Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 2.ª SECÇÃO | ||
Relator: | RIJO FERREIRA | ||
Descritores: | ADMISSIBILIDADE DE RECURSO DUPLA CONFORME FUNDAMENTAÇÃO ESSENCIALMENTE DIFERENTE PODERES DA RELAÇÃO ERRO DE JULGAMENTO QUESTÃO NOVA PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA CONFISSÃO INQUÉRITO TERCEIRO LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA PROVA PERICIAL REMANESCENTE DA TAXA DE JUSTIÇA PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE CONHECIMENTO OFICIOSO | ||
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Data do Acordão: | 09/28/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | NEGADAS AS REVISTAS. CONHECIMENTO PREJUDICADO | ||
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Sumário : | I. A inibição recursória prevista no artigo 671º, nº 3, do CPC (‘dupla conforme’) tem como pressuposto que a questão decidida foi apreciada de modo idêntico em duas instâncias. II. Por conseguinte ela não tem aplicação relativamente às questões que só foram apreciadas ao nível da Relação. III. Não obstante a ‘dupla conforme’, são admissíveis as revistas com fundamento na violação pela Relação do artigo 662º do CPC e no erro de julgamento ao não apreciar o pedido de dispensa ou redução do remanescente da taxa de justiça por se tratar de questão nova porquanto só colocada na Relação. IV. No caso dos autos estamos perante uma confissão escrita que teve lugar em inquérito criminal, pelo que, por ter ocorrido noutro processo, se trata de confissão extrajudicial (artigo 355.º, n.ºs 3 e 4, do CCiv). Uma vez que se trata de uma confissão extrajudicial efectuada num inquérito criminal, ou seja, num processo sem partes, não pode considerar-se que a confissão foi efectuada entre as partes, mas sim a terceiro, pelo que nos termos do artigo. 358.º, n.º 4, in fine, do CCiv, se considera que está sujeita à livre apreciação do tribunal. V. A prova pericial não goza de força probatória plena e está sujeita à livre apreciação (artigos 396.º do CCiv e 489.º do CPC), só podendo o Supremo Tribunal de Justiça intervir correctivamente em caso de manifesta desadequação ou ilogicidade da sua fundamentação. VI. A verificação dos parâmetros constitucionais referentes ao montante da taxa de justiça, ou seja, da sua proporcionalidade, porquanto respeita a direitos fundamentais, é de carácter oficioso, não estando sujeita aos princípios do pedido ou do dispositivo. | ||
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Decisão Texto Integral: |
ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
NO RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO NOS AUTOS DE ACÇÃO DECLARATIVA ENTRE AA (aqui patrocinado por ..., adv.)
Autor / Apelado / Recorrido CONTRA
E-REDES - Distribuição de Electricidade, SA [anteriormente EDP Distribuição – Energia SA] (aqui patrocinada por ..., adv.)
Ré / Apelante / Recorrente EM QUE INTERVEM
FIDELIDADE – COMPANHIA DE SEGUROS, SA (aqui patrocinada por ..., adv.)
Interveniente Principal / Apelante /Recorrente I – Relatório O Autor instaurou a presente ação declarativa pedindo a condenação da Ré a pagar-lhe: "- A quantia global de seiscentos e onze mil cento noventa e cinco euros (€ 611.195,00), a título de danos, de carácter patrimonial e não patrimonial, já verificados, supra descriminados; - Os valores vincendos, a título de lucros cessantes, correspondentes aos rendimentos mensais líquidos de € 1000/mês que o autor deixará de auferir, provenientes da sua atividade, desde a data da propositura desta ação, até efetivo e integral ressarcimento dos danos pela ré. - Os juros civis, calculados sobre o valor que vier a ser determinado na douta sentença condenatória, contados da citação da ré e até efetivo e integral pagamento." Alegou, em síntese, que era proprietário de um armazém onde tinha instalada a sua atividade de carpintaria e que um curto-circuito ocorrido no ramal da ré de fornecimento da energia elétrica deu origem a um incêndio, o qual destruiu esse armazém e os materiais e equipamentos que ali se encontravam, causando-lhe um dano de 334.195,00 €. Em consequência da destruição provocada pelo incêndio e da falta de meios económicos, não mais retomou a sua atividade de carpinteiro, onde auferia um rendimento líquido mensal de 1.000,00 €. E a destruição causada pelo incêndio causou-lhe também grande sofrimento. A Ré contestou afirmando, em suma, que o incêndio não teve origem no exterior do armazém, mas sim já no interior deste e que dali se propagou para fora, nomeadamente ao cabo de chegada da energia elétrica. Requereu a intervenção da Fidelidade Companhia de Seguros S.A., alegando que "a responsabilidade civil emergente da atividade da ora ré encontra-se transferida para (…) [esta] seguradora (…), por contrato de seguro titulado pela Apólice RC n.º 23133799, que cobre o presente sinistro". Admitida esta intervenção, a Fidelidade contestou impugnado os factos alegados pelo autor, pois "só com a citação para a presente ação é que (…) teve conhecimento dos factos que são objeto dos presentes autos", e alegando as exclusões decorrentes do contrato de seguro. A 11-10-2019 o Meritíssimo Juiz proferiu o seguinte despacho: "Convido o A. a, em 5 dias, aperfeiçoar a p.i., no sentido de esclarecer: Porque é que é "proprietário" do armazém em causa; Porque é que sofreu os prejuízos invocados no art. 34.º, da p.i. (por ser proprietário dos bens em questão? Se for essa a razão, deverá esclarecer porque é que era proprietário de tais bens)." Então o autor alegou nomeadamente que: "a) O A. é proprietário do armazém, em causa, porquanto o construiu por volta do ano de 1999, suportou todos os encargos decorrentes da sua construção (materiais e mão de obra) e, a partir daí, realizou a sua manutenção e adaptação a carpintaria, b) Ou seja, o A. encontrou-se na posse efetiva do armazém e equipamentos/estruturas de apoio à atividade ao longo de mais de quinze anos consecutivos, à vista de toda a gente, de forma pública, pacífica e de boa fé, considerando-se e sendo considerado por todos os seus vizinhos como dono e legítimo possuidor do armazém e das estruturas de apoio à atividade de carpintaria e na convicção de que não lesava direitos de terceiros. (…) d) Todos os bens/objetos foram adquiridos pelo A., ao longo dos anos, e custeados por este." A interveniente Fidelidade respondeu afirmando que o autor apresentou uma nova causa de pedir, que é legalmente inadmissível. Na audiência prévia, que decorreu a 13-11-2019, o Meritíssimo Juiz proferiu o seguinte despacho: "(…) Assim, o aperfeiçoamento efetuado, não constitui uma nova causa de pedir, porque a causa de pedir invocada é complexa e englobava os factos atinentes ao dano, pressuposto no qual se insere o aperfeiçoamento efetuado. E a causa de pedir também não foi ampliada, não tendo tido um aumento, tendo antes e apenas, sido, parcialmente, concretizada. Os factos alegados não vão para além da relação jurídica controvertida em que o A. sustentava o seu direito indemnizatório, com eles apenas se suprem insuficiências de concretização, relativas a parte da causa de pedir que já fora invocada na p.i., concretamente, quanto ao prejuízo/dano que o A. alegara na p.i. ter sofrido. Mesmo que não tivesse havido o aperfeiçoamento em causa, o tribunal sempre poderia vir a ter em conta, na decisão a proferir, os factos constantes do aperfeiçoamento apresentado, se eles decorressem da prova produzida, pois que eles configurariam, como configuram, simples factos concretizadores da matéria de facto que fora alegada na p.i. – art. 5.º, n.