembro de 2001, os ofendidos ouviram uma entrevista dada pelo condenado a uma rádio, tomando conhecimento de que este tinha um escritório em ... e que tratava de assuntos jurídicos, designadamente escrituras de partilhas, sem que houvesse necessidade de os interessados se deslocarem à cidade de Ponta Delgada. Nesta sequência contactaram-no no escritório em ..., contratando-o para lhes tratar de um assunto relacionado com a partilha de bens por óbito do pai do ofendido. O condenado recebeu dos ofendidos a quantia de 3.500 dólares a título de honorários e uma procuração outorgada propositadamente por estes, pela qual lhe concediam amplos e extensos poderes na qualidade de Advogado para administrar os bens móveis e imóveis, para os representar em instituições públicas, bancárias, finanças, conservatórias, para que os representasse na escritura de partilhas. O condenado não realizou a escritura durante cerca de três anos, pelo que os ofendidos, descontentes, apresentaram uma queixa na Ordem dos Advogados e em 12.04.2005 revogaram a procuração, dando-lhe conhecimento por carta enviada para o escritório deste na cidade de ... e pelo mesmo recebida. Sem embargo, o condenado, conhecedor da revogação da procuração, decidiu, sem qualquer autorização e à revelia dos ofendidos, utilizar a referida procuração. Assim, no dia no dia 12 de julho de 2007, sem o conhecimento, consentimento e autorização dos ofendidos, o condenado compareceu no cartório notarial, arrogou ser o procurador e atuar em nome e em representação dos ofendidos, celebrando dessa forma uma escritura de partilhas e de compra e venda, pela qual vendeu a terceiros um prédio urbano sito em Ponta Delgada, pelo preço de € 32.421,86, dos quais recebeu € 6.484,37, correspondente à quota parte dos ofendidos, e fez seus e não entregou àqueles, não obstante ter sido posteriormente intimado a fazê-lo. O condenado agiu de forma livre e com o propósito concretizado de usar a referida procuração na escritura, bem sabendo que agia sem qualquer legitimidade ou poderes e contra a vontade dos ofendidos, com intenção de se apropriar, como se apropriou, da referida quantia, bem sabendo que não lhe pertencia e que não tinha qualquer direito, assim causando uma diminuição no património daqueles, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por Lei.   3. Processo referido em 3 – P.C.C. 223/10....:  Nas datas a que se reportam os factos o arguido exerceu a profissão de Advogado, sendo portador da cédula profissional nº ...26 A, desde ... de janeiro de 1996, data de inscrição na Ordem dos advogados, com domicílio profissional nesta cidade de .... Os nove ofendidos JJ, KK, LL, MM, NN, OO, PP, QQ e RR, irmãos e residentes nos Estados Unidos da América (EUA) e nas ilhas ..., herdaram prédios por morte dos seus pais, tendo recorrido aos serviços do condenado, como Advogado, em data não concretamente apurada mas anterior a 5 de maio de 1998, conhecimento que tiveram através de um anúncio, de que este tinha um escritório em ... e que tratava de assuntos jurídicos, designadamente escrituras de partilhas, sem que houvesse necessidade de os interessados se deslocarem à cidade de Ponta Delgada. Mais tarde, em inícios do ano de 2007, os ofendidos decidiram realizar a habilitação de herdeiros por morte da sua mãe e proceder à venda dos prédios da herança, na sequência do que voltaram a contratar o condenado para lhes tratar de toda a parte jurídica necessária ao registo dos prédios e realização dos contratos promessas e respetivas escrituras de compra e venda, com a colaboração de procuradores na ilha de S. Miguel, os quais arranjaram compradores. O condenado realizou os respetivos contratos promessa de compra e venda recebendo as quantias estipuladas a título de sinal, após o que diligenciou pela marcação das respetivas escrituras de compra e venda, as quais também outorgou em nome e em representação dos ofendidos, à exceção de um deles que foi representado por um procurador. As quantias monetárias provenientes das vendas, quer a título de sinal e princípio de pagamento, quer a título de preço, com reporte às escrituras realizadas entre 11.05.2007 e 19.12.2007, num total de € 97.500,00, foram sempre entregues pelos compradores ao arguido, que se disponibilizou para guardá-las no seu cofre, assegurando aos procuradores que assim ficariam mais seguras e que logo as devolveria aos ofendidos. O condenado recebeu dos compradores aqueles montantes que perfizeram aquela soma, fazendo-os seus e não os entregado aos ofendidos, não obstante ter sido por várias vezes contactado para o efeito, telefonicamente e por contacto pessoal, tendo expressamente recusado qualquer entrega e/ ou apresentado contas pelos serviços prestados, agindo de forma livre, voluntária e consciente, e com o propósito concretizado de se apropriar, como se apropriou, da referida quantia monetária, apesar de saber que não lhe pertencia e que só se encontrava em seu poder porque serviu de intermediário na venda dos prédios, pertencentes aos ofendidos, e sabendo que causaria, como causou, uma diminuição patrimonial àqueles, assim obtendo uma vantagem patrimonial que lhe não era devida e que de outra forma não lograria alcançar, não a entregando voluntariamente nem depois de ter sido interpelado para esse efeito, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por Lei. 4. Processo referido em 4 – P.C.C. 2713/16.... O ofendido SS, é filho de TT, falecido a .../.../2011, sendo o seu único herdeiro. O condenado AA, exerceu a profissão de advogado, com a cédula profissional n.