Processo n.º 31/20.4YFLSB - Suspensão de eficácia
Processo nº 32/20.2YFLSB – Ação administrativa
Acordam na Secção do Contencioso do Supremo Tribunal de Justiça
I.Relatório
Requerente/ recorrente - AA,
Entidade requerida - Conselho Superior da Magistratura,
Ato impugnado
Deliberação do Plenário do CSM, com avocação de competência, de 06-10-2020, que decidiu pela «improcedência do recurso hierárquico interposto pelo oficial de justiça AA, mantendo, consequentemente, a deliberação do Plenário do Conselho dos Oficiais de Justiça de 30 de abril de 2020, por via da qual foi o Recorrente, nos termos das disposições conjugadas dos art.ºs 66.º e 90.º do E.F.J. e 73.º, n.ºs 1 e 2, alíneas a), b) e g) e 3, 4 e 9; 180.º, n.º 1, al. d); 181.º, n.º 6; 187.º; 189.º e 297.º, n.º 3, al. l), todos da L.G.T.F.P., sujeito à sanção disciplinar de Demissão»
A questão suscitada pelo recorrente - Erro sobre os pressupostos de aplicação da sanção disciplinar de demissão
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Por despacho, proferido a 10-12-2020, foi suscitada a possibilidade de antecipação da decisão declarativa.
Notificadas as partes nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 121.º, n.º 1, in fine, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (daqui por diante designado abreviadamente por CPTA), não se opuseram, pelo que, por despacho de 06-01-2021 foi determinada a antecipação da decisão na instância declarativa, que respeita ao processo que corre termos na Secção de Contencioso do STJ sob o n.º 32/20.2YFLSB.
Por força desse despacho a antecipar a decisão que iria tomar lugar na instância declarativa principal, deixam de relevar os pressupostos a que alude o artigo 120.º do CPTA, nomeadamente os requisitos do periculum in mora e da ponderação de interesses. Releva agora a indagação da pretensão impugnatória formulada na referida ação administrativa n.º 32/20.2YFLSB, com referência ao ato aí impugnado e aqui suspendendo, e nos exatos termos em que aí são formuladas.
A fundamentação do Requerente constante no requerimento inicial e reforçado com maior assertividade na petição inicial do proc. n.º 32/20.2YFLSB - ação administrativa que constitui o processo declarativo principal de que dependem estes autos cautelares e cuja decisão agora se profere, ao abrigo do disposto no art.º 121, n.º 1, do CPTA, pode sintetizar-se nas conclusões formuladas no final da aludida petição inicial daqueles autos.
Deste modo, por se revelar de interesse para a presente decisão, aqui se deixam reproduzidas as referidas conclusões formuladas no final da petição inicial do proc. n.º 32/20.2YFLSB:
1º) Ao funcionário incurso na hipótese legal da alínea k) do artº 186º do Regime Geral do Trabalho em Funções Públicas é aplicável, como da própria letra da lei clara e inquestionavelmente resulta, a pena de suspensão, e não a de demissão;
2º) Visto que, em tal caso, nomeadamente na ausência de antecedentes disciplinares, não se compreenderia que a Lei tivesse contemplado essa hipótese como passível de suspensão;
3º) O que significa que a não considerou como causa de inviabilidade da manutenção do vínculo de emprego público;
4º) Conforme será, todavia, decerto o caso, se o funcionário não tiver prestado contas, de todo, o que faz a diferença – seguramente não cabendo tal hipótese no âmbito da referida alínea k), que prevê que o funcionário não tenha prestado contas nos prazos legais, o que pressupõe que hajam sido prestadas, mas fora e para além desses prazos, e não que que não hajam, pura e simplesmente, sido prestadas nunca;
5º) A sanção disciplinar de demissão não pode ser aplicada, sem mais, a casos para os quais a própria Lei comina expressamente a pena de suspensão, considerando essa pena aplicável a esses casos, que se traduzem, sem embargo, em “grave negligência ou com grave desinteresse pelo cumprimento dos deveres funcionais” e em comportamentos que “atentem gravemente contra a dignidade e o prestígio da função”,
6º) Donde se infere que no art.º 187, se compreendem, na cláusula geral que enuncia, não já comportamentos graves, mas sim, verdadeiramente, comportamentos gravíssimos, que podem até preencher qualquer uma das hipóteses previstas nas diversas alíneas em que se desdobra o preceito do art.º186, mas que, mais do que infrações graves, se terão de qualificar, por virtude de outros requisitos e de outras circunstâncias, para além dos aí previstos, como infrações gravíssimas,
7º) Não sendo lícito ao intérprete, na falta de outros requisitos ou de circunstâncias qualificativas agravantes – só com base naquelas que nas referidas alíneas e no espírito do preceito se contemplam – aplicar outra sanção que não a que a lei prevê como sanção adequada a essas infrações graves, que é a pena de suspensão,
8º) O que não prejudicará a possibilidade de, perante um caso à partida subsumível na hipótese da dita alínea k), mas por haver, por exemplo, reincidência; ou por ser o funcionário culpado de outras diferentes infrações, a acrescer a essa; ou por ter sido já anteriormente punido pela prática de infrações graves – se mostrar razoável a aplicação da pena de demissão, que, eventualmente, a reincidência, só por si, justificará, por tornar objetivamente inexigível a subsistência da relação funcional,
9º) Mas não é esse aqui o caso, não sendo o Arguido reincidente, nem tendo praticado outras a infrações, pelas quais esteja a ser julgado, nem tendo nunca, anteriormente, sofrido a aplicação de qualquer sanção disciplinar;
10º) Violou assim a douta deliberação impugnada as normas do artº 186º, alínea k), e do artigo 187º do Regime Geral do Trabalho em Funções Públicas, aplicável nos termos previstos pelo art.89º do Estatuto dos Oficiais de Justiça,
11º) Razão pela qual deverá ser anulada e declarada de nenhum efeito.
Os autos foram aos vistos
II. Fundamentação
Nas conclusões do Requerente foram suscitadas duas questões, a saber:
A) A primeira é a de que bastaria encontrar o comportamento imputado ao requerente no elenco de condutas tipificadas numa norma sancionatória e aplicar a sanção correspondente. Como tal, é clara a regra do art. 186.º, alínea k), da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, segundo a qual se sujeita à sanção de suspensão o funcionário que, com grave negligência ou desinteresse pelo cumprimento dos deveres funcionais ou que com essa conduta atentar gravemente contra a dignidade e o prestígio da função, receber fundos, cobrar receitas ou recolher verbas de que não preste contas no prazo legal.
B) A segunda é a de que a entidade requerida errou na apreciação que efetuou quando à consideração de que a conduta do requerente inviabilizava a manutenção do vínculo funcional.
Fundamentos de facto
Tendo em atenção a posição das partes expressas nos seus articulados e o acervo documental junto aos autos, resultou provado, com relevância para a decisão a proferir nos presentes autos, de acordo com as várias soluções de direito plausíveis, a matéria de facto a seguir enunciada:
1) O requerente é oficial de Justiça com a categoria ........, categoria para a qual foi promovido por despacho publicado no Diário da República de 31-08-2017.
2) Por deliberação de 23-05-2019 do Conselho dos Oficiais de Justiça (doravante designado abreviadamente por COJ), foi instaurado processo disciplinar ao Requerente, com fundamento em factos comunicados àquele Conselho, quer pelo Senhor Juiz Presidente da Comarca……, quer pelo Senhor inspetor do COJ, BB, detetados no âmbito da inspeção ordinária efetuada por aquele Órgão ao Núcleo ........., da Comarca ........., relativos à falta de depósito de quantias monetárias respeitantes a atos avulsos de que o ora demandante era responsável. (cf. fls. 2 do processo administrativo, na aceção dos artigos 1.º, n.º 2, do Código de Procedimento Administrativo e 84.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos — doravante designado abreviadamente por «processo administrativo instrutor» —, apenso ao processo declarativo principal de que dependem estes autos cautelares, que corre termos na Secção de Contencioso do STJ sob o n.º 32/20.2YFLSB, cujo teor se dá por reproduzido).
3) No âmbito do procedimento disciplinar instaurado pela deliberação referida em 2), que foi atuado sob o n.º «093….», junto em apenso, após instrução, dedução de acusação e apresentação de defesa; em 10-01-2020 foi elaborado relatório final com o seguinte: Proposta: PROPÕE-SE que seja aplicada, ao senhor oficial de justiça AA, ........, com o número mecanográfico ……, a exercer funções no Núcleo ......... do Tribunal Judicial da Comarca ........., a sanção de SUSPENSÃO de 90 (noventa) dias, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 66.º e 90.º do EFJ, 73.º, n.ºs 1 e 2, alíneas a), b) e g) e n.ºs 3, 4 e 9, 180.º, n.º 1, al. c), 181.º, n.º 4 e 186.º (corpo), todos da Lei n.º 35/2014, de 20/06 (LTFP), por, a nosso ver e salvo o devido respeito por opinião diferente, se mostrar afastado o juízo, necessário, à conclusão de que não é mais possível manter o vínculo jurídico-funcional existente. (cf. fls. 262-286 do processo administrativo instrutor).
4) Ainda no âmbito do procedimento referido em 2), submetido a apreciação do COJ o relatório final referido em 3), em 13-02-2020, foi proferida deliberação por aquele Conselho, adotada por unanimidade em reunião ordinária, de cujo ato se lavrou a Ata n.º 3/2020, onde consta a seguinte:
Deliberação: Nos termos do disposto no art.º 220.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, aprovada pela Lei n.º 35/2014, de 20/06 (LGTFP), o Plenário deliberou concordar com os factos e fundamentação fáctica, constantes do relatório final, elaborado no processo supra referido, respeitante a AA, relatório esse que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. Tendo em vista todos os factos provados, com a prática dos mesmos e nas circunstâncias referidas no relatório final, o visado AA praticou infração disciplinar continuada, por violação dos deveres gerais de prossecução do interesse público, isenção e lealdade, prevista pelas disposições conjugadas dos artigos 66.º e 90.º do EFJ e 73.º, n.ºs 1 e 2, als. a), b) e g) e n.ºs 3, 4 e 9, todos estes da LGTFP.
