Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
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| Nº Convencional: | 4ª SECÇÃO | ||
| Relator: | JÚLIO GOMES | ||
| Descritores: | RECURSO DE REVISTA EXCECIONAL | ||
| Data do Acordão: | 10/15/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | REVISTA ECXEPCIONAL | ||
| Decisão: | NÃO ADMITIDA A REVISTA EXCECIONAL | ||
| Sumário : | I. Não existe contradição entre o Acórdão recorrido, no qual tendo os autores pedido a nulidade do contrato o tribunal decidiu que o mesmo era anulável com base no facto invocado e aqueloutro em que se decidiu que não pode o tribunal, tendo sido pedida a nulidade de um contrato por simulação, anular o mesmo por falta de consentimento dos outros filhos na venda de um prédio pelos pais a um filho por estarem em causa factos diversos. II. Não existe contradição entre um Acórdão que rejeita a possibilidade de liquidação em fase de execução por não se ter sequer provado a existência de um dano e outro – o Acórdão recorrido – em que se admite, tendo-se provado a existência de um dano, a quantificação do mesmo por liquidação na fase da execução. | ||
| Decisão Texto Integral: | Processo n.º 30969/22.8T8LSB.L1.S1 Acordam na Formação prevista no artigo 672.º n.º 3 do Código de Processo Civil junto da Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça, MEO - Serviços de Comunicações e Multimédia, S.A., Ré na presente ação declarativa de condenação, com processo comum, em que são Autores AA, BB e CC, veio interpor recurso de revista excecional do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa. O segundo Autor, BB, faleceu, sendo que em ........2025, foi proferida decisão que habilitou DD, EE e FF na qualidade de herdeiros de BB. O recurso de revista interposto pela Ré expressamente refere que “a Recorrente exclui do recurso os sucessores do 2º Autor”. O recurso de revista excecional foi interposto invocando como fundamentos as alíneas a) – esta alínea a título subsidiário – e c) do n.º 1 do artigo 672.º do Código de Processo Civil (doravante designado por CPC), relativamente a duas questões de direito: - Se, em face do pedido de declaração de nulidade dos acordos de revogação assinados entre os AA. e a Ré, as instâncias podiam ter considerado anuláveis tais acordos; - Se o Tribunal a quo podia ter relegado para liquidação o apuramento das diferenças retributivas a pagar pela Ré aos Autores. Relativamente ao fundamento da alínea c) do n.º 1 do artigo 672.º do CPC, a Recorrente invoca um Acórdão fundamento, relativamente a cada uma das questões suscitadas, a saber, quanto à primeira, o Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça proferido a 18 de janeiro de 2018, no processo n.º 1005/12.4TBPVZ.P1.S1, e quanto à segunda o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 24 de abril de 2007, proferido no processo n.º 10546/2006-4. Uma vez que a alínea a) do n.º 1 do artigo 672.º do CPC é invocada apenas a título subsidiário, começaremos a análise pela alegada contradição entre o Acórdão recorrido e os Acórdãos invocados como Acórdãos fundamento. No Acórdão recorrido afirma-se o seguinte: “(…) Os AA., trabalhadores ao serviço da empresa empresa 1, assinaram acordos de revogação dos respetivos contratos de trabalho seguidos de contratos de trabalho com a PT Comunicações, afirmando a sentença que os AA. estavam em erro ao assinar os acordos de revogação por não saberem que a empresa para a qual trabalhavam ia ser objeto de fusão. Sendo inválidos os acordos de revogação, os contratos de trabalho com a empresa 1 mantém-se e, "nessa medida têm inerentes a invalidade de outros contratos subsequentes que estejam em contradição com esta invalidade, por sobreposição", pois, "os AA. não podem ter um contrato de trabalho com a R. com as condições e antiguidade da que detinham na empresa 1 e um outro contrato com condições inferiores" (…) nestas circunstâncias, não se pode dizer que a sentença condenou em objeto diverso, porquanto desde a petição que se fala em erro, vindo a sentença a proceder ao enquadramento jurídico que entendeu adequado. Assim, não obstante o pedido, o certo é que a causa de pedir permite efetuar o mencionado enquadramento jurídico numa