º ..., desde ... de janeiro de 1996, data de inscrição na Ordem dos Advogados, até ao ano de 2016, e tinha domicílio profissional em .... Por ocasião do falecimento de TT, o ofendido SS contratou o AA para que este, na qualidade de advogado, tratasse de questões legais referentes ao falecimento de seu pai TT. Para isso, o ofendido SS outorgou três procurações a favor do condenado, datadas de 24/11/2011, 28/11/2011 e 29/11/2011, constituindo-o como seu mandatário com poderes gerais e especiais bastantes para gerir, alienar ou onerar bens do ofendido e depositar, levantar e transferir quaisquer importâncias da conta bancária n.º ...30. À data do seu falecimento, TT e condenada UU eram titulares da conta n.º ...30, na qual constava um depósito no valor de €99.521,96. No âmbito desse mandato, o condenado AA dirigiu-se à Caixa Geral de Depósitos e ficou com o saldo existente na conta bancária com o n.º ...30, de acordo com o descrito seguidamente. O montante de €47,94 destinou-se ao pagamento de despesas com a habilitação de herdeiros. O saldo existente na conta bancária com o n.º ...30 não foi entregue ao ofendido SS. No dia 04/01/2012, o condenado AA efetuou o levantamento do montante de €49.737,10 da conta bancária n.º ...30, ficando na aludida conta bancária o saldo respeitante de €49.736,92. No dia 09/01/2012, pelas 12h00, a condenada UU, transferiu o montante de €49.736,92 da conta bancária n.º ...30 (ficando esta com o saldo de €0,00), para a conta bancária n.º ...230, titulada pela condenada UU. Nesse mesmo dia (09/01/2012), a condenada UU transferiu o montante de €49.000,00 da conta bancária n.º ...230, de que é titular, ficando nesta conta bancária €736,92 dos €49.736,92 referidos em 10.º, para a conta bancária n.º ...20, de que a mesma é titular. No dia 12/01/2012, a condenada UU transferiu o montante de €39.000,00 da conta bancária n.º ...20, de que era titular para a conta bancária n.º ...230, da titularidade da mesma. Nesse mesmo dia, foi emitido o cheque com o n.º ...01, no montante de €39.000,00, à ordem do condenado AA, debitado da conta bancária n.º ...230, de que era titular a condenada UU, ficando esta com a quantia total de €10.736,92. No dia 18/01/2012, o condenado AA levantou e fez sua a quantia de €39.000,00, não a entregando ao ofendido SS. O condenado AA fez suas as aludidas quantias monetárias, depositadas inicialmente na conta n.º ...30 no valor total de €88.737,10 não as tendo entregue ao ofendido SS. A 20/11/2012, o ofendido SS outorgou outra procuração a favor do condenado AA para que este vendesse um imóvel, propriedade do ofendido SS. A 17/10/2013, o condenado AA vendeu o prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo 2028, freguesia ... e descrito na Conservatória do Registo Predial ..., sob o n.º 1299, pelo valor de 50.000,00 euros, a VV e WW. O comprador do imóvel VV, para pagamento do valor acordado, procedeu à entrega do montante de 3.000,00 euros a título de sinal ao condenado AA e emitiu a favor do mesmo dois cheques, um cheque n.º ...74, datado de 17/10/2013, no valor de 22.000,00 euros e outro cheque no valor de 25.000,00 euros que recebeu e que fez seu. O condenado AA solicitou a VV que convertesse o cheque e 25.000,00 euros em numerário, pelo que, no dia 18/10/2013, deslocaram-se à Caixa Geral de Depósitos, e foram emitidos os cheques n.º ...75,, no montante de 12.000,00 e n.º 74887477, no montante de 13.000,00, à ordem de VV. VV, junto da Caixa Geral de Depósitos, levantou os aludidos montantes de 12.000,00 euros e 13.000,00 euros, entregando-os ao condenado AA que fez seus. O condenado AA, do montante total recebido com a venda do aludido imóvel, apenas transferiu para o ofendido, no dia 11/12/2013, a quantia de 25.177,80 USD, que correspondia, à data, a €18.288,52. O condenado AA estava incumbido da resolução das questões burocráticas relativas à herança do pai do ofendido e à venda do imóvel, incluindo, o pagamento das despesas fiscais que a venda do imóvel acarretasse. Não obstante, AA não efetuou a entrega do montante referente a mais-valias com a venda do imóvel, motivo pelo qual, foi instaurado um processo de execução fiscal pela omissão de apresentação da declaração de rendimentos respeitante a mais-valias com a aludida venda de imóvel. Em face a essa omissão, o ofendido SS foi notificado para liquidar o montante total de €17.386,98, acrescido de juros de mora vencidos e vincendos. Assim, o condenado apoderou-se da quantia monetária de €88.737,10 que constavam da conta bancária n.º ...30 e do montante de 31.711,48 provenientes da venda do imóvel referido em 18.º, fazendo sua essa quantia, contra a vontade do ofendido SS, a quem a aludida quantia pertencia. O condenado AA agiu com o intuito concretizado de se apoderar das quantias pertencentes ao ofendido SS referidas supra, quer as que constavam a conta bancária n.