O Plenário considera que o comportamento do Visado, reiterado ao longo de quatro anos, de manifesta e elevada gravidade, até pelo valor monetário em causa, é absolutamente incompatível com a dignidade indispensável ao exercício de funções de um oficial de justiça, pelo que se afasta da proposta da senhora Instrutora, no que respeita ao tipo e medida concreta da sanção disciplinar a aplicar ao Visado.
O Plenário considera, ainda, que as atenuantes constantes dos autos que suportam a proposta de aplicação da sanção de suspensão, não são, de todo, aptas a afastar a inviabilização da manutenção do vínculo de emprego público. Senão, vejamos: No que se refere à confissão espontânea da infração: O Visado confessou os factos, mas tal sucedeu apenas quando foi confrontado com os mesmos e documentação que os demonstra, sendo a confissão uma inevitabilidade, na medida em que a prova documental produzida e as circunstâncias em que a infração ocorreu, não permitem que o Visado possa negar o seu comportamento.
Neste âmbito, atentemos, ainda, à reparação dos danos causados:
O Visado acabou por repor as quantias com que se havia locupletado, tratando assim de proceder à reparação dos danos causados, mas, apenas, até onde lhe era possível. O prejuízo efetivo para o serviço, para o interesse geral, designadamente, para a imagem pública dos tribunais e da justiça e para a classe dos oficiais de justiça é perene e irreparável, o que constitui uma agravante especial, nos termos do disposto no art.º 191.º, n.º 1, al. b) da Lei n.º 35/2014, de 20/06 (LGTFP).
Por isso, embora a reposição das quantias tenha relevo para a determinação da medida da pena no processo penal, em sede de processo disciplinar, no caso em apreço, não releva, gerando apenas a desnecessidade de o Estado interpor a competente ação de indemnização cível.
No que respeita à verificação da atenuante especial – prestação de mais de 10 anos de serviço com exemplar comportamento e zelo - considera-se não ser despiciente referir que o comportamento ilícito do Visado se iniciou no mesmo ano em que lhe foi atribuída, pela segunda vez, a classificação de Muito Bom e que as classificações obtidas se verificaram em contexto laboral completamente diferente, em que o seu conteúdo funcional não o desafiaria à prática de tais atos.
O reconhecimento que o Visado manifestou de que atentou gravemente contra a dignidade e o prestígio da função e que desmereceu a confiança que o senhor Administrador Judiciário depositava na sua pessoa, não restauram as condições necessárias à manutenção do vínculo de emprego público, tendo sido por isso, certamente, que foi imediatamente afastado das funções que exercia, não se tendo considerado ser adequado suspender o Visado preventivamente, tão só, porque o seu efeito e a natureza urgente do processo, não exigiam que a este se impusesse esse estigma.De facto, os factos praticados pelo Visado são de extrema gravidade, não podendo deixar de sublinhar-se o elevado montante em causa.
Cremos estar perante um comportamento especialmente censurável, designadamente por ter sido adotado por oficial de justiça que tinha a seu cargo o depósito e controlo de todos os atos avulsos do Núcleo ......... e da Secção de Proximidade ........., tarefa que lhe tinha sido atribuída, com base na confiança que inspirava, pelo senhor Administrador Judiciário ......... e, por isso, com especiais obrigações de probidade, honestidade e lealdade.
O Visado tinha perfeita consciência das funções que lhe estavam atribuídas e não podia deixar de prever as consequências nefastas da sua conduta, particularmente a resultante da quebra definitiva da confiança por parte da administração pública, e mesmo assim, de forma livre e consciente, praticou os factos descritos, bem sabendo que violava, gravemente, os deveres que sobre ele impendiam.
Assim, o Plenário concluiu que o comportamento ilícito, porque violador dos deveres profissionais, de prossecução do interesse público, de isenção e, em especial, de lealdade, adotado pelo Visado ao longo de quatro anos (2015, 2017, 2018 e 2019), leva à quebra definitiva da confiança em si depositada pela Administração que, ao atuar como atuou, quebrou irremediavelmente, desde logo, o juramento que prestou aquando do seu início de funções no sentido de “cumprir com lealdade as funções que então lhe foram confiadas” e determina a inviabilização da manutenção do vínculo de emprego publico, não podendo olvidar-se o impacto deste tipo de comportamento praticado por oficial de justiça, a desempenhar funções no Órgão que julga e pune comportamentos de natureza semelhante, junto da comunidade e da sociedade em geral. Por outro lado, ainda que se acredite no arrependimento demonstrado pelo Visado, não será mais possível, readquirir a confiança que se exige e se mostra necessária à manutenção do vínculo, não bastando nem sendo aceitável, transferi-lo para outra área de serviço de forma a acautelar o risco de nova conduta ilegítima, na medida em que, como se compreenderá, esta solução apenas poderia ter aceitação por um período muito limitado.
Em conclusão, o Plenário em face da prova produzida, tendo, ainda, em consideração, os critérios enunciados no art.º 189.º da LGTFP, o Plenário propõe-se condenar o oficial de justiça AA, ........., com o número mecanográfico ……., na sanção de Demissão, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 90.º do EFJ, 180.º, n.º 1, al. d), 181.º, n.º 6, 187.º e 297.º, n.º 3, al. l), todos da LGTFP.
O Plenário, considerando o que acima ficou deliberado - a demissão do oficial de justiça AA - tendo em conta os critérios definidos pela jurisprudência do Tribunal Europeu no que respeita à aplicação do art.º 6.º § 1.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem às penas disciplinares de natureza expulsiva, ou seja, que importem a cessação definitiva do exercício da profissão, deliberou, ainda, no sentido de o visado AA ser notificado para no prazo de dez dias, requerer, querendo, a sua audiência por este Plenário, antes de ser proferida deliberação final, cuja cópia se anexa, bem como a do relatório final. Em caso afirmativo, tal audiência terá lugar no próximo dia 12 de março, pelas 14 horas, nas instalações deste Conselho. (cf. fls. 295-298 do processo administrativo instrutor).
5) No dia 16-04-2020, através de meios telemáticos e por força da situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2 e pela doença COVID-19, realizou-se julgamento do processo disciplinar referido em 2), com audição do Requerente, sendo de seguida proferida deliberação com o seguinte teor:
Finda a audiência, a senhora Presidente e os senhores Vogais eleitos referiram necessitar de um tempo para avaliar a situação em concreto, sendo que estes últimos não compunham o Plenário à data da deliberação em que o Plenário considerou ser de aplicar ao visado a sanção de Demissão. Assim, o julgamento dos presentes autos fica adiado para o próximo dia 30 de abril. (cf. fls. 328-330 do processo administrativo instrutor).
6) Ainda no âmbito do procedimento referido em 2) e na sequência da diligência e deliberação referidas em 5), o COJ, em reunião ordinária de 30-04-2020, proferiu deliberação, adotada por maioria e consignada na Ata n.º 8/2020, com o seguinte teor:
Deliberação: Nos termos do disposto no art.º 220.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, aprovada pela Lei n.º 35/2014, de 20/06 (LGTFP), o Plenário deliberou manter in totum a deliberação tomada no pretérito dia 13 de fevereiro, que aqui se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais, constante da ata n.º 3/2020, no que respeita a AA, uma vez que a audiência do mesmo, que ocorreu no dia 16 de abril, nada acrescentou ao acervo fáctico demonstrado.
Tendo em vista todos os factos provados, atendendo a que, com a prática de tais factos e nas circunstâncias referidas no relatório final, elaborado no processo acima referido, relatório esse que, no que respeita aos factos e fundamentação fáctica, aqui se dá, também, por integralmente reproduzido, o visado AA praticou infração disciplinar continuada, por violação dos deveres gerais de prossecução do interesse público, isenção e lealdade, prevista pelas disposições conjugadas dos artigos 66.º e 90.º do Estatuto dos Funcionários de Justiça (EFJ), e 73.º, n.ºs 1 e 2, als. a), b) e g) e n.ºs 3, 4 e 9, todos estes da LGTFP, e considerando, ainda, os critérios enunciados no art.º 189.º deste mesmo diploma, o Plenário deliberou, por maioria, com os votos contra dos senhores Vogais CC, DD, EE e FF, aplicar a AA, ........., com o número mecanográfico ……, a sanção de Demissão, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 90.º do EFJ, 180.º, n.º 1, al. d), 181.º, n.º 6, 187.º e 297.º, n.º 3, al. l), todos estes da LGTFP. Mais deliberou o Plenário que se dê conhecimento da presente deliberação ao Exmo. Sr. Juiz Presidente do Tribunal Judicial da Comarca ......... e ao Sr. Administrador Judiciário do mesmo Tribunal. (cf. fls. 331-332 do processo administrativo instrutor).
7) Na mesma reunião referida em 6) foi consignado, em papel timbrado do COJ, um instrumento escrito com a referência «Processo Disciplinar n.º 093….. Arguido: AA. DECLARAÇÃO DE VOTO», na qual se deixou consignado, além do mais, o seguinte:
1. O arguido beneficia das circunstâncias atenuantes previstas no artigo 190.º, n.º 2, als. a) e b) da LGTFP;
a) Prestação de serviço por mais de dez anos com exemplar comportamento e zelo;
b) Confissão espontânea da infração.
2. Não se encontra preenchida a previsão do artigo 187.º LGTFP, porquanto, apesar da gravidade da infração, não está inviabilizada a manutenção do vínculo de emprego público, na medida em que o arguido, para além de nunca ter estado suspenso preventivamente, continuou e continua após mais um ano a trabalhar com afinco, com especial dedicação ao serviço, sendo unânimes as referências bastantes elogiosas a seu respeito por parte de todos com quem se relaciona e trabalha, sendo considerado elemento essencial e imprescindível, quer pelos seus conhecimentos, quer porque mesmo após os factos, a administração da Comarca ......... o ter novamente incumbido de certas tarefas mais específicas, complexas e trabalhosas, como foi a atuação no âmbito do Património cultural online da Justiça e a implementação no terreno da gestão de Atividades (vide Provimento n.º 13/2019 […]), que revela sinal de confiança pós-factos no seu desempenho.
3. Depositou todos os valores em falta, procedendo à reparação dos danos causados, até onde lhe era possível.
4. na sua audição demonstrou e já praticou atos de sincero arrependimento, também o modo como interiorizou a sua culpa leva a crer que se tratou de um comportamento isolado que não se voltará a repetir.
5. Os factos são graves, mas foram praticados num período de consternação emocional e de dificuldades que condicionaram a sua maneira de ser.
