Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
| ||
Nº Convencional: | 2.ª SECÇÃO | ||
Relator: | ISABEL SALGADO | ||
Descritores: | REVISTA EXCECIONAL CONVOLAÇÃO OPOSIÇÃO DE ACÓRDÃOS AGENTE DE EXECUÇÃO NOTA DE DESPESAS HONORÁRIOS JUROS ADMISSIBILIDADE DE RECURSO | ||
![]() | ![]() | ||
Data do Acordão: | 05/28/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
![]() | ![]() | ||
Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | NEGADA | ||
![]() | ![]() | ||
Sumário : | I. A interposição de revista excecional, ao abrigo da alínea c) do n.º 1 do artigo 672º do CPC fundada na contradição de jurisprudência entre acórdãos da Relação, afigura-se de convolar para a revista no contexto normativo do artigo 629º, nº2, al) d. do CPC. II. A reclamação da nota de liquidação apresentada pelo Agente de Execução não correspondendo a qualquer dos incidentes e procedimentos elencados no artigo 854º do CPC, admitirá revista no quadro de verificação dos pressupostos da recorribilidade irrestrita prevista no artigo 629º, nº2, al. d) do CPC. III. Os juros compulsórios de 5%, previstos no n.º 4 do artigo 829.º-A do CC, aplicam-se a todas as obrigações pecuniárias, operando de forma automática, quando for estipulado ou judicialmente determinado qualquer pagamento em dinheiro corrente, sendo devida desde o trânsito em julgado da sentença de condenação de obrigação pecuniária, dispensando a sua menção no requerimento executivo, integrando sem outro condicionalismo, o âmbito de exequibilidade desse título. | ||
![]() | ![]() | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I -Relatório 1. No decurso da Execução de Sentença que Stichting Elisabeth – Tweesteden Siekenhuis move a Alert – Life Sciences Computing S.A., a executada reclamou da nota de honorários e despesas apresentada pela Senhora Agente de Execução. Alegou que os “juros compensatórios” e a “remuneração adicional variável” não são exigíveis e requereu a reformulação da nota em conformidade. A Senhora Agente da Execução pronunciou-se pelo indeferimento da reclamação. Por despacho de 8 de março de 2022, o tribunal indeferiu a reclamação. 2. Inconformada, a executada interpôs recurso de apelação que foi julgado parcialmente procedente por acórdão da Relação do Porto de 24 de novembro de 2022, e que culmina no seguinte dispositivo - «III. Decisão: Pelo exposto, julga-se parcialmente procedente o presente recurso de apelação e determina-se a reformulação da nota discriminativa de honorários apresentada pela Sr.ª Agente de Execução, no que toca à remuneração adicional, em conformidade com o decidido.» 1 3. Mantendo a divergência no respeitante aos juros compensatórios, (Euros 64.726,03) a executada interpôs recurso de revista excecional afirmando que o acórdão recorrido se mostra em clara oposição com acórdão da Relação de Lisboa de 14.05.2013, que junta como acórdão fundamento. Nas suas alegações concluiu: «O Tribunal da Relação do Porto, no Acórdão recorrido, veio confirmar o entendimento da Primeira Instância, defendendo o seguinte: «O de que a sanção pecuniária compulsória legal, prevista no n.º 4 do art.º 829.º-A do CC, se aplica a todas as obrigações pecuniárias de soma ou quantidade, contratuais ou extracontratuais, e é independente da indemnização eventualmente fixada em resultado do incumprimento da obrigação. O de que a aplicação dessa sanção não depende de qualquer pedido do credor no requerimento executivo, decorrendo automática e oficiosamente da dedução do pedido exequendo. (…) Nestes termos também nós consideramos que tal entendimento não viola de todo o princípio do dispositivo, já a sanção compulsória prevista no supracitado nº4 do art.º 829º-A revestindo natureza legal, constitui um efeito diretamente imposto pela lei a qual, inclusivamente, fixa o seu montante e o momento a partir do qual é devida.» Ou seja, entendeu o Tribunal da Relação do Porto, no Acórdão recorrido, que a aplicação da sanção prevista no n.º 4 do artigo 829.º-A do Código Civil não depende de qualquer pedido do credor no requerimento executivo, decorrendo, automática e oficiosamente, da dedução do pedido exequendo. Acontece, no entanto, que esta questão de direito não tem tratamento uniforme na jurisprudência, desde logo no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 14 de maio de 2013 (Processo n. 4579/10.0YYLSB-B.L1-78), o qual servirá de acórdão-fundamento (cfr. Documento n.º 1 que se junta em anexo), no qual se pode ler, em relação à mesmíssima norma e questão, se afirma o seguinte: «Avulta do enunciado, que são previstas duas situações diversas, uma reportada a obrigações de caráter pessoal, para cujo cumprimento é requerida a intervenção do devedor, não substituível por outrem, mas também uma respeitante a obrigações pecuniárias, com o estabelecimento de um adicional de juros, consubstanciando-se na designada sanção pecuniária compulsória legal[4], sendo certo que presente as finalidades já enunciadas, configura-se como meio de forçar o devedor a cumprir a obrigação a que se encontra adstrito, afastada ficando qualquer intenção de indemnizar o credor pela mora verificada. Assim quanto à sanção prevista no n.º 4, do art.º 829-A, do CC, e que agora nos interessa, tem- se como bom o entendimento[..] que a mesma decorre diretamente da lei[6], não sendo necessária qualquer decisão judicial a estabelecê-la[..], estando abrangidas no seu âmbito, todas as obrigações pecuniárias de soma ou quantidade, contratuais ou extracontratuais[... Desta forma, mesmo que não se mostre, de modo expresso, estipulada no título dado à execução, pode a sanção pecuniária compulsória ser peticionada no requerimento executivo, impondo-se que para ser atendida na execução seja efetivamente requerida em tal requerimento[..], pois não se questiona que o processo executivo se configura, em termos gerais, como uma ação, pelo que, em conformidade, depende de um pedido formulado pela parte, o qual delimita o âmbito da atividade judiciária a desenvolver, bem como os poderes do juiz que para o caso relevem, na observância do princípio do dispositivo, que não resulta que deva ser postergado. Reportando-nos aos presentes autos, diversamente do entendido em sede da decisão sob recurso, resulta do título dado à execução que em causa está a satisfação de uma quantia em dinheiro conforme transação homologada por sentença, e cujo montante se mostra liquidado em sede de requerimento executivo, e desse modo, verificada se mostrando a admissibilidade do ressarcimento dos juros compulsórios nos termos do n.º 4 do art.