º ...30, quer os montantes provenientes da venda do imóvel, fazendo-as suas, contra a vontade deste, não obstante soubesse que as mesmas lhe não pertenciam e que apenas lhe haviam sido confiadas por este ser o seu advogado ciente de que atuava contra a vontade do ofendido SS, sendo por este interpelado várias vezes para lhe entregar os respetivos valores monetários que lhe pertenciam, sem no entanto, entregar os mesmos, provocando-lhe igual prejuízo patrimonial. O condenado AA agiu com a intenção de obter para si um benefício pecuniário, bem sabendo que ao mesmo não tinha qualquer direito, pois as quantias de que se apoderou não lhe pertenciam. O condenado AA sabia que lhe incumbia, por força das suas funções e do mandato que lhe foi conferido, tratar dos aspetos referentes à herança recebida por SS e à venda do imóvel, incluindo tratar de todos os aspetos fiscais e, não obstante, não declarou as mais-valias resultantes da venda do imóvel à Autoridade Tributária e Aduaneira, sabendo ainda que desse modo causava prejuízo patrimonial ao ofendido SS, o que quis e fez. AA agiu livre, consciente e deliberadamente, bem sabendo que as suas condutas eram previstas e punidas por lei.   4. Mais se provou: a nível pessoal, social e familiar: No lapso temporal subjacente à prática dos factos pelos quais se encontra condenado e que serão considerados para a realização do cúmulo jurídico – entre os anos de 2005 e 2012 –, AA enquadrou-se no agregado familiar constituído, composto ainda pela companheira, com quem mantém uma relação marital há mais de 20 anos. No plano laboral desenvolveu atividade como advogado. Manteve este quadro vivencial até ao momento da sua reclusão, em 2016. A companheira tem vindo a constituir-se enquanto referência principal de suporte ao próprio no decurso do período de privação de liberdade, tendo-o visitado regularmente durante a permanência no E. P. ... (no ... ainda não o fez por alegadas razões de ordem laboral e logística), para além de proporcionar-lhe apoio emocional, logístico e económico. A mesma reside presentemente com a mãe, reformada, em habitação propriedade desta sita em ... – ... e mantém atividade laboral numa ..., apresentando uma situação económica referida como equilibrada. AA perspetiva, numa primeira fase após a restituição à liberdade, integrar o agregado acima descrito, sendo referida uma relação cordial com a sogra. Posteriormente o casal equaciona retomar o quadro de autonomização mantido anteriormente, logo que o arguido consiga resolver algumas questões patrimoniais pendentes, segundo refere. O arguido vivencia a sua primeira experiência de privação de liberdade. Em meio prisional tem vindo a revelar tendenciais capacidades para ajustar o seu comportamento, registando uma única infração disciplinar por factos ocorridos em agosto de 2021 no estabelecimento prisional precedente. No ... faz referência à pacificação da sua interação, embora venha a revelar algumas dificuldades de convivência com a restante população prisional, que suscitaram a necessidade de mudança de espaço habitacional e que estarão, segundo o próprio, na origem da instauração de queixas contra outros reclusos, algumas do foro criminal. Ao longo do período de reclusão tem permanecido maioritariamente desocupado, frequentando presentemente uma ação de formação na área da informática. Ainda não iniciou o processo de reaproximação ao meio livre através de medidas de flexibilização da pena, mantendo-se em regime comum. Em termos sociofamiliares, a reclusão implicou algumas necessidades de reajustamento em termos económicos e habitacionais, mas sobretudo impactos de natureza emocional. III. O condenado não sofreu outras condenações para além das supra referidas. Em 26.06.2020, e por acórdão transitado em julgado em 28.01.2021, foi feito cúmulo jurídico superveniente das penas aplicadas e referidas em 1, 2 e 3, tendo AA condenado na pena única de 13 (treze) anos de prisão.”   C) Motivação da decisão de facto: O tribunal alicerçou a sua convicção sobre as condenações sofridas no acórdão preferido nos autos principais e nota de trânsito em julgado, nas certidões dos acórdãos proferidos nos P. 96/07...., P. 684/10.... e 223/12.... e 223/12....[1], no Certificado de Registo Criminal junto aos autos. Atendeu-se ainda às declarações prestadas pelo condenado, que em suma, referiu que exerceu a advocacia durante mais de 20 anos, penitenciando-se por tudo o que fez, sustentando que a criminalidade que praticou não foi uma criminalidade violenta. Mais referiu que estes anos que tem estado privado da liberdade o fizeram repensar em tudo o que fez o que pensa fazer no futuro, considerando que não existe qualquer risco de praticar crimes. Referiu que, quando em liberdade, não pensa retomar a advocacia, pelo menos nos primeiros tempos, pois ficou muito traumatizado com tudo. Mais disse que está a ressarcir os lesados dos seus crimes no âmbito do processo de insolvência, sendo seu propósito ressarci-los a todos. No que respeita à personalidade, condições pessoais do arguido e situação actual do condenado, o Tribunal valorou o que consta do relatório social junto aos autos.   