6. Sendo primário merece uma segunda oportunidade pelo que demonstrou ao alongo de anos e pelo que fez em prol nomeadamente da Comarca ........., como funcionário com espírito de missão (o que vai rareando e não se deve desperdiçar), continuando a manter uma personalidade adequada ao exercício das funções.
Entendemos por isso que neste caso a aplicação da pena de demissão, tradição dos últimos Conselhos em casos semelhantes, aqui não se justifica, e não terá qualquer efeito benéfico para a justiça, que ficará privada de um dos seus mais dedicados trabalhadores.
Esta pena, mais não é, que uma medida excessiva e desajustada ao caso, sem sentido de justiça e que viola o princípio da proibição do excesso, sendo por isso considerada uma pena repressora, equivalente a uma condenação perpétua que o nosso sistema já aboliu, e que não confere qualquer função reparadora, integradora ou ressocializadora.
Por todo o exposto, entendimentos, como a senhora instrutora, que a sanção disciplinar de SUSPENSÃO seria a justa e adequada, cumprindo do mesmo modo as finalidades de punição e, neste sentido, vai o nosso boto.
Os vogais,
FF
CC
EE
DD
(cf. fls. 333-333-v. do processo administrativo instrutor).
8) A 08-06-2020 o requerente interpôs recurso administrativo especial da deliberação referida em 6) para o Conselho Superior da Magistratura (CSM), aqui entidade requerida, ao abrigo do disposto no artigo 118.º do Estatuto dos Funcionários Judiciais (EFJ), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 343/99, de 26 de agosto. (cf. fls. 343-357 do processo administrativo instrutor, cujo teor se dá por reproduzido).
9) No âmbito da apreciação do recurso hierárquico referido em 8), autuado nos serviços da entidade requerida sob o n.º “…..”, em apenso, foi submetido a deliberação do Conselho Plenário projeto de deliberação, elaborado pelo Vogal relator, Dr. GG, com o seguinte teor:
Delibera o Plenário do Conselho Superior da Magistratura
I — Relatório
AA, oficial de justiça, com a categoria ......., interpôs o presente recurso hierárquico da deliberação do Plenário do Conselho dos Oficiais de Justiça de 30 de abril de 2020, por via da qual foi, nos termos das disposições conjugadas dos art.°s 66.° e 90.° do E.F.J. e 73.°, n.°s 1 e 2, alíneas a), b) e g) e 3, 4 e 9; 180.°, n.° 1, al. d); 181.°, n.° 6; 187.°; 189.° e 297.°, n.° 3, al. 1), todos da L.G.T.F.P., sujeito à sanção disciplinar de Demissão.
No recurso, bate-se o Recorrente pela revogação da deliberação impugnada e pela sua sujeição à sanção disciplinar de Suspensão, invocando, para tanto, e em síntese, a seguinte ordem de razões: - a aplicação da sanção de Demissão constitui um erro, porque do seu afastamento da carreira de oficial de justiça resultará a perda, para o funcionamento dos tribunais, das suas competências técnicas e da qualidade do seu trabalho;- trata-se de constatação sufragada, não só pelas testemunhas inquiridas nos autos, como, e sobretudo, pelos Srs. Juízes de Direito Dr. II e Dra. JJ, com quem o Recorrente trabalhou, os quais, por sua iniciativa e de forma espontânea, o atestaram por escrito; - a sanção de Demissão constitui, de igual modo, uma injustiça, uma vez que, como atestado pela Sr.a Instrutora do processo disciplinar no seu parecer, a sanção adequada seria a de Suspensão, por “se mostrar afastado o juízo, necessário, à conclusão de que não é mais possível manter o vínculo jurídico-funcional existente”; - tal entendimento surge, aliás, na linha da jurisprudência dominante relativamente a casos congéneres, sendo disso exemplo o Acórdão do S.T.J. de 7 de dezembro de 2000, proferido no processo n.° 2536/2000, no qual, a respeito de uma caso de peculato, se entendeu ser de aplicar a atenuação especial da pena “quando o arguido confessou integralmente e sem reserva os factos por que vinha acusado, já indemnizou todos os lesados, procedeu à reposição dos montantes cujo depósito lhe competia em razão das funções públicas que exerceu, denota arrependimento, encontra-se a trabalhar, em que, para além dos factos dos autos, nada consta em desabono do seu desempenho profissional”;- isto, na certeza de que, apesar de se tratar de decisão em processo criminal, sempre a jurisprudência subjacente ao mesmo será aplicável a infrações disciplinares, considerando o que dispõe o art.° 189.° da L.G.T.F.P., aqui aplicável por força do disposto no art.° 89.° do E.F.J., normativo esse que, na parte em que prescreve que, na aplicação das sanções disciplinares, se deve atender, além do mais, “ao grau de culpa, à personalidade do arguido e a todas as circunstâncias em que a infração tenha sido cometida, que militem contra ou a favor dele”, foi concretamente violado na deliberação impugnada; - na verdade, o Recorrente confessou os factos, reparou o prejuízo causado, manifestou arrependimento, trabalhou com competência e dedicação e tem uma carreira de qualidade, factos que foram totalmente desconsiderados pelo Conselho dos Oficiais de Justiça; - deve-se concluir, por conseguinte, que a deliberação impugnada é ilegal e que deve ser revogada, sendo substituída por aquela que se mostra a mais adequada, a de Suspensão, sem deixar o Recorrente de reiterar que lamenta o sucedido, penitenciando-se e assumindo sem reserva a sua culpa.
A Ex.ma Sr.ª Vice-Presidente do C.O.J. emitiu parecer nos termos do disposto no art.° 195.°, n.° 2 do C.P.A., no sentido de que o recurso não merecia provimento, pelas razões constantes da deliberação impugnada.
Não há nulidades, exceções ou questões prévias a conhecer, que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
Cumpre, pois, apreciar e decidir.
II - Fundamentação de facto
São os seguintes os factos que, em função dos elementos de prova constantes dos autos e porque não impugnados pelo Recorrente, se mostram provados e que têm interesse para a decisão do recurso:
1.- Por deliberação de 23 de maio de 2019 do Conselho dos Oficiais de Justiça, foi instaurado processo disciplinar ao senhor ......... AA, com fundamento em factos comunicados àquele Conselho, quer pelo Exmo. Senhor Juiz Presidente da Comarca ........., quer pelo Senhor inspetor do COJ, BB, detetados no âmbito da inspeção ordinária efetuada por aquele Órgão ao Núcleo ........., da Comarca ........., relativos à falta de depósito de quantias monetárias respeitantes a atos avulsos de que aquele senhor oficial de justiça era responsável.
2.- Decorridos os trâmites legais do procedimento disciplinar, o Conselho dos Oficiais de Justiça, por deliberação de 30 de abril de 2020, sujeitou o Recorrente, pelos factos apurados no processo, à sanção disciplinar de Demissão, nos termos das disposições conjugadas dos art.°s 66.° e 90.° do E.F.J. e 73.°, n.°s 1 e 2, alíneas a), b) e g) e 3, 4 e 9; 180.°, n.° 1, al. d); 181.°, n.° 6; 187.°; 189.° e 297.°, n.° 3, al. 1), todos da L.G.T.F.P..
3.O Recorrente AA é oficial de justiça com a categoria ........, categoria para a qual foi promovido por despacho publicado no Diário da República de 31/08/2017.
4.- No período compreendido entre 10/02/2000 e maio de 2019, exerceu funções no Tribunal Judicial ......... e no Núcleo ........., como escrivão auxiliar até 31 de agosto de 2017 e, a partir de 1 de setembro de 2017, como .........
5.- Em junho de 2019, foi colocado no Núcleo ......... do Tribunal Judicial da Comarca ........., onde se encontra atualmente.
6.- O Núcleo ......... não tinha, nem tem, secretário de justiça.
7.- O senhor oficial de justiça AA tinha a seu cargo, no Núcleo ......... e a partir de setembro de 2014, as seguintes tarefas:
Registo de papéis e atendimento de público e telefone na Unidade Central, tarefas partilhadas com outra funcionária; Execução do serviço externo; Organização do Arquivo; De “front office”, dando informações sobre os processos, quer presencialmente, quer através de telefone, tendo-lhe sido facultado, para esse efeito, acesso informático a todos os processos dos Núcleos da Comarca .........; Preenchimento do modelo 11 (Registo de atos e contratos sujeitos a imposto sobre o rendimento e sobre património) de todas as secções, bem como a posterior remessa às Finanças; Registo da assiduidade de todos os funcionários judiciais do Núcleo ......... e dos requerimentos a ela respeitantes, procedendo às notificações posteriores; Aprovação de notas de honorários e despesas processuais; Remessa de anúncios para publicação; Aprovação das transferências de saldos entre processos; Receção e tratamento do expediente para o BNA; Emissão de certidões eletrónicas; Elaboração da estatística da área de família e menores; Remessa mensal de mapas aos Órgãos de Gestão.
8.- O senhor oficial de justiça AA era pessoa solícita, conceituada no meio, quer por Magistrados quer por funcionários, em quem depositavam absoluta confiança.
9.- Por isso, além das tarefas supra indicadas, tinha a seu cargo o depósito e o controlo de todos os atos avulsos do Núcleo ......... e da Secção/Juízo de Proximidade ........., tarefa que lhe tinha sido atribuída pelo Sr. Administrador Judiciário da Comarca ..........
10.- No âmbito de uma inspeção ordinária aos serviços do Núcleo ......... levada a efeito pelo Sr. Inspetor do Conselho dos Oficiais de Justiça, BB, foram detetadas várias irregularidades traduzidas na falta de depósito de valores recebidos pelo Sr. funcionário AA, em pagamento de atos avulsos registados naquele Núcleo, nos anos de 2015, 2017, 2018 e 2019, faltas que comunicou ao Conselho de Oficiais de Justiça em 15 e 16 de maio de 2019 e com as quais confrontou o senhor funcionário.
11. - Vieram a ser detetadas posteriormente outras irregularidades, consistentes na falta de registo e depósito do valor de € 80,00, relativo a atos avulsos (emissão de certificados do registo criminal) da Secção de Proximidade ......... ou do Núcleo ........., também da responsabilidade do mesmo funcionário.