º 829-A, do CC. No entanto, para serem atendidos, necessário era que tivessem sido pedidos no momento próprio para tanto, isto é, conforme o já referenciado, no requerimento executivo, o que da análise do mesmo não se evidencia que tenha acontecido. Aqui chegados, embora não comungando das razões que levaram ao indeferimento da pretensão formulada pelo Recorrente, face ao exposto, impõe-se concluir que não pode a mesma ser considerada, mantendo-se o decidido que a desatendeu.» (..) Temos, portanto, que, em sentido totalmente oposto, o Tribunal da Relação de Lisboa defendeu que a aplicação da sanção prevista no n.º 4 do artigo 829.º-A do Código Civil depende de pedido expresso do credor no requerimento executivo, não podendo ser legalmente aplicada ao executado na ausência desse pedido. O que, no caso dos autos, não ocorreu e, por isso mesmo, a reclamação, primeiro, e o recurso, depois, deveriam ter sido julgados procedentes. E este entendimento foi reiterado já depois do acórdão-fundamento, tratando-se, pois, de uma questão controvertida nos nossos Tribunais Superiores. Veja-se que, em 12 de maio de 2016 (Processo n.º 1515/14.9TMLSB-A. L1-8), o Tribunal da Relação de Lisboa sustentou, igualmente, o seguinte: «Por último, dir-se-á que o artº 829º-A nº 1 é taxativo e muito claro no sentido de que a sanção pecuniária compulsória só a pedido do credor deve ser decretada. No que concerne ao caso do nº 4, quanto ao adicional de 5% é inferível essa mesma característica, já que, não obstante ser a sanção automaticamente devida desde o trânsito em julgado da sentença condenatória, de pagamento em dinheiro (que, por isso, normalmente não conterá a decretação dessa sanção pecuniária), não poderá ser judicialmente exigida se o credor o não requerer ao tribunal (normalmente na execução). Assim, mesmo aquela sanção pecuniária compulsória prevista no nº 4 não pode ser oficiosamente declarada e decretada.» (..) Em conclusão: A mesma questão fundamental de direito (aplicabilidade da sanção compulsória prevista no n.º 4 do artigo 829.º-A do Código Civil), no domínio da mesmíssima legislação substantiva e processual, foi decidida em clara oposição pelos nossos Tribunais Superiores, encontrando-se o acórdão recorrido em contradição com um acórdão da Relação transitado em julgado, donde se encontra cabalmente preenchido o requisito previsto na alínea c) do n.º 1 do artigo 672.º do Código de Processo Civil, sendo, por isso, a presente revista excecional admissível.» 3.1. A Senhora Agente de Execução pediu igualmente revista, reclamando a revogação do acórdão no referente à rejeição da remuneração adicional, que entende ser-lhe devida, para o que invocou a oposição do julgado com o acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça; a título subsidiário interpôs revista excecional e o fundamento previsto na al) b do artigo 672º, nº1, do CPC. * Em sede de exame preliminar, prefigurando-se a inadmissibilidade de ambos os recursos, notificados os recorrentes, preservaram na respetiva admissão. * 4. No âmbito da competência prevista no artigo 652.º, al. b), do CPC, por decisão da relatora de 20.03.2024, ambos os recursos foram rejeitados, conforme se transcreve: «(..) A revista interposta pela Senhora Agente de Execução. A recorrente alega que a Relação, ao negar a quantia que reclamou a título de remuneração adicional, contradiz a orientação do Acórdão (fundamento) do Supremo Tribunal de Justiça, em igual circunstância, de extinção da execução por acordo das partes. Tal como sinalizado, a análise comparativa dos arestos confirma, s.m.o., que não ocorre oposição de julgados, consistente com o fundamento recursório da revista, à luz do disposto nos artigos 671º, nº2, al) b) do CPC. De acordo com a jurisprudência densificada e constante do Supremo, a exigência legal de “contradição jurisprudencial”, decompõe-se, para além da identidade essencial da questão de direito, em verdadeira divergência de soluções alcançadas. No caso em apreço, a dissemelhança das decisões assenta, justamente, na diferenciação entre os núcleos factuais, que constituem a sua base e pressuposto, objecto da interpretação e aplicação da aludida Portaria nº280/2013, de 29 de agosto, no que se refere ao disposto no seu Artigo 50.º, nº 5 e nº6, a propósito da fixação dos honorários do agente de execução, em situação de extinção por pagamento-acordo- voluntário. Certo que, os arestos laboram dentro do mesmo bloco normativo, mas, sendo igual a questão de direito, já se evidencia a dissemelhança no plano lógico-causal da solução consagrada em cada um deles. A diferença do núcleo factual provado, base para avaliação no que respeita à actuação/contribuição do agente de execução para a obtenção do acordo-pagamento voluntário da quantia exequenda, repercute-se nas diferentes decisões. O acórdão recorrido perfilha, justamente, o critério orientador e prosseguido no acórdão fundamento, que cita em seu auxílio, conforme se lê – (“Para ter lugar o pagamento da remuneração adicional prevista nos nºs 5 e 6 do art.º 50º da Portaria nº282/2013de 29.08, deve o valor recuperado ou garantido no processo executivo derivar da actividade ou das diligências promovidas pelo agente de execução. No caso de resolução extrajudicial do litígio pelas partes, que vai extinguir a execução, designadamente com a celebração de um acordo de pagamento, o direito do agente de execução à remuneração adicional variável só existe na medida em que o mesmo possa ter tido uma concreta intervenção ou actividade que tenha dado causa à sua efetivação.”) No acórdão do STJ, lê-se em fundamentação –( “O que é determinante é que haja produto recuperado ou garantido, na sequência das diligências do agente de execução, o que aponta para que deve evidenciar-se algum nexo de causalidade entre a actividade do agente de execução e um resultado positivo da execução, nos termos das alíneas a) e b) do nº6 do art. 50º.Nexo que existirá sempre que dos factos apurados se possa concluir com alguma segurança, lógica e razoabilidade que a actividade do agente de execução contribuiu, criou as condições, para a obtenção de um acordo, ou para que haja valor recuperado. E, consequentemente, para além das situações previstas no nº12 do art. 50º, em que o legislador excluiu expressamente o pagamento de remuneração adicional, não haverá lugar a remuneração adicional nas situações em que não se descortina qualquer contribuição do agente de execução para o proveito conseguido pelo exequente.” Após apreciação do acervo factual apurado, concluiu – (“Tendo presente esta sequência de factos, não podemos acompanhar o