Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
17135/08.4TDPRT.P1. S1
Nº Convencional: 3ª SECÇÃO
Relator: PIRES DA GRAÇA
Descritores: RECURSO PENAL
VÍCIOS DO ARTº 410.º DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL
REENVIO DO PROCESSO
TRIBUNAL DA RELAÇÃO
AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO
DOCUMENTAÇÃO DA PROVA
NULIDADE INSANÁVEL
Data do Acordão: 03/17/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO A RECURSO QUANTO À QUESTÃO DO REENVIO
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL PENAL – JULGAMENTO / SENTENÇA ( NULIDADES ) – RECURSOS / REENVIO DO PROCESSO PARA NOVO JULGAMENTO.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGOS 119.º, N.º1, AL. E), 374.º, N.º2, 379.º, N.º1, AL. A), 426.º, 426.º-A, 430.º, 431.º.
Sumário :
I - Não constando do acórdão do tribunal da Relação a enumeração de todos os factos relevantes para a decisão, nomeadamente em que termos ficaram supridos os vícios da anterior decisão assinalados pelo STJ, ou de outro modo, a manterem-se, para além dos factos novos elencados, os factos descritos na anterior decisão, continuarão a manter-se os mesmos vícios. Mesmo que um acórdão proceda à reformulação da matéria de facto de acórdão anterior, não basta aduzir a parte reformulada ou modificada, há-de apresentar a cabal decisão de facto, englobando todos os factos provados ou não provados, pois que embora referente ao mesmo objecto do processo, trata-se de nova decisão que, por isso, teme de obedecer ao disposto no art. 374.º, n.º 2, do CPP. Não o fazendo, o acórdão torna-se nulo nos termos do art. 379.º, n.º 1, al. a), do CPP.

II - Tendo o STJ determinado o reenvio do processo para novo julgamento, nos termos dos arts. 426.º e 426.º-A, do CPP, estando em causa um novo julgamento, total ou parcial, conforme o âmbito do reenvio, tal não implica a reformulação do acórdão anterior, mas a elaboração de um novo acórdão decorrente da prova produzida no novo julgamento. Tratando-se de acórdão da Relação, o reenvio é feito para este tribunal que, de duas uma: ou admite a renovação da prova e conhece do reenvio fazendo novo julgamento (total ou parcial, conforme a natureza do reenvio), ou reenvia o processo para novo julgamento à 1.ª instância.

III - Os vícios do art. 410.º, n.º 2, do CPP apenas podem ser supridos pela prova documentada, em termos de recurso para a Relação em matéria de facto, em que a Relação pode suprir os vícios da decisão da 1.ª instância, por conhecer de facto e de direito, e fixar definitivamente a matéria de facto, se a documentação da prova permitir, nos termos do art. 431.º do CPP. Se a Relação perante a documentação da prova não puder suprir os vícios terá de reenviar o processo para a 1.ª instância efectuar novo julgamento (total ou parcial).

IV - Porém, quando o reenvio é determinado pelo STJ, pressupõe que a Relação já examinou todos os elementos do processo que lhe serviram de base, a prova documentada, mas, continuado a persistir os vícios, já não é compreensível que a Relação perante a mesma prova possa raciocinar de maneira diferente. Daí que o julgamento decorrente do reenvio para a Relação, só pode ser efectuado por esta se admitir a renovação da prova, pois que, inexistindo, tem que reenviar o processo para novo julgamento em 1.ª instância, com resulta do disposto no n.º 2 do art. 426.º do CPP.

V - O tribunal da Relação no âmbito do reenvio pelo STJ, não pode limitar-se a reponderar a prova já examinada, para suprir vícios, como se tratasse de reformulação de acórdão em suprimento de nulidades, em correcção do acórdão anterior. Tem de haver um novo julgamento, ou pela Relação no âmbito estrito de renovação da prova, ou não sendo esta admitida, o novo julgamento tem de ser efectuado pela 1.ª instância, para onde o tribunal da Relação enviará os autos. Nada disto tendo sucedido, in casu, cometeu o tribunal da relação uma nulidade insanável, violando as regras de competência do tribunal, nos termos do art. 119.º, n.º 1, al. e), do CPP.
Decisão Texto Integral:

         Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


     _

Nos autos de processo comum com o nº 17135/08.4TDPRT, da 1ª Vara Criminal do Porto, foram julgados pelo Tribunal Colectivo, os arguidos AA, com a alcunha de "G....", casado, pintor de automóveis, nascido a 27-09- 1959, filho de BB e de CC, natural de Massarelos, Porto, residente na Rua ............. nº........,.......Dto, Porto; DD, com a alcunha de "T....”, solteiro, nascido a 05-09-1966, filho de EE e de FF, natural da Maio e residente na Rua da ....................., n.º ....., ......._ Traseiras, Porto; e GG, com a alcunha de "Z..........", solteiro, nascido a 02-04-70, filho de HH e de II, natural de São Tomé e Príncipe, residente na Rua ............., n° .....,.... Dto, S. Mamede de Infesta, Matosinhos, na sequência de pronúncia, que lhes imputava o cometimento dos factos que constam da decisão instrutória de fls. 4078 a 4084 que remete para os constantes da acusação de fls. 3472 a 3480 dos autos, que ora aqui se dão por integralmente reproduzidos para todos os legais efeitos e que consubstanciam a imputação aos arguidos em co-autoria de um crime de furto qualificado, p.p. pelas disposições conjugados dos artigos 202° alíneas b), d) e e), 203° nº 1 e 204º nº 2 a!. a) e e), todos do C.P. e ainda ao arguido DD a autoria de um crime de detenção de arma  proibida, p.p. pelas disposições conjugadas dos artigos 2° nº 1 al. p) e nº 3 al. a), 3° nº 2 al.s I) e q) e 86° nº 1 alíneas c) e d), todas da Lei 5/2006 de 23 de Fevereiro, com a alterações introduzidas pela Lei 17/2009 de 06 de Maio.

-

-A companhia de seguros “............ - Companhia de Seguros, S.A" deduziu contra os arguidos deduziu pedido de indemnização civil, contra os arguidos, pedindo a sua condenação solidária, a pagar-lhe a quantia de 9.177.871,52€ e ainda todas as quantias que esta vier a desembolsar à sua segurada “Companhia ..........., S.A", no âmbito de seguros celebrados com esta e por força dos sinistros verificados, como consequência da actuação dos arguidos, acrescido de juros.

-

Contra os arguidos foi ainda deduzido pedido de indemnização civil pela “Companhia ..........., SA" deles reclamando solidariamente a quantia de 5.047.938,07€ e o mais que se vier a apurar em execução de sentença, acrescido de juros moratórios a contar da notificação do pedido até efetivo e integral pagamento.