12.- No programa das custas judiciais - SCJ (Sistema de Custas Judicias) -, foram registados atos avulsos nos anos de 2015, 2017, 2018 e 2019, provenientes, designadamente, da emissão de certificados do registo criminal, de emissão de certidões, de cópias e de notificações judiciais avulsas, cujos pagamentos, pelos utentes, haviam sido feitos em numerário, entregue na sua totalidade ao Sr. ........ AA.
13.- As receitas obtidas com a emissão de atos avulsos deviam ser depositadas pelo menos mensalmente (até ao dia 5 do mês seguinte a que respeitassem), através de guia gerada no Sistema de Custas Judiciais (SCJ), disponibilizado pelo IGFEJ.
14.- No que se refere às receitas provenientes da emissão dos certificados no Sistema de Informação de Identificação Criminal (SICRIM), o IGFEJ procede, posteriormente, à transferência das mesmas para a Direção-Geral da Administração da Justiça (DGAJ).
15.- De acordo com as ordens transmitidas através dos ofícios circular n.ºs 13/2011 da DGAJ de 28/02 e n.° 28/2015 da DGAJ/DSFPR/DGF de 30/12, os procedimentos a observar pelas secretarias quanto à receita proveniente da emissão de certificados no SICRIM e entrega à DGAJ dos valores arrecadados, eram os seguintes: a) O pagamento dos certificados do registo criminal emitidos através do SICRIM era feito exclusivamente em numerário, devendo no final de cada dia ser efetuado o “controlo de caixa” que permitia a confirmação dos pedidos realizados pelo ou por cada utilizador e/ou pela entidade pela qual fossem responsáveis, de modo a controlar os valores arrecadados;
b) Caso existissem pedidos que não tivessem dado lugar a arrecadação de receita, deveria ser solicitada a “não cobrança” na opção de “controlo de caixa”, chamando a atenção para esta opção considerada muito importante na medida em que cada entidade era responsável pelos valores arrecadados e não entregues (negrito nosso);
c) Até ao final do ano de 2015, o Sistema de Informação de Identificação Criminal (SICRIM) fornecia, mensalmente, um Documento de Pagamento, obtido no TMENU através da opção “Obter Documento de Pagamento”, o qual englobava a receita do mês anterior;
d) O pagamento deveria ser realizado no prazo de 5 dias seguidos, ou seja, até ao dia 5 do mês seguinte ao da arrecadação da receita;
e) Os procedimentos indicados foram alterados na parte respeitante aos procedimentos a observar para a entrega da receita proveniente da emissão de certificados no SICRIM à Direção-Geral da Administração da Justiça (DGAJ), a partir do dia 1 de janeiro de 2016, passando pela utilização do Sistema das Custas Judiciais (SCJ) - ofício circular 28/2015;
f) Manteve-se a necessidade do apuramento diário do montante cobrado e da confirmação na aplicação SICRIM dos valores referentes a taxas e impressos e da análise diária dos pedidos que houvessem dado lugar a pagamento; g) Passou a ser obrigatório proceder ao registo diário, no SCJ, dos atos avulsos recebidos/cobrados pela emissão dos certificados de registo criminal; h) Passou a ser obrigatório proceder à emissão de pelo menos uma guia de avulsos mensal (podendo ser efetuados outros depósitos ao longo do mês), a qual poderia incluir outros atos ou não, mantendo-se o depósito obrigatório até ao dia 5 do mês seguinte ao da arrecadação da receita.
16.- Assim, para além dos atos avulsos registados individualmente no respetivo programa informático - de certidões, cópias e notificações avulsas -, o Sr. oficial de justiça AA tinha obrigação de proceder ao registo diário, no programa das custas, do valor arrecadado pela emissão de certificados do registo criminal (CRC's).
17.- O Sr. AA retirava diariamente do programa SICRIM a folha do “controlo de caixa” que correspondia aos CRCs emitidos em cada dia, procedendo, por regra, ao seu registo no programa das custas judiciais (SCJ).
18.- De acordo com o que lhe havia sido ordenado, ao Sr. oficial de justiça AA competia proceder ao depósito, nos termos indicados no n.° 11.°, de todos os valores monetários recebidos de atos avulsos, valores que lhe foram entregues para esse efeito e de que era responsável.
19.- Porém, nos anos de 2015, 2017, 2018 e 2019, o senhor funcionário nem sempre procedeu ao depósito dos valores que recebeu, concretamente dos seguintes:
No ano de 2015 não depositou € 142,80;
No ano de 2017 não depositou (€ 1 182,00 + € 1 030,60) = € 2 212,60; no ano de 2018 não depositou (€ 1 441,20 + € 1 361,80 + € 1 033,80 + € 1 392,80 + € 1 455,80 + € 80,00 + € 1 275,00 + € 889,20) = € 8 929,80; No ano de 2019 não depositou (€ 1 691,40 + € 1 217,60 + 61 160,80) = € 4 069,80; tudo, conforme se mostra resumido no mapa a seguir inserido:
20.- Qualquer dos valores indicados devia ter sido depositado até ao dia 5 do mês seguinte ao do recebimento ou no primeiro dia útil seguinte caso o dia 5 o não fosse.
Assim: - O recebido em dezembro de 2015 no montante de € 142,80 - devia ter sido depositado até ao dia 5 de janeiro de 2016. Porém, apenas foi depositado em 03/06/2019 pela guia .........................30;
- O recebido em outubro de 2017 no montante de € 1.182,00 - devia ter sido depositado até ao dia 5 de novembro de 2017. Porém, apenas foi depositado em 03/06/2019 pela guia .........................30;
- O recebido em novembro de 2017 no montante de € 1 030,60 - devia ter sido depositado até ao dia 5 de dezembro de 2017. Porém, apenas foi depositado em 03/06/2019 pela guia .........................30;
- O recebido em janeiro de 2018 no montante de € 1 441,20 - devia ter sido depositado até 5 de fevereiro de 2018. Porém, apenas foi depositado em 03/06/2019 pela guia .........................30;
- O recebido em março de 2018 no montante de € 1 361,80 - devia ter sido depositado até ao dia 5 de abril de 2018. Porém, apenas foi depositado em 03/06/2019 pela guia .........................30;
- O recebido em junho de 2018 no montante de € 1 033,80 - devia ter sido depositado até 5 de julho de 2018. Porém, apenas foi depositado em 03/06/2019 pela guia .........................30;
- O recebido em julho de 2018 no montante de € 1 392,80 - devia ter sido depositado até 5 de agosto de 2018. Porém, apenas foi depositado em 03/06/2019 pela guia .........................30;
- Os recebidos em agosto de 2018 nos montantes de € 1 455,80 e € 80,00 - deviam ter sido depositados até 5 de setembro de 2018. Porém, o de € 1 455,80 apenas foi depositado em 03/06/2019 pela guia .........................30 e o de € 80,00 apenas foi registado e depositado em 28 de junho de 2019 pela guia .........................10;
-O recebido em outubro de 2018 no montante de € 1 275,20 - devia ter sido depositado até 5 de novembro de 2018. Porém, apenas foi depositado em 03/06/2019 pela guia .........................30;
- O recebido em novembro de 2018 no montante de € 889,20 - devia ter sido depositado até ao dia 5 de dezembro de 2018. Porém, apenas foi depositado em 03/06/2019 pela guia .........................30;
- O recebido em janeiro de 2019 no montante de € 1 691,40 - devia ter sido depositado até 5 de fevereiro de 2019. Porém, apenas foi depositado em 03/06/2019 pela guia .........................30;
- O recebido em março de 2019 no montante de € 1 217,60 - devia ter sido depositado até 5 de abril de 2019. Porém, apenas foi depositado em 03/06/2019 pela guia .........................30;
- O recebido em abril de 2019 no montante de € 1 160,80 - devia ter sido depositado até ao dia 5 de maio de 2019. Porém, só foi depositado em 16 de maio de 2019 pela guia .........................14.
21.- A quantia recebida em abril de 2019 no valor de € 1.160,80 e que devia ser depositada pelo Sr. AA até ao dia 5 de maio de 2019, veio a sê-lo apenas em 16 de maio de 2019, através da guia n.° .........................14, depois de confrontado pelo Sr. Inspetor BB sobre a sua falta, importância que não tinha disponível à sua guarda nos serviços.
22.- A quantia de € 14 114,20 (catorze mil cento e catorze euros e vinte cêntimos) que foi indicada ao Sr. AA como correspondente aos restantes valores em falta (e que não se encontrava nas instalações do tribunal), foi entregue pelo mesmo na Secretaria do Núcleo ......... apenas no dia 21 de maio de 2019.
23.- O valor monetário indicado no número antecedente veio a ser depositado em 3 de junho de 2019, através da guia n.° .........................30 que abrangeu todos os atos avulsos registados em datas anteriores a abril de 2019 e que não se mostravam depositados, salvo os indicados nos dois números seguintes cuja falta (de registo e depósito) foi detetada em data posterior.
24.- No mês de agosto de 2018, o Sr. AA não registou no Sistema das Custas Judiciais (SCJ) o valor de € 80,00 correspondente a certificados do registo criminal emitidos no Núcleo ......... ou Secção de Proximidade ......... - o que devia fazer na altura própria como se referiu no n.º 14. -, não tendo também procedido ao seu depósito, falta que foi detetada no decurso da mesma inspeção ordinária.
25.-No dia 27 de junho de 2019, o Sr. Administrador Judiciário mandou notificar o senhor funcionário AA para proceder ao depósito dos referidos € 80,00, o que este veio a fazer, procedendo ao seu depósito em 28/06/2019 através da guia n.° .........................10.
26.-O valor dos atos avulsos depositados através das guias n.°s .........................30 e .........................10 é de € 14.194,20 (catorze mil cento e noventa e quatro euros e vinte cêntimos), a que acresce o montante de € 1 160,80 depositado através da guia n.° .........................14 indicada no n.° 19 supra, o que perfaz € 15 355,00 (quinze mil trezentos e cinquenta e cinco euros).
27.- O senhor oficial de justiça AA sabia que os valores monetários indicados no número antecedente que lhe foram entregues em pagamento de atos avulsos, não lhe pertenciam.
28.- Sabia, também, que era responsável pelos valores arrecadados e que tinha obrigação de providenciar pelo seu depósito até ao dia 5 do mês seguinte ao da respetiva arrecadação, ou no primeiro dia útil seguinte caso o dia 5 o não fosse, tarefa de que foi incumbido pelo Sr. Administrador Judiciário.