acórdão recorrido quando refere que não se verifica qualquer nexo causal entre a actividade do agente de execução e o resultado alcançado na execução. Pelo contrário. Para o acordo conseguido pelo Exequente, em que assegurou o pagamento de parte substancial da quantia exequenda, é legítimo concluir que não foi alheia a actividade desenvolvida pelo agente de Execução, essencialmente a penhora das unidades de participação. Repare-se que a aceitação pelos executados da dívida e o compromisso que assumiram de pagá-la só ocorreu após a decisão judicial que confirmou a penhora das unidades de participação, e daí que, embora o agente de execução não tenha tido intervenção directa no acordo entre as partes, foi na sequência dos actos que praticou que os Executados celebrarem o acordo concretizado na transacção.”) Distintamente, o acórdão recorrido apresenta em fundamentação da decisão o seguinte quadro factual – (“Regressando ao caso concreto o que se verifica é o seguinte: Mostra-se claro que o valor recuperado ou garantido nos autos não decorreu da actividade ou das diligências promovidas pela Sr.ª Agente de Execução, não estando comprovado qualquer nexo de causalidade entre o primeiro e as segundas. Dito de outra forma, está por comprovar o contributo das várias diligências realizadas nos autos pela Sr.ª Agente de Execução para a consumação do acordo que por vontade das partes pôs fim à presente execução. A ser assim, impõe-se, pois, concluir que nos autos não é devido o recebimento da remuneração adicional reclamada pelo Sr. AE.”) Ou seja, partindo ambos os acórdãos da premissa, segundo a qual, a atribuição de remuneração variável ao agente de execução, caso a execução termine por acordo de pagamento, fica apenas dependente da demonstração de que tal desiderato foi atingido com a colaboração daquele, o tribunal recorrido ajuizou face à casuística factual dos autos, que nenhuma participação da recorrente se verificou para justificar a atribuição daquela verba. Inexistindo a apontada oposição de julgados, não se admite a revista. Quanto à pretensão subsidiária da recorrente de revista excecional, sob o artigo 672º, nº1, al) b do CPC, também, não se mostra admissível, posto que, que as decisões das instâncias, divergiram, e por consequência, não se verifica dupla conforme. (…) A revista excecional interposta pela executada ao abrigo da alínea c) do n.º 1 do artigo 672º do CPC. O acórdão da Relação sob escrutínio confirmou a decisão do tribunal a quo no tocante à reclamação pela executada da nota de liquidação de juros compensatórios. O objecto decisório não se reconduz, portanto, a qualquer das decisões elencadas no artigo 854ºdo CPC, que admitem revista em sede de processo executivo, e também, não constitui decisão de mérito, que ponha termo ao processo, ou, que absolva da instância, conforme ao artigo 671º, nº1, do CPC. Na consideração do exposto, a decisão impugnada não comporta a revista interposta pela executada ao abrigo do artigo 672º, nº1, al) c) ex vi 671º, nº3, do CPC. 6. Pelas razões expostas, não se admitem os recursos interpostos pela Senhora Agente de Execução e pela Executada.» - (fim de transcrição da decisão em reclamação) * 5. A Senhora Agente de execução conformou-se com a decisão de rejeição da revista. A executada reclama para a Conferência - artigo 652.º, n.º 3, ex vi artigo 679.º do CPC- com os seguintes fundamentos: 2 ««1. Os Recorrentes entendem que a admissibilidade do seu recurso deverá ser confirmada pelo Digníssimo Supremo Tribunal de Justiça. 2.E dizem confirmada na medida em que o Ilustre Tribunal da Relação do Porto, por despacho de 30 de março de 2023, se pronunciou nos seguintes termos: «Na apreciação liminar que agora cabe dos recursos de Revista Excepcional aqui interposta, tenho por suficientemente invocados os requisitos gerais e específicos de cada um deles». 3. Ora, também os Recorrentes defendem que os requisitos gerais e específicos de admissibilidade do recurso de revista se encontram devidamente verificados, nos termos constantes das respetivas alegações, para as quais se remete por questões de simplicidade. 4. Em qualquer caso, o recurso dos Recorrentes deveria ser sempre admitido com base no disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 671.º do Código de Processo Civil, conjugado com o disposto “na alínea b)” do n.º 2 do artigo 629.º do mesmo diploma.3 5. Com efeito, é sempre admissível recurso do acórdão do Tribunal da Relação que se encontre em contradição com outro dessa ou de diferente Relação, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, e do qual não caiba recurso ordinário por motivo estranho à alçada do tribunal, salvo se tiver sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme. 6. É precisamente o caso dos autos. 7. Aliás, em situações semelhantes (isto é, decisões do Tribunal da Relação relativas a reclamações da nota de honorários do Agente de Execução), os respetivos recursos de revista foram devidamente admitidos pelo Venerando Supremo Tribunal de Justiça com base nesse fundamento. 8. Veja-se, a título de exemplo, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18 de janeiro de 2022 (Processo n.º 9317/18.7T8PRT.P1. S1), no qual se pode ler o seguinte: («5. Apesar de não ter indicado as normas ao abrigo das quais interpõe o presente recurso, a Recorrente não deixou de elencar, sob o n.º 15.º das conclusões das suas alegações, três acórdãos do Tribunal da Relação do Porto, datados de 11 de janeiro de 2007, de 11 de janeiro de 2018 e de 2 de junho de 2016, que pretensamente se encontram em oposição com a decisão recorrida no que respeita à questão de saber se, nos termos do art. 50.º, n.os 5, 6, al. b), e 12, da Portaria n.º 282/2013, de 29 de agosto, a “remuneração adicional apenas é devida quando a recuperação da quantia tenha tido lugar na sequência de diligências promovidas pelo agente de execução e não é devida quando a dívida seja satisfeita ou garantida de modo voluntário, sem a intermediação do agente de execução” (cf. n.º 6.º das mesmas conclusões) - podendo aqui identificar-se a “questão fundamental de direito” em dissídio. Pode, nesta sede, enquadrar-se a pretensão recursória no âmbito dos arts. 671.º, n.º 2, al. a), e 629.º, n.º 2, al. d), do CPC.6. Note-se, a este propósito, que o Supremo Tribunal de Justiça a[3] admitiu, com base nas referidas normas, o recurso de revista interposto de decisão do Tribunal da Relação ... que, revogando a decisão do Tribunal de 1.ª Instância, decidiu que o Recorrente não tinha direito à remuneração adicional prevista no art. 50.