_

Realizado o julgamento, o tribunal Colectivo, em 7 de Outubro de 2011, veio a proferir acórdão, que decidiu:

 “Absolver os arguidos AA, DD e GG, da co-autoria de um crime de furto qualificado;

Condenar o arguido DD, pela autoria de um crime de detenção de arma proibida, p.p. pelo artigo 86° da Lei 5/2006, na pena de 200 (duzentos) dias de multa à taxa diária de 50,00 € (cinquenta euros). ou seja na multa de 10.000,00 € (dez mil euros).

Condenar este arguido no pagamento de 4 UCs de taxa de justiça reduzida a metade por força do preceituado no artigo 344° nº 2 al. c) do C. P. P., acrescido de 1 % a favor das vítimas dos crimes violentos e nas custas do processo fixando a procuradoria no mínimo.

Julgar improcedentes por não provados os pedidos de indemnização civil formulados pelas assistentes/demandantes "............ - Companhia de Seguros S.A" e "Companhia ............ SA" e, em consequência absolver os arguidos AA, DD e GG dos pedidos contra eles formulados.

Custas pelos demandantes.

            […]”


_

Inconformados, com o acórdão, dele recorreram para o Tribunal da Relação do Porto, o Ministério Público, e o arguido DD, vindo a Relação, por decisão de 3 de Julho de 2013, alterar a matéria de facto e acordando: “[…] em conceder provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público, anular o acórdão recorrido e determinar a sua substituição por outro que decida em conformidade com a alteração da matéria de facto dada como provada e acima descrita.

Não conhecer do recurso interposto pelo arguido DD por se encontrar prejudicado.


*

• Sem custas, (artº 513° nº 1 do Cód. Proc. Penal).”

_

Inconformados com o acórdão da Relação, os arguidos AA e DD, dele interpuseram recurso para este Supremo, que por acórdão de 29 de Janeiro de 2014, decidiu “declarar nulo o acórdão recorrido por omissão de pronúncia, nos termos do artº 379º nº 1 a) (1ª parte) e c) do CPP, por omitir a parte dispositiva da aplicação da lei à matéria de facto considerada provada.”

_

Baixando os autos, veio a ser proferido novo acórdão pelo Tribunal da Relação do Porto, 2ª secção, em 9 de Abril de 2014, que concedendo provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público e, revogando o acórdão recorrido decidiu:

“a) Condenar os arguidos AA, GG e DD, como co-autores de um (1) crime de furto qualificado, p. e p. pelos artº 203º nº 1 e artº 204º nº 2 aI. a) e e), com referência ao artº 202º aI. b), d) e e) todos do cód. penal. nas penas de sete (7) anos de prisão para o AA; sete (7) anos de prisão para o GG e de seis (6) anos e seis (6) meses para o DD.

b) Conceder igualmente provimento ao recurso de DD e condená-lo como autor de um crime de detenção de arma proibida/ p. p. pelo artigo 86º da Lei 5/2006/ na pena de 180 (cento e oitenta) dias de multa à taxa diária de 25,00 € (vinte e cinco euros), ou seja na multa global de 4.500,00 € (quatro mil e quinhentos euros).

c) Condenar os arguidos nas custas processuais, fixando-se a taxa de justiça em 6 UC cada um.

d) Condenar ainda os arguidos/ solidariamente/ a pagarem:

1. À demandante Companhia ..........., SA/f o montante de 51.533,67 € (cinquenta e um mil quinhentos e trinta e três euros e sessenta e sete cêntimos), correspondendo 25.000 € a título de danos não patrimoniais/ bem como no mais que se vier a liquidar em execução de sentença/ acrescido dos juros moratórias peticionados, vencidos e vincendos, à taxa legal de 4%, até integral pagamento.

2. À demandante, ............, Companhia de Seguros, Sa, o montante de 9.177.871,52 € (nove milhões cento e setenta e sete mil oitocentos e setenta e um euros e cinquenta e dois cêntimos), acrescido dos juros moratórias peticionados/ vencidos e vincendos, à taxa legal de 4%/ até integral pagamento.

 e) As custas cíveis serão suportadas na proporção do respectivo decaimento.


*

Bens apreendidos:

Determina-se a restituição aos arguidos dos objectos pessoais que se provou não terem sido produto do crime, nem utilizados na prática deste, bem como aqueles que se provou pertencerem a familiares. Declaram-se perdidas a favor do Estado as viaturas, de matrícula 000000, Nissan Navarro, pertencente a AA, devendo ter-se em conta que no pagamento desta viatura não se provou que 6.250,00 € fossem de origem ilícita; de matrícula 000000, Audi A6, pertencente a DD, devendo ter-se em conta que não se provou que 20.000,00 € pagos pela companheira daquele através de cheque, fossem de origem ilícita; e 0000000, BMW 535 D, pertencente a GG, devendo ser restituída a este, a viatura 0000000, motociclo Ronda CB500, que se encontrava na residência dos pais.

Declara-se igualmente perdida a favor do Estado a pistola apreendida a DD da marca Fratelli Tanfoglio, as barras de ouro apreendidas ao GG(na casa e no carro), respectivos telemóveis e cartões SIM pertencentes aos três arguidos ou por estes utilizados. Declaram-se. ainda perdidas a favor do Estado as quantias monetárias apreendidas em dinheiro vivo na posse dos arguidos, bem como os montantes das contas tituladas pelos próprios, depositados após o cometimento dos factos, devendo levantar-se a apreensão das contas bancárias tituladas por familiares dos mesmos.”

Inconformados com a decisão, dela recorreram para o Supremo Tribunal de Justiça:

O arguido DD

O arguido AA,

O arguido GG,

......- COMPANHIA DE SEGUROS; S:A,

Após a realização de audiência, que foi requerida, este Supremo, por acórdão de 1 de Julho de 2015, acordou “em decretar o reenvio do processo para novo julgamento, relativamente à totalidade do objecto do processo, nos termos dos artºs 426º e 426º-A do CPP.

Fica, por isso, prejudicado o conhecimento do objecto dos recursos.

Sem custas.”

            Baixaram os autos à Relação do Porto, após o que: “Composto o novo colectivo de juízes para a apreciação do mérito dos recursos os autos foram aos vistos e à sessão de conferência.”, e proferido o acórdão de 30 de Setembro de 2015 em que  acordaram “os juízes da 2ªSecção Criminal do Tribunal da Relação do Porto em julgar provido o recurso interposto pelo Ministério Público quanto à absolvição dos arguidos e não provido o recurso do arguido DD e, em consequência:

a)Alterando-se a decisão da matéria de facto nos termos supra expostos, condena-se os arguidos pela prática, em co-autoria material, sob a forma consumada, de um crime de furto qualificado p. e p. pelo disposto nos arts. 2020, b), d) e e), 203°, 1 e 204°, 2, ais. a) e d), todos do Código Penal, nas penas seguidamente concretizadas:

_ o arguido DD: 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão;

_ o arguido GG: 7 (sete) anos de prisão;

_ para o arguido AA 7 (sete) anos de prisão.

b) No mais, confirma-se a decisão recorrida.