29.- Porém, e ao invés, foi fazendo suas quantias que sabia não lhe pertencerem e que usou em proveito próprio, as quais atingiram o total de € 15.355,00 (quinze mil trezentos e cinquenta e cinco euros), bem sabendo que com o seu comportamento violava os deveres profissionais a que se encontra sujeito.
30. -Depois de confrontado pelo senhor Inspetor do COJ, BB, com a falta de depósito dos atos avulsos acima referidos e de lhe terem sido indicados os valores em falta, o senhor funcionário AA veio a proceder à entrega/depósito da totalidade das quantias monetárias de que se apropriou.
31.- Para além do referido, o senhor oficial de justiça AA procedeu ao depósito de diversas quantias mensais com atrasos significativos relativamente às datas em que deviam ocorrer (prazo indicado no precedente n.° 26.°), como foi o caso das seguintes (cf.. fls. 183):
a) Os atos avulsos do mês de junho de 2017 no valor de € 1 367,40 - foram depositados apenas em 21/07/2017 (com 16 dias de atraso);
b) Os atos avulsos do mês de julho de 2017 no valor de € 922,80 - foram depositados apenas em 21/08/2017 (com 14 dias de atraso);
c) Os atos avulsos do mês de agosto de 2017 no valor de € 950,40 - foram depositados apenas em 22/09/2017 (com 17 dias de atraso);
d) Os atos avulsos do mês de setembro de 2017 no valor de € 1 221,80 - foram depositados apenas em 23/10/2017 (com 17 dias de atraso);
e) Os atos avulsos do mês de dezembro de 2017 no valor de € 1 276,20 - foram depositados apenas em 22/01/2018 (com 17 dias de atraso);
f) Os atos avulsos do mês de fevereiro de 2018 no valor de € 1 181,40 - foram depositados apenas em 04/04/2018 (com 30 dias de atraso);
g) Os atos avulsos do mês de abril de 2018 no valor de € 1 111,20 - foram depositados apenas em 18/05/2018 (com 11 dias de atraso);
h) Os atos avulsos do mês de maio de 2018 no valor de € 1 189,00 - foram depositados apenas em 29/06/2018 (com 24 dias de atraso);
i) Os atos avulsos do mês de fevereiro de 2019 no valor de € 1 163,00 - foram depositados apenas em 22/03/2019 (com 16 dias de atraso).
32.-Logo que confrontado pelo Sr. Inspetor BB com as irregularidades, confessou espontânea e imediatamente a prática dos factos, quer a falta de depósito de valores monetários respeitantes aos atos avulsos, quer a utilização, pessoal, que lhes deu, o que fez igualmente nas declarações que prestou no âmbito dos presentes autos.
33.- Era muito conceituado no meio, quer a nível profissional, quer na própria cidade, particularmente junto do meio autárquico, tendo tido uma importância muito relevante na altura da instalação da Comarca e na própria organização dos serviços (arquivo, objetos que se encontravam há anos sem destino e outros), com prejuízo da vida pessoal.
34.- O Sr. Administrador Judiciário da Comarca ......... ficou perturbado quando tomou conhecimento dos factos praticados pelo Sr. AA, quer pela confiança que depositava naquele senhor funcionário, quer pelo conceito de que este gozava no meio.
35.- Depois de detetados os factos, foram-lhe retiradas as permissões de acesso ao sistema informático das custas judiciais e foi colocado no Juízo de Proximidade ........., sendo que, em 12 de junho de 2019, foi colocado no Núcleo ..........
36.- Do certificado do registo disciplinar junto a fls. 39, respeitante ao Sr. AA, constam os seguintes averbamentos: Classificações: 2 de Bom; 1 de Bom com Distinção; e 2 de Muito Bom na categoria de escrivão auxiliar.
Para além da instauração do presente processo disciplinar, nada mais consta.
37.- Em 20/05/2019 foi creditado na conta da Caixa Geral de Depósitos n.° PT …….00 titulada pelo senhor AA, por débito da conta n.° PT ……..78 pertencente a LL, a quantia de 12 000,00 €.
38.- Após ter sido deslocado do Núcleo ........., o que sucedeu na altura em que foram detetados os factos acima descritos, o senhor AA desempenhou funções no Juízo de Proximidade ......... por alguns dias e, também por alguns dias, nos Núcleos de ….. e ……. Posteriormente foi recolocado transitoriamente no Núcleo ........., na unidade de processos afeta ao Juízo de Execução.
39.- No período referido no número antecedente e que abrange finais de maio e meados de dezembro de 2019, não foi feita ao Senhor Administrador Judiciário ......... qualquer referência negativa, ou menos positiva, do senhor ........ AA.
40.- No período compreendido entre setembro de 2014 e maio de 2019, o senhor AA desempenhou, no Núcleo ........., funções de front office, constituindo o elo de ligação com os Órgãos de Gestão da Comarca, tendo-se demonstrado disponível com os colegas.
41.- Em período anterior, desempenhou funções também em Abrantes, demonstrando-se, também nessa altura, colaborante e bom funcionário.
42.- O senhor AA esteve separado da esposa e, nesse período, denotava andar perturbado, particularmente porque tinha duas filhas a seu cargo, a quem sempre se mostrou muito dedicado.
43.- Em junho de 2019 o senhor AA foi colocado no Núcleo ........., concretamente no Juízo de Execução chefiado pela senhora escrivã de direito MM.
44.- Inicialmente tinha o seu posto de trabalho num gabinete onde procedia à classificação dos processos (gestão de atividades) e, em setembro de 2019, passou para a secretaria, tendo o posto de trabalho junto dos restantes oficiais de justiça.
45.- Tem a seu cargo o cumprimento de todos os despachos proferidos nos processos executivos de Agente de Execução.
46.- No Núcleo ........., Juízo de Execução, tem-se revelado funcionário disponível, colaborador e cumpridor das ordens e orientações que lhe são dadas pela chefia e considerado, pela senhora escrivão de direito, elemento essencial e imprescindível.
47. -O Sr. Juiz de Direito Dr. II, em exercício de funções no Juízo de Execução ........., subscreveu a declaração de fls. 367, cujo teor se dá aqui por reproduzido, na qual, e além do mais, a propósito do Recorrente, afirmou o seguinte: “(...) conheço-o e trabalhei com ele até maio de 2020.
Posso atestar as suas enormes capacidades, de competência, de trabalho, de estudo, de iniciativa, de se inteirar dos assuntos com profundidade, de entreajuda de colegas, de se preocupar para que os processos corram os seus termos da melhor maneira.
Posso atestar que muitas vezes pediu para falar comigo e me expôs as suas pertinentes dúvidas e sugestões, em vários assuntos, designadamente no sentido de aperfeiçoarmos, ainda mais, o sistema que permita a citação célere e eficaz dos executados, designadamente no estrangeiro, tendo acolhido algumas delas.
Derivado ainda aos seus competentes conhecimentos de informática, ajudou no dia-a-dia na resolução de diversas dificuldades informáticas, designadamente instalação de hardware e software.
Não tenho a menor dúvida em afirmar que estamos perante um EXCELENTE FUNCIONÁRIO.
Que ainda tem muito para oferecer ao Estado, aos Serviços e à causa pública, não tenho a menor dúvida. Se lhe derem essa oportunidade.
Creio que o Estado e os Serviços só terão a ganhar em manter nos seus quadros funcionários de excelente qualidade, como é o caso”.
48. - Também a Sra Juíza de Direito Dra. JJ, em exercício de funções no Juízo de Execução ........., subscreveu a declaração de fls. 368 e 369, cujo teor se dá aqui por reproduzido, na qual, e além do mais, declarou o seguinte:
“(...) Tive a oportunidade de trabalhar com o Sr. AA, na Secção de Execuções do Juízo de Execução ........., de Setembro de 2019 a Maio de 2020. O meu relacionamento com o Sr. AA foi sempre pautado pelo máximo respeito e educação, mostrando o Sr. AA uma humildade exemplar.
E, sem dúvidas, uma pessoa capaz de reconhecer e reparar uma qualquer falha.
Ademais, é uma pessoa trabalhadora, empenhada, pronta para melhorar e pronta para aprender. E um funcionário de uma humanidade ímpar, o que, para mim, enquanto magistrada judicial, é um requisito indispensável para o atendimento ao público e para o tratamento das situações que chegam ao Tribunal, as quais, como se sabe, são normalmente marcadas por autênticas tragédias pessoais.
O Sr. AA foi igualmente vítima de uma tragédia estando, neste momento, face à sua experiência de vida, numa melhor posição para dar apoio e compreensão a esse lado mais humano dos Tribunais, que infelizmente tantas vezes é esquecido. Não se pode reduzir os casos a números, cada processo tem por detrás uma pessoa, uma história, uma vida. E este entendimento deve ser transposto não só para os utentes dos Tribunais, mas também para todas as pessoas que lá trabalham. O Sr. AA não é apenas mais um funcionário, é o funcionário que demonstrou, pelo seu comportamento, que, apesar das adversidades, é possível mudar e ultrapassar os obstáculos.
Daí que se veja que o Sr. AA, sobretudo pela sua vertente humana, é um elemento valioso para o serviço nos Tribunais. Afastar o Sr. AA desse serviço será demonstrar à sociedade que afinal a justiça que é apregoada nos Tribunais é inalcançável.
Acredito que o Sr. AA é claramente merecedor de uma segunda oportunidade e que essa oportunidade será o reflexo de um Estado que premeia a dedicação, o esforço, e principalmente a capacidade de assumir o erro e corrigi-lo.
II - De direito
A única questão a decidir neste recurso é a de saber se o Recorrente, pela prática da infração disciplinar que - reconhecidamente - cometeu, deve ser sujeito à sanção disciplinar de Demissão ou à de Suspensão, sendo esta porventura suspensa na sua execução. Os oficiais de justiça, por força da remissão prevista no art.° 89 do E.F.J., são disciplinarmente responsáveis nos termos da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas - Lei n.° 35/2014, de 20/06.
No caso dos autos, resulta dos factos provados - que o oficial de justiça Recorrente não põe em causa e expressamente admitiu - que este, no exercício das suas funções, tinha a seu cargo o depósito e o controlo de todos os atos avulsos do núcleo ......... e do Juízo de Proximidade .......... Contrariamente à obrigação a que estava adstrito, contudo, não procedeu ao depósito de valores recebidos em pagamento daqueles atos nos anos de 2015, 2017, 2018 e 2019, num total de € 15.355,00 e, apesar de saber que se tratava de valores pecuniários que não lhe pertenciam, fê-los seus e usou-os em proveito próprio.