º 2, b), do C.P.C. Ora, se assim é, por maioria de razão é possível admitir a alegação de tais factos por parte do A., para posteriormente poderem ser tidos em conta na decisão a proferir. Pelo exposto, por legalmente admissível, admito o aperfeiçoamento apresentado." Procedeu-se a julgamento e foi proferida sentença em que, considerando verificados os pressupostos dos artigos 509º e 493º do CCiv, se decidiu: "Pelo exposto, julgo a ação parcialmente procedente, e, em consequência: Condeno a Interveniente Seguradora a pagar ao A., a quantia líquida de € 121.695,00 (cento e vinte um mil seiscentos e noventa e cinco euros), mais a quantia ilíquida (com o limite máximo do montante peticionado) referente ao valor do armazém, da estrutura de apoio a arrumos de madeira e do telhado do cabanal, descontando-se àquela quantia o valor da franquia de € 50.000,00 (cinquenta mil euros); Condeno a R. a pagar ao A. a quantia supra aludida de € 50.000,00 (cinquenta mil euros) referente à franquia; mais a quantia de € 40.000,00 (quarenta mil euros) referente a danos não patrimoniais; e ainda a quantia de € 4.500,00 (quatro mil e quinhentos euros), assim como os valores vincendos, a titulo de lucros cessantes, correspondentes aos rendimentos mensais líquidos de € 1.000,00/mês, que o A. deixou/deixará de auferir, provenientes da sua atividade, desde a data da propositura da ação até integral ressarcimento dos danos que sofreu; Mais condeno a Interveniente e a R. a pagarem ao A., juros de mora, à taxa legal, incidentes sobre as quantias supra referidas, contados desde a citação até integral pagamento; Absolvo a Interveniente e a R. do demais peticionado. Custas a cargo de A. e R./Interveniente, na proporção dos respetivos decaimentos, na parte líquida; e a cargo de A. e R./Interveniente, em partes iguais, na parte ilíquida (sem prejuízo do benefício de apoio judiciário de que goza o A.) - art. 527.º, n.º 1 a 3, do C.P.C." Inconformada com esta decisão, a Ré dela interpôs recurso, concluindo, em síntese: a) há erro no julgamento dos factos 10 dos factos provados e 6 dos factos não provados; b) não há lugar à aplicação "do artigo 493, n.º 2 do C. Civil, porquanto existe matéria de facto que comprova que a recorrente empregou todas as providências que lhe eram exigidas a fim de prevenir que a sua atividade pudesse causar danos a outrem"; c) "o caso sub judice não configura (…) responsabilidade pelo risco, porquanto, nos termos do artigo 509.º, n.º 1 do C. Civil, a recorrente mantinha a rede elétrica em perfeitas condições técnicas"; Por sua vez, a Interveniente interpôs recurso da sentença e do despacho de 13-11-2019 proferido na audiência prévia, concluindo, em síntese: - quanto ao despacho proferido em 13NOV2019: "o requerimento de fls. 115 e 116 apresentado pelo Autor (…) configura a alegação de factos novos, uma alteração da causa de pedir, (…) pelo que estamos perante uma ampliação da causa de pedir que não é admissível, ao abrigo do art.º 265.º do CPC, e que como tal não devia ter sido admitida no despacho recorrido"; - quanto à sentença: e) "face ao preceituado no art.º 376.º, n.º 2 ou 371.º, n.º 1, primeira parte do C. Civil (atenta a natureza do documento e por atestarem perceções da autoridade a partir do declarado pelo recorrido), ao não terem sido impugnadas com a apresentação do documento, impediam a produção de prova sobre a propriedade do armazém, devendo ser julgado não provada a propriedade do Recorrido"; f) há erro no julgamento dos factos 1 e 10 dos factos provados; g) "não se pode estabelecer uma sequência ou encadeamento factual que permita dar como assente, a relação causal entre o incêndio que consumiu o armazém e um curto-circuito com início no ramal/cabo da rede de distribuição, originado pelo desgaste do material de revestimento dos condutores ou por outra causa inerente ao funcionamento, conservação ou manutenção desta estrutura, da responsabilidade da Ré/EDP", "pelo que a presente ação deve ser julgada improcedente, com a consequente absolvição da Ré/EDP e da Interveniente/ Seguradora, aqui Recorrente"; h) "deverá ser revogada a condenação da aqui Recorrente no pagamento da quantia ilíquida, relegada para momento ulterior, referente ao valor do armazém, estrutura de apoio e arrumos, devido ao Autor/Recorrido, na qualidade de proprietário dos mesmos, como se decidiu na sentença recorrida"; i) "os 15 anos de exercício da posse, não titulada, de boa-fé, necessários à aquisição da propriedade por usucapião, nos termos o art.º 1296.º do C. Civil, não estavam completados em 2016, quando ocorreu o incêndio"; j) "estando o armazém implantado em terreno propriedade de terceiro, a posse do armazém e suas estruturas só poderia ser reconhecida como causa originária do direito de propriedade do Recorrido, se este tivesse provado (e antes alegado) que era possível a autonomização daquelas estruturas do terreno onde estavam implantadas, enquanto realidade predial e económica autónoma"; l) "o Recorrido apenas poderia justificar a qualidade de proprietário do armazém e demais estruturas construídas no terreno propriedade de terceiro, sua irmã, caso tivesse alegado e provado (…) os requisitos da posse, mas da acessão industrial imobiliária, prevista no art.º 1340.º do C. Civil, e da consequente aquisição do direito de propriedade do armazém e demais estruturas implantas em terreno alheio, por incorporação"; m) "os juros sobre a quantia que vier a ser liquidada em momento ulterior, não são devidos desde a citação para a presente ação, mas apenas a partir da notificação do incidente ulterior de liquidação"; n) "ao abrigo da parte final do art.º 6.º, n.º 7 do RCP, (…) [deve ser] dispensado o pagamento da taxa de justiça remanescente prevista na primeira parte daquele normativo ou quando assim não se julgar devido, a sua especial redução". O autor contra-alegou sustentando a improcedência dos recursos. A Relação, unanimemente, não conheceu por ser questão nova do pedido de dispensa/redução do remanescente da taxa de justiça, julgou improcedente o recurso relativo ao despacho de 13NOV2019 e improcedente o recurso relativo à sentença (dado manter inalterada a matéria de facto e as questões de direito dependerem da alteração daquela matéria), confirmando as decisões recorridas. Inconformada veio a Ré interpor recurso de revista excepcional ao abrigo do disposto no artigo 672º, nº 1, als. a) e c) do CPC (subsidiariamente revista nos termos gerais) concluindo, em síntese, pela ocorrência de mau uso pela Relação dos poderes conferidos pelo artigo 662º do CPC ao, na esteira do decidido na 1ª instância, ter conferido maior credibilidade à 1ª perícia. Também a interveniente interpôs recurso de revista nos termos gerais concluindo, em síntese, por erro de julgamento ao não conhecer do pedido de dispensa/redução do remanescente da taxa de justiça (subsidiariamente, nulidade por omissão de pronúncia), por mau uso da Relação dos poderes conferidos pelo artigo 662º do CPC quanto ao reconhecimento da propriedade e ao conferir maior credibilidade à 1ª perícia. Subsidiariamente, interpôs recurso de revista excepcional, nos termos do artigo 672º, nº 1, al. a), do CPC. Houve contra-alegação onde se propugnou pela inadmissibilidade dos recursos. II – Da admissibilidade e objecto do recurso A situação tributária mostra-se regularizada. Os requerimentos de interposição do recurso mostram-se tempestivos (artigos 638º e 139º do CPC) e foram apresentados por quem tem legitimidade para o efeito (art.º 631º do CPC) e se encontra devidamente patrocinado (art.º 40º do CPC). Tais requerimentos estão devidamente instruídos com alegação e conclusões (art.º 639º do CPC), bem como, formalmente, mostram-se satisfeitos os ónus de indicação dos elementos específicos de recorribilidade (artigos 637º e 672º, nº 2, do CPC). Tendo a Relação confirmado, unanimemente e com base na mesma fundamentação, a sentença recorrida, verifica-se indubitavelmente uma situação de ‘dupla conforme’, inibidora da revista nos termos gerais (artigo 671º, nº 3, do CPC). Tal situação, no entanto, tem como pressuposto que a questão decidida foi apreciada de modo idêntico em duas instâncias; por conseguinte ela não tem aplicação relativamente às questões que só foram apreciadas ao nível da Relação. Daí que se tenha consolidado o entendimento de que quando o recurso de revista é fundado na desconformidade da conduta da relação com a lei processual, nos termos do disposto no art. 674.º, n.º 1, al. c), do CPC, designadamente por violação do disposto no artigo 662.