Custas a cargo do recorrente DD, pelo decaimento no seu recurso, fixando-se a taxa de justiça em 4 (quatro) unidades de conta.

Custas a cargo dos recorridos AA e DD, fixando-se a taxa de justiça individual, a cargo de cada um, em 5 (cinco) unidades de conta.”

._

De novo inconformados, recorrem para este Supremo Tribunal:

O arguido AA, que conclui a motivação do recurso, com as seguintes:

            “v - CONCLUSÕES

1 - Por douto acórdão, datado de 1 de Julho de 2015, reconheceu a existência de um vício insanável de contradição na decisão proferida pelo Tribunal da Relação do Porto e, em consequência, determinou o reenvio do processo para novo julgamento relativo à totalidade de obiecto do Processo:

 - Os Autos desceram ao Tribunal da Relação do Porto que em 2/10/2015, proferiu uma decisão em que julgou provido o recurso interposto pelo Ministério Público quanto à absolvição dos arguidos e não provido o recurso do arguido DD e, em consequência alterando a decisão da matéria de facto nos termos supra expostos, condenou o Recorrente pela prática, em co-autoria material, sob a forma consumada, de um crime de furto qualificado p. e p. pelo disposto nos arts. 202°, b), d) e e), 203°, 1 e 204°, 2, ais, a) e d), todos do Código Penal, na pena de 7 (sete) anos de prisão;

3 - No mais, confirmou a decisão recorrida.

4 - Que decisão se os efeitos da decisão anterior do processo tinham sido destruídos pela decisão do Supremo de 1 de Julho de 2015?

5 - O Tribunal da Relação do Porto tendo em conta o conteúdo da decisão de Reenvio do processo para novo julgamento relativo à totalidade de objecto do Processo, em vez de mandar descer os autos para novo julgamento, ou ter efectuado um novo julgamento, levou a cabo a apreciação da decisão primitiva, acórdão de primeira instância na sequência de um alegado recurso intentado pelo Ministério Publico sobre a decisão absolutória.

6 - O Tribunal da Relação do Porto não efectuou um novo julgamento, relativamente à totalidade do objecto do processo, ou sequer a parte pericíal do mesmo nos termos dos artigos 426° e 426°-A do CPP, nem solicitou ao tribunal de primeira instancia para o fazer, mas, ao arrepio do decidido nesse Supremo Tribunal decidiu reanalísar o primitivo recurso do Ministério Publico sobre decisão absolutória primitiva iulgando procedente o Recurso do MP.

7 - Em causa não estava a reapreciação da matéria da Primeira Instância, matéria que se teria esgotado quando esse Supremo tribunal ordenou a repetição do julgamento quanto à totalidade da matéria. Aí se teria esgotado toda a possibilidade de apreciação de qualquer recurso por parte do Tribunal ora Recorrido.

8 - Não caberia a este, na nossa modesta opinião, a reapreciação de uma decisão anterior, ou a alteração dessa decisão quanto ao destino de bens que se encontram apreendidos nos autos, mas

9 - O TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO DEVERIA TER TOMADO UMA NOVA DECISÃO, REENVIADO DO PROCESSO PARA O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTANCIA PARA A DITA NOVA DECISÃO.

10 - Aliás com esta decisão ora em crise ficam dúbias várias situações nos autos, nomeadamente fica em tal situação a entrega dos bens comprovadamente de terceiros, que não os arguidos. que se encontram apreendidos nos autos, pois esse Venerando Tribunal ao mandar repetir o julgamento destruiu os efeitos da Decisão original e urgia ao tribunal ora recorrido tomar outra. Ficamos sem saber se de quem são os bens apreendidos, qual o seu destino visto a decisão anterior já nenhum efeito tem.

11 - Visto a decisão desse Tribunal em 1/7/2015 ter destruído a decisão primitiva dos autos impunha-se quer mais que reapreciar uma decisão “fantasma': se proferisse uma nova pelo que a decisão ora em crise é tomada ao arrepio e de maneira ostensivamente contrária à decisão do Supremo e ao arrepio e em violação do vertido nos artigos n.º 426 e 426a do CPC

12 - Não tendo existido novo julgamento mas uma nova decisão baseada na reapreciação de uma anterior que inexiste e que até absolveu o Recorrente AA opera-se antes de mais em clara uma violação do principio da presunção da inocência à luz do princípio exigido pela presunção constitucional de inocência do Recorrente vertida no artigo 32.°, n.º 2 da CRP, o que prefigura uma verdadeira inconstitucionalidade, pois

13 - O Recorrente jamais poderá ser condenado a sete anos de prisão sem que haja, na sequência do ordenado por esse Supremo Tribunal, uma nova apreciação autónoma da factualidade e uma nova condenação, não como a vertida na decisão ora em crise, proveniente de decisão anterior, mas uma DECISÃO NOVA.

Sem Prescindir

Mas, se Vossas Exas. Venerando Conselheiros, considerassem que foi efectuado um novo julgamento quanto à totalidade da matéria baseado na prova produzida no tribunal de l.ª instancia e recurso intentado pelo Ministério Publico quanto à decisão primitiva do Tribunal de Primeira Instancia sempre se diria:

14 - O Acórdão recorrido considera que existiu um erro na apreciação da prova, (vício previsto no artigo 410º n,º 2 aI. c) do CPP, por parte da decisão da Primeira Instancia que considerou nula a prova produzida pelos agentes KK e JJ por violação dos artigos 356.º, n.º 7 e 357º n,º 2 do diploma legal já referido, bem como teria havido erro de julgamento, tendo em conta as regras da experiencia comum na valoração de contactos telefónicos, localização dos arguidos, bem como factos provados quanto à vida dos arguidos.

15 - O Acórdão ora posto em crise viola, Venerandos Desembargadores, na nossa modesta opinião vários princípios básicos do direito penal na alteração que efectua à matéria dada por provada no tribunal de primeira instancia para concluir pela condenação dos arguidos.

16 - A decisão ora em crise não tem em conta os princípios da oralidade, da imediação, bem como o princípio do "in dubio pro réu” violando na sua interpretação os limites impostos pelas normas processuais vertidas nos artigos numero 127º, 410.º n,º 2 ai c) do Código de Processo Penal e a do artigo nº 32.º, número 1, 2 e 9 da Constituição da República Portuguesa na forma como valora e interpreta a prova supra referida.

17 - O Tribunal Recorrido tem, ainda, por fundamental e valora o depoimento (indirecto) das testemunhas, agentes da PSP, JJ e KK, violando o vertido nos artigos n.º 356º, n.º 7 e 357.° n.º 2 do CPP, valorando prova nula.

18 - A interpretação que o tribunal recorrido efectua utilizando o conteúdo dos artigos n.º 356, n.º 7 e 357º n.º 2, e 129º do CPP parece-nos ser inconstitucional por violação dos n,ºs 1,5, 8 do artigo n.º 32 da Lei Fundamental.