D) Do Direito: Sendo esta a factualidade assente por provada, cumpre agora proceder ao seu enquadramento penal. Dispõe a primeira parte do nº 1 do art. 77º do CP que “quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena”. Por seu turno, nos termos do disposto no art. 78º nº 1 e 2 do CP, se, “depois de uma condenação transitada em julgado, se mostrar que o agente praticou, anteriormente àquela condenação, outro ou outros crimes”, cuja condenação transitou em julgado, são aplicáveis as regras do cit. art. 77º do CP (a primeira decisão transitada é, assim, o elemento aglutinador de todos os crimes que estejam em relação de concurso, englobando-os em cúmulo, demarcando as fronteiras do círculo de condenações objeto de unificação). Ora, no caso dos autos, tendo em conta as datas da prática dos factos e as datas do trânsito em julgado das mesmas, no âmbito dos processos acima indicados, os crimes praticados pelo condenado referidos em 1, 2, 3 e 4 estão numa relação de concurso. O mecanismo do concurso de penas por cúmulo jurídico numa pena conjunta foi adotado com o escopo de evitar a eventual ultrapassagem do limite da culpa, o que seria provocado por um sistema de acumulação material, onde ocorresse a mera soma aritmética das penas em que o agente houvesse sido condenado. Com efeito, e como se refere no Ac. STJ de 15-01-2014 (processo nº 73/10.8PAVFC.L2.S1, relatado por PIRES DA GRAÇA, integralmente disponível na mesma base de dados), “ (…) Não tendo o legislador nacional optado pelo sistema de acumulação material (soma das penas com mera limitação do limite máximo) nem pelo da exasperação ou agravação da pena mais grave (elevação da pena mais grave, através da avaliação conjunta da pessoa do agente e dos singulares factos puníveis, elevação que não pode atingir a soma das penas singulares nem o limite absoluto legalmente fixado), é forçoso concluir que com a fixação da pena conjunta se pretende sancionar o agente, não só pelos factos individualmente considerados, mas também e especialmente pelo respetivo conjunto, não como mero somatório de factos criminosos, mas enquanto revelador da dimensão e gravidade global do comportamento delituoso do agente, visto que a lei manda se considere e pondere, em conjunto (e não unitariamente), os factos e a personalidade do agente (…)”. Na determinação da medida da pena única são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente (vide a segunda parte do nº 1 do art. 77º do CP). Tendo em conta o preceituado no artigo 77.º, 1 do Código Penal, o Tribunal deverá ter em conta os factos e a personalidade do arguido (singular) ou, como refere o Professor Figueiredo Dias, “a gravidade do ilícito global perpetrado”, apontando este autor como critério avaliativo a seguir o da “conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique” para além de uma “avaliação da personalidade unitária” reconduzível ou não a uma tendência criminosa (Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, pág. 421). A este propósito prescreve o art. 77.º n.º 2 do C.P. que a pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes. Em face das considerações que antecedem, vejamos o caso dos autos. A pena única tem como limite mínimo 5 (cinco) anos e 2 (dois) meses de prisão[2] e como limite máximo 25 (vinte e cinco) anos – por imposição do artigo 77.º, n.º 2 do C.P.. Há que ter em consideração que os crimes foram todos perpetrados pelo condenado no âmbito e por causa da sua actividade profissional como Advogado, com gravíssimo atropelo das regras deontológicas, através da qual obteve a confiança dos lesados, todos eles emigrantes nos EUA, nas ilhas Bermudas e no Canadá, com excepção da última condenação em que o cliente e em que o cliente era local. Os factos apresentam um denominador comum: profundo e intenso engano, por parte do condenado, dos seus clientes através de artimanhas bem orquestradas e de cuidada preparação, assim tendo obtido avultadas quantias de dinheiro através dos crimes que praticou. Importa ter em consideração a elevada gravidade do conjunto dos factos praticados, alinhada num forte grau de culpa especialmente no que respeita aos crimes de burla e de abuso de confiança, falsificação de documento, inscritos na mesma área (patrimonial), mas já no domínio do chamado «colarinho branco». Do universo dos factos decorrem particulares exigências de tutela dos bens jurídicos e de defesa do ordenamento jurídico. Muito embora o condenado tenha tido um percurso de vida regular no contexto sociocultural de classe média e esteja familiarmente integrado, estas circunstâncias de vida já se verificavam à data da prática dos factos, não tendo consistido amarra suficiente para se abster da prática do crime, pelo contrário, antes foram facilitadoras para a prática dos crimes, crimes esses que praticou entre 2005 e 2012. Aliás, a integração familiar, profissional e social que à data se verificava não surpreende – sendo antes normal – no domínio deste tipo de criminalidade, tendo sido precisamente a integração profissional que permitiu e criou condições para a prática do ilícito criminal. Até muito se surpreende o Tribunal a expressão do condenado refere que ficou “muito traumatizado com tudo”. Na verdade, o que os factos revelam é que o condenado evidencia uma personalidade contrária face a elementares regras de convivência social, e de facto todas estas condenações “arredam o cenário do acto isolado, irrefletido e marginal na vida do arguido, revelando ao invés o caminho