º do CPC, ele é sempre admissível quanto a esse fundamento enquanto revista nos termos gerais, não tendo aplicação a restrição recursiva decorrente da ‘dupla conforme’ (cfr. os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 31-03-2022, proc. 505/17.4T8FAR.E1.S1 e de 05ABR2022, proc. 1916/18.3T8STS.P1.S1). Os fundamentos invocados nos recursos são: - a violação do artigo 662º do CPC quanto à reapreciação dos factos provados 1 (recurso da Interveniente) e 10 (ambos os recursos), decorrente da não consideração de factos instrumentais e confissão relativamente ao facto provado 1 e da violação da lei de processo ao desconsiderar a segunda perícia relativamente ao facto provado 10; - o erro de julgamento ao não conhecer da questão da dispensa/redução do remanescente da taxa de justiça. O invocado mau uso pela Relação dos poderes conferidos pelo artigo 662º do CPC, e pelas razões acima invocadas, é susceptível de recurso de revista nos termos gerais (e essa admissibilidade inviabiliza desde logo a possibilidade de revista excepcional). E pelas mesmas invocadas razões (não foi apreciado em duas instâncias), também a decisão de não conhecer do pedido de dispensa/redução do remanescente da taxa de justiça se mostra susceptível de revista nos termos gerais. Donde se conclui que os fundamentos invocados (a título principal ou subsidiário) nos recursos determinam a admissibilidade dos mesmos enquanto revistas nos termos gerais. Em função do disposto nos artigos 675º e 676º do CPC, tais recursos sobem nos próprios autos com efeito meramente devolutivo. Destarte, os recursos merecem conhecimento. Vejamos se merecem provimento. -*- Consabidamente, a delimitação objectiva do recurso emerge do teor das conclusões do recorrente, enquanto constituam corolário lógico-jurídico correspectivo da fundamentação expressa na alegação, sem embargo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer ex officio. De outra via, como meio impugnatório de decisões judiciais, o recurso visa tão só suscitar a reapreciação do decidido, não comportando, assim, ius novarum, i.e., a criação de decisão sobre matéria nova não submetida à apreciação do tribunal a quo. Por outro lado, ainda, o recurso não é uma reapreciação ‘ex novo’ do litígio (uma “segunda opinião” sobre o litígio), mas uma ponderação sobre a correcção da decisão que dirimiu esse litígio (se padece de vícios procedimentais, se procedeu a ilegal fixação dos factos, se fez incorrecta determinação ou aplicação do direito). Daí que não baste ao recorrente afirmar o seu descontentamento com a decisão recorrida e pedir a reapreciação do litígio (limitando-se a repetir o que já alegara nas instâncias), mas se lhe imponha o ónus de alegar, de indicar as razões por que entende que a decisão recorrida deve ser revertida ou modificada, de especificar as falhas ou incorrecções de que em seu entender ela padece. Ademais, também o tribunal de recurso não está adstrito à apreciação de todos os argumentos produzidos em alegação, mas apenas – e com liberdade no respeitante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito – de todas as “questões” suscitadas, e que, por respeitarem aos elementos da causa, definidos em função das pretensões e causa de pedir aduzidas, se configurem como relevantes para conhecimento do respectivo objecto, exceptuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras. Assim, em face do que se acaba de expor e das conclusões apresentadas, são as seguintes as questões a resolver por este Tribunal: - da violação de lei ao não considerar factos instrumentais e confissão para considerar não provado o facto provado 1; - da violação da lei de processo ao desconsiderar a segunda perícia; - do erro de julgamento na não apreciação do pedido de dispensa/redução do remanescente da taxa de justiça. III – Os factos Das instâncias vêm fixada a seguinte factualidade: Factos provados: 1 - Por volta do ano de 1999, o A. construiu um armazém, localizado no Bairro ..., na freguesia de ..., do concelho de ..., tendo suportado todos os encargos decorrentes da sua construção e adaptou o armazém a oficina de carpintaria, ali exercendo a atividade de carpintaria, durante mais de 15 anos consecutivos, à vista de toda a gente, sem oposição, na convicção de que não lesava terceiros, considerando-se dono do mesmo. 2 - O armazém (onde se encontrava a oficina de carpintaria) era constituído por escritório, arrumos e casas de banho, com cerca de 300 m2 de área, construído em blocos de cimento, com paredes rebocadas e pintadas, telhado com cobertura de chapa metálica ondulada e revestido com espuma de poliuretano, vigamento em cabos de aço e chão em betão afagado; com dois portões metálicos seccionados, uma porta andadeira e janelas em vidro com gradeamento; sistema de luz trifásica e monofásica próprio para a operação das diferentes máquinas elétricas; e rede canalizada de ar comprimido em todo o perímetro interior. 3 - Havia ali uma estrutura de apoio de arrumos de madeira para transformar. 4 - E no lado nascente do armazém existia um anexo ou cabanal, com cobertura de ferro e vigas apoiadas em pilares de betão, que servia de apoio à agricultura e criação de gado do A. 5 - A R. detém a concessão exclusiva para a atividade de distribuição de eletricidade em alta e média tensão, e das redes de distribuição de baixa tensão, nomeadamente no concelho de .... 6 - E distribuía a energia elétrica que abastecia o armazém/oficina de carpintaria do A., que tinha um contrato de fornecimento de energia elétrica com a I........, com o número .......82, com o contador associado n.º .........04 e com a potência contratada de 17,25 Kw. 7 - Na parte interior do armazém, existia um quadro elétrico geral, instalado na parede do lado esquerdo, após a porta principal, o qual controlava a distribuição elétrica ao armazém e equipamentos de carpintaria. 8 - E no exterior e na parede do lado poente, encontrava-se instalado o contador elétrico. 9 - A ligação elétrica à rede pública (poste sito a cerca de 10/15 m do referido armazém), era feita através de cabo elétrico, o qual entrava pela parede do armazém junto ao beiral do telhado e ligava ao contador elétrico. 10 - No dia 15 de novembro de 2016, por volta das 05.45 horas, deflagrou um incêndio, que teve início num curto-circuito ocorrido no ramal/cabo de fornecimento de energia elétrica (que tem tipologia de ligação aérea, e que vai desde o apoio de betão da rede situada no arruamento até à fachada do armazém), da rede pública de distribuição ao armazém em causa, antes da ligação ao contador, propagando-se, posteriormente, ao interior do armazém. 11 - Em resultado do incêndio, ardeu toda a estrutura do armazém e todos os equipamentos, veículos e materiais ali existentes; 12 - Que o A. adquirira, utilizava e mantinha, à vista de todos, sem oposição, na convicção de que não lesava direitos de terceiros, considerando-se seu dono; 13 - Concretamente, ardeu o seguinte: a) Para além do armazém, estrutura de apoio e telhado do anexo/cabanal referidos de 2 a 4, com valores indeterminados; b) Cerca de 3.000 Kg de madeira em bruto e diversas madeiras acabadas (molduras, aros, rodapés, mesas, portas, etc.), tudo no valor de cerca de € 25.000,00; c) Máquinas e materiais de carpintaria, designadamente: Material Bricofel: - Um Compressor 300L Trifásico, no valor de € 2.000,00; - Dois Compressores 25L, no valor de € 400,00; - Um Compressor de 5L, no valor de €125,00; - Três Pistolas de Agrafos, no valor de € 300,00; - Três Pistolas de Pregos, no valor de € 300,00; - Uma Pistola de Pregos de Aço, no valor de € 200,00; - Uma Pistola de Pregos de Soalho, no valor de € 400,00; - Uma Pistola Manual de Pregos de Soalho, no valor de € 500,00; - Uma Máquina de Oriliar, no valor de € 350,00; - Uma Máquina de Envernizar, no valor de € 2.300,00; - Uma Serra de Fita, no valor de € 4.500,00; - Três Serras de Meia Esquadria, no valor de € 3.500,00; - Uma Máquina Radial, no valor de € 1.750,00; - Uma Máquina Universal, no valor de € 9.500,00; - Tupia com Alimentador, no valor de € 4.000,00; - Aspirador Industrial, no valor de € 1.500,00; - Esquadrijadora, no valor de € 8.000,00; - Furadora de Corrente, no valor de € 3.500,00; - Dois Berbequins, no valor de € 300,00; - Três Tupias, no valor de € 400,00; - Duas Lixadoras Vibratórias, no valor de € 500,00; - Um Tico-Tico, de marca Bosch, no valor de € 300,00; - Um aspirador industrial, no valor de € 400,00; - Um Gerador, marca Honda, no valor de € 1.200,00; - Um Lazer, no valor de € 300,00; - Um Tico-Tico estilo Serrote, no valor de € 350,00; - Uma Lixadora