19 - O próprio Ministério Publico no seu recurso interposto da decisão absolutória de primeira instância refere que ..." não existem provas directas que permitam a imputação do furto aos arguidos .. .”

20 - Efectivamente, o artigo 127º do C.P.P. consagra o princípio da livre apreciação da prova, não se encontrando os senhores Desembargadores sujeito às regras rígidas da prova tipificada, o que não significa que a actividade de valoração da prova seja arbitrária, pois está vinculada à busca da verdade, sendo limitada pelas regras da experiência comum e por algumas restrições legais.

21 - O tribunal de Primeira instância beneficiou da imediação e da oralidade enquanto o de recurso esteve limitado à prova documental e ao registo de declarações e depoimentos. A ausência de imediação determina que o tribunal de 2.a instância, no recurso da matéria de facto, só possa alterar o decidido pela 1.ª instância se as provas indicadas pelo recorrente impuserem decisão diversa da proferida.

22 - E terá razão de ser, pois o contacto pessoal entre o juízes e os diversos meios de prova, confere, ao julgador em 1ª instância, meios de apreciação da prova pessoal que o tribunal de recurso não dispõe para apreciar a credibilidade das declarações e depoimentos, com fundamento no seu conhecimento das reacções humanas, atendendo a uma vasta multiplicidade de factores: as razões de ciência, a espontaneidade/ a linguagem (verbal e não verbal), as hesitações/ o tom de voz, as contradições.

23 - Quanto à factualidade da vida do Recorrente/ à sua profissão e à sua vida social é dado por provado pelo tribunal de primeira instância:

24 - Durante os anos de 2006 e 2007 o casal declarou, para efeitos de pagamento de IRS, respectivamente as quantias de 56.000,00 € e 41.950,93 €. Antes dos factos em apreço nestes autos o casal detinha na conta bancária à ordem nº 000000000000 da CGD, agência do Campo Alegre, cerca de 45.000,OO€, tendo efectuado, nesse mesmo ano, o pagamento de 50.000,OO€ (1O.000,OO€+40.000,OO€) a título de sinal e princípio de pagamento relativo ao contrato promessa de compra e venda de um imóvel. Para aquisição desse imóvel o arguido e a sua mulher tinham já tido parecer favorável da CGD para a concessão de um empréstimo no valor de 250.000,00 €. O arguido e sua mulher não lograram comparecer no dia 07/10/2009 para outorgar a escritura pública. A viatura automóvel adquirida pelo arguido foi paga em três prestações, tendo o arguido entregue ainda, em troca, uma outra viatura do casal, um Renault Laguna matrícula 000000, com quatro anos, avaliada em 6.250,OO€, valor este que veio a ser abatido no preço final do Nissan Navarra que adquiriu.

25 - Foi com base na sua convicção que o tribunal colectivo de primeira instancia absolveu os arguidos, entre os quais AA, após análise quer dos dados objectivos fornecidos pelos documentos e outras provas trazidas aos autos, também pela análise conjugada das declarações e depoimentos de arguidos testemunhas e peritos. Analisou as suas atitudes, os seus modos e gestos, a seriedade das coincidências, toda uma quantidade de informação não verbal, dificilmente documentável, mas imprescindível e incindível para a valoração da prova que seja produzida a fim de ser apreciada segundo as regras de experiência comum e lógica do homem médio.

26 - Ora, tendo em conta as interpretações diametralmente opostas efectuadas de alguma factualidade, uma do tribunal de Primeira instância que beneficiou da imediação e da oralidade enquanto a outra a do tribunal ora recorrido esteve limitado à prova documental e ao registo de declarações e depoimentos, teremos de perfilhar a primeira pois a interpretação da prova ora efectuada e que acima mencionámos especificamente estará viciada por um erro notório na sua apreciação que resulta do próprio titulo recorrido ou conjugado com as regras da experiencia comum violando assim o vertido no artigo 410.°, n.º 2 ai c) do CPP.

27 - Jamais o artigo 127º do CPP que postula a livre convicção do julgador se poderá confundir com uma questão de fé ou convicção íntima daquele, impondo-lhe a lei que extraia das provas um convencimento lógico e motivado, avaliadas as provas com sentido da responsabilidade e bom senso.

28 - A aplicação da regra processual da «livre apreciação da prova» (art. 127.° do CPP), por parte do tribunal recorrido deveria ter-se regido antes de mais pela presunção constitucional de inocência do Recorrente, vertida no artigo 32.°, n.º 2 da CRP, o que não fez pelo que violou tal normativo constitucional garante.

29 - A dita regra processual da «livre apreciação da prova» (art. 127.° do CPP), na sua aplicação por parte do tribunal recorrido deveria ser, sempre ponderada e aplicada à luz do princípio «in dubio pro reo» exigido pela presunção constitucional de inocência do Recorrente, vertida no artigo 32.°, n.o 2 da CRP. Ora a prova produzida nos autos depois de avaliada segundo as regras da experiência e a liberdade de apreciação da prova, e na nossa modesta opinião conduziria sempre ¬«à subsistência no espírito do tribunal de uma dúvida positiva e invencível sobre a existência ou inexistência do facto».

30 - Utilizando a expressão utilizada pela primeira instância nos autos:

"Dito de outro modo e para finalizar a "fragilidade" de cada um, a falta de inequívoca convergência de todos eles, olhados no seu conjunto, não nos permitiram alcançar a certeza jurídica necessária para se concluir, para além da dúvida razoável, que os arguidos foram co-autores do crime de furto qualificado pelo qual todos vinham acusados,"

31 - Ao não ter aplicada o princípio "in dúbio pro reo", o Tribunal a quo violou o princípio garante do processo penal preceituado no artigo numero 32.°, n.º 2 da Lei Fundamental, condenou o ora recorrente apenas por convicção, com base, unicamente, numa presunção de culpa, subjectivamente considerada, avalisando a sua decisão de alteração da matéria de facto através de um juízo presuntivo, discricionário e na nossa modesta opinião carecido de suporte factual, de prova bastante, segura e inequívoca,

32 - O TRIBUNAL RECORRIDO TEM, AINDA, POR FUNDAMENTAL E VALORA AINDA O DEPOIMENTO (INDIRECTO) DAS TESTEMUNHAS, AGENTES DA PSP, JJ E KK QUE TERIAM CHEGADO AOS ARGUIDOS ATRAVÉS DE "FONTE" QUE RECUSAM REVELAR.

33 - PROCEDE, POIS O TRIBUNAL RECORRIDO À VALORAÇÃO DE PROVA NULA TENDO EM CONTA O VERTIDO NO NORMATIVO DO ARTIGO N.º 356, N.º 7 E 357.° N.º 2 DO CPC, E ATÉ TAMBÉM EM VIRTUDE DA PRETERIÇÃO DAS FORMALIDADES PREVISTAS NO ARTIGO 129 DO CPP.