º da Portaria n.º 282/13.7.Na verdade, na medida em que abrange as situações reguladas pelo art. 629.º, n.º 2, al. d), do CPC, a remissão genérica contida no art. 671.º, n.º 2, al. a), do mesmo corpo de normas, vale “para os acórdãos da Relação sobre decisões da 1.ª instância (finais ou interlocutórias, de direito material ou adjetivo) em contradição com outro acórdão da Relação, quando o recurso de revista esteja afastado por disposição legal não atinente ao valor da causa” [4] – como sucede in casu, uma vez que a decisão foi proferida no âmbito de um processo executivo.8.Deste modo, o acórdão do Tribunal da Relação ... é suscetível de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça ao abrigo do art. 629.º, n.º 2, al. d), do CPC (em virtude da remissão estabelecida no art. 671.º, n.º 2, al. a)), pois esta norma permite a interposição de recurso de revista nos casos em que o acesso ao Supremo Tribunal de Justiça se encontra vedado por razões estranhas à alçada do Tribunal da Relação. I.e., este preceito é apenas aplicável às situações em que, sendo o recurso de revista admissível nos termos gerais, se verifica uma irrecorribilidade estabelecida pela lei. É, justamente, conforme mencionado supra, o caso dos autos.» 9. Ou, ainda, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2 de junho de 2021 (Processo n.º 3252/17.3T8OER-E. L1.S1), no qual se pode ler o seguinte: «Na 2ª instância o recurso foi admitido, não como revista excepcional, mas nos termos dos arts. 671º, nº 2, alínea a), e 629º, nº 2, al. d), e bem. Com efeito, a revista excepcional, como resulta do nº 1 do art. 672º do CPC, “cabe do acórdão da Relação proferido sobre decisão da 1ª instância, que conheça do mérito da causa ou que ponha termo ao processo”, em que não é admissível a revista simples por motivo da existência de uma situação de dupla conforme, (arts. 671º, nºs 1 e 3), o que não sucede no caso. Está em causa um acórdão da Relação proferido num processo de execução, em que ressalvados os casos referidos no segmento final do art. 854º do CPC, o recurso de revista só é admissível nas situações do art. 629º, nº 2, (Acórdão do STJ de 10.12.2020, relatado pelo Conselheiro Nuno Pinto Oliveira, e subscrito pelo relator do presente e pelo 1ª Adjunto). Uma das situações contempladas no nº 2 do art. 629º é justamente a contradição do acórdão recorrido com outro acórdão da Relação, sobre a mesma questão fundamental de direito, (alínea d)). No caso, o Recorrente citou alguns acórdãos de Tribunais da Relação que decidiram em sentido oposto à decisão recorrida. Notificado para vir indicar um acórdão fundamento, como exigido pelo art. 637º, nº 2 do CPC, veio juntar cópia do acórdão da Relação de Lisboa de 07.11.2019, que decidiu que “o direito do agente de execução à remuneração adicional nas execuções para pagamento de quantia certa prevista na Portaria nº 282/2013 de 19.08, não está dependente de ter intervindo nas negociações entre exequente e executado para pagamento imediato ou em prestações da quantia exequenda.”» 10. De resto, o valor em causa no presente recurso, que equivale à condenação dos Recorrentes no pagamento de “juros compensatórios”, ascende a EUR 64.726,03, ou seja, valor superior à alçada do Tribunal da Relação e de sucumbência. Em conclusão- 11. Deverá o Venerando Supremo Tribunal de Justiça julgar procedente a reclamação e confirmar a decisão de admitir o recurso de revista interposto pelos Recorrentes e, a final, julgar o mesmo procedente e, em consequência, determinar a revogação da decisão do Tribunal da Relação que confirmou a condenação dos Recorrentes no pagamento de EUR 64.726,03 a título de supostos “juros compensatórios.» Não foi deduzida resposta. * Corridos os vistos, cabe decidir. II - Do mérito da reclamação. 6. A questão a dirimir prende-se em saber se, é de admitir a revista interposta do acórdão da Relação, no segmento que considerou devida a sanção pecuniária compulsória liquidada na nota apresentada pela Agente de Execução, tendo por fundamento a contradição de julgados com o acórdão da Relação de Lisboa de 14 de maio de 2013, (Processo n. 4579/10.0YYLSB-B. L1-78). Flui das conclusões que a reclamante invoca ex novo, em abono da admissão da revista, o disposto no artigo 629º, nº2, al) d) conjugado com o artigo 671º, nº2 al) b), ambos do CPC.4 Neste quadro de alegação e apesar do desvio ao cumprimento rigoroso do ónus previsto no artigo 637º, nº2, do CPC, tomando por base a alegada oposição de julgados, agora, no contexto normativo do artigo 629º, nº2, al) d. do CPC, afigura-se dever convolar oficiosamente a revista interposta a título excepcional no requerimento inicial para a modalidade normal que será objecto de apreciação pelo Colectivo.5 7. Quanto ao teor do despacho de admissão do recurso prolatado pelo tribunal a quo, apenas dar nota de que a decisão não vincula o tribunal superior – artigo 641º, nº 5, ex vi artigo 679º do CPC, ao que acresce que a apreciação dos pressupostos da revista indicados no artigo 672º, nº1, do CPC, são da competência do Supremo, conforme dispõe o inciso nº3 do mesmo preceito. Como se viu, a recorrente dissente do acórdão impugnado no que concerne aos juros compensatórios incluídos na nota de liquidação provisória apresentada pela Agente de Execução. O tribunal de primeira instância e a Relação convergiram no sentido de a obrigação de pagamento daquele montante, correspondendo à sanção compulsória prevista no artigo 829ºA, nº4, do Código Civil, não estar dependente da dedução de pedido no requerimento executivo; ocorre, pois, dupla conforme sobre a questão impugnada. A confirmação em via de recurso da sentença da 1ª instância, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, obsta à admissão do recurso de revista regra, excepto nos casos em que tal recurso seja sempre admissível- artigo 671º, nº3, do CPC, sem prejuízo, da admissão a título excecional da revista, verificados os pressupostos específicos que constam das alíneas a) b) e c) do nº1, do artigo 672º CPC; Situando-nos no âmbito do processo executivo a admissão da revista está sujeita ao regime especial do artigo 854.