Incorreu o mesmo, como tal, na prática de uma infração disciplinar continuada, por violação dos deveres gerais de prossecução do interesse público, isenção e lealdade, nos termos das disposições conjugadas dos art.°s 66 e 90. ° do E.F.J. e 73. °, n.° 2, alíneas a), b) e g) e n.ºs 3, 4 e 9 da L.G.T.F.P..
Estribado nessa constatação, o Plenário do Conselho dos Oficiais de Justiça sujeitou o Recorrente à sanção disciplinar mais gravosa da Demissão, contra o que este se insurgiu no presente recurso, batendo-se por que lhe seja aplicada a sanção de Suspensão, porventura suspensa na sua execução. É essa, pois, a questão que, assente que está a prática da infração disciplinar pelo Recorrente, aqui importa apreciar.
As sanções disciplinares aplicáveis aos trabalhadores em funções públicas pelas infrações que cometem obedecem a uma escala gradativa em função da sua maior ou menor gravidade. Para o presente caso, importa-nos considerar as sanções disciplinares de Demissão e de Suspensão, previstas, respetivamente, nas alíneas d) e c) do n.° 1 do art.° 180 da L.G.T.F.P..
A primeira, a mais gravosa, consiste, de acordo com o n.° 5 do art.° 181 do mesmo diploma legal, no afastamento definitivo do órgão ou serviço do trabalhador, cessando o vínculo de emprego público.
A segunda, de acordo com o n.° 3 do mesmo preceito, consiste no afastamento completo do trabalhador do órgão ou serviço durante o período da sanção, período esse que, nos termos do n.° 4, pode variar entre 20 a 90 dias por cada infração, num máximo de 240 dias por ano.
A Demissão, nos termos do n.° 4 do art.°182., importa a perda de todos os direitos do trabalhador, salvo quanto à reforma por velhice ou à aposentação, nos termos e condições previstos na lei, embora não o impossibilitem de voltar a exercer funções em órgão ou serviço que não exijam as particulares condições de dignidade e confiança de que aquelas de que foi demitido exijam.
A Suspensão, de acordo com o n.° 3, não prejudica o direito dos trabalhadores à manutenção, nos termos legais, das prestações do respetivo regime de proteção social.
A Demissão, enquanto sanção mais gravosa, é aplicável em caso de infração que inviabilize a manutenção do vínculo de emprego público, tal como decorre do art.º 187, sendo que, de acordo com a alínea n) do n.° 3 do art.° 297, constituem infração disciplinar que inviabiliza a manutenção do vínculo, além doutros, o comportamento do trabalhador consubstanciado no desvio de dinheiros públicos.
Já a Suspensão, nos termos do art.° 186.°, pressupõe uma atuação com grave negligência ou com grave desinteresse pelo cumprimento dos deveres funcionais do trabalhador ou um comportamento deste que atente gravemente contra a dignidade e o prestígio da função, nomeadamente quando, reportando-nos ao que aqui importa considerar, de acordo com a alínea m): usem ou permitem que outrem use ou se sirva de quaisquer bens pertencentes aos órgãos ou serviços, cuja posse ou utilização lhes esteja confiada, para fim diferente aquele a que se destinam.
Na aplicação das sanções disciplinares, devemos seguir como critério o previsto no art.° 189, da L.G.T.F.P., ou seja, deve-se atender à natureza, à missão e às atribuições do órgão ou serviço, ao cargo ou categoria do trabalhador, às particulares responsabilidades inerentes à modalidade do seu vínculo de emprego público, ao grau de culpa, à sua personalidade e a todas as circunstâncias em que a infração tenha sido cometida que militem contra ou a favor dele.
Há que considerar, ainda, que, na tarefa da determinação da sanção a aplicar, constituem circunstâncias atenuantes especiais da infração disciplinar, nos termos do art.° 190, e no que ao caso importa: a prestação de mais de 10 anos de serviço com exemplar comportamento e zelo (alínea a) e a confissão espontânea da infração (alínea b).
De reter que, nos casos de verificação de circunstâncias atenuantes que diminuam substancialmente a culpa do trabalhador, a sanção disciplinar pode ser atenuada, aplicando- se sanção disciplinar inferior.
Há que dizer, ainda, que, na mesma tarefa, constituem circunstâncias agravantes da infração disciplinar, nos termos do art.° 191, e além do mais: a produção efetiva de resultados prejudiciais ao órgão ou serviço ou ao interesse geral, nos casos em que o trabalhador pudesse prever essa consequência como efeito necessário da sua conduta (alínea b).
Expostas tais considerações, cumpre-nos dizer, reportando-nos à questão que aqui nos ocupa, que se nos afigura que a sanção disciplinar de Demissão a que o Recorrente foi sujeito é aquela que, de facto, se impõe, não merecendo censura a deliberação do Conselho dos Oficiais de Justiça impugnada.
Assim, norteando-nos pelos critérios de determinação da sanção a aplicar constantes do supra citado art.° 189, da L.G.T.F.P., cumpre começar por destacar a extrema gravidade dos factos praticados pelo Recorrente e o elevado grau de censurabilidade da conduta deste. Com efeito, tratou-se da apropriação de quantias pecuniárias recebidas no exercício das suas funções de oficial de justiça, o que constitui uma conduta suscetível, por si só, de abalar a imagem, a confiança e a credibilidade dos cidadãos no Tribunal.
Tratou-se, por outro lado, de apropriação de quantias pecuniárias que, no seu todo, ascenderam a € 15.355,00, o que constitui um valor significativamente elevado.
Há que dizer, ainda, que a conduta do Recorrente se desenrolou durante um período de tempo prolongado, compreendendo atos praticados em quatro anos distintos (2015, 2017, 2018 e 2019), pelo que se tratou de conduta reiterada e persistente.
Finalmente, o Recorrente agiu como agiu depois de incumbido da tarefa do controlo dos atos avulsos e do depósito dos valores pecuniários arrecadados com eles por parte do Sr. Administrador Judiciário da Comarca e, portanto, em flagrante quebra da confiança que este depositou no mesmo. O grau de desvalor dos factos praticados pelo Recorrente e a censurabilidade da conduta deste são, como tal, extremamente elevados, situando a ilicitude e o grau de culpa do Recorrente no mais alto nível. É certo que o Recorrente, como salientou no seu recurso, reparou o prejuízo causado ao Estado, confessou os factos que praticou sem quaisquer reservas e, previamente aos factos que praticou, apresentava, por período superior a 10 anos, um percurso profissional de dedicação e zelo, sendo então detentor da classificação máxima de Muito Bom.
Temos, pois, por verificadas as circunstâncias atenuantes especiais previstas nas acima citadas alíneas a) e b) do art. 190. ° da L.G.T.F.P..Independentemente dessa constatação, o certo é que também se verifica a circunstância agravante prevista na também referida alínea b) do art.° 191. ° do mesmo diploma legal, consubstanciada na produção efetiva de resultados prejudiciais ao serviço e ao interesse geral.
Acresce que, se é certo que o Recorrente nunca pôs em causa os factos que praticou, não menos certo é que só o fez depois de confrontado com essa realidade pelo Sr. Inspetor do Conselho dos Oficiais de Justiça, no âmbito do procedimento inspetivo onde foram detetados os factos que praticou. O efeito que as circunstâncias atenuantes poderiam ter na determinação da sanção a que o Recorrente deve ser sujeito mostra-se, assim, dissipado, não relevando para afastar a imagem global de elevada censurabilidade da sua conduta que os factos que praticou transmitem.
Ora, a gravidade da conduta do Recorrente e os demais fatores acima destacados que marcaram a infração praticada são inelutavelmente comprometedores da manutenção do vínculo de emprego público, comprometendo de forma indelével a relação de confiança e de lealdade que tem de subsistir entre o Estado e o seu servidor.
Assim, porque fundada nos supracitados preceitos legais, forçoso é concluir que a sanção disciplinar de Demissão é a única que se adequa à infração perpetrada pelo Recorrente, nenhuma censura merecendo, por isso, a deliberação impugnada que a aplicou. Improcederá, pois, o recurso, com a consequente manutenção da deliberação impugnada.
IV- Dispositivo
Nestes termos, delibera o Plenário do Conselho Superior da Magistratura a improcedência do recurso hierárquico interposto pelo oficial de justiça AA, mantendo, consequentemente, a deliberação do Plenário do Conselho dos Oficiais de Justiça de 30 de abril de 2020, por via da qual foi o Recorrente, nos termos das disposições conjugadas dos art.°s 66 e 90. ° do E.FJ. e 73. °, n.ºs 1 e 2, alíneas a), b) e g) e 3, 4 e 9; 180. °, n.° 1, al. d); 181. °, n.° 6; 187.°; 189.° e 297.°, n.° 3, al. 1), todos da L.G.T.F.P., sujeito à sanção disciplinar de Demissão. (cf. dos. 1 junto ao requerimento inicial).
10) No âmbito da apreciação do recurso hierárquico referido em 8) e da proposta de deliberação referida em 9), o CSM, reunido em Conselho Plenário a 06-10-2020, proferiu deliberação com o seguinte teor:
Foi deliberado por unanimidade concordar com a proposta de avocação apresentado pelo Exmo. Relator, atenta a urgência da deliberação para evitar o risco de prescrição, pelo que delibera o Plenário avocar a competência para a decisão do presente procedimento disciplinar (art. 152.° do Estatuto dos Magistrados Judiciais) e igualmente aprovar por unanimidade o projeto de deliberação do Exmo. Senhor Dr. GG, que contém o seguinte trecho decisório: «delibera o Plenário do Conselho Superior da Magistratura a improcedência do recurso hierárquico interposto pelo oficial de justiça AA, mantendo, consequentemente, a deliberação do Plenário do Conselho dos Oficiais de Justiça de 30 de abril de 2020, por via da qual foi o Recorrente, nos termos das disposições conjugadas dos art.°s 66 e 90." do E.F.J. e 73.°, n.ºs 1 e 2, alíneas a), b) e g) e 3, 4 e 9; 180.°, n.° 1, al. d); 181°, n.° 6; 187.°; 189° e 297°, n.° 3, al. I), todos da L.G.T.F.P., sujeito à sanção disciplinar de Demissão. (cf. dos. 1 junto ao requerimento inicial).