34 - As declarações das testemunhas JJ e KK (agentes da PSP) não valoradas pelo Tribunal recorrido, nomeadamente; que num café da cidade o JJ ouviu o arguido AA afirmar para terceiras pessoas que "ainda tinha o ouro em casa" e a referir-se igualmente ao T... (apelido pelo qual era conhecido o DD) como estando implicado nos factos.

35 - O tribunal Recorrido de primeira instancia que apreciou directa e oralmente o depoimento dos ditos agentes da PSP não os valorou no que diz respeito a que os mesmos quando recolhiam informações para a investigação teriam escutado uma conversa, num café, ao Recorrente AA que o implicaria e implicaria o DD na matéria a ser discutida nos autos.

36 - A decisão ora em crise, contrariando tal motivação considera não ser de aplicar a restrição dos artigos n,º 356, n,º 7 e 357º n,º 2 ao que o agente teria ouvido dizer uma vez que o,. "se tratou de uma conversa ouvida presencialmente pelos agentes e por consequência o seu depoimento podia e devia ser valorado, já que não foram factos obtidos pela tomada de declarações ou através de conversas informais."

37 - Na nossa modesta opinião o depoimento das testemunhas JJ e KK não deveria ter sido valorado pois, na senda da motivação da primeira instancia terá de se considerar como uma prova notoriamente nula.

38 - Note-se que nos reportamos, por um lado, a um momento processual posterior àquele em que uma" fonte "teria referido aos ditos agentes/ testemunhas que os arguidos seriam os agentes do crime não estamos no plano da recolha de indícios de uma infracção de que a autoridade policial acaba de ter notícia e «colhe informações das pessoas que facilitem a descoberta dos agentes do crime»

39 - Estamos perante uma fase de recolha pura de prova visando os arguidos. A dita conversa presenciada não ocorreu no local do crime ou perto dele logo após a sua prática, mas no decurso de diligências de recolha de prova, já depois de os agentes policiais terem por suspeitos tais indivíduos, por existir séria suspeita. Só após a indicação da dita "fonte" e essa alegada conversa foram constituídos como arguidos. Ora ao abrigo do art.356, n07, do CPP, não poderão os depoimentos que reproduziram tais conversas ser valorados para formar a convicção do julgador.

40 - O normativo do artigo 356.° do CPC é um normativo excepcional pois é contrário ao princípio da imediação, que se especifica ainda mais com o vertido no seu artigo n.o 7 sobre a leitura permitida de autos e declarações de arguido, complementado com o vertido no artigo 357.°, n.º 2 do mesmo código.

41 - O Artigo n.º 356. n.º7 refere que; "Os órgãos de polícia criminal que tiverem recebido declarações cuja leitura não for permitida, bem como quaisquer pessoas que, a qualquer título, tiverem participado na sua recolha, não podem ser inquiridos como testemunhas sobre o conteúdo daquelas."

42 - O artigo em causa devidamente conjugado com o conteúdo dos n.ºs 1 a 5 do artigo n.º 58 do CPP assegura o respeito pelo principio da proibição da auto-incriminação aparecendo na sequencia do vasto leque de direitos de defesa consagrados no artigo n.o 32 da CRP.

43 - Podendo configurar a posição manifestada de valoração da prova dos depoimentos em causa, neste ponto uma interpretação errada deste conceito fundamental o que se traduzirá numa inconstitucionalidade o que desde já se invoca.

44 - Quer este princípio garante evitar que se aproveitem, em sede de audiência de julgamento as declarações dos agentes policiais sobre o que ouviram aos declarantes processuais quer feitas antes ou depois da abertura formal do inquérito quer o agente policial venha ou não a ser instrutor do processo.

45 - A única excepção ao normativo do 356.° n.º 7 e 357.° n.º 2 do CPP parece-nos ser a do depoimento do agente policial quando presta o seu depoimento sobre declarações que ouviu dizer durante a prática da actividade criminosa. Cremos só ser esta aprova lícita e directa do facto, pois poder-se-ia por em causa o próprio estado de direito se no voraz desejo de condenação dos arguidos os agentes policiais, em vez de investigarem e trazerem provas ao processo, conduzissem para os autos alegadas declarações que ouviram aos arguidos.

46 - As testemunhas geralmente apenas poderão testemunhar, pois, sobre o que sabem e apreenderam directamente da factualidade jamais podendo ou devendo, na nossa modesta opinião, pelo que já supra referimos quanto às garantias de um estado de direito ser valorado o que, neste caso um agente policial/ testemunha afirma ter ouvido dizer a um dos sujeitos processuais que apelidava de suspeito.

ADEMAIS,

47 - No seu depoimento o agente KK referiu terem direccionado a investigação para estes arguidos porque uma fonte lhes teria dado a informação que quem teria praticado o furto foi o N.....o AA, o T....e outro que era de raça negra conhecido por P..... conforme fls 5287 da decisão ora em recurso:

48 - Porque é que a dita fonte não foi chamada a testemunhar pelos agentes que teriam a possibilidade de provar a factualidade dos presentes autos com alguém que hipoteticamente conheceria a factualidade. Aliás como a decisão ora em crise também refere: "A instâncias da defesa, à testemunha foi pedida a indicação da identificação da "fonte", tendo-se escusado a revelar o nome e revelando até relutância em dizer era homem ou mulher, acabando por admitir tratar-se de um homem."

49 - Na decorrência do supra-referido estamos por um lado perante a valoração de prova proibida e por outro perante a inadmissibilidade da prova testemunhal da forma que foi efectuada e que num estado de direito não poderá jamais ser valorada ou admitida.

50 - Na nossa modesta opinião, Venerandos Conselheiros, a decisão recorrida ao ter valorado prova obtida em tais condições valorou prova nula tendo em conta o vertido no normativo do artigo n,º 356, n,º 7 e 357.º n.º 2 do CPC, e até também em virtude da preterição das formalidades previstas no artigo 129 do CPP,

51 - A interpretação que o tribunal recorrido efectua utilizando o conteúdo dos artigos n,o 356, n.º 7 e 357,º n.º 2, e 129º do CPP parece-nos ser inconstitucional por violação dos n.ºs 1,5,8 do artigo n,º 32 da Lei Fundamental.

NESTES TERMOS, E NOS MAIS DE DIREITO, QUE VOSSAS EXAS, VENERANDOS JUIZES DESEMBARGADORES, DOUTAMENTE SUPRIRÃO, E PARA QUE SE NÃO FAÇA MENOS CORRECTA INTERPRETAÇÃO DOS DA DECISÃO DESSE TRIBUNAL DATADA DE 1/07/2015, BEM COMO DOS ARTIGOS N.º 426º E 426°-A DO CPP DEVERÁ SER REPETIDO, NA INTEGRA O JULGAMENTO QUANTO À TOTALIDADE DA MATÉRIA, SOB PENA DE SE VERIFICAR A VIOLAÇÃO DO ARTº 32º N,O 1, DA CONSTITUIÇÃO DA REPUBLICA PORTUGUESA E CONSIDERAR-SE SEM NOVO JULGAMENTO CULPADO O RECORRENTE QUE ATÉ NOVA REAPRECIAÇÃO DOS FACTOS TEM DE SER JULGADO INOCENTE.