º do CPC, que determina que são apenas passíveis de revista os acórdãos da Relação proferidos nos procedimentos de liquidação não dependente de simples cálculo aritmético, de verificação e graduação de créditos e de oposição deduzida contra a execução, e a limitação geral associada aos casos de dupla conformidade, respeitem estes a decisões interlocutórias ou finais, salvo os casos em que a revista é sempre admissível.6 A reclamação da nota de liquidação provisória de despesas em apreço não configura incidente de natureza declarativa, à margem dos incidentes e procedimentos elencados no artigo 854º do CPC. 8. Resta a revista admissível, caso se configure situação de recorribilidade irrestrita prevista na salvaguarda (inicial) do artigo 854º do CPC“casos em que é sempre admissível recurso para o Supremo.” A reclamante defende que a revista é de admitir ao abrigo do disposto no artigo 629º, nº2, al) d) do CPC. A ratio do recurso para o Supremo em aplicação da alínea d) do n.º 2 do artigo 629.º do CPC visa garantir a possibilidade de resolução conflitos de jurisprudência entre acórdãos das Relações, em matérias que por motivos de ordem legal que não respeitam à alçada do tribunal, não chegariam à apreciação pelo Supremo Tribunal de Justiça. Pressupõe a existência de uma disposição legal que vedando o recurso de revista normal, abre por aquela via o acesso ao STJ, considerando -se relevante apurar qual das orientações contraditórias deve ser a adoptada, face à lei e à unidade do sistema jurídico. Refere António Abrantes Geraldes « (..) foi repristinada a solução semelhante que já constara do artigo 678º, nº 4, do CPC de 1961 […] e que fora afastada pelo regime dos recursos de 2007, reabrindo-se, assim, a possibilidade de acesso ao terceiro grau de jurisdição, em casos em que tal estaria vedado por razões estranhas à alçada da Relação, ou seja, em que o único impedimento do recurso reside em motivos de ordem legal estranha ao valor do processo ou da sucumbência, em confronto, com o valor da alçada da Relação”.(…)»7 Na jurisprudência do Supremo - «A admissibilidade do recurso de revista extraordinária baseada na al. d) do art. 629.º, n.º 2, do CPC, para acórdão da Relação “do qual não caiba recurso ordinário por motivo estranho à alçada do tribunal”, circunscreve-se (numa lógica de cumulação de requisitos) aos casos em que se pretende recorrer de acórdão proferido no âmbito de acção cujo valor excede a alçada da Relação, sem desrespeitar o valor mínimo de sucumbência (âmbito de recorribilidade delimitada pelo art. 629.º, n.º 1, do CPC), e relativamente ao qual, de acordo com o objecto recursivo ou a sua natureza temática, esteja excluído, por regra, o recurso de revista por motivo de ordem legal (impedimento ou restrição) alheio à conjugação do valor do processo com o valor da alçada da Relação.» 8 9. Voltando aos autos, já se disse que a discordância da reclamante face ao acórdão recorrido compreende a obrigação de pagamento dos juros compensatórios incluídos na nota de liquidação (Euros 64.726,03) apresentada pela Agente de Execução. Cientes que não se mostra consolidada a jurisprudência do Supremo a propósito do espectro de recorribilidade do artigo 629º, nº2, designadamente na alínea d) do CPC, no qual a reclamante suporta a admissão da revista, a sua aplicação à situação sub judice parece não contender com qualquer das orientações porfiadas.9 O valor da causa e da sucumbência excedem a alçada do tribunal a quo. A decisão impugnada, interlocutória, extrapola contudo a mera questão processual, tendo por objecto os requisitos de exigibilidade da sanção pecuniária prevista no artigo 829ºA, nº4, do Código Civil. De notar que a inadmissibilidade recursiva contemplada no artigo. 671º, 3, do CPC tem em vista a revista “continuada” prevista pelo n.º 2 do art. 671º para as “decisões interlocutórias velhas”, atenta uma interpretação sistemática e racional de todos os normativos do artigo 671º.10 ; o artigo 671º, nº2, do CPC constituirá a norma ou "disposição especial" que condiciona o acesso ao STJ " por motivo estranho à alçada". Acresce que à decisão impugnada, à luz do artigo 854º do CPC, corresponde uma previsão legal específica de exclusão de acesso ao STJ. Mostra-se, pois, preenchido in casu o pressuposto de recorribilidade irrestrita estabelecido no nº2 do artigo 629 do CPC - “do qual não caiba recurso ordinário por motivo estranho à alçada do tribunal”. 11 10.Importa por último ajuizar da “oposição jurisprudencial” entre acórdãos da Relação invocada pela recorrente para conhecimento do objecto do recurso. A contradição de julgados exige, de acordo com a densificação do Supremo - (i) identidade da questão de direito sobre que incidiram os acórdãos em confronto, a qual tem pressuposta a identidade dos respetivos pressupostos de facto; (ii) oposição emergente de decisões expressas e não apenas implícitas; e, (iii) oposição com reflexos no sentido da decisão tomada. Resulta do exercício da análise comparativa dos arestos, que ambos os acórdãos apreciam a questão (controvertida) das condições da aplicação da sanção pecuniária compulsória prevista no n.º 4 do artigo 829.º-A do Código Civil; que o acórdão recorrido considerou que a sua imposição ao devedor não depende de qualquer pedido do credor no requerimento executivo, decorrendo, automática e oficiosamente, da dedução do pedido exequendo; já no acórdão fundamento entendeu-se que a sua exigibilidade depende de pedido expresso do credor no requerimento executivo, não podendo ser legalmente aplicada ao executado na ausência desse pedido. Evidencia-se a contradição de julgados sobre a mesma questão de direito, à luz do mesmo quadro normativo e pressupostos de facto e com reflexos nítidos no sentido decisório e não existe acórdão de uniformização de jurisprudência com ela conforme. * Em suma, procede a reclamação e admite-se o recurso de revista da executada em conformidade com o disposto nos artigos 671º, nº2, al. a), 854º, primeira parte e 629º, nº2, al. d), todos do CPC. Não são devidas custas. * Atento o disposto no artigo 652º, nº4, do CPC e, na ausência de outro impedimento, conhecemos de seguida do objecto do recurso. III. O objecto do recurso Analisando as conclusões da recorrente e o sentido propugnado pelo acórdão impugnado, haverá que decidir se, não tendo o exequente formulado no requerimento executivo o pedido de pagamento dos juros compensatórios sobre a quantia exequenda conforme ao artigo 829ºA, nº4, do Código Civil, deve ou não, esse adicional de juros integrar o valor total das quantias devidas pela executada e objecto da liquidação do Agente de execução. Desiderato que convoca o debate dos seguintes tópicos recursivos: • A natureza e finalidade da sanção pecuniária compulsória prevista no artigo 829ºA, nº4, do CPC por oposição à natureza subsidiária da sanção pecuniária prevista no nº1 relativa a prestações de facto infungíveis; • A ordenação da sanção pecuniária compulsória legal estabelecida no nº4 fixada automaticamente pela lei e a sanção pecuniária compulsória judicial fixada no nº1; o princípio do dispositivo. IV. Fundamentação A. Os factos A factualidade e incidências processuais que importam à decisão constam do relatório. B. O Direito A questão controvertida radica, em última análise, na definição da sanção pecuniária prevista no artigo 829º Aº nº, 4 do Código Civil para a obrigação pecuniária incumprida, como é o caso da obrigação de pagamento da quantia exequenda, cobrindo todas as obrigações pecuniárias de soma ou quantidade, contratuais ou extracontratuais.12 Para a sua análise importa ter em atenção o teor do artigo do Código Civil, o qual dispõe o seguinte: Artigo 829.