Fundamentos de direito
A) Como acima se referiu, a primeira premissa de que parte o Requerente é a de que bastaria encontrar o comportamento que lhe foi imputado no elenco de condutas tipificadas numa norma sancionatória e aplicar a sanção correspondente. Como tal, é clara a regra do art. 186.º, alínea k), da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, segundo a qual se sujeita à sanção de suspensão o funcionário que, com grave negligência ou desinteresse pelo cumprimento dos deveres funcionais ou que com essa conduta atentar gravemente contra a dignidade e o prestígio da função, receber fundos, cobrar receitas ou recolher verbas de que não preste contas no prazo legal. Mas nunca a de demissão ao invés, da al. l) do n. º 3 do art.º 297 do mesmo diploma, como sustentam o COJ e O CSM.
Afigura-se-nos que não se trata de previsões paralelas ou coincidentes.
Vejamos as razões:
A matéria regulada no art.º 187, da LGTFP, sobre o despedimento disciplinar ou demissão, encontrava-se regulada, anteriormente, no art.º 18, do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas, aprovado pela Lei n.º 58/2008, de 9 de setembro (revogado pela LGTFP), onde era feita uma enunciação dos comportamentos que podiam conduzir à extinção da relação de emprego público, à semelhança do que se encontra agora no art.º 186 da LGTFP. Por força da integração do antigo no regime da LGTFP, essa enunciação passou a constar do seu artigo 297.º, que nos termos da alínea l) do seu n.º3, dispõe que constitui infração disciplinar que inviabiliza a manutenção do vínculo o comportamento do funcionário que seja encontrado em alcance ou desvio de dinheiros públicos.
Em anotação ao art.º 18 do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas, aprovado pela Lei n.º 58/2008, de 9 de setembro, e debruçando-se precisamente acerca da distinção que aí se impunha entre as precisões dos artigos 17.º, alínea l), e 18.º, n.º 1, alínea m), correspondentes precisamente à atual redação dos artigos 186.º, alínea k), e 297.º, n.º 3, alínea l) respetivamente, da LGTFP, esclareceu Paulo Veiga e Moura (Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores da Administração Pública Anotado, 2.ª edição, 2011, Coimbra Editora, pp. 158-159 ):
Uma nota particular merece o comportamento tipificado na alínea m) do n.º 1 do presente artigo, sobretudo pela necessidade de o diferenciar da conduta descrita na alínea l) do art. 17.º Na verdade, enquanto neste artigo se determina que a pena de suspensão pode ser aplicada aos trabalhadores que «recebam fundos, cobrem receitas ou recolham verbas de que não prestem contas nos prazos legais», já na alínea m) do presente artigo se permite em abstrato a aplicação da pena de demissão/despedimento a todos os que forem «…encontrados em alcance ou desvio de dinheiros públicos».
Embora do ponto de vista teórico haja inquestionavelmente uma distinção entre receber verbas de que não se prestam contas e o desviar dessas mesmas verbas, não temos dúvidas em como em muitas situações do quotidiano a determinação da fronteira entre a não prestação de contas e o desvio de fundos pode revelar-se muito ténue.
Como critério geral distintivo, poderá dizer-se que ocorrerá um desvio de fundos sempre que os mesmos saiam indevidamente do âmbito da disponibilidade do serviço e sejam utilizados para uma finalidade a ele totalmente alheia. Deste modo, e a título meramente exemplificativo, se um trabalhador tem à sua guarda determinadas verbas e as retira do serviço para uma conta pessoal ou de um terceiro ou se as emprega para um fim diferente daquele a que se destinavam, então seguramente terá incorrido em alcance ou desvio de dinheiros públicos.
Por sua vez, a infração decorrente da não prestação de contas nos prazos legais já pressupõe que o dinheiro ainda esteja na disponibilidade do serviço, pelo que enquanto tal suceder nunca o trabalhador poderá ser acusado e punido por desvio de fundos, mas apenas pela não prestação de contas nos prazos legais (se estes já tiverem decorrido). Retomando o exemplo anterior, diremos que se o funcionário não tiver entregue o dinheiro no prazo estipulado, mas ainda não o tiver utilizado para uma finalidade alheia ao serviço (v.g. por ainda conservar esses mesmos fundos à sua guarda no serviço ou não lhes ter dado um destino diferente do que era habitual), seguramente poderá ser acusado de não prestar contas, mas nunca de alcance ou desvio de dinheiros públicos.
Assim, contrariamente ao alegado pelo Requerente, isto significa que a conduta do Requerente não se subsumia, summo rigore, na alínea k) do art. 186.º da LGTFP, pois que não se tratou, apenas, de receber verbas de que não prestou contas; a conduta do Requerente subsumia-se na alínea l) do n.º 3 do art. 297.º, da LGTFP, porquanto desviou essas verbas, apropriando-se de quantias pecuniárias que, no seu todo, ascenderam a € 15 355,00.
Deste modo, da conjugação das normas dos artigos 187.º e 297.º, n.º 3, alínea l), ambos da LGTFP, havia previsão normativa específica na qual a conduta do arguido se subsumiu e que habilitava a aplicação da sanção expulsiva. Isso mesmo consta da deliberação impugnada, pois aí se deixou consignado o seguinte:
«Nestes termos, delibera o Plenário do Conselho Superior da Magistratura a improcedência do recurso hierárquico interposto pelo oficial de justiça AA, mantendo, consequentemente, a deliberação do Plenário do Conselho dos Oficiais de Justiça de 30 de abril de 2020, por via da qual foi o Recorrente, nos termos das disposições conjugadas dos art.ºs 66.º e 90.º do E.F.J. e 73.º, n.ºs 1 e 2, alíneas a), b) e g) e 3, 4 e 9; 180.º, n.º 1, al. d); 181.º, n.º 6; 187.º; 189.º e 297.º, n.º 3, al. l), todos da L.G.T.F.P., sujeito à sanção disciplinar de Demissão.»
Face ao exposto, não se verifica qualquer erro sobre os pressupostos do ato impugnado a propósito da subsunção da conduta do Requerente na aliena l) do n. º 3 do art.º 297 da LGTFP, julgando-se assim improcedente esta 1ª questão suscitada pelo Requerente.
B) A segunda questão que o Requerente suscita é o de que a entidade requerida errou na apreciação que efetuou quanto à consideração de que a conduta do arguido inviabilizava a manutenção do vínculo funcional.
A doutrina e jurisprudência têm vindo a entender, de forma uniforme, que na fixação da medida da pena, a Administração, embora tenha de respeitar os parâmetros legais, goza de uma certa margem de liberdade. A jurisprudência, reiterada e constante, dos Tribunais Superiores, quer da jurisdição administrativa, quer da jurisdição comum, tem sido unânime no reconhecimento dessa ampla margem de liberdade de que dispõem as autoridades administrativas na dosimetria da pena disciplinar.
A jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo tem sido unânime em considerar que, ao exercer os poderes disciplinares em sede de determinação da medida concreta da pena, a Administração goza de certa margem de liberdade, numa área designada de «justiça administrativa», movendo-se a descoberto da sindicância judicial, salvo se os critérios de graduação que utilizou ou o resultado a que atingiu forem grosseiros ou ostensivamente inadmissíveis. O que significa que, se ao Tribunal é possível analisar da existência material dos factos e averiguar se eles constituem infrações disciplinares, já não lhe cabe apreciar a medida concreta da pena, salvo em casos de erro grosseiro ou manifesto, porque essa é uma tarefa da Administração que se insere na chamada discricionariedade técnica ou administrativa. Neste sentido, vejam-se, entre outros, os acórdãos do pleno, mais recentes, de 14-07-2015 (processo n.º 01409/12), de 03-11-2016 (processo n.º 0548/16), de 24-05-2018 (processo n.º 0980/16) e de 05-07-2018 (processo n.º 029/18), todos acessíveis online in http://www.dgsi.pt/jsta.
Nesta Secção de Contencioso do Supremo Tribunal de Justiça vem de há muito sido entendido a existência dessa margem de livre apreciação que assiste ao CSM no exercício do poder disciplinar, nomeadamente na emissão do juízo qualificativo dos tipos de infração e na dosimetria concreta da pena. Vejam-se, mais recentemente, os acórdãos de 30-06-2020 (processos n.os 46/19.5YFLSB e 3/20.9YFLSB) e 23-09-2020 (processos n.os 44/19.1YFLSB e 54/19.6YFLSB) — arestos que se encontram, exceto o 3/20.9YFLSB disponíveis https://jurisprudencia.csm.org.pt/ecli. Recupera-se orientações recolhidas na jurisprudência deste STJ a partir do AC. do STJ de 05-02-2020, Processo nº 14/19.7YFLSB:
«[…] a determinação da medida da pena (e a sua escolha, necessariamente) deve atender “à gravidade do facto, à culpa do agente, à sua personalidade e às circunstâncias que deponham a seu favor ou contra ele”. Em rigor, quando o citado preceito alude à “culpa do agente”, está a invocar o “grau de culpa”, já que esta, a culpa propriamente dita, é necessariamente um elemento constitutivo da infração e deve entender-se “como um juízo de censura dirigido a quem podia e devia ter atuado em conformidade com os deveres gerais e especiais e não o fez”. O grau de culpa, tal como os demais elementos revelados pelo citado artigo 96.º do EMJ, haverão de escorar a escolha e concretização da sanção, em obediência ao princípio que impõe a sua proporcionalidade e do qual deriva que a sanção aplicada se mostra necessária, adequada e é “a que se impunha à luz dos interesses em presença”, tanto mais que, “se houver mais do que uma pena adequada à salvaguarda do interesse público, se deve aplicar a que for menos gravosa para o trabalhador”.»
Importa ainda ter presente o fim visado com a sanção disciplinar. É sabido que a sanção disciplinar constitui uma admoestação formal ao trabalhador pelo seu incumprimento, sendo o seu principal fim interpelar o trabalhador, tendo em vista a que não reitere a conduta censurada e atue no cumprimento dos deveres e obrigações laborais e funcionais que sobre si impendem.