CASO ASSIM SE NÃO ENTENDA DEVERÁ CONSIDERAR-SE QUE A DECISÃO ORA EM CRISE VIOLA OS ARTIGOS N.º 356, N.º 7 E 357,0 N.º 2 129.°1 127º E 410° N.º 2 AL. C)I DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL E DO ART.º 32º N.º 1, 2, 5, 8 E 9 DA CONSTITUIÇÃO DA REPUBLICA PORTUGUESA DEVERÁ REVOGAR-SE A DECISÃO ORA EM CRISE MANTENDO-SE A DECISÃO ABSOLUTÓRIA PROFERIDA EM PRIMEIRA INSTÂNCIA NOS PRESENTES AUTOS.

FAR-SE-Á ASSIM A HABITUAL E SERENA JUSTIÇA.


-


O arguido DD que apresenta na motivação as seguintes:

CONCLUSÕES:

1.Por decisão proferida em 7 de Outubro de 2011 pela 1.ª Vara Criminal do Porto, que julgou parcialmente procedente, por provada, a acusação pública, foi o arguido DD absolvido da co-autoria de um crime de furto qualificado e condenado pela autoria de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art. 86.º da Lei n.º 5/2006, na pena de 200 dias de multa à taxa diária de € 50,00, ou seja na multa de € 10.000,00.

2.Deste acórdão interpôs o Ministério Público recurso para a Relação, por discordar da decisão de absolvição dos arguidos do crime de furto qualificado pelo qual vinham publicamente acusados, prendendo-se a motivação do seu recurso, essencialmente, com alegado erro de julgamento, impugnando-se a matéria de facto dado por provada e não provada, e erro notório na apreciação da prova [art. 410.º, n.º 2, al. c) do CPP]. 

3.Vem o presente recurso do Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto em 30 de Setembro de 2015, que concede total provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público, revoga o Acórdão proferido em 1.ª Instância e decide condenar os arguidos DD, AA e GG, pela prática de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 2 al. a) e e), com referência ao artigo 202.º al. b), d) e e) todos do Código Penal, nas penas de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão para o ora recorrente e 7 (sete) anos de prisão para os outros dois arguidos.

4.Decretado o reenvio e ordenado novo julgamento, notamos, relativamente à totalidade do objeto do processo, vê-se o ora Recorrente confrontado como novo Acórdão do Tribunal da Relação Porto que, à semelhança dos demais, insiste em atribuir-lhe a autoria pela prática de um crime que não cometeu e que em circunstância alguma seria capaz de cometer!

5.Concedendo total provimento ao recurso interposto pelo M.P., o Tribunal da Relação decide anular o Acórdão doutamente proferido pela 1.ª Instância considerando, sumariamente, que:

- O Tribunal a quo errou no seu julgamento ao desconsiderar completamente os depoimentos das testemunhas JJ e KK (Agentes da PSP), devendo tais depoimentos ser valorados de acordo com a livre apreciação do tribunal, a regra prevista no art. 127.º do CPP.

- Ao menosprezar e considerar sem relevância as localizações dos arguidos na noite do crime, fornecidas pelas operadoras, olvidando aqui as regras de experiência comum, aliadas a um dado objetivo documentalmente comprovado, o tribunal cometeu um erro de julgamento.

6.         E altera, suprimindo da matéria de facto dada como não provada a seguinte factualidade que considera assim provada:

“Que os arguidos AA, DD e GG elaboraram um plano de, em conjunto, se apoderarem de objectos com valor e quantia monetárias que se encontrassem na filial da “Companhia ..........., S.A.” sita naP............

Que os arguidos tiveram a colaboração do SoLLusa, já julgado e condenado como um dos autores desse furto.”

7.Acabando por concluir o que o próprio Tribunal que julgou, colheu e directamente apreciou toda a prova produzida em sede de audiência de julgamento não foi capaz de concluir, de que foram estes três arguidos os autores do crime de furto qualificado objecto dos presentes autos.

8.Portanto, o que temos é uma decisão de condenação assente, salvo o devido respeito, em indícios que se acham clamorosamente precários, e que face à detetada contradição insanável, ora se mostram reduzidos exceção feita às ditas localizações celulares a que o Tribunal a que se agarra com unhas e dentes_ a prova que, insistimos, se julga manifestamente nula, como infra se procurará demonstrar. 

9.Porém, e antes de mais, urge salientar que a primeira razão de discordância do recorrente com o Acórdão proferido, sobretudo atendendo à magnitude do vício invocado e às implicações dele decorrentes, designadamente em termos de fundamentação da convicção do Tribunal em matéria de facto - que se revelou completamente inquinada – prende-se com o facto de uma vez decretado o reenvio pelo STJ relativamente a totalidade do objeto do processo, não ter a Relação reenviado o processo para novo julgamento em primeira instância, entendendo estar em condições de, ainda assim, decidir.    

10.O art. 426.º do CPP prevê o reenvio do processo para novo julgamento sempre que, nos termos do seu n.º 1, existirem os vícios referidos nas alíneas do n.º 2 do artigo 410.º e não for possível decidir da causa, o tribunal de recurso determina o reenvio do processo para novo julgamento relativamente à totalidade do objeto do processo ou a questões concretamente identificadas na decisão de reenvio.

11.Prescreve por seu turno o n.º 2 da norma, que o reenvio decretado pelo Supremo Tribunal de Justiça, no âmbito de recurso interposto, em 2.ª instância, de acórdão da relação é feito para este tribunal, que admite a renovação da prova ou reenvia o processo para novo julgamento em 1.ª instância.

12.A declaração dos vícios do art. 410.º n.º 2 dá assim lugar ao reenvio do processo no caso de não ser possível ao Tribunal superior decidir da causa _como sucede no presente caso.

13.A respeito a Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto regulou especificamente o caso do reenvio ordenado pelo Supremo Tribunal em recurso interposto, em segunda instância, de acórdão do Tribunal da Relação, com a redação inscrita no n.º 2 do art. 426.º do CPP. Contudo, o facto é que a lei é omissa e não diz quando deva ter lugar cada uma dessas soluções, mas elas resultam da aplicação dos princípios gerais relativos aos poderes de cognição do TR.

14.Assim, tendo havido renovação da prova no julgamento na Relação, o Tribunal da Relação deve, após o reenvio ordenado pelo STJ, determinar segunda renovação da prova, sempre que o vício possa ser sanado com essa repetição do julgamento em 2.ª instância.