de Rolo Trifásico, no valor de € 500,00; - Um Conjunto de Fresas, no valor de € 3.500,00; - Posto de Soldar Trifásico, no valor de € 1.750,00; - Vinte Discos da Madeira, no valor de € 1.000,00; - Duas Rebarbadoras, no valor de € 300,00; - Seis Discos da Pedra, no valor de € 450,00; - Duas Motosserras, marca Still, no valor de € 1.000,00; -Uma Máquina Copiadora, no valor de € 4.000,00; - Uma Máquina Calibradora, no valor de € 10.000,00; - Um Martelo Pneumático 15 Kg, no valor de € 1200,00: Material Wurth: - Mini conjunto Chaves Caixa Multi ¼, no valor de € 100,00; - Modulo Chaves Roquete Flexível – 6 peças, no valor de € 210,00; - Conjunto de 6 projetores anodizado, no valor de € 90,00; - Lâmpada de trabalho, no valor de € 125,00; - Projetor Halogénio 500W, no valor de € 50,00; - Fio de Aço para Soldadura MIG MAG 0,8, no valor de € 40,00; - KIT 24 Brocas SDS Plus Euro 2008, no valor de € 100,00; - Dois inversores Mini Inverter, no valor de € 850,00; - Multiplicador Força X 5200MN, no valor de € 220,00; - Gambiarra Handiflex 26 Leds, no valor de € 70,00; - Moss e Clean 10L, no valor de € 60,00; - Escadote Isolado 5 Degraus, no valor de € 270,00; - Trolley, no valor de € 75,00; - Relógio Lux Chrono, no valor de € 150,00; - Mochila EPI TOP, no valor de € 80,00; - Dois alicates para buchas, no valor de € 120,00; - Ponta Misturadora bucha química, no valor de € 100,00; - Escadote Andaime Wurth, no valor de € 250,00; - Suporte Universal 145-290CM, no valor de € 70,00; - Suporte Universal 65-110CM, no valor de € 40,00; - Dois Conjuntos de Serras Cranianas B-2000, no valor de € 750,00; - Conjunto Chaves Caixa e Bits, no valor de € 300,00; - Conjunto chaves Caixa Multi, no valor de € 300,00; - Pistola de Aplicação, no valor de € 75,00; - Marreta com Cabo de Fibra de Vidro, no valor de € 50,00; - Cabos de Baterias, no valor de € 200,00; - Wurth Starter Booster, no valor de € 600,00; - Colete de Eletricista, no valor de € 50,00; - Cinto de Elevação, no valor de € 90,00; - Alicate Zange, no valor de € 75,00; - Tesoura de Corte Ângulos, no valor de € 70,00; - Copiador de Perfis € 100,00; - Nível de Laser, no valor de € 500,00; - Detetor Metais e Fio Elétrico, no valor de € 150,00; - Quatro Conjuntos Chaves Allen, no valor de € 140,00; - Higrometro, no valor de € 375,00; - Conjunto de Mala de Ferramentas, no valor de € 360,00; - Berbequim Aparafusador BS 12ª, no valor de € 360,00; - Berbequim Aparafusador BS 10ª, no valor de € 375,00; - Duas Aparafusadoras Elétricas, no valor de € 600,00; - Três Lixadoras Vibratórias, no valor de € 650,00; - Aspirador Multiuso, no valor de € 650,00; - Berbequim Perpussão, no valor de € 600,00; - Bateria WA 24V, no valor de € 350,00; - Martelo Percus c/bateria, no valor de € 650,00; - Serra Tico, no valor de € 350,00; - Fresa de Lâminas, no valor de € 550,00; - Pistola de Pregar Pneumática, no valor de € 300,00; - Uma lixadora Orbital Pneumática, no valor de € 450,00; - Gabari P/Dobradiças, no valor de € 200,00; - Um Tubo Florescente 1200, no valor de € 170,00; - Um Conjunto Brocas Madeira, no valor de € 100,00; - Um disco Zebra Macroblade 2.2D, no valor de € 120,00; - Chave de Fendas Punho 2C+21 BITS Peças, no valor de € 100,00; - Conjunto Chave Bits Com Roquete, no valor de € 110,00; - Bit Box Zebra, no valor de € 150,00; - Wibos Heavy Duty, no valor de € 110,00; - Mochilas Wurth Red, no valor de € 125,00; Berbequim Aparafusador BS14.4, no valor de € 300,00; - Berbequim Percussão H18-MA Compact, no valor de € 200,00; - Serra Tico STP 140 Exact-B, no valor de € 570,00; Material Berner: - PF Easy Top ZI C/BR 3,5X45/42, no valor de € 280,00; - Bucha Expert s/Aba 8x50, no valor de € 80,00; - Disco Diam Seco Bdt/T230x22,2, no valor de € 75,00; - Serra Craniana Inox 30MM, no valor de € 45,00; - Pist. Lubrif. Pneum. Bpt-GG SD, no valor de € 70,00; - Tubo Espiral 6,5x10, no valor de € 100,00; - Fita Embalagem PVC Cast. 48x66, no valor de € 120,00; - Afia Brocas-Bosh S41, no valor de € 80,00; - Escada Telescópica 13 Degraus, no valor de € 160,00; - Bera Clic Assistência Viagem, no valor de € 100,00; - Pistola de Sopro Berner, no valor de € 20,00; - Disco Diam Seco Turbo 230x22,2, no valor de € 60,00; - Serra Circ CB 216x2,8x30 P34P, no valor de € 65,00; - Serrote Esquadrias 350MM, no valor de € 30,00; - JG 2 Chaves Cresc Easy & Fast, no valor de € 45,00; - Aparaf Punho C/Bucha 10,8V 8C+, no valor de € 300,00; - Nível Dititec Berner 9625, no valor de € 140,00; - Disco Diam Seco Turbo 230x22,2, no valor de € 60,00; - Escada Multi Funções+Plataforma, no valor de € 120,00; - Fresa P/Madeira HM 15x90, no valor de € 45,00; - Rebarbadora Berner BAG 125 BA, no valor de € 200,00; - Disco Inox ST 125x1x22 T, no valor de € 25,00; - Conj Mini Discos+Retificadora, no valor de € 140,00; - Disco Velcro Madeira GR 100, no valor de € 50,00; - CX FL Serra Tico 2,0/50 W-KU, no valor de € 50,00; - Serra Craneana Inox 52 MM, no valor de € 75,00; - Conjunto Eletricidade, no valor de € 150,00; - CX5 FL Tico BI 4x155, no valor de € 70,00; - Martelo Plástico Macio 40, no valor de € 40,00; - Cinta Carga 6x25 500/1000, no valor de € 70,00; - Disco Diam. Spec Line 350x25,4, no valor de € 150,00; - CJ Formões Cabo Plástico 6 UN, no valor de € 75,00; - JG Aplicates 3 UN, no valor de € 60,00; - Conj. 5 Alicates VDE 3K, no valor de € 120,00; - Conj. Aparaf. 10,8V + BC Paraf, no valor de € 250,00; - Tico 10,8V 2,0AH BC+1, no valor de € 250,00; - Corpo Aspirador Gas 10,8V, no valor de € 80,00; - Discos Inox x CR 230x1,9x22 T, no valor de € 120,00; - CX400 Electr. Univ 2,0x300 P42, no valor de € 30,00; - CX5 Serra Tico 4,0x100 KSG, no valor de € 25,00; d) Ferragens diversas (parafusos, dobradiças, etc.), no valor global de cerca de € 5.000,00; e) Uma máquina de lavar roupa, no valor de cerca de € 500,00; f) Um esquentador, no valor de cerca de € 200,00; g) Produtos de tratamento de madeiras (duas latas de 25L de diluente, uma lata de verniz e uma de tapa-poros, ambas de 10L e ainda duas latas de endurecedor de 5L cada), no valor de cerca de € 500,00. h) Várias caixas de soalho flutuante e respetiva tela, no valor de cerca de € 500,00. 14 - Em resultado do incêndio, arderam também veículos que se encontravam no armazém, entre eles: a) Um trator da marca "SAME", matrícula ..-..-ZR, suas alfaias agrícolas e escarificador, no valor de € 20.000,00; b) E um reboque de transporte de motociclos, no valor de cerca de € 500,00. 15 - Desde a data da ocorrência do incêndio, devido à destruição pelo mesmo causada e à falta de meios económicos do A., este não mais pôde exercer a atividade de carpinteiro, a que se dedicava. 16 - Antes da ocorrência do incêndio, o A. auferia, na sua atividade, em média, um rendimento mensal líquido de cerca de € 1.000,00. 17 - O A. sofreu um enorme desgosto, por ver, de um dia para o outro, reduzido a cinzas, o seu "ganha-pão" e o resultado de toda a uma vida de trabalho; 18 - Durante meses não conseguiu, sequer, deslocar-se ao local; 19 - Chorava quando se recordava do ocorrido; 20 - Ficou deprimido, perdendo parte da vontade de viver; 21 - Deixou de ter um sono tranquilo, e acorda, amiúde, com o pesadelo de fogos e incêndios que consomem os seus pertences; 22 - Sente-se angustiado com a sua atual situação, pessoal e profissional, ao ver-se sem meios para continuar a exercer a profissão de uma vida. 23 - Sente-se inútil e desesperado, por não conseguir sustentar, de modo condigno, o seu agregado familiar. 24 - O projeto da instalação elétrica referente ao PT 185, tipo AS de 100 KVA, em ..., concelho de ..., por despacho de 13-06-2003 foi aprovado. 25 - Em ...-09-2016, a R. solicitou a terceiros, a realização de uma medição dos valores de terra do PT supra referido e uma vistoria à rede de distribuição em baixa tensão, tendo sido informada por tais terceiros que, haviam realizado tal medição e vistoria e que não detetaram, nem registaram, qualquer anomalia ou problema relacionado com a referida rede elétrica e PT. 26 - Entre a Fidelidade - Companhia de Seguros, S.A., na qualidade de seguradora, e a EDP Energias Portugal S.A., na qualidade de tomadora, foi celebrado um contrato de seguro facultativo, do ramo Responsabilidade Civil, titulado pela apólice n.º RC......99. 