da pluriocasionalidade que, livremente, delineou e escolheu”, não evidenciando sentido crítico nem qualquer remorso ou arrependimento. A verbalização que fez de “arrependimento”, não passou disso, de uma verbalização porque não se denotou do seu discurso uma verdadeira interiorização do desvalor da sua conduta e das consequências negativas que tiveram sobre as vítimas que atingiu. Referiu, logo no início das suas declarações, que a criminalidade não é violenta, o que é um facto, mas trata-se de uma criminalidade praticada de forma astuta, com de forma ardil, minuciosa, e que, como resulta dos factos provados, causou elevados prejuízos a pessoas que depositaram em si toda a confiança. E pasme-se, o condenado é que está “muito traumatizado”. A propósito do ressarcimento das vítimas, referiu que é sua pretensão fazê-lo e que está a tratar disso, mas na verdade, como acabou por admitir, o que está de facto a acontecer é que o condenado está em processo de insolvência, e, desse modo, os lesados têm de reclamar os seus créditos no âmbito do processo que se encontra em curso. Por fim, referiu o arguido que não pensa, pelo menos logo que saia em liberdade, retomar o exercício da advocacia. Se com isto pretendeu expor ao Tribunal que não existe rico de cometer crimes pelos quais foi condenado, o certo é que esse risco existe mesmo que não exerça a advocacia, pois pode praticá-los sem ser no exercício das funções de advogado, desde que as pessoas depositem nele confiança e lhe outorguem procurações para a prática de determinados actos, não necessariamente judiciais. A favor do condenado milita o seu comportamento prisional, contando, no entanto, com uma infracção disciplinar em 2021. Assim sendo, considera-se justa, adequada e proporcional a aplicação de uma pena única de 16 (dezasseis) anos e 6 (seis) meses de prisão.”   II.2. Apreciando para decidir   II.2.1.O Exmo PGA alerta no seu parecer para a necessidade de correção do esquema gráfico resumido apresentado logo no início do acórdão cumulatório. E tem razão. Tal quadro sinóptico tem alguns erros. Corrigindo-o ter-se-á em atenção, resultante das certidões condenatórias constantes dos autos, o seguinte (citando o MºPº):  “ I. No processo comum 96/07...., por acórdão transitado em 27 de junho de 2016 [referência citius ...63 (21 de dezembro de 2022)]:  - Pela prática, em 29 de setembro de 2005, de um crime de abuso de confiança agravado previsto e punido pelo artigo 205.º, n.ºs 1 e 4, alínea a), do Código Penal, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão (ofendida BB);  - Pela prática, entre 1 e 4 de setembro de 2006, de um crime de burla qualificada previs-to e punido pelos artigos 217.º, n.º 1, e 218.º, n.ºs 1 e 2, alínea a), do Código Penal, na pena de 4 anos e 9 meses de prisão (ofendida CC);  - Pela prática, entre 28 de agosto de 2006 e 1 de setembro de 2006, de um crime de fal-sificação de documento previsto e punido pelo artigo 256.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, na pena de 1 ano e 2 meses de prisão (ofendida CC);  II. No processo comum 684/10...., por acórdão transitado em 7 de junho de 2018 [referência citius ...12 (21 de dezembro de 2022)]:  (processo principal)  - Pela prática, em 12 de dezembro de 2008, de um crime de abuso de confiança agrava-do previsto e punido pelo artigo 205.º, n.ºs 1 e 4, alínea b), do Código Penal, na pena de 2 anos e 10 meses de prisão (ofendidos DD e EE);  - Pela prática, em 12 de dezembro de 2008, de um crime de falsificação de documento previsto e punido pelo artigo 256.º, n.ºs 1, alínea d), e 3 do Código Penal, na pena de 1 ano e 4 meses de prisão (ofendidos DD e EE);  (apenso A)  - Pela prática, em 7 de outubro de 2009, de um crime de burla qualificada previsto e pu-nido pelos artigos 217.º, n.º 1, e 218.º, n.ºs 1 e 2, alínea a), do Código Penal, na pena de 3 anos e 6 meses de prisão (ofendidos FF e GG);  - Pela prática, em 7 de outubro de 2009, de um crime de falsificação de documento pre-visto e punido pelo artigo 256.º, n.ºs 1, alíneas e) e f), e 3, do Código Penal, na pena de 1 ano e 4 meses de prisão (ofendidos FF e GG);  (apenso C)  - Pela prática, em 12 de julho de 2007, de um crime de abuso de confiança agravado previsto e punido pelo artigo 205.º, n.ºs 1 e 4, alínea a), do Código Penal, na pena de 1 ano e 10 meses de prisão (ofendidos HH e II);  - Pela prática, em 12 de julho de 2007, de um crime de falsificação de documento pre-visto e punido pelo artigo 256.º, n.ºs 1, alíneas d) e e), e 3, do Código Penal, na pena de 1 ano e 4 meses de prisão (ofendidos HH e II);  III. No processo comum 223/12...., por acórdão transitado em 2 de dezembro de 2019 [referências citius ...16 (21 de dezembro de 2022) e ...16 (27 de abril de 2023)]:  - Pela prática, entre 11 de maio de 2007 e 19 de dezembro de 2007, de um crime de abuso de confiança agravado previsto e punido pelo artigo 205.º, n.ºs 1 e 4, alínea b), do Có-digo Penal, na pena de 4 anos e 4 meses de prisão (ofendidos JJ, KK, LL, MM, NN, OO, PP, QQ e RR);  IV. No processo comum 2713/16...., por acórdão transitado em 2 de março de 2022 [referência citius ...82 (21 de dezembro de 2022)]:  - Pela prática, em 4 e 18 de janeiro de 2012, de um crime de abuso de confiança agrava-do previsto e punido pelo artigo 205.