º-A, Código Civil (Sanção pecuniária compulsória) - «1. Nas obrigações de prestação de facto infungível, positivo ou negativo, salvo nas que exigem especiais qualidades científicas ou artísticas do obrigado, o tribunal deve, a requerimento do credor, condenar o devedor ao pagamento de uma quantia pecuniária por cada dia de atraso no cumprimento ou por cada infracção, conforme for mais conveniente às circunstâncias do caso.2. A sanção pecuniária compulsória prevista no número anterior será fixada segundo critérios de razoabilidade, sem prejuízo da indemnização a que houver lugar.3. O montante da sanção pecuniária compulsória destina-se, em partes iguais, ao credor e ao Estado.4. Quando for estipulado ou judicialmente determinado qualquer pagamento em dinheiro corrente, são automaticamente devidos juros à taxa de 5% ao ano, desde a data em que a sentença de condenação transitar em julgado, os quais acrescerão aos juros de mora, se estes forem também devidos, ou à indemnização a que houver lugar.»13 A norma concita a aplicação de duas modalidade de sanção pecuniária compulsória, de acordo com o tipo de obrigação - primeira, prevista no nº1, de natureza judicial e é fixada pelo tribunal, a requerimento do credor, destinada ao cumprimento de obrigações de prestação de facto infungível ; já a segunda, prevista no nº 4, tem natureza legal, sendo estipulada previamente por lei em medida pré -fixada, sendo de funcionamento automático, no caso de condenação no cumprimento de uma obrigação pecuniária de quantia certa). A doutrina alertou que a previsão de sanção pecuniária compulsória para o cumprimento de obrigações pecuniárias - de realização in natura facilitada e sempre possível ( cf.artº 550º e 551º CC), mostra-se contrário à lógica da sanção subsidiária prevista no nº1 e à própria génese da sanção, ligada à dificuldade da execução específica em certo tipo de obrigações; por outro lado, sinaliza que a natureza compulsória da sanção prevista no nº4 distancia-se da natureza indemnizatória e subsidiária da sanção pecuniária estabelecida no seu nº1.14 Acerca do seu funcionamento no âmbito de execução relativa a condenação em pagamento e obrigação pecuniária, Lebre de Freitas entende que a sanção legal compulsória correspondente ao juro de 5%, que incide automaticamente sobre o montante das condenações em dinheiro e opera automaticamente - «(..)executando-se obrigação pecuniária, a liquidação não depende de requerimento do exequente, devendo ser feita a final (artigo 716.º, nº3) (..).» 15 A jurisprudência hesitou entre a aplicação da sanção pecuniária, se pedida pelo credor, ou de funcionamento automático, caminhando para a orientação, actualmente maioritária e consolidada, no sentido da sua aplicação automática, considerando não ser necessário qualquer pedido do credor nesse sentido. Vários arestos ilustram a consolidação da jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça na adopção da tese da aplicação automática da sanção pecuniária compulsória, i.e, que a mesma não depende de qualquer pedido do credor no requerimento executivo, opera automaticamente e pelo valor resultante da taxa anual legalmente fixada para o efeito, acrescendo a qualquer outra indemnização, incluindo moratória, a que haja lugar, sem qualquer outro pressuposto ou condição para além do trânsito em julgado da sentença que condene o devedor no cumprimento de obrigação pecuniária .16 Orientação acolhida pelo acórdão impugnado com amparo, entre o demais, no recente Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23.02.2021, cujo sumário evidencia: «I- A sanção pecuniária compulsória legal, prevista no n.º 4 do art. 829.º-A do CC, aplica-se a todas as obrigações pecuniárias de soma ou quantidade, contratuais ou extracontratuais, e é independente da indemnização eventualmente fixada em resultado do incumprimento da obrigação. II - A aplicação dessa sanção não depende de qualquer pedido do credor no requerimento executivo, decorrendo automática e oficiosamente da dedução do pedido.» 17 Revendo-se na análise e reflexão expendida sobre a questão no anterior Acórdão do STJ de 12.09.2019, que apesar de exaustiva justifica transcrição: 18 « (…) o Dec.-Lei n.º 226/2008, de 20/11, veio alterar a redação do artigo 805.º do CPC, passando, no que aqui interessa, a constar o seguinte: 2 – Quando a execução compreenda juros que continuem a vencer-se, a sua liquidação é feita a final, pelo agente de execução, em face do título executivo e dos documentos que o exequente ofereça em conformidade com ele ou, sendo caso disso, em função das taxas legais de juros de mora aplicáveis.3 – Além do disposto no número anterior, o agente de execução líquida, ainda, mensalmente e no momento da cessação da aplicação da sanção pecuniária compulsória, as importâncias devidas em consequência da imposição de sanção pecuniária compulsória, notificando o executado da liquidação. Tais normativos foram inteiramente transpostos para o artigo 716.º, n.º 2 e 3, do CPC aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26-06, como também se encontra transposto para o respetivo artigo 868.º, n.º 1, o dantes constante da parte final do artigo 933.º, n.º 1, acima transcrito. Deste quadro normativo resulta assim, em primeira linha, uma regra geral sobre a sanção pecuniária compulsória a determinar a liquidação a final, pelo agente de execução, das importâncias devidas em consequência da sua imposição, a par da norma especial, em sede da execução para prestação de facto, a exigir o requerimento do exequente para o pagamento da sanção pecuniária compulsória relativa a prestação de facto infungível, ainda que constante de condenação prévia.(…)Com efeito, o n.º 3 do artigo 716.º do CPC parece inequívoco no sentido de consagrar, como regra geral relativa à sanção pecuniária compulsória, que esta seja liquidada a final pelo agente de execução pelas importâncias devidas em consequência da sua imposição. Ora, tratando-se da sanção pecuniária compulsória prescrita no n.