27 - Aquando da ocorrência dos factos objeto dos presentes autos, o referido seguro encontrava-se válido e em vigor. 28 - A R. integra o elenco de empresas "subsidiárias e participadas do Tomador do Seguro" abrangidas pela cobertura do seguro. 29 - No art. 2.º das condições gerais, sob a epígrafe "Objeto do Contrato", ficou estipulado que: "O presente contrato de seguro garante a responsabilidade extracontratual que, ao abrigo da lei civil, seja imputável ao Segurado, no exercício da atividade ou na qualidade expressamente referida nas Condições Especiais ou Particulares da apólice". 30 - São as seguintes, as coberturas da apólice: a) Responsabilidade Civil Geral; b) Responsabilidade Civil de Produtos e Serviços Prestados; c) Responsabilidade Civil Por Poluição ou Contaminação; d) Responsabilidade Civil Entidade Patronal; e) Responsabilidade Civil Por Perdas Financeiras Puras; f) Falha de Fornecimento de Energia; g) Campos Eletromagnéticos; h) Responsabilidade Civil Profissional; i) Responsabilidades Cruzadas; j) Custos de Defesa; k) Responsabilidades decorrentes de desmoronamento de barragens, de sua propriedade ou sob sua exploração; 31 - Consta do art. 3.º, das condições particulares, sob a epígrafe "Atividade do Segurado": "i) produção, transporte, transformação, operação, distribuição e comercialização de energia elétrica ...". No n.º 29 das condições particulares, consta o seguinte: "29.4. As indemnizações são atribuídas de acordo com o definido na cobertura desta apólice, sujeito sempre aos termos, condições e exclusões de cada secção integrante da apólice. 29.5. A responsabilidade do Segurador em pagar danos (incluindo custos dos reclamantes, fees e despesas) não pode exceder o montante estipulado em cada secção, relativamente a qualquer sinistro ou série de sinistros decorrentes de uma mesma causa ou origem". 32 - Para a cobertura "13. Responsabilidade Civil Geral", vigoram os limites de franquias e limites de capitais seguros previstos na cláusula "7. Estrutura da Apólice, Limites de Indemnização e Franquias", consoante o valor da indemnização seja superior ou inferior a 150.000,00€: a) Para indemnizações/sinistros até 150.000,00€: vigora o capital de 100.000,00€ em excesso de 50.000,00€/franquia a cargo do Segurado; b) Para indemnizações/sinistros com valor superior a 150.000,00€: vigora o capital de 5.000.000,00€ por sinistro, com franquia de 50.000,00€ a cargo do Segurado. 33 - Para sinistros cujo valor de indemnização seja superior aos € 150.000,00, o seguro vigora sob a forma de "co-seguro", em que a Seguradora Interveniente assume a 100% a obrigação de indemnizar, perante terceiros lesados, cobrando o reembolso da quota-parte da congénere (40% AIG) diretamente junto desta; 34 - No "Artigo 6.º Exclusões" das Condições Gerais, consta o seguinte: "1. O presente contrato nunca garante os danos: t) Os danos indiretos de qualquer natureza, ou seja, os danos que não sejam consequência imediata e direta do ato ou omissão do Segurado", 35 - No n.º 13, das condições especiais consta: "Responsabilidade Civil Geral", pela qual, de acordo com os termos da cláusula n.º 12 "Objeto do Seguro", está coberta a responsabilidade civil legal do Segurado por lesões corporais e/ou danos materiais e suas consequências, causados a terceiros, derivados de atos, factos ou omissões ocorridos no exercício das suas atividades. 36 - Estipula o n .º 12.1, das condições especiais, que define o objeto e os danos abrangidos pela cobertura do seguro, que "(…) a Seguradora garante às Entidades designadas como Segurado", entre as quais a R., o "pagamento de indemnizações (…) que o Segurado venha a ser obrigado a satisfazer de acordo com a legislação em vigor de qualquer país, decorrente da responsabilidade direta, indireta, subsidiária, conjunta, individualizada ou qualquer outra, por danos corporais, danos materiais e as suas consequências, ocorridos durante o período de validade do seguro, causados a terceiros no exercício das suas atividades". 37 - E na clausula 12.2 diz-se que: "A mesma cobertura do parágrafo 12.1 acima, decorrente de responsabilidades que não sejam consequências de danos materiais nem de danos corporais, limitados aos casos discriminados nas Cláusulas 19 e 20". 38 - No âmbito da cobertura especial prevista no n.º 19, sob a epigrafe "Responsabilidade Civil por Perdas Financeiras Puras", diz-se: "19.2.1. Esta apólice cobre perdas financeiras puras, até ao limite estipulado no artigo 7.º - Estrutura da apólice e Limites de Indemnização, por sinistro e agregado anual de sinistros, desde que reclamados ao Segurado pela primeira vez durante o período seguro da apólice e ainda desde que estas perdas financeiras puras sejam consequência de um evento súbito, acidental e inesperado, ocorrido nas instalações do segurado como, por exemplo, fogo ou explosão". Factos não provados: 1 - O armazém principal tinha um valor global de € 120.000,00. 2 - A parte do armazém de apoio de arrumos de madeira para transformar tinha um valor de € 50.000,00. 3 - O telhado do cabanal tinha um valor de € 15.000,00. 4 - O A. era "proprietário" do trator da marca "SAME", matrícula ..-..-ZR, suas alfaias agrícolas e escarificador, que foram destruídos pelo incêndio. 5 - O A. era "proprietário" de um reboque de transporte de motociclos, que foi destruído pelo incêndio. 6 - Em ...-11-2016, a rede elétrica que abastecia o armazém do A., encontrava-se em "excelente estado de conservação". IV – O direito Da violação de lei ao não considerar factos instrumentais e confissão para considerar não provado o facto provado 1 Invoca-se que o acórdão recorrido ignorou que dos autos resulta prova que impedia se desse como provado o facto 1, designadamente a confissão do recorrido, ora Autor, de que o armazém e restantes arrumos/estruturas da carpintaria foram implantados num terreno que não era de sua propriedade, mas da sua irmã, o que foi corroborado por esta testemunha e outras. Alega a recorrente que o Tribunal da Relação na reapreciação da matéria de facto demitiu-se da obrigação que lhe impõe o art.º 607º, n.º4 e n.º 1 do art.º 662.º do CPC, ao não alterar a decisão sobre o n.º1 da matéria de facto, quer por não ter atendido e não ter tirado as devidas ilações de factos instrumentais, com relevância para a decisão sobre o objecto do litígio, que resultaram da instrução dos autos, quer por se ter demitido de uma análise crítica e conjugada de toda a prova, ao não fazer qualquer referência e ao não justificar a irrelevância que atribuiu á prova que, de acordo com a Recorrente, motivava decisão diversa e que foi devidamente indicada em sede de alegações, em cumprimento do preceituado no art.º 640º do CPC. O facto provado sob o n.º 1 é o seguinte, 1 - Por volta do ano de 1999, o A. construiu um armazém, localizado no Bairro ..., na freguesia de ..., do concelho de ..., tendo suportado todos os encargos decorrentes da sua construção e adaptou o armazém a oficina de carpintaria, ali exercendo a atividade de carpintaria, durante mais de 15 anos consecutivos, à vista de toda a gente, sem oposição, na convicção de que não lesava terceiros, considerando-se dono do mesmo. Para fundamentar a manutenção deste facto como provado, a Relação expendeu a seguinte fundamentação: No que se refere ao facto 1 temos que, como acima já se deu nota, no âmbito do inquérito 3748/16.4... o autor declarou que "o armazém/estrutura da oficina é propriedade da sua irmã, BB, sendo que a mesma lho cedeu gratuitamente para o exercício da sua atividade desde 2004/2005". Trata-se, sem dúvida, de uma confissão extrajudicial feita a terceiro, que é apreciada livremente pelo tribunal. Sobre esta matéria, na audiência de julgamento o autor não manteve essa versão dos factos e explicou aquela sua afirmação dizendo que o "terreno era dela [a sua irmã] e eu tinha que dizer que também era assim", "eu ainda não tinha comprado", "eu não lhe tinha pago", "da minha parte não fazia sentido estar a dizer que era só meu", "o armazém foi sempre meu, o terreno é que era dela". O autor diz, mais do que uma vez, que o "armazém" era seu; não da sua irmã. E acrescenta que a construção do mesmo se iniciou em 1996, mas prolongou-se no tempo ("fui fazendo"). BB declarou que o "armazém" era