15.Tendo havido renovação da prova no julgamento na Relação, este Tribunal deve, após o reenvio ordenado pelo STJ, determinar o reenvio do processo para novo julgamento em primeira instância, sempre que o vício não possa ser sanado com a repetição do julgamento em segunda instância.

16.Por fim, não tendo havido renovação da prova na Relação, como é o caso que nos ocupa, o Tribunal da Relação deve, após o reenvio ordenado pelo STJ, determinar o reenvio do processo para novo julgamento em primeira instância. 

17.In casu, entendeu doutamente o Supremo Tribunal de Justiça que o vício de que padecia a decisão proferida pela Relação contendia com a totalidade do objeto do processo, determinando-se em conformidade a necessidade de realização de novo julgamento. 

18.Competia, assim, ao Tribunal da Relação, uma vez decretado o reenvio pelo STJ e determinada a realização de novo julgamento relativamente a todo o objeto do processo, determinar o reenvio do processo para novo julgamento em primeira instância!

19.Salvo o devido respeito, que é muito, o recorrente entende que atendendo às circunstâncias concretas do caso, ao vício reconhecido pelo STJ e à sua amplitude, que a realização de novo julgamento que abarque a totalidade do objeto do processo fica prejudicada na 2.ª Instância que, relembramos, chamada a decidir do Recurso do Ministério Público, com os elementos documentados nos autos de que dispunha, incorreu em manifesta e insanável contradição na fundamentação e entre a fundamentação e a decisão!

20.Tais contradições apresentaram-se de tal forma graves que foram reconhecidas oficiosamente por este Venerando Tribunal, que não se bastou com o reenvio do processo circunscrito ou parcial, e entendeu imprescindível a realização de novo julgamento relativamente a todo o objeto do processo. O que significa que a apreciação crítica da prova feita pelo tribunal então recorrido sofria de contradições que inquinavam decisivamente a fundamentação do acórdão em matéria de facto, e que só se compreendem fruto duma análise estanque e restrita da prova, demarcada, de resto, pelas alegações de recurso do Ministério Público.

21.No sentido que se defende veja-se, a título meramente exemplificativo, o Acórdão do STJ de 13-12-2007 (Proc. n.º 2261/07 -5.ª Secção Arménio Sottomayor (relator) Souto Moura Simas Santos): “A jurisprudência dominante do STJ considera que o reenvio previsto no art. 426.º do CPP só se aplica à 1.ª instância e que, no caso de recurso de decisão da Relação, o Supremo pode ordenar a este Tribunal a ampliação da matéria de facto, mas não o reenvio, pelo que uma decisão do STJ que ordene o reenvio dirige-se, salvo indicação em contrário, directamente à 1.ª instância.”

22.       Termos em que se considera violado o art. 426.º n.º 2 do CPP, exigindo-se, em conformidade, a revogação do Acórdão recorrido e o reenvio do processo para novo julgamento, relativamente à totalidade do objeto do processo, desta feita, para a 1.ª Instância.  

Sem prescindir, e por mera cautela de patrocínio,

23.       Ademais, da análise do Acórdão de que se recorre verificamos, sem margens para grandes dúvidas, que resulta do seu texto verificado o vício plasmado na al. c) do n.º 2 do art. 410.º do CPP – erro notório na apreciação da prova.

24.       Na fundamentação da sua decisão, e por evidente escassez de prova (testemunhal ou qualquer outra) que comprove a participação do recorrente nos factos que se acharam provados em 1.ª Instância, o Tribunal a quo opta por enveredar por um caminho deveras periclitante, socorrendo-se de todos os elementos indiciários de que dispõe para corroborar aquela que é a sua convicção, que não a convicção do julgador imediato, sobre a autoria daqueles factos.

25.E fá-lo, perdoe-se-nos o atrevimento, mesmo correndo o risco, como sucedeu, de incorrer em erro notório na apreciação da prova, dando como provada matéria de facto que não se compadece com as mais elementares regras de lógica e experiência comum.

26.Ora, é precisamente neste equívoco que incorre a decisão recorrida, designadamente, ao considerar, sem prejuízo e sem prescindir do que se dirá a respeito da validade desta prova, que os depoimentos das testemunhas JJ e KK (agentes da PSP) que testemunharam num café da cidade o então suspeito AA afirmar numa conversa com terceiros que “ainda tinha o ouro em casa” e a referir-se igualmente a um “T....i” como estando implicado nos factos, sejam suficientes para daí se extrair a conclusão de que esse tal “T.....” é, sem margem para dúvidas, o recorrente DD!!

27.Isto sob o argumento de existirem no processo “elementos”, que curiosamente o Tribunal a quo também não avança ou discrimina conforme, aliás, lhe competia, que permitem concluir que “T....” era o diminutivo pelo qual DD era conhecido.

28.Mas, observamos nós, haverá algum A...... que não seja tratado pelo diminutivo “T....? Ou, se se preferir, “T...” é ou não o diminutivo pelo qual é (alegadamente) tratado este DD como todos os demais indivíduos de nome A.......!?

29.É para nós demasiado evidente o erro notório em que incorre a decisão recorrida, e que esbarra, salvo o devido respeito, com as mais elementares regras de experiência comum! Erro este que decorre do texto da própria decisão e consiste em retirar de um facto dado como provado uma conclusão logicamente inadmissível e que contende com as regras de experiência comum, como a que se inscreve com um grau de certeza absolutamente chocante!

30.       Vício que se encontra plasmado na al. c) do n.º 2 do art. 410.º do CPP e que, sem prejuízo dos poderes de cognição deste Supremo Tribunal, pode e deve ser oficiosamente apreciado e suprido. 

31.       No mesmo sentido se vê o Recorrente compelido a caminhar, discordando veemente do acórdão recorrido, no que tange à valoração pelo Tribunal a quo dos depoimentos prestados em audiência pelas testemunhas/agentes da PSP JJ e KK, cujo conhecimento dos factos relatados ao Tribunal de 1.ª Instância provém, exclusivamente, do que ouviram dizer a um então “suspeito” _e não mero cidadão como refere a decisão recorrida_ numa conversa de café.

32.A respeito desta matéria concluiu, e a nosso ver bem, a 1.ª instância, não valorar o depoimento dos referidos agentes da PSP na parte em que estes afirmaram que, quando recolhiam informações preliminares sobre os autores do crime, ouviram, numa conversa de café, o arguido AA afirmar para uns circundantes que “ainda tinha o ouro com ele” e a nomear o T... (DD), por, em seu entender, tratar-se de prova nula.

33.No que diz directamente respeito ao depoimento de agentes policiais, o facto é que a nossa lei prevê um regime muito próprio, cuja essência decorre da proibição ínsita nos artigos 356.º n.º 7 e 357.º n.º 2 do CPP, sobre a leitura permitida de autos e declarações de arguido.