º, n.ºs 1, 4, alínea b), e 5, do Código Penal, na pena de 4 anos e 4 meses de prisão (ofendido SS);  - Pela prática, em 17 e 18 de outubro de 2013, de um crime de abuso de confiança agra-vado previsto e punido pelo artigo 205.º, n.ºs 1, 4, alínea b), e 5, do Código Penal, na pena de 3 anos e 1 mês de prisão (ofendido SS).”   Na correção, substitui-se assim aquele quadro gráfico sinóptico por esta enunciação das identificações dos processos, dos crimes praticados, com as respetivas datas, das penas aplicadas e das datas das decisões e correspondentes trânsitos em julgado.  E corrige-se igualmente que o mínimo da moldura pena abstrata não é 5 anos e dois meses mas sim 4 anos e 9 meses, a pena parcelar mais elevada[3].   II.2.2. Porque o Recorrente lhe faz referência, importa desde já sublinhar que não se verifica violação do princípio da proibição da dupla valoração.  “O princípio da proibição da dupla valoração não obsta à consideração na determinação da pena conjunta do concurso de crimes de uma circunstância já considerada na determinação da pena de um dos crimes em concurso, desde que essa circunstância se reporte ao conjunto dos factos, pois neste o objeto de valoração é distinto. (já assim JOSÉ OSÓRIO. na comissão de revisão do CP de 1963-1964, in ACTASCP/EDUARDO CORREIA, 1965b; e também FIGUEREDO DIAS, 1993, 292.” in “Comentário do Código Penal”, Pinto de Albuquerque, em nota ao artigo 77º.  E, na mesma linha, Maria da Conceição Ferreira da Cunha, in “As reações criminais no direito português”, pag. 191, diz: “fazemos nossas as palavras de FIGUEIREDO DIAS, quando esclarece que “aquilo que à primeira vista poderá parecer o mesmo factor concreto, verdadeiramente não o será consoante seja referido a um dos factos singulares ou ao conjunto deles: nesta medida não haverá razão para invocar a proibição de dupla valoração” e apenas nesta medida, permitimo-nos acentuar.”  No caso, tratando-se de uma sucessão de crimes praticados no exercício da advocacia inelutavelmente que se terá de censurar o desrespeito das regras de comportamento profissional e deontológico face à prática de cada um dos crimes e depois face á prática do facto global. E tal censura parecendo a mesma não o é, porque se refere primeiro a cada um dos crimes e, depois, a todos eles em globo, um caso e outro com objetos de valoração distintos, censurando-se no facto global não um acto isolado mas sim, dada a conexão e sucessividade, um padrão de comportamento.   II.2.3. Sabemos que, perante novo cúmulo jurídico a fazer, ficando sem efeito o anterior ou anteriores, as penas parcelares que o integravam ganham de novo autonomia e, com isso, o limite mínimo da pena única abstratamente aplicável é a pena parcelar mais elevada, não a pena única encontrada no(s) cúmulo(s) anterior(es). Não há cúmulo de cúmulos. Com o que, a medida concreta da pena conjunta aqui se há de encontrar dentro da moldura penal abstrata entre 4 anos e 9 meses de prisão, a pena parcelar mais elevada aplicada, e 25 anos, limite máximo permitido pelo artigo 77, nº 2, do CP (em redução da soma de todas as penas parcelares, 31 anos e 4 meses). No caso já tinha sido efetuado o cúmulo das penas parcelares aplicadas nos processos nºs 96/07...., 684/10.... e 223/12...., por acórdão publicado neste último processo, tendo sido fixada uma pena conjunta de 13 anos de prisão.  Pena conjunta essa que também, face a este novo cúmulo a fazer no 2713/16...., perde autonomia.  Importa, porém, não olvidar que como se refere no ac. STJ de 23/7/2017, Proc. 804/10.6PBVIS.C1, Maia Costa, «o cúmulo anterior mais elevado não deixará de ser um “ponto de referência” a ter em consideração na fixação da nova pena, embora não possa funcionar como “ponto de partida” para essa operação»; e, no ac. STJ de 16/5/2019, Proc. 790/10.2JAPRT.S1, o mesmo relator, acrescenta-se: «o cúmulo anterior mais elevado não deixará de ser um “ponto de referência” a ter em consideração na fixação da nova pena conjunta, na medida em que esta última deverá normalmente, pelo acréscimo de novas penas, ser superior a esse cúmulo anterior»; e no mesmo sentido o recente ac. de 29/03/2023, 1759/19.7JABRG-J.S1, Sénio Alves. Também estamos cientes, com Tiago Caiado Milheiro, in «Cúmulo jurídico superveniente», Almedina, 2016, páginas 90 e seguintes, que, muito embora inexista obstáculo legal a que da reformulação do cúmulo em razão da integração de novas penas parcelares resulte uma pena única inferior à anterior, tal apenas deverá acontecer «em casos justificados e excecionais», nomeadamente quando tiver ocorrido uma alteração positiva das «circunstâncias fácticas relativas à personalidade do arguido». No citado ac. de 29/03/2023, 1759/19.7JABRG-J.S1, Sénio Alves, sublinha-se que “o S.T.J. tem adoptado a jurisprudência, na formação da pena única, de fazer acrescer à pena mais grave o produto de uma operação que consiste em comprimir a soma das restantes penas com factores variáveis, mas que se situam, normalmente, entre um terço e um sexto (lendo-se nos Acórdãos do S.T.J. de 29.04.2010 e 01.07.2012, referentes aos processos nº 9/07.3GAPTM.S1 e 831/09.6PBGMR.S1, respectivamente, acessíveis na internet em www.dgsi.pt/jstj, que “só em casos verdadeiramente excepcionais se deve ultrapassar um terço da soma das restantes penas”), entende-se ser adequada e razoável a aplicação ao arguido da pena, única, de 8 (oito) anos de prisão, que não consente qualquer opção de substituição».” Volvendo ao caso concreto, no cúmulo agora efetuado acresceu às restantes penas parcelares (de que tinha resultado uma pena conjunta de 13 anos) as parcelares de 4 anos e 4 meses e de 3 anos e 1 mês de prisão do proc. nº 2713/16...., acabando a pena conjunta em 16 anos e 6 meses.   