do seu irmão e que foi ele quem o construiu e dele cuidava. CC disse que o "armazém" era do autor e que foi este quem o construiu e tratou da sua manutenção. Refere que essa construção ocorreu "para aí há 20 anos, ou talvez mais". DD dá conta de que o "armazém" existe "há praticamente 20 anos". EE declarou que a carpintaria era do autor e que este a tinha há 20 anos. Perante estes depoimentos, e forma convicta com que, no ponto em apreciação, foram prestados, não obstante a mencionada confissão do autor no inquérito 3748/16.4..., consideramos que se produziu prova suficiente para se atingir um patamar de certeza quanto à matéria que se encontra no facto 1. Repare-se que não foi possível apurar com rigor a data em que a construção do "armazém" ficou concluída, mas podemos situar esse facto "por volta do ano de 1999". E note-se que a interveniente aceita que o autor suportou "todos os encargos decorrentes da sua [do armazém] construção e adaptou o armazém a oficina de carpintaria, onde (…) passou a exercer a atividade à vista de toda a gente, sem oposição". Já quanto ao facto de o armazém poder estar "implantado num terreno propriedade da sua irmã", importa sublinhar que tal facto não foi alegado nos autos, designadamente pela interveniente; esta apenas questionou o direito de propriedade do autor sobre o armazém, dizendo, em síntese, que a "propriedade do armazém pertence(ia) à sua irmã" e que devia ser "julgada não provada a propriedade do armazém alegada pelo autor". Em primeiro lugar, avançamos que a reapreciação da prova operada no acórdão recorrido quanto à impugnação deste facto traduz um efectivo 2.º grau de jurisdição sobre a apreciação da prova, na medida em que a Relação procedeu à análise conjugada da prova documental e testemunhal constante dos autos, tendo formado uma convicção própria (cfr. neste sentido o Ac. do STJ 14JUL2021, proc. 1333/14.4TBALM.L2.S1). Mas, indo um pouco mais além, e uma vez que o recorrente invoca que foi descurada a confissão do autor, estamos perante um meio de prova, ao qual a lei confere força probatória plena, pelo que, nos termos do art. 674.º, n.º 3, do CPC, também devemos aferir se ocorreu alguma violação de norma de direito probatório material. Dos autos resulta que a confissão do autor terá ocorrido no âmbito do inquérito 3748/16.4..., onde o autor declarou que “o armazém/estrutura da oficina é propriedade da sua irmã, BB, sendo que a mesma lho cedeu gratuitamente para o exercício da sua atividade desde 2004/2005”. Impõe-se, assim, averiguar, nos termos do art. 421.º do CPC, em conjugação com o disposto no art. 355.º, n.º 3, do CC, qual o valor da confissão produzida noutro processo. Luís Filipe Pires de Sousa (Direito Probatório Material Comentado, 2.ª Edição, 2021, Almedina, pp. 95-96 e 100-101) explica que a confissão judicial, aquela que apresenta força probatória plena (art. 358.º, n.º 1, do CCiv) é a que é feita no próprio processo, independentemente da natureza do processo, uma vez que cada processo tem um contexto específico, que se espelha nos interesses e na posição do confitente. (…) Diversamente, a confissão feita anteriormente numa ação principal só poderá ser invocada em ação subsequente entre as mesmas partes, com o valor de confissão extrajudicial, sendo livremente apreciada (cf. art. 421.º, n.º1, do CPC e art. 358.º, n.º 4). A confissão extrajudicial corresponde à realizada fora de ação judicial ou realizada noutra ação judicial, que não aquela em que decorre a valoração da prova. Bem recentemente se pronunciou este Tribunal no sentido de que “Uma declaração confessória constante dos articulados de uma ação tem um valor probatório restrito a esse processo, não tendo relevância probatória fora dele (acórdão de 19JAN2023, proc. 785/21.0T8PRT.P1.S1). Ainda que não diga directamente respeito à situação que nos ocupa, pois aqui estamos perante uma confissão efectuada no âmbito de um processo de inquérito, em que o autor terá sido inquirido enquanto testemunha e não numa acção judicial, nem se tratando de declarações confessórias em articulado; mas este aresto apresenta um excurso histórico sobre o art. 421.º do CPC e o art. 355.º do CC, o qual se mostra válido para o caso que nos ocupa. No caso, estamos perante uma confissão escrita que teve lugar em inquérito criminal, pelo que por ter ocorrido noutro processo se trata de confissão extrajudicial (artigo 355.º, n.ºs 3 e 4, do CCiv). Uma vez que se trata de uma confissão extrajudicial efectuada num inquérito criminal, ou seja, num processo sem partes, não pode considerar-se que a confissão foi efectuada entre as partes, mas sim a terceiro, pelo que nos termos do artigo. 358.º, n.º 4, in fine, do CCiv, se considera que está sujeita à livre apreciação do tribunal. Não tem aqui qualquer aplicação o acórdão do STJ de 03NOV2021, proc. 8902/18.1T8LSB.L1.S1, uma vez que aqui não estamos perante uma confissão efectuada num processo de partes, em que a confissão foi efectuada numa antecedente acção judicial entre as mesmas partes. Do exposto se conclui que bem andou o acórdão recorrido ao apreciar livremente a prova constante do inquérito, em conjugação com a demais prova testemunhal e documental, por se tratar de uma confissão extrajudicial sujeita à livre apreciação, pelo que também se mostra subtraída ao crivo deste STJ o conhecimento desta matéria. Mais alegou a recorrente que da instrução da causa resultaram provados factos instrumentais que impunham uma decisão diversa do facto provado n.º 1, que a Relação não atendeu porque entendeu serem factos que não foram alegados pela parte. O acórdão recorrido considerou que Já quanto ao facto de o armazém poder estar "implantado num terreno propriedade da sua irmã", importa sublinhar que tal facto não foi alegado nos autos, designadamente pela interveniente; esta apenas questionou o direito de propriedade do autor sobre o armazém, dizendo, em síntese, que a "propriedade do armazém pertence(ia) à sua irmã" e que devia ser "julgada não provada a propriedade do armazém alegada pelo autor". A recorrente, aparentemente confunde motivação de facto com motivação de direito e para abalar a fundamentação dada à matéria de facto traz aos autos os conceitos da usucapião e da acessão imobiliária, avançando que não pode o tribunal dar como provados estes factos. No facto considerado provado sob o n.º 1 não é, como é bom de ver, feita qualquer apreciação sobre os referidos institutos jurídicos, nem no acórdão é reconhecido qualquer direito de propriedade ao autor. O que, efectivamente, ficou como provado, e que se mostra devidamente fundamentado, é que o autor construiu um armazém naquele local e que considera e age perante todos como dono desse armazém. Não lhe é reconhecida nesta acção qualquer direito de propriedade ou de acessão imobiliária. A propriedade de um determinado terreno não pode ser considerado facto instrumental, como pretende o recorrente, pois deveria o mesmo ter sido alegado, tal como se decidiu no acórdão recorrido. Mas, mais acresce que o facto que o recorrente pretende que se considere para que se dê como não provado o facto n.º 1, a propriedade da irmã, não se afigura que este facto tenha essa relevância, pois o facto n.º 1 não atribui ao autor a propriedade do terreno, nem faz parte do objecto desta acção discutir se o autor é proprietário do terreno por usucapião ou por acessão imobiliária, pelo que não tem assume relevância o facto “instrumental” que a recorrente alega. Da violação da lei de processo ao desconsiderar a segunda perícia Invoca-se que o acórdão recorrido não cumpriu com o dever constante do art. 662.º do CPC, que impõe a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, uma vez que a prova produzida impõe decisão diversa, em especial a prova pericial. Alega-se que o acórdão recorrido decidiu de modo arbitrário ao descredibilizar a segunda perícia, partindo do errado pressuposto que o perito da primeira perícia se deslocou ao local do incêndio, sendo certo também que é entendimento generalizado da jurisprudência de que força probatória da segunda perícia se impõe. Destarte foi violado o dever previsto no art. 662.º, n.