realidade distinta - em matéria de alegação e prazo -, mas, ainda assim, dentro dos limites do pedido. Tal como dito no Ac. do STJ de 18/01/2018, é legítimo na sentença declarar a anulação do contrato numa situação em que foram alegados na petição inicial factos relacionados com a anulabilidade. O mesmo se extraindo do já mencionado Ac. da RG de 12/03/2020”. Em suma, os trabalhadores pediram a declaração de nulidade dos acordos de revogação, mas invocando expressamente um erro que resultava de não terem sido informados sobre o destino da empresa do empregador a qual iria ser objeto de uma fusão. A causa de pedir consistia nesse facto e as instâncias consideraram que face à liberdade que assiste aos tribunais na qualificação jurídica dos factos podiam, em vez de pronunciar uma declaração de nulidade, anular os acordos de revogação, tanto mais que nulidade e anulabilidade são variantes da invalidade. Acresce que não há aqui qualquer prejuízo para a Recorrente em termos de exercício do seu direito de defesa e de contraditório: com efeito, sabia perfeitamente o que estava em causa – o erro dos Autores e a falta de informação por parte da empresa 1 – e teve todas as possibilidades de se defender em conformidade. Aparentemente, no entanto, este raciocínio está em contradição com o Acórdão fundamento. Neste pode ler-se: [P]odemos concluir que numa acção cujo objecto seja unicamente integrado pela declaração de nulidade de um contrato, com um determinado fundamento (v.g. simulação), não cabe a apreciação da anulabilidade do mesmo contrato com outro qualquer fundamento jurídico (v.g. falta de consentimento dos demais filhos do vendedor). O Tribunal é livre na qualificação jurídica dos factos alegados e provados e, até, em certa medida, na qualificação jurídica do pedido, ajustando-o ao que emerge dos preceitos concretamente aplicáveis, mas, como se disse, com uma forte restrição no que respeita à anulação dos negócios jurídicos, atento o duplo condicionamento: um que atina com a necessidade de alegação dos factos reveladores do vício determinante da anulabilidade (art. 5º, nº 2, do CPC); outro que respeita à invocação desse efeito jurídico (art. 287º, nº 1, do CC)” E acrescenta-se: “[M]esmo em relação à correcta qualificação do efeito jurídico o Tribunal não pode deixar de ponderar se em que medida foi assegurado o exercício do contraditório a respeito da figura jurídica resultante da convolação, no pressuposto de que os meios de defesa que ao réu é legítimo invocar num caso e noutro não são idênticos”. Contudo, uma consideração mais atenta da situação concreta de um e outro Acórdão revela que a oposição é aparente e não real, porque tiveram em conta situações muito diversas. O Acórdão recorrido confrontou-se com uma situação em que os Autores invocaram que não tinham sido devidamente informados e que incorreram em erro. Pediram a declaração de nulidade dos acordos revogatórios, quando o que estava em jogo era a sua anulação. Mas o facto que permite que o Tribunal se pronuncie e altere a qualificação jurídica é o mesmo e a Ré sabia o que estava em causa e pôde exercer plenamente o seu contraditório. Com efeito, tanto a nulidade como a anulabilidade são invalidades, sendo que, aliás, tanto a declaração de nulidade como a anulação têm efeitos essencialmente similares. Acresce que o facto invocado era o mesmo. E os requisitos específicos da anulação (por exemplo, o prazo prescricional) foram analisados pelo Tribunal. No Acórdão fundamento tratou-se da venda de um prédio pelos pais a um dos filhos, tendo sido pedida a declaração de nulidade da venda porque esta seria simulada. O que depois se questionou era se o tribunal poderia anular a venda por falta de consentimento dos outros filhos. Como é evidente os factos que servem de fundamento a uma e a outra consequência são muito distintos: num caso um acordo simulatório e no outro a falta de consentimento dos outros filhos. Aqui é que se poderia afirmar que a liberdade de qualificação jurídica do Tribunal esbarraria na diferença na causa de pedir e no respeito pelo contraditório (porque seria diferente a defesa perante a invocação de uma simulação entre vendedores e compradores ou perante a alegada falta de