E, é certo, só se se deparassem circunstâncias relevantemente excecionais a inclinarem fortemente a balança para o lado do Recorrente é que a pena conjunta poderia seria mantida em 13 anos. Mais, a expressa pretensão do Recorrente em “o” das suas conclusões conduziria a uma autêntica antinomia processual já que o acórdão de finalidade cumulatória traduzir-se-ia em acórdão não cumulatório e excludente de penas para o cúmulo, no caso, exclusão das penas aplicadas pelos dois crimes de abuso de confiança agravado aplicada no 2713/16...., ainda não integradas no cúmulo de 13 anos, e até de outras já cumuladas até ao limite de três anos (para reconduzir a pena conjunta a 10 anos, como pretende). O acórdão cumulatório transmudar-se-ia em acórdão absolutório para estes crimes, ao descartar, no cúmulo, sem fundamento legal as penas correspondentes. E mais, como se sublinha no ac. de 23/02/2022, proc. nº 1089/13.8JAPRT.S1, Nuno Gonçalves, a interpretação conforme à Constituição proíbe o “corte”. “Sob o critério legislativo que erige como finalidade primeira da pena a proteção dos bens jurídicos, poderá até equacionar-se a desconformidade constitucional da redução de uma anterior pena conjunta ou, sendo várias, da mais elevada, aplicada em anterior cúmulo jurídico. É suposto que aquela pena conjunta se situa no limiar capaz de satisfazer as exigências de prevenção evidenciada pela gravidade do “ilícito global” e pela personalidade do agente nele revelada. Com mais crimes a entrar nessa unidade jurídico-criminal não é configurável diminuição de qualquer dos fatores que determinaram a anterior pena conjunta. Assim e no limite, o “corte” na medida concreta dessa anterior pena única poderia configurar uma medida de graça, isto é, um perdão parcial de uma pena judicialmente fixada por sentença/acórdão transitada/o em julgado. Na nossa constituição penal, o direito de graça está reservado a outros órgãos de soberania, não competindo aos tribunais.” Assim, a questão concreta a resolver é tão só a de saber se a pena conjunta aplicada de 16 anos e seis meses de prisão se deve baixar, ou se deve baixar para 14 anos e seis meses, como quer o MºPº, ou se deve baixar para patamar ainda inferior como pretende o Recorrente. Aceitando a supra exposta doutrina e jurisprudência temos a pena conjunta anterior como ponto de referência (nunca como ponto de partida). E, tendo em conta todas as penas parcelares aplicadas e tendo a dita pena conjunta como ponto de referência, o que aqui está em causa é o acrescento para cúmulo novo das penas parcelares aplicadas no 2713/16.....  O acórdão cumulatório recorrido transformou-as em acrescento de 3 anos e 6 meses fixando uma pena conjunta de 16 anos e 6 meses (13 anos da anterior pena conjunta mais 3 anos e 6 meses.) Ora, sem querer transformar a efetivação do cúmulo numa operação matemática, que não deve ser, certo é que não podemos prescindir do referente jurisprudencial nesta matéria. E diz-nos tal referente jurisprudencial em termos de fator de compressão que o acrescento das penas em termos de cúmulo se fixará normalmente em 1/3. “Com efeito, em nome do  princípio da igualdade na aplicação das penas, esta prática tem consistido em agravar a pena do concurso em atenção à pluralidade de crimes, aditando á pena parcelar mais grave uma dada porção ou fracção das restantes penas – normalmente um 1/3, mas também pode ser uma fracção menor (1/5, 1/6 e por aí fora), se o número de crimes for muito elevado ou as penas em concurso forem muito graves (estabelecidas perto do máximo) – caso em que se diz que o factor de compressão das penas a considerar é mais acentuado.” (in “O Cúmulo jurídico na doutrina e na jurisprudência do STJ”, Rodrigues da Costa, Julgar, nº 21).   Mas, como pertinentemente se sublinhou no ac. do STJ de 26/01/2022, 536/16.1GAFAF.S1, Nuno Gonçalves, “A utilização de tal critério na individualização da pena conjunta está relacionada com uma destrinça fundamental que importa estabelecer ao nível das consequências jurídicas em função de cada fenomenologia criminal. Na operação de cálculo do fator de compressão importa considerar a necessidade de um tratamento diferente para a criminalidade em função da sua definição legal, designadamente de acordo com a sua consideração como bagatelar, como média ou como grave, de tal modo que, como referia Carmona da Mota, a “representação” das parcelares que deve acrescer à pena mais grave se possa saldar por uma fração cada vez mais alta, conforme a gravidade do tipo de criminalidade. Na verdade, não é raro ver um tratamento uniforme, destituído de qualquer opção valorativa do bem jurídico, - que pode assumir uma diferença substantiva abissal impondo a destrinça clara da resposta entre a ofensa de bens jurídicos mais ou menos fundamentais para