º 1, do CPC, uma vez que se impunha uma verdadeira reapreciação da prova produzida, em especial da prova pericial, impondo-se à Relação dar prevalência à segunda perícia realizada, pois o técnico que a realizou apresentava especial conhecimento. A 2.ª perícia tinha por objecto responder com exactidão a questão que a primeira perícia não soube responder, qual seja a causa do curto-circuito com origem no ramal, o que determinaria que fosse dado como não provado o facto provado 10. Conforme bem se explica no Acórdão do STJ de 31-MAR2022, proc. 812/06.1TBAMT.P1.S1, a prova pericial não goza de força probatória plena e está sujeita à livre apreciação (artigos 396.º do CCiv e 489.º do CPC); porém, de acordo com os limitados poderes do Supremo Tribunal de Justiça relativamente à apreciação da matéria de facto estabelecidos no art.º 674º, nº3, a divergência das instâncias relativamente ao laudo pericial só é relevante nos casos de manifesta desadequação ou ilogicidade da sua fundamentação. O acórdão recorrido fundamentou a prova do facto 10 em prova testemunhal e na prova pericial a qual analisou do seguinte modo: A perícia da Direção-Geral de Energia e Geologia parece ter sido elaborada apenas com base nas fotografias recolhidas pela Polícia Judiciária que se encontram juntas aos autos. E fica a ideia de que, aquando da sua elaboração, nem foram ouvidos os depoimentos prestados na audiência de julgamento, nem houve uma deslocação ao local. Já da perícia levada a cabo pela Polícia Judiciária resulta que o perito ouviu os depoimentos prestados na audiência de julgamento e esteve no local no dia 16 de novembro de 2016. Acresce que esta perícia é muito mais completa do que a da Direção-Geral de Energia e Geologia, explicando, detalhadamente, os factos observados e o caminho que conduz às conclusões nela extraídas. E está em linha com o relatório elaborado também pela Polícia Judiciária, mas da autoria de um outro inspetor, no inquérito 3748/16.4..., o qual também foi antecedido por deslocação ao local. Para além disso, a perícia da Direção-Geral de Energia e Geologia não aponta qualquer erro nos pressupostos expostos na perícia da Polícia Judiciária, que a antecedeu. Assim, ante as divergências existentes entre as duas perícias, não podemos deixar de atribuir maior credibilidade à da Polícia Judiciária. Aqui chegados, concluímos que a prova produzida suporta o juízo de provado do facto 10 formulado pelo tribunal a quo. Por outro lado, a sentença fundou a prova positiva do facto 10 também em prova pericial e testemunhal nos seguintes termos: A factualidade de 10, decorre essencialmente, por um lado, dos depoimentos dos agentes da PJ (FF e GG) que investigaram o sinistro (e do relatório que elaboraram e está junto ao processo de inquérito supra mencionado) e que foram inequívocos/perentórios em considerarem a origem do incêndio num curto circuito no cabo exterior que fornecia energia ao armazém e sua posterior propagação ao interior do armazém, explicando as razões técnicas em que sustentavam tal certeza; e, por outro lado da perícia de fls. 233 e seguintes, de cujo relatório nos permitimos destacar o seguinte: “(… não subsistem quaisquer dúvidas que o incêndio em apreço teve a sua origem na secção exterior, do cabo da baixada de alimentação elétrica, designadamente junto ao ponto de entrada na parede exterior do edifício”. Foi, porém, elaborada uma segunda perícia, pela Direção Geral de Energia e Geologia. Quanto a esta perícia, há que dizer que assenta em pressupostos que não se sabe se estariam verificados (e por isso ali se diz: “não deverá ter ocorrido”, “a baixada estaria instalada”, “a baixada estaria fixada”), pelo que, tal perícia “vale o que vale”, ou seja, vale, na medida em que se verificassem os pressupostos em que assenta, que não se sabe se estavam verificados. Esta “perícia”, na sua essência, concluiu que: a) estando a baixada instalada a um nível inferior ao do telhado, não teria ocorrido fricção dos condutores elétricos no telhado; b) estando a baixada fixada à parede por intermédio de uma pinça de amarração e fazendo os condutores uma pequena curva para entrarem num tubo de polietileno corrugado, pelo qual desceriam até ao armário do contador, só em situações anormais e dificilmente previsíveis poderia haver contacto com a parede; c) “presume-se” que, por maior que fosse a amplitude de oscilação dos condutores por influência do vento ou outra causa natural, o mesmo nunca atingiria a parede no seu movimento oscilatório. Ou seja, a perícia parte do pressuposto de que, estando a instalação da baixada sem tocar no telhado, nem na parede, os condutores não se poderiam ter degradado e dado origem a um curto circuito nessa baixada. Sucede não estar minimamente demonstrada tal ausência de contacto, de uma instalação que tinha cerca de 14 anos (depoimento de HH) e onde ninguém mais terá “tocado” ao longo desse período de tempo. Embora da prova produzida haja decorrido que não seja comum ou que seja mesmo incomum tal poder acontecer, é, no entanto, perfeitamente possível (assim nos dizem as regras da experiência comum) que, os “fios” da baixada pudessem tocar na parede ou no telhado (devido por exemplo ao facto de o material onde estava fixada a pinça que segurava os cabos ter cedido e a pinça se poder ter desprendido, … e por pouco que os fios “friccionassem” naquela parede ou telhado, ao longo de anos ou meses em que tal ocorresse (como foi referido por algumas testemunhas, trata-se de lugar muito ventoso, que nos dias anteriores teria estado sujeito a ventos mais ou menos fortes) - e mesmo sendo o material em causa resistente - , pudesse danificar o material em causa e dar origem a um curto circuito. Assim, a última “perícia” realizada não é apta a pôr em dúvida séria os pressupostos e conclusões da perícia de fls. 233 e seguintes e os depoimentos prestados pelos agentes da PJ que investigaram a origem deste incêndio. Conforme explica Luís Filipe Pires de Sousa (Revista Portuguesa do Dano Corporal (27), 2016, pp. 11-24) O juiz não é um recetor passivo da opinião do perito, assistindo-lhe o poder/dever de valorar autonomamente tal prova. Neste âmbito, é conhecido o brocardo iudex peritus peritorum cujo sentido específico merece densificação. A análise crítica que o juiz faz do laudo servirá para adquirir um convencimento sobre o seu resultado, assumindo ou não as conclusões do laudo, das quais extrairá as máximas da experiência necessárias para a apreciação dos factos relevantes. O juiz valora as máximas de experiência especializadas trazidas pelo perito aplicando máximas de experiência comuns para o que não são necessários conhecimentos especializados mas apenas capacidade crítica de entendimento e apreciação. (…) Quando é ordenada a realização de uma perícia e o resultado da mesma é inconclusivo, tal situação não conduz necessariamente a uma dúvida insanável. Como o resultado em causa não integra um verdadeiro juízo pericial mas antes um estado dubitativo, devolve-se plenamente ao tribunal a decisão sobre a matéria de facto de modo a superar, se possível, aquela dúvida. É o caso, por exemplo, dos exames periciais à letra e assinatura que, por vezes, são inconclusivos. Dito de outra forma, quando os peritos não conseguiram lograr um parecer livre de dúvidas, quando se conclui por um juízo de mera probabilidade ou opinativo, incumbe ao tribunal tomar posição, julgando segundo o princípio da livre apreciação da prova, não estando o Tribunal vinculado a um resultado que não assume natureza científica. Nas instâncias, quer na sentença, quer no acórdão, os julgadores afastaram-se do juízo trazido aos autos pela segunda perícia, o que ficou devidamente fundamentado de forma lógica e racional. O acórdão recorrido manteve o juízo de valoração preferencial da primeira perícia, tendo até acrescentado fundamentos, o que explicou de forma coerente e afastou-se do resultado da segunda perícia com base em dois principais fundamentos, na maior imediação que ocorreu na primeira perícia, uma vez que os peritos se deslocaram ao local, na maior completude da primeira perícia e na incerteza das conclusões da segunda perícia. O raciocínio do tribunal a quo, que considerou prevalente o teor da primeira perícia, em detrimento da segunda perícia mostra-se lógico, racional e coerente, tendo procedido a uma efectiva reapreciação da prova pericial, o que não permite a sindicância deste meio de prova, sem força probatória plena, pelo STJ. E, mostrando-se este juízo argumentativo livre de censura não pode igualmente ser sindicado por este tribunal de revista a escolha que as instâncias fizeram entre a primeira e a segunda perícia (cf. artigo 489º do CPC). Do erro na não apreciação do pedido de dispensa/redução do remanescente da taxa de justiça. Do art.