º 4 do artigo 829.º-A do CC, tal imposição decorre da própria lei, sem necessidade de qualquer impulso processual por parte do credor, o que bem se compreende, como foi dito, atenta a sua finalidade meramente coercitiva, de reforço das decisões judiciais que condenem o devedor em prestação pecuniária determinada e, portanto, com relevo predominante do interesse público numa realização mais eficaz da justiça. De resto, a referida sanção traduz-se num adicional taxativamente fixado pela lei que acresce à prestação pecuniária em dívida, a par dos juros moratórios ou de qualquer outra indemnização a que haja lugar, destinado, em partes iguais ao credor e ao Estado. Nessa conformidade, é de presumir que o legislador, ao estabelecer, de forma tão lapidar, a liquidação a final em consequência da imposição da sanção pecuniária compulsória devida, caso pretendesse torná-la ainda dependente de petição do exequente, o tivesse ressalvado expressamente, tanto mais que se tratava de questão controvertida na jurisprudência. Contudo, não só o não fez, como até determinou a notificação do executado em momento subsequente àquela liquidação para poder então exercer o respetivo contraditório. Estamos em crer que as situações em que os exequentes omitem, no requerimento inicial, a referência à sobredita sanção compulsória se devem, porventura, a desatenção ou mesmo ao entendimento de que, nos termos da lei, tal não é necessário, que não propriamente a renúncia àquele benefício. Neste particular, deixar o funcionamento daquela sanção à sorte de tais eventualidades diluiria em muito o efeito com ela pretendido de reforçar as decisões judiciais e de otimizar a realização da justiça. Da norma do artigo 829.º-A, n.º 1, do CC a exigir que o credor requeira a fixação da sanção pecuniária compulsória pelo incumprimento de obrigação de prestação de facto infungível, o que não é exigível para a fixação da sanção compulsória prevista no n.º 4 do mesmo artigo, não é lícito inferir que a mesma exigência se estende à cobrança executiva desta sanção, já que se trata de uma exigência respeitante à fixação daquela sanção compulsória, não alcançando, nessa medida, a respetiva cobrança executiva. (…)» Tomando posição, s d.r, não identificamos razão para inverter in casu o sentido decisório do acórdão da Relação, partilhando a fundamentação da jurisprudência do Supremo a que vimos fazendo referência. A recepção da sanção pecuniária compulsória no ordenamento jurídico visou alcançar a dupla finalidade de moralizar e reforçar eficácia da acção judicial, pois com ela se reforça a soberania dos tribunais, o respeito pelas suas decisões e o prestígio da justiça, enquanto por outro lado, se favorece a execução específica das obrigações de prestação de facto ou de abstenção infungíveis. O legislador optou ainda por cominar uma sanção coercitiva, cumulável com a indemnização por mora nas obrigações pecuniárias, daí que, sem embargo das críticas referidas pela doutrina, de jure constituto, o seu funcionamento operará de acordo com o disposto no artigo 829ºA, nº4, do CC. 19 Ali se prevê a aplicação de um adicional de juros (compensatórios) enquanto juros legais, suportados na sua natureza compulsória, pelo que não podemos deixar de enveredar pela sua aplicação automática, acrescendo aos juros de mora sobre a quantia pecuniária em dívida e com dispensa do pedido específico do credor ou intervenção do julgador.20 Seja como for, e de acordo com a previsão do nº4 do artigo 829ºA do CC, bem se compreende que a aplicação do nº4, não necessite de qualquer tipo de pedido processual, sendo a sua aplicação automática, decorre oficiosamente da instauração do pedido exequendo. Em outra perspectiva, sendo a sanção pecuniária compulsória estabelecida no nº4 de aplicação automática, decorre ex officio da instauração do pedido exequendo, dele sendo consequência acessória, à margem da obrigação contratual, mas consequência legal do incumprimento, em termos análogos aos dos juros legais, por conseguinte, sem afectar o princípio do dispositivo.21 A não ser assim concretizado, correspondendo a quantia que é devida ao Estado e não a qualquer um dos contraentes, a inércia do credor -exequente, exigiria a instauração de uma nova e autónoma execução pelo Ministério Público para haver os juros compensatórios, que afinal saem precípuos com as custas da quantia exequenda liquidada; seria contraproducente com a teologia do instituto, evitar o recurso à cobrança coactiva e salvaguardar a desvalorização da moeda. A terminar, sublinhamos a nota de aferição afirmativa do juízo de constitucionalidade da citada sanção pecuniária compulsória prevista no artigo 829ºA, nº4, do CC objecto do Acórdão do Tribunal Constitucional nº218/2020.- -«(…)opera automaticamente e pelo valor resultante da taxa anual legalmente fixada para o efeito, acrescendo a qualquer outra indemnização, incluindo moratória, a que haja lugar, sem qualquer outro pressuposto ou condição para além do trânsito em julgado da sentença que condene o devedor no cumprimento de obrigação pecuniária» 22 * O acórdão recorrido não merece qualquer censura. * Em síntese útil • Os juros compulsórios de 5%, previstos no n.º 4 do artigo 829.º-A do CC, aplicam-se às obrigações pecuniárias, operando de forma automática, quando for estipulado ou judicialmente determinado qualquer pagamento em dinheiro corrente, desde o trânsito em julgado da sentença de condenação de obrigação pecuniária, dispensando a sua menção no requerimento executivo, integrando sem outro condicionalismo, o âmbito de exequibilidade desse título; • Nos autos de execução, servindo de título a sentença declarativa que condenou a executada ao pagamento da quantia exequenda, são exigíveis os juros compulsórios nos termos do artigo 829ºA, nº4, do CC, liquidados em conformidade pela Agente de Execução na nota apresentada. IV. Decisão Pelas razões expostas, acordam os Juízes em negar a revista, confirmando-se o acórdão recorrido. As custas da revista a cargo da recorrente Lisboa, 28.05.2024 Isabel Salgado (relatora) Maria da Graça Trigo Catarina Serra ______
1. O tribunal da Relação confirmou a decisão a quo nesse tópico «(..) a sanção pecuniária compulsória legal, prevista no n.º 4 do art.º 829.º-A do CC, se aplica a todas as obrigações pecuniárias de soma ou quantidade, contratuais ou extracontratuais, e é independente da indemnização eventualmente fixada em resultado do incumprimento da obrigação. O de que a aplicação dessa sanção não depende de qualquer pedido do credor no requerimento executivo, decorrendo automática e oficiosamente da dedução do pedido exequendo. (…) Nestes termos também nós consideramos que tal entendimento não viola de todo o princípio do dispositivo, já a sanção compulsória prevista no supracitado nº4 do art.º 829º-A revestindo natureza legal, constitui um efeito diretamente imposto pela lei a qual, inclusivamente, fixa o seu montante e o momento a partir do qual é devida.» 2. Na reclamação incluiu-se agora o recorrente AA, que não figurava no requerimento inicial de interposição do recurso da revista.↩︎ 3. Certamente por lapso de escrita, consta alínea b) do nº2, do artigo 629ºdo CPC, pretendendo indicar-se a alínea d) do mesmo normativo. 4. A reclamante havia interposto revista excecional com o fundamento de oposição do julgado e ao abrigo do disposto na al) c) do n.º 1 do artigo 672.º do CPC.↩︎ 5. Atendendo à conjugação do disposto nos artigos s. 6º, nº2 2, 193º, nº3, e 547º, todos do CPC. 6. Cf. neste sentido Rui Pinto in Código de Processo Civil Anotado, volume II, 2018, pág.737/8. 7. In Recursos no Novo Código de Processo Civil, 7ªedição, pág.60/161. 8. Cfr. Acórdão do STJ de 15.03.2022, proc. nº 17315/16.9T8PRT.P3. S1, in www.dgsi.pt. 9. A principal cisão reside, na definição de quais os acórdãos da Relação que ficam a coberto da al) d), nº2, 629º do CPC – apenas os acórdãos com previsão no artigo 671º, nº1, do CPC, ou, na tese ampla, o preceito corresponderá a uma norma de carácter geral, abarcando qualquer acórdão, incluindo acórdão que verse sobre decisões interlocutórias que apreciem questões de carácter adjetivo, que esteja em contradição com outro da Relação , em casos em que o recurso esteja vedado por motivo alheio à alçada e sucumbência,. Outra divergência no entendimento do preceito, prende-se com a aplicabilidade autónoma da al. d) do n.º 2 do art.629.º- exigência ou dispensa (ao contrário das demais alíneas do nº2) da verificação dos pressupostos gerais de recorribilidade em função do valor da causa e da medida da sucumbência. 10. Cf. Rui Pinto, in “Repensando os requisitos da dupla conforme (artigo 671.º, n.º 3, do CPC)”, julgar, novembro de 2019, pág. 6; v. Acórdão. do STJ de 2/3/2021, proc n.º 1035/10.0TYLSB-B. L1.S1, in www.dgsi.pt 11. Regista-se uma irrecorribilidade estabelecida por lei para a revista – não caiba recurso ordinário por motivo estranho à alçada do tribunal., entendendo-se que além das situações de exclusão em razão da natureza/matéria do processo (por ex.: procedimentos cautelares: art. 370º, 2, CPC), deverá enquadrar-se neste contexto o obstáculo-impedimento de recurso de revista motivado pela dupla conformidade decisória do art. 671º, 3, do CPC- cf., Abrantes Geraldes in Recursos no novo Código de Processo Civil, 5.ª ed., Almedina, Coimbra, 2018, sub art. 671º;e o Acórdão do STJ de 29/9/2020 no proc. nº731/16.3T8STR.E1.S1, ponto II., 1.2. e 1.3, in www.dgsi.pt.↩︎ 12. Cfr. Na execução sentença condenatória de obrigação pecuniária, a sanção pecuniária compulsória opera sem ter de constar da sentença constituindo efeito legal do respetivo trânsito em julgado, e integrando-se, sem mais, no âmbito de exequibilidade desse título. 13. Resultante do aditamento provindo do Decreto-Lei n.º 262/83, de 16 de junho, que introduziu alterações nos Códigos Civil e Comercial e legislou em matéria de negócios usurários, taxas de juro, cláusulas penais e sanções pecuniárias compulsórias. 14. Cfr. Calvão da Silva in Cumprimento e sanção pecuniária compulsória, 1997, Coimbra, pág., 452/3; e também Pinto Monteiro in “Cláusula Penal e Indemnização”, Colecção Teses, pág. 126. 15. In Acção Executiva à luz do CPC de 2013, 7ªedição, pág.117.e pág. 26, nota 32 com referência à obra citada de Calvão da Silva 16. Cfr. Acórdãos do STJ de 23.01.2003 no proc. 02B4173; de 12.09.2006 no proc. nº 06A2302; de 12.04.2012 no proc. nº 176/1998.L1. S1; de 8.11.2018 no proc. nº 1772/14.0TBVCT-S. G1.S2; de 12.09.2019 no proc n.º 8052/11.1TBVNG-B. P1.S1, e de 31-03-2022, no proc.nº9423/19.0T8SNT-A. L1.S1, relatado por Maria da Graça Trigo, e 1ªAdjunta Catarina Serra, membros deste Colectivo, todos disponíveis in www.dgsi.pt 17. No proc. 708/14.3T8OAZ-A. P1.S1, na mesma página. 18. No proc º 8052/11.1TBVNG-B. P1.S1, desta 2ªsecção, relatado por Tomé Gomes e 1ªAdjunta, Maria da Graça Trigo, membro deste colectivo. 19. Sobre a natureza coercitiva da sanção cf. Calvão da Silva in obra e local citado; Almeida Costa in Direito das Obrigações, pág., 749; Menezes Leitão, “Direito das obrigações”, vol. II, 4.ª edição, 2006, pág. 283 e seguintes; Antunes Varela in CC anotado, II, 1986, pag 102 a 108, dirige crítica acesa à solução legal consagrada no nº3, a divisão da sanção entre o credor e o Estado que apelida de “. verdadeiramente estranha e deplorável”. 20. Se porventura atribuíssemos o carácter indemnizatório e subsidiário à sanção, o pagamento do acréscimo resultante dependeria então do pedido adrede pelo credor, interpretação claramente contrariada pelo elemento literal do preceito; e embora o argumento literal não seja decisivo tal conclusão decorre da natureza e finalidade do instituto. 21. A referir ainda, que uma vez que se trata de um crédito que deve ser pago antes do crédito do exequente, impõe-se a aplicação analógica do artigo 815.º, do CPC, ao caso em que ao Estado são devidos juros por força do disposto no art. 829.º-A, n.º 4, do CCivil.; Cfr estudo Abrantes Geraldes, acessível in https://www.trc.pt/index.php/tribunal-da-relacao/doutrina /441-exequibilidade-da-sentenca-condenatoria-quanto-aos-juros-de-mora. 22. Tal como foi também referido pelas instâncias; O Acórdão do TC no proc n.º 397/2019 “No caso presente, não está em causa a avaliação das particularidades específicas do regime previsto para a sanção pecuniária compulsiva legal ou respetivo âmbito de aplicação, definido no n.º 4 do artigo 829.º-A em função da natureza pecuniária da obrigação a que vai associada. Do que se trata é de saber se, ao instituir o adicional devido pelo não cumprimento atempado da obrigação pecuniária a que o devedor se encontra adstrito, o Governo exerceu uma competência legislativa reservada à Assembleia da República, designadamente por força das alíneas b) e i) do respetivo artigo 165.º da Constituição “ ( ..) vindo a concluir em “ Não julgar organicamente inconstitucional a norma constante do n.º 4 do artigo 829.º-A do Código Civil, » ; com registo da declaração de voto no sentido da inconstitucionalidade orgânica pelo Cons. Gonçalo de Almeida Ribeiro, in www.tribunalconstitucional |