“Não se trata aqui, porém, de privilegiar em exclusivo (nem sobretudo) uma finalidade repressiva ou retributiva, em que avulte como principal escopo da sanção o de castigar o infrator. Ao invés, a censura disciplinar traduzirá essencialmente um meio de que a Administração Pública se serve para repor o equilíbrio do corpo social momentaneamente alterado pela violação de um ou mais deveres funcionais. Neste conspecto, as medidas disciplinares, indo ao encontro dessa necessidade de reequilíbrio, têm uma função essencialmente preventiva e educativa.” (Leal-Henriques, Procedimento disciplinar. Função Pública. Outos estatutos. Regime de Ferias, Faltas e Licenças. 4ª edição, Lisboa, Rei dos Livros, 2002 pp. 118-119).
As medidas disciplinares visam a proteção da capacidade funcional da Administração e têm como principal finalidade a «prevenção especial ou correção, motivando o agente administrativo que praticou uma infração disciplinar para o cumprimento, no futuro, dos seus deveres, sendo as finalidades retributiva e de prevenção geral só secundária ou acessoriamente realizadas» (Vasconcelos Abreu, Para o Estudo do Procedimento Disciplinar no Direito Administrativo Português Vigente: As Relações com o Processo Penal, Almedina,1993, pp. 43).
Assim, o que justifica a punição disciplinar, em primeira linha, é sobretudo o fim de prevenção especial. A aplicação de sanção disciplinar visa evitar que ocorra novo incumprimento de um concreto trabalhador — no limite, pondo termo à relação jurídica de emprego público (Ana Fernanda Neves, Direito Disciplinar…, ii, cit., pp. 513-514). Assim se explica que seja ainda por apelo à finalidade de prevenção especial que as medidas expulsivas sejam aplicadas em caso de infração que inviabilize a manutenção da relação laboral e, portanto, naquelas situações em que o agente, pelo seu comportamento, mostrou não dar garantias de poder continuar a contribuir para assegurar a capacidade funcional da Administração.
Diante deste breve enquadramento, recuperemos um extrato deliberação do CSM que o Requerente pretende impugnar, constante do facto nº9:
(…) Assim, norteando-nos pelos critérios de determinação da sanção a aplicar constantes do supracitado art.º 189 da L.G.T.F.P., cumpre começar por destacar a extrema gravidade dos factos praticados pelo Recorrente e o elevado grau de censurabilidade da conduta deste. Com efeito, tratou-se da apropriação de quantias pecuniárias recebidas no exercício das suas funções de oficial de justiça, o que constitui uma conduta suscetível, por si só, de abalar a imagem, a confiança e a credibilidade dos cidadãos no Tribunal. Tratou-se, por outro lado, de apropriação de quantias pecuniárias que, no seu todo, ascenderam a € 15.355,00, o que constitui um valor significativamente elevado. Há que dizer, ainda, que a conduta do Recorrente se desenrolou durante um período prolongado, compreendendo atos praticados em quatro anos distintos (2015, 2017, 2018 e 2019), pelo que se tratou de conduta reiterada e persistente. Finalmente, o Recorrente agiu como agiu depois de incumbido da tarefa do controlo dos atos avulsos e do depósito dos valores pecuniários arrecadados com eles por parte do Sr. Administrador Judiciário da Comarca e, portanto, em flagrante quebra da confiança que este depositou no mesmo. O grau de desvalor dos factos praticados pelo Recorrente e a censurabilidade da conduta deste são, como tal, extremamente elevados, situando a ilicitude e o grau de culpa do Recorrente no mais alto nível. É certo que o Recorrente, como salientou no seu recurso, reparou o prejuízo causado ao Estado, confessou os factos que praticou sem quaisquer reservas e, previamente aos factos que praticou, apresentava, por período superior a 10 anos, um percurso profissional de dedicação e zelo, sendo então detentor da classificação máxima de Muito Bom.
Temos, pois, por verificadas as circunstâncias atenuantes especiais previstas nas acima citadas alíneas a) e b) do art.190. ° da L.G.T.F.P..Independentemente dessa constatação, o certo é que também se verifica a circunstância agravante prevista na também referida alínea b) do art. 191. ° do mesmo diploma legal, consubstanciada na produção efetiva de resultados prejudiciais ao serviço e ao interesse geral.
Acresce que, se é certo que o Recorrente nunca pôs em causa os factos que praticou, não menos certo é que só o fez depois de confrontado com essa realidade pelo Sr. Inspetor do Conselho dos Oficiais de Justiça, no âmbito do procedimento inspetivo onde foram detetados os factos que praticou. O efeito que as circunstâncias atenuantes poderiam ter na determinação da sanção a que o Recorrente deve ser sujeito mostra-se, assim, dissipado, não relevando para afastar a imagem global de elevada censurabilidade da sua conduta que os factos que praticou transmitem.
Ora, a gravidade da conduta do Recorrente e os demais fatores acima destacados que marcaram a infração praticada são inelutavelmente comprometedores da manutenção do vínculo de emprego público, comprometendo de forma indelével a relação de confiança e de lealdade que tem de subsistir entre o Estado e o seu servidor. Assim, porque fundada nos supracitados preceitos legais, forçoso é concluir que a sanção disciplinar de Demissão é a única que se adequa à infração perpetrada pelo Recorrente, nenhuma censura merecendo, por isso, a deliberação impugnada que a aplicou. Improcederá, pois, o recurso, com a consequente manutenção da deliberação impugnada.
Podemos, assim, concluir que a decisão impugnada não padece do vício de violação de lei, nem viola o princípio da proporcionalidade e ainda que a apreciação efetuada envolva alguma margem de discricionariedade técnica, é igualmente irrefutável que a deliberação impugnada se fundou na aplicação estrita das normas legais que decorrem do EFJ e da LGTFP.
Na verdade, sendo o propósito da sanção disciplinar a prevenção de que o Requerente reiterasse o incumprimento dos deveres funcionais e ainda a defesa do prestígio do serviço público da justiça, julgamos que a sanção de demissão aplicada também observou os subprincípios da necessidade e de proporcionalidade.
Como decorre do segmento da deliberação acima transcrito, tratou-se, por parte do Requerente, da apropriação de quantias pecuniárias recebidas no exercício das suas funções de oficial de justiça, constituindo uma conduta suscetível, por si só, de abalar a imagem e a credibilidade do Tribunal, tendo ainda sido tomado em consideração que o Requerente era não um mero funcionário público, sobre o qual impendiam já especiais deveres, mas sim um oficial de justiça, com um estatuto próprio e com deveres acrescidos, porque lhe cabe a execução dos atos dos magistrados, bem como a prática de um conjunto cada vez mais alargado de atos processuais por competência própria, além de estar incumbido da tarefa do depósito dos valores pecuniários arrecadados por parte do administrador judiciário da comarca.
O Requerente apropriou-se de quantias pecuniárias que ascenderam ao valor de €15 355,00, constituindo um valor significativamente elevado; sendo que o seu comportamento se desenrolou durante um período prolongado pois abrange atos
praticados em quatro anos distintos (2015, 2017, 2018 e 2019), configurando um comportamento reiterado e persistente. Com efeito, num período tão longo, certamente, que surgiram inúmeras oportunidades para que o Requerente fizesse uma análise crítica ao seu comportamento e atuasse por forma a fazê-lo cessar, mas tal não aconteceu, o Requerente só admitiu os factos quando foi confrontado pelo inspetor do COJ, que notou a falta das verbas durante uma inspeção ordinária ao serviço, sendo apenas nesse momento que cessou a conduta faltosa.
Por outro lado, o efeito que as circunstâncias atenuantes poderiam ter na determinação da sanção aplicada ao Recorrente mostra-se dissipado porquanto não é suficiente para afastar a imagem de elevada censurabilidade do seu comportamento. A gravidade da conduta do Recorrente e os demais fatores que marcaram a infração praticada, designadamente, o longo período em que se desenrolou, são inelutavelmente comprometedores da manutenção do vínculo de emprego público, atingindo de forma indelével a relação de confiança e de lealdade que tem de subsistir entre o Estado e o seu servidor.
Neste contexto, não merece censura a apreciação do COJ e do CSM, quanto à manifesta desadequação da conduta do Requerente que desempenha funções de oficial de justiça a quem, por força desse exercício, se exige integridade, retidão e honestidade, e à inviabilidade da manutenção do vínculo funcional. Não se nos afigura desajustado um juízo pelo qual um funcionário nestas circunstâncias não deva manter o vínculo de prestador público porquanto a sua conduta determina uma perda irremediável na relação de confiança exigida para a subsistência daquele vínculo.
Na verdade, todos os factos apurados, reconhecidos pelo próprio Requerente, contribuíram para que o COJ, primeiro, e a entidade requerida, CSM, depois, tivessem considerado: i) que o requerente, pela sua conduta, mostrou não dar garantias de poder continuar a contribuir para assegurar a capacidade funcional da Administração, pelo que a única forma de evitar novo incumprimento de deveres funcionais passava pela extinção do vínculo; ii) que a gravidade das infrações merecia uma censura o mais candente possível, nomeadamente através da ablação do vínculo funcional; iii) que a confiança, quer dos demais elementos da instituição e da Administração da Justiça, por um lado, quer da própria comunidade em geral, por outro lado, apenas seria recuperada ou recuperável pelo exercício disciplinar que culminasse numa pensa de demissão.
Assim e em conclusão, não viola a lei nem o princípio da proporcionalidade a aplicação de pena de demissão, que se mostra adequada à gravidade do comportamento do Requerente, aos deveres violados e ao grau de culpa revelado, pelo que é de julgar improcedente a pretensão do Requerente.
III. Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes que constituem a Secção de Contencioso em julgar improcedente a presente ação.
Valor da ação € 30.000,01 (artigo 34º, nº 2, do CPTA), fixando-se a taxa de justiça, a cargo do requerente (artigo 527.º, n.º 1, do CPC), em 6 unidades de conta, de acordo com a Tabela I-A, anexa ao Regulamento das Custas Processuais e artigo 7.º, n.º 1, do mesmo diploma.
STJ, 24 de Fevereiro de 2021.
Maria Paula Sá Fernandes (Relatora),
Clemente Lima,
Olinda Garcia,
Ilídio Sacarrão Martins,
Fátima Gomes,
Rosa Tching,
Conceição Gomes
A relatora declara que, nos termos do art.15.º-A do DL n. 10-A/2020, de 13 de março, aditado pelo DL n.º 20/2020, de 1 de maio, o presente acórdão tem voto de conformidade de todos os adjuntos.
Sumário (art.º 663º n.º 7 do Código Processo Civil).