º 20º da Constituição resulta “uma incontornável dimensão prestacional a cargo do Estado (…), no sentido de colocar à disposição dos indivíduos (…) uma organização judiciária e um leque de processos garantidores da tutela judicial efectiva” (Gomes Canotilho / Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 4º ed. Ver., 2007, pg. 408). E se a mesma Constituição não determina a gratuitidade dos serviços de justiça (ainda que tendencialmente, como se verifica relativamente aos serviços de saúde – art.º 64º, nº 2 – e ao ensino básico universal – art.º 74º, nº 2) não pode deixar de considerar-se que do carácter de direito fundamental do direito de acesso à justiça quer dos princípios da proporcionalidade e da proibição do excesso decorrente do art.º 2º da Constituição se extrai não ser lícito ao legislador estabelecer custos pela utilização do serviço de justiça de tal forma onerosos de forma que constituam um obstáculo considerável ao acesso aos tribunais. Nessa matéria, no entanto, dispõe o legislador de uma larga margem de liberdade de conformação, “competindo-lhe repartir os pesados custos do funcionamento da máquina da justiça, fixando a parcela que deve ser suportada pelos litigantes e a que deve ser inscrita no orçamento do Estado” (acórdão do Tribunal Constitucional 238/2014). No exercício dessa liberdade o legislador determinou que os utilizadores do sistema de justiça deveriam participar na sustentação económica do mesmo através de um sistema de custas processuais, com base em três vertentes: taxa de justiça (encargo genérico correspondente aos custos numa perspectiva do funcionamento global do sistema), encargos (reembolso por concretas despesas originadas com o processo) e custas de parte (compensação pelos encargos particulares em que se fez incorrer o vencedor). A taxa de justiça, como qualquer taxa, tem como pressuposto uma relação material de sinalagmaticidade entre uma prestação pecuniária do sujeito passivo e uma contrapartida qualitativa de utilização de um bem ou serviço público (art.º 4º da Lei Geral Tributária), mas isso não significa que a esta equivalência jurídica tenha de corresponder uma equivalência económica (cf. Alberto Xavier, Manual de Direito Fiscal, 1974, págs. 43-44, e Carlos Batista Lobo, “Reflexões sobre a (necessária) equivalência económica das taxas”, em Estudos Jurídicos e Económicos em Homenagem ao Prof. Doutor António de Sousa Franco, 2006, vol. I, pg. 409 e seg.). Desde logo porquanto a finalidade da taxa de justiça, como de todas as taxas, não se esgota na sua função reditícia, pois que desempenha, também uma função de regulação da utilização do sistema e uma função de redistribuição de encargos (art.º 5º da Lei Geral Tributária). Mas também pela indeterminabilidade do valor da prestação pública, quer pela inexistência de mercado, quer por serem prestadas utilidades indivisíveis a uma pluralidade de beneficiários. Com efeito, o serviço da administração da justiça é constituído por uma pluralidade de elementos interconectados que, enquanto sistema, envolve componentes de índole geral, transversais a todas as acções, procedimentos e execuções, designadamente um extenso parque imobiliário para instalação dos tribunais, o recrutamento, formação e manutenção de extensos e qualificados recursos humanos, sistemas integrados de comunicações e informação. Assim, a fixação da taxa de justiça a pagar num concreto processo não pode ser efectuada a partir de uma perspectiva atomística e individualizada de cada pleito ou acto, mas têm de atender ao dispêndio global por parte do Estado para manter em funcionamento um sistema de administração da justiça. De entre as várias modalidades possíveis para essa fixação (eg., taxa fixa prevista na lei para cada acto processual; sendo o número e tipo de actos praticados em cada processo que determinará o seu custo final; taxa fixada pelo juiz, com limites previamente estabelecidos na lei; taxa fixa prevista na lei, proporcional ao valor da causa) o legislador consagrou para o processo civil um sistema fundado numa tabela que determina um concreto valor da taxa de justiça em função do valor da causa, sendo que o montante da taxa de justiça vai sendo tanto mais elevado quanto maior for o valor da causa, sem que haja qualquer limite máximo. No entanto um tal sistema de cálculo da taxa de justiça, em que esta é determinada exclusivamente em função do valor da acção, sem o estabelecimento de qualquer limite máximo, tem como limite os apontados parâmetros constitucionais. Daí que desde há muito o Tribunal Constitucional venha decidindo que as regras de fixação da taxa de justiça nos processos cíveis só resistem ao teste da constitucionalidade na medida em que consagrem a possibilidade de, em cada caso concreto, o tribunal aferir da conformação do montante da taxa de justiça resultante da aplicação da tabela com os parâmetros constitucionais, e, se necessário, reduzir o seu montante de molde a conformar-se com aqueles parâmetros (cf. acórdãos do Tribunal Constitucional 227/2007, 471/2007, 116/2008, 421/2013, 238/2014). É essa faculdade (mais propriamente dever, pois que está em causa garantir concretamente a efectividade de direitos fundamentais – artigos 18º e 204º da Constituição) que foi consagrada no nº 7 do art.º 6º do Regulamento das Custas Processuais. Pelo que se haverá de entender que a verificação dos parâmetros constitucionais referentes ao montante da taxa de justiça, ou seja, da sua proporcionalidade, porquanto respeita a direitos fundamentais, é de carácter oficioso, não estando sujeita aos princípios do pedido ou do dispositivo. Dessa forma se concluindo ter o acórdão recorrido incorrido em erro de julgamento ao não conhecer da questão da dispensa/redução do remanescente da taxa de justiça. Mas o reconhecimento desse erro não implica a devolução do processo àquela instância para conhecer da questão uma vez que a questão pode e deve ser conhecida por este tribunal (já não apenas relativamente à apelação, mas antes relativamente à globalidade do processo). Apreciando a questão temos que é devido remanescente da taxa de justiça (independentemente da não exigibilidade da mesma em virtude de apoio judiciário) relativamente à acção (Autor, Réu e Interveniente), à apelação da Ré (Ré e Autor), à apelação da Interveniente (Interveniente e Autor), à revista da Ré (Ré e Autor) e à revista da Interveniente (Interveniente e Autor). Atento o valor da acção (611.195,00 €) o montante do remanescente da taxa de justiça por cada parte impulsionadora ascende a (611.195 – 275.000 / 25.000 = (14) x 3 x 102) 4.284 €, na acção e 2.142.00 nos recursos. Num total de 29.988,00 €. Considerando o que acima ficou dito sobre os objectivos e funções da taxa de justiça, a tramitação processual (uma audiência prévia, duas perícias, 4 sessões de julgamento, 2 apelações e 2 revistas), a complexidade da causa (não significativa, mas com algum relevo na fase dos recursos) e a conduta processual das partes (normal), não se nos afigura que o montante apurado (acrescido da taxa de justiça já paga) seja susceptível de se mostrar desproporcionado em função do ‘serviço prestado’, não se encontrando fundamento para decretar a sua redução ou dispensa. V – Decisão Termos em que: - se negam as revistas, confirmando o acórdão recorrido na parte em que conheceu das apelações; - se revoga o acórdão recorrido na parte em que não conheceu do pedido de dispensa ou redução do remanescente da taxa de justiça; - apreciando, relativamente à globalidade do processado, se declara não haver lugar à dispensa ou redução do remanescente da taxa de justiça. Custas pelos Recorrentes nas respectivas revistas.
Lisboa, 28 de Setembro de 2023
Rijo Ferreira (relator) Cura Mariano Fernando Baptista |