34.       Dispõe o n.º 7 da art. 356.º (ex vi n.º 2 do art. 357.º) que “os órgãos de polícia criminal que tiverem recebido declarações cuja leitura não for permitida, bem como quaisquer pessoas que, a qualquer título, tiverem participado na sua recolha, não podem ser inquiridos como testemunhas sobre o conteúdo daquelas”, visando esta norma garantir a eficácia do direito do arguido ao silêncio, que se frustraria se a leitura proibida de declarações pudesse ser contornada através da aceitação de depoimento incidindo sobre o teor dessas mesmas declarações, prestado por quem as tivesse recolhido.

35.Veda-se, assim, o aproveitamento em sede de audiência de julgamento do depoimento de agentes policiais sobre o que ouviram dizer a arguidos, testemunhas, assistentes, ofendidos, partes civis, lesados ou quaisquer outros declarantes, quer estas tenham sido feitas antes ou depois da abertura formal do inquérito, quer o agente policial venha ou não a ser instrutor do processo.

36.A lógica do sistema, deste particular regime, leva a que necessariamente se achem também incluídos na previsão da norma os ditos “suspeitos” , ou seja, as declarações e/ou afirmações/conversas informais presenciadas por órgão de polícia criminal, ocorram antes ou depois da constituição na qualidade de arguido.

37.Na esteira do exposto, não colhe o argumento sufragado no caso vertente pela Relação, de que o que está em causa é a atendibilidade de depoimento que incide sobre diligências de investigação legitimamente efectuadas por órgão de polícia criminal relativamente a factos de que teve conhecimento no exercício das suas funções.

38.O que deve, naturalmente, é realçar-se que não é possível, à luz do processo penal português (de qualquer processo penal, de resto), criar-se uma nova categoria processual de “conversas” resultantes de “actos investigatórios preliminares”, para justificar a validade e consequente exclusão de tal prova da proibição legal plasmada nas normas ora objecto de escrutínio, porque, no final das contas, sejamos pragmáticos, continuam a estar efectivamente em causa declarações de suspeito/arguido _sob pena de se subverter a lógica do sistema.

39.Se a ratio de tal proibição é afastar o conhecimento indirecto, através do depoimento de órgãos de polícia criminal, de declarações cuja leitura não é permitida _e note-se que estamos, em primeira linha, a referir-nos a declarações tomadas formalmente no inquérito e em que os visados, além de informados das consequências de tais declarações, podem, inclusive, fazer-se acompanhar por advogado_ não faz qualquer sentido que, quando estão em causa as ditas “conversas informais” ou, como se pretende, quando estão em causa testemunhos de “ouvir dizer” a suspeitos e/ou arguidos, possam os mesmos acrítica e despreocupadamente passar pelo crivo das aludidas normas, sob o pretexto de configurarem factos de que os OPC tiveram conhecimento no exercício das suas funções.

40.       Na verdade, e ainda que, no limite, se defenda que o nº 7 do art. 356º não abrange estes casos, os depoimentos do que se “ouviu dizer” a pessoas determinadas vêm expressamente regulados no art. 129.º do CPP. 

41.Da leitura da norma citada decorre, com inegável evidência, a natureza excepcional de tal instituto, ilação que além de estar intrínseca ao elemento literal do preceito.

42.Nestes termos, uma das linhas orientadoras da prova testemunhal prende-se com o facto de as testemunhas apenas poderem ser inquiridas sobre factos de que tenham conhecimento directo e que constituam objecto de prova.

43.       A não ser assim, e tratando-se de testemunha que “ouviu dizer” a outra testemunha, deverá então ser esta última devidamente identificada para que possa ser chamada a depor.

44.Mais defendemos, acompanhando alguma doutrina, que o depoimento indirecto, sua consideração ou valoração, só é aplicável no domínio da prova testemunhal, quando está em causa o que se “ouviu dizer” a certa(s) testemunha(s), jamais podendo ser considerado quando diz respeito a sujeitos processuais decisivos em processo penal, onde naturalmente se incluiu a figura do “suspeito”.

45.Tal resulta, inclusivamente, da própria letra da lei, cujo emprego das expressões: “chamar estas a depor”; “inquirição das pessoas indicadas”; “o depoimento de quem recusar” se não tem por equívoco, inocente ou não intencional.

46.Neste pendor, sérias reservas se nos levantam quanto à aplicabilidade, extensiva ou analógica, do regime previsto no artigo 129.º do C.P.P. quando o depoimento resultar do que se ouviu dizer a arguido, ainda que à data tão-só se tratasse de um suspeito, pois que o juiz do processo penal não pode chamá-lo ou intimá-lo a depor.

47.       Admitimos, contudo, que tal seja possível tão só na medida em que, em ordem à descoberta da verdade, possa o juiz convidar o arguido a exercer o contraditório e prestar declarações sobre o teor do depoimento (de ouvir dizer) prestado, e este livre e esclarecidamente se predisponha a fazê-lo.

48.No caso sub judice, os depoimentos prestados por JJ e KK reportaram-se ao que aquelas testemunhas terão ouvido dizer a pessoa (AA) que, à data, se apresentava já como um dos principais suspeitos nestes autos, circunstância que é incontestável. 

49.Por conseguinte, mesmo que se enverede pela corrente que aceita a aplicação analógica do art. 129.º quando estão em causa arguidos, não se pode descurar que ao longo da audiência de julgamento, o arguido AA, que decidiu prestar declarações, não foi convidado a prestar quaisquer declarações ou esclarecimentos na sequência do depoimento de tais testemunhas, como manda o n.º 1 do art. 129.º do CPP.

50.Nestes termos, sempre teria o Tribunal, após o depoimento desta testemunha e na sequência deste, de dar a palavra ao arguido visado – AA – para, querendo, se pronunciar sobre o mesmo, designadamente, contraditando-o (o que deveria ficar consignado em acta)   _o que não sucedeu!

51.A valoração da prova obtida nestas condições é tanto mais grave quando sustenta a formação da convicção do Tribunal para dar como provado que estes concretos arguidos foram os autores de factos tão graves, configurando uma ilegalidade que não poderá jamais admitir-se.

52.Em suma, entende o recorrente que a decisão recorrida valorou prova manifestamente nula, em virtude da proibição legal emergente dos art. 356.º n.º 7 e 357.º, n.º 2 do CPP,

53.Ou, no limite, e ainda que assim não se entenda, em virtude de não terem sido cumpridos os requisitos e formalidades do art. 129.º do CPP,

54.Apresentando-se, a interpretação oferecida pelo Tribunal da Relação às normas supra indicadas, inconstitucional, por violação do disposto nos números 1, 5 e 8 do art. 32.º e 29.º da Lei Fundamental.  

55.Na decorrência do que se deixou exposto, é manifesto estarmos perante uma típica situação de prova proibida, cuja verificação tem como únicos efeitos a inadmissibilidade daquela prