Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | CONFLITOS | ||
| Relator: | GRAÇA AMARAL | ||
| Descritores: | LEI DE PROTEÇÃO DE CRIANÇAS E JOVENS EM PERIGO MEDIDA DE PROMOÇÃO E PROTEÇÃO MENOR COMPETÊNCIA TERRITORIAL JUÍZO DE FAMÍLIA DE MENORES TRIBUNAL COMUM ACOLHIMENTO RESIDENCIAL DOMICÍLIO RESIDÊNCIA HABITUAL CONFLITO DE COMPETÊNCIA | ||
| Data da Decisão Sumária: | 07/06/2025 | ||
| Votação: | -- | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | DECISÃO SINGULAR | ||
| Decisão: | RESOLVIDO | ||
| Sumário : | I - É competente para a decisão de aplicação de medidas de promoção e protecção o tribunal da área de residência da criança ou do jovem no momento em que o processo é instaurado. II – A aplicação de medida de promoção e protecção de acolhimento residencial não pode determinar a alteração da sua residência, independentemente do período temporal da sua duração. III – Tendo os menores permanecido no Hospital do... desde o nascimento até à aplicação, pelo Juízo de Família e Menores do Barreiro (Juiz ...) do Tribunal da Comarca de Lisboa, das medidas de promoção e protecção de acolhimento residencial de que vieram a beneficiar, é de considerar aquele o tribunal territorialmente competente para o ulterior prosseguimento do processo. | ||
| Decisão Texto Integral: | 1. Em 21.11.2022, o Ministério Público instaurou junto do Juízo de Família e Menores do Barreiro, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, processo de promoção e protecção com carácter urgente e para aplicação de medidas cautelares relativas a AA, nascida em ........2021 e BB, nascido em ........2022. Alegou, nesse sentido, que os menores se encontravam numa situação de perigo para a sua saúde e satisfação das necessidades essenciais, mostrando-se urgente acautelar de imediato e provisoriamente, pela tomada de medidas que decretassem e garantissem a sua permanência em local diverso da sua residência, mormente na instituição denominada “Centro de Acolhimento Temporário” da FundaçãoC..., sito na Avenida ..., ..., ..., até ser encontrada uma solução que permita garantir o seu bem-estar e o desenvolvimento integral e harmonioso. 2. Distribuídos os autos ao Juiz ... do Juízo de Família e Menores do Barreiro foi proferido despacho, de 24.11.2022, a aplicar provisoriamente a favor de AA e de BB, a medida de acolhimento no referido Centro de Acolhimento Temporário da Fundação C..., no ..., pelo prazo de seis meses, com vista ao diagnóstico integral e rigoroso da situação e definição do seu projecto de vida. 3. Por despacho de 5.01.2023 foi homologado o acordo de promoção e protecção aplicando a favor das referidas crianças a medida de acolhimento residencial na FundaçãoC..., sita no ..., pelo período de um ano, a rever semestralmente. 4. Por os pais dos menores não terem realizado o devido acompanhamento na Equipa de Tratamento do ..., continuando a consumir produtos estupefacientes, mantendo as mesmas dinâmicas familiares pautadas pela desorganização a nível pessoal, habitacional e laboral, a medida de acolhimento residencial na Fundação C..., sita no ..., foi sendo revista, mantida e prorrogada. 5. Por despacho de 20.05-2025, o Juízo de Família e Menores do Barreiro - Juiz ..., do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, declarou-se incompetente em razão do território, afirmando que os menores sempre residiram na área de ..., considerando por isso competente para o prosseguimento do processo o Juízo de Família e Menores de Setúbal do Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal. Justifica o seu posicionamento referindo que, para além de nenhum dos progenitores ter residência na área do ... (a progenitora reside em ... e o progenitor encontra-se detido no Estabelecimento Prisional do ...), os menores foram acolhidos na “Fundação C...”, vindos diretamente das Unidades de Saúde onde nasceram, sem nunca terem permanecido em contexto familiar. 6. Remetidos os autos em conformidade, o Juízo de Família e Menores de Setúbal – Juiz ..., do Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal, por despacho de 16.06.2025, declarou-se incompetente em razão do território, por entender que à data da instauração do processo a residência das crianças se encontrava fixada na área territorial do ..., já que AA nasceu no hospital do ..., onde permaneceu até ao seu acolhimento residencial, e BB nasceu em ..., mas foi logo encaminhado para a mesma instituição hospitalar que a irmã e aí também permaneceu até ao início do processo, após o que teve lugar o seu acolhimento residencial. Considera, por isso, que tendo sido aplicada a favor das crianças, a medida de promoção e protecção de acolhimento residencial e não tendo ocorrido alteração relevante na sua residência fixada na área territorial do Tribunal de Família e Menores do Barreiro, conclui no sentido de ser este o tribunal territorialmente competente. Suscitou junto do Presidente do Tribunal da Relação de Évora, o presente conflito negativo de competência 7. Por despacho de 25.06.2025, atento o disposto no artigo 110.º, n.º 2, do Código Processo Civil (CPC), o Tribunal da Relação de Évora ordenou a remessa dos autos ao Supremo Tribunal de Justiça. 8. Cumprido o n.º2 do artigo 112.º do CPC, o Ministério Público, em seu douto parecer, pronuncia-se no sentido de se julgar competente para prosseguimento do presente processo de promoção e protecção o Juízo de Família e Menores do Barreiro, Juiz ..., do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa. II – Apreciando e decidindo 1. De acordo com o artigo 109.º, n.º2, do CPC, verifica-se a existência de um conflito negativo de competência quando dois tribunais da mesma ordem jurisdicional se consideram incompetentes para conhecer da mesma questão. Acresce que, conforme decorre do n.º3 do artigo 109.º do CPC, a existência de uma situação de conflito de competência pressupõe que as decisões em confronto tenham transitado em julgado. No caso, dois tribunais judiciais de 1.ª instância, de competência especializada (Família e Menores) denegam a competência territorial própria, atribuindo-a ao outro, para apreciação da acção de promoção e protecção, em benefício dos menores AA e BB. Configura-se, assim, um conflito negativo de competência, nos termos do artigo 109.º, n.º 2, do CPC, cuja resolução não pode radicar no recurso ao caso julgado formal. Com efeito, conforme já sublinhado, dois tribunais judiciais de 1ª instância denegam a competência territorial própria, atribuindo-a ao outro, para apreciação da presente acção. Nestes casos, o legislador entendeu que esse impasse teria de ser ultrapassado por decisão cometida ao presidente do tribunal com competência para o efeito por forma a assumir uma intervenção clarificadora com repercussão em litígios futuros. Assim, por estarem em causa decisões com a área de competência de diferente tribunal da Relação (cfr. artigo 32.º, n.º 1 e anexo I à Lei da Organização do Sistema Judiciário – LOSJ), cabe ao Presidente do Supremo Tribunal de Justiça a competência para resolução de conflito, por ser este o Tribunal superior com hierarquia imediata sobre os juízos conflituantes – artigo 110.º, n.º2, do CPC. 2. Em causa está acção reportada a procedimento de jurisdição voluntária1 regulado pela Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo (LPCJP) e, subsidiariamente pelo CPC, permitindo que a situação possa ser objecto de apreciação, tendo em linha de conta a ponderação das circunstâncias concretas do caso. 3. Das decisões em conflito e dos elementos disponíveis nos presentes autos verifica-se que AA e BB encontram-se a viver no Centro de Acolhimento Temporário da FundaçãoC..., sita na Avenida ..., ..., ..., ao abrigo de uma medida de acolhimento residencial. 4. Entre as medidas de promoção e protecção previstas no artigo 35.º, da LPCJP, encontra-se a de acolhimento residencial (cfr. n.º 1, al. f)). Dispõe o artigo 79.º, da LPCJP – que define a competência territorial do tribunal para a aplicação das medidas de promoção de direitos e protecção das crianças e jovens em perigo: "1 - É competente para a aplicação das medidas de promoção e proteção a comissão de proteção ou o tribunal da área da residência da criança ou do jovem no momento em que é recebida a comunicação da situação ou instaurado o processo judicial. 2 - Se a residência da criança ou do jovem não for conhecida, nem for possível determiná-la, é competente a comissão de proteção ou o tribunal do lugar onde aquele for encontrado. (…) 4 - Se, após a aplicação de medida não cautelar, a criança ou o jovem mudar de residência por período superior a três meses, o processo é remetido à comissão de proteção ou ao tribunal da área da nova residência. 5 - Para efeitos do disposto no número anterior, a execução de medida de promoção e proteção de acolhimento não determina a alteração de residência da criança ou jovem acolhido. (…) 7 - Salvo o disposto no n.º 4, são irrelevantes as modificações de facto que ocorrerem posteriormente ao momento da instauração do processo.”. Em suma, da conjugação das disposições acima citadas conclui-se que é competente para a decisão de aplicação de medidas de promoção e protecção o tribunal da área de residência da criança ou do jovem no momento em que o processo é instaurado, sendo irrelevantes eventuais modificações de facto ocorridas após a instauração do processo, apenas relevando a mudança de residência da criança ou do jovem por período superior a três meses após a aplicação de medida não cautelar, sendo certo que se a medida de promoção e protecção aplicada corresponder à de acolhimento residencial esta não determina a alteração da residência da criança ou do jovem. No caso que nos ocupa, o tribunal que aplicou a medida de acolhimento residencial dos menores no Centro de Acolhimento Temporário da FundaçãoC..., no ..., foi o Juízo de Família e Menores do Barreiro – Juiz ..., do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, já que era o tribunal da área da residência de AA e de BB. É a este Juízo que cabe, consequentemente, o controle da execução de tal medida. Cumpre salientar que à data da instauração deste processo a residência destas crianças encontrava-se fixada na área territorial do ... e não do ... As medidas de promoção e protecção de acolhimento residencial a favor dos menores não podem determinar a alteração da sua residência, independentemente do período temporal da sua duração. A este propósito decidiu o Supremo Tribunal de Justiça, no seu Acórdão de 22.02.2005, com texto integral acessível in www.dgsi.pt – processo n.º 04A4287: “1 – O artigo 59.º, n.º 2, da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo (Lei 147/99, de 1 de Setembro) deve ser interpretado no sentido de que o tribunal competente para dirigir a execução da medida de acolhimento em instituição é o mesmo que a aplica, independentemente da localização geográfica da instituição. 2 – Não constitui modificação de facto atendível para o efeito do artigo 79.º, n. 4, do diploma referido em 1) a permanência do menor no local em que a medida decretada está a ser executada e enquanto ela dura.” Nessa decorrência, há que concluir que o tribunal territorialmente competente para conhecer da presente acção é o Juízo de Família e Menores do Barreiro – Juiz ..., do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa. 5. Nestes termos, decide-se competente, territorialmente, para tramitação do Processo de Promoção e Protecção o Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa – Juízo de Família e Menores do Barreiro – Juiz.... Sem custas. Notifique e comunique ao Ministério Publico e aos tribunais em conflito (artigo 113.º n.º 3, do CPC). Lisboa, 6 de Julho de 2025 Graça Amaral + ______________________________________________ 1. Nos procedimentos de jurisdição voluntária, as decisões judiciais, ainda que transitadas em julgado, podem ser alteradas, tanto pela superveniência de circunstâncias que o imponham, como também por circunstâncias anteriores que não tenham sido alegadas por ignorância ou outro motivo ponderoso – artigo 988.º, do CPC.↩︎ |