preservação de valores vitais e pessoais indisponíveis e a ofensa de bens jurídicos de outra índole e entidade jurídico-criminal. Este é o entendimento prevalente, que nos casos de elevada pluralidade de crimes em concurso pode ainda ser temperado através da intervenção do princípio da proporcionalidade, implícito no critério que vem de citar-se. Designadamente convocando a interpretação de que “na formação da pena única, quanto maior é o somatório das penas parcelares, maior é o fator de compressão que incide sobre as penas que se vão somar à mais elevada, pois, se assim não fosse, muito facilmente se atingiria a pena máxima em casos em que a mesma não se justifica perante a gravidade dos factos”, de modo a impedir que o agente do concurso de crimes resulte condenado numa pena conjunta inadequada à gravidade dos crimes e que muito dificultaria a sua reintegração na comunidade dos homens e das mulheres respeitadores/as dos bens jurídicos fundamentais. Consequentemente, o denominado «fator de compressão», deve funcionar como aferidor do rigor e da justeza do cúmulo jurídico de penas, devendo adotar frações ou logaritmos diferenciados em função da fenomenologia dos crimes do concurso, mas que no âmbito do mesmo tipo de crime devem ser idênticos, podendo variar ligeiramente em função da personalidade do arguido revelada pelos factos e do modo de execução dos crimes. Somente um tal rigor na determinação da pena conjunta permitira garantir a justiça relativa e a igualdade de tratamento dos condenados. Sem um critério aferidor como o proposto, a pena conjunta aparecerá em cada caso como um produto da “arte” do Juiz, naturalmente moldada, - como qualquer artista do seu tempo- pelas próprias conceções jurídico-criminais (se não mesmo pelas suas idiossincrasias filosóficas e de política criminal). Esse, como qualquer outro método e procedimento desligado de um sistema de avaliação dotado de alguma objetividade, haverá sempre de gerar um resultado mais ou menos discutível e, no nível acima, poderá ser sempre suscetível de uma qualquer intervenção corretiva, tanto para mais como para menos, conforme a demanda do sujeito processual recorrente. Consequentemente, na determinação da pena conjunta a aplicar a um concurso de infrações, a ponderação dos factos no seu conjunto, mais apropriadamente, dos crimes e das penas parcelares (em maior ou menor grandeza fracional) deve adequar-se ao tipo de criminalidade com enfase agravante quando concorrem crimes graves contra as pessoas, ou, gradativamente, em casos de criminalidade violenta, de criminalidade especialmente violenta e de criminalidade altamente organizada - art. 1º al.ªs i) a m) do CPP.” Em suma, a pena única determina-se pela ponderação conjunta de fatores do critério geral enunciados no art. 71º e do critério especial fornecido pelo art. 77º n.º 1, tendo em conta a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, com o limite da medida da culpa, art. 40º, nºs 1 e 2, considerando o fator de compressão correspondente à fenomenologia criminal em causa e com o tempero decisivo do princípio da proporcionalidade.   No caso, pesam negativamente, além do já realçado pela instância, o aproveitamento da iliteracia dos clientes, o aproveitamento da distância geográfica a que se encontravam e da sua posição de emigrados, a onda imparável de apropriações com a prática de anterior falsificação, não olhando a meios para atingir os fins, a pluriocasionalidade revelada e a falta de restituição do apropriado.    Mas o decisivo princípio da proporcionalidade aliado ao fator de compressão e à prática jurisprudencial deste Supremo, não descurando que o mínimo agora considerado é de 4 anos e 9 meses, obrigam-nos a um juízo mais favorável no que tange ao acrescento das penas parcelares de 4 anos e 4 meses e de 3 anos e 1 mês, acrescento que, em termos de cúmulo, em vez dos 3 anos e 6 meses, se fixará agora em 2 anos e 3 meses. Cremos não haver necessidade de mais peso punitivo, estar mais adequada a medida do acrescento de 2 anos e 3 meses, e revelar-se mais justa e conforme à medida da culpa quer tal acrescento quer a pena única de 15 anos e 3 meses. Suficiente para satisfazer ainda a protecção dos bens jurídicos e as necessidades de prevenção geral e especial.   Com o que, por via do enunciado, se terá como proporcional o acrescento àquele ponto de referência, 13 anos, de 2 anos e três meses, fixando-se a pena única em 15 anos e 3 meses de prisão.    IV – DECISÃO  Em face do exposto, acordam os juízes da 3ª Secção Criminal do STJ  1. em substituir, ao abrigo do artigo 380, nºs 1, al. b), e 2 , do CPP, o quadro gráfico sinóptico do acórdão cumulatório pela enunciação descrita em II.3.1., e em corrigir em “D) Do Direito” do mesmo acórdão que o mínimo da moldura abstrata para o cúmulo é de 4 anos e 9 meses, pena parcelar mais elevada, aplicada no 96/07.... e não, como aí consta, “5 (cinco) anos e 2 (dois) meses de prisão”. 2. em julgar parcialmente procedente o recurso e fixar a pena única em 15 anos e 3 meses de prisão.   
 STJ, 21 de junho de 2023 
 Ernesto Vaz Pereira (Juiz Conselheiro Relator) José Luís Lopes da Mota (Juiz Conselheiro Adjunto) Maria Teresa Féria de Almeida (Juíza Conselheira Adjunta) _____ [1] Ter-se-á querido dizer 2713/16.9TAPDL |