consentimento dos outros filhos). Não existe, por conseguinte, a alegada oposição. Quanto à segunda questão, importa começar por destacar que o Acórdão recorrido sublinhou que os trabalhadores tinham provado a existência de um dano, estando apenas por apurar o seu montante exato: “Conforme se decidiu no Ac. do STJ de 30/04/2014, Processo 593/09.7TTLSB, em face da insuficiência de elementos para determinar o montante indemnizatório, nada obsta a que se profira condenação ilíquida, com a consequente remissão do apuramento da responsabilidade para momento posterior, desde que essa segunda oportunidade de prova não incida sobre a existência dos danos, mas apenas sobre o respetivo valor. Jurisprudência que está em linha também com aresto anteriormente prolatado, em 10/07/2008, no âmbito do Processo 08B2174 onde se afirmou "Ao referir-se à inexistência de elementos para fixar a quantidade, a lei não distingue entre os casos em que são ou não formulados os pedidos genéricos a que se reporta o artigo 471°, n° 1, alínea b), do Código de Processo Civil. Ora, onde a lei não distingue, também ao intérprete não é legítimo distinguir, salvo se houver ponderosas razões de sistema que o imponham, ressalva que não ocorre no caso vertente. É, pois, pressuposto da remessa para o incidente de liquidação a que se fez referência a inexistência de elementos necessários à quantificação respetiva, independentemente de ela haver ou não resultado do fracasso da prova”. A existência de um dano resulta, aliás, desde logo, de como o Acórdão recorrido destaca “o novo contrato com a PT não reconheceu a antiguidade na empresa 1 nem manteve as mesmas condições salariais que todos [os Autores] tinham com esta”. Já no Acórdão fundamento as trabalhadoras tinham pedido um abono de assistência a clientes, mas não conseguiram demonstrar que tinham efetivamente e quando exercido a função a que estava associado o abono. Assim, não conseguiram provar a própria existência de um dano. Ora, e como se pode ler no acórdão, de 3 de maio de 2006, proferido na revista n.º 06S572 pela Secção Social deste Supremo Tribunal de Justiça, “[s]egundo o entendimento mais recentemente firmado por esta Secção, tendo o autor provado a existência de uma situação de violação do direito à retribuição, por ter logrado demonstrar que prestou trabalho susceptível de uma contrapartida remuneratória, ainda com desconhecimento do exacto montante que se encontra, a esse título, em dívida, nada impede que, por apelo ao disposto no artigo 661º, n.º 2, do Código de Processo Civil, se profira uma condenação no que se liquidar em execução de sentença (…) Poderá dizer-se, numa interpretação lata do artigo 661º, n.º 2, como a que agora se preconiza, que acaba por se conceder uma nova oportunidade de prova ao demandante. No entanto, importa considerar que essa segunda oportunidade de prova não incide sobre a existência da situação de violação do direito laboral, que constitui o fundamento do pedido, mas apenas sobre a quantidade da condenação a proferir. Dito de outro modo, só a completa inconcludência probatória é que conduziria à improcedência da acção; ao contrário, constatando-se que a ré incumpriu uma certa obrigação contratual, a mera ausência de elementos suficientes para determinar o montante em dívida apenas justifica que se profira uma condenação ilíquida, com a consequente remissão do apuramento da responsabilidade para execução de sentença”. Não existe, portanto, a alegada oposição entre os Acórdãos, já que no Acórdão recorrido foi feita a prova da existência do dano, o que já não sucedeu no Acórdão fundamento. Subsidiariamente o Recorrente invoca a alínea a) do n.º 1 do artigo 672.º do CPC. Convém, antes de mais, recordar que a revista excecional é, como o seu próprio nome indica, excecional e deve incidir sobre uma questão cuja solução por este Supremo Tribunal seja claramente necessária para uma melhor aplicação do Direito. Do que atrás já dissemos já decorre que não se verifica tal “clara necessidade” de o Supremo Tribunal de Justiça conhecer destas questões. Decisão: Acorda-se em não admitir a revista excecional. Lisboa, 15 de outubro de 2025 Júlio Gomes (Relator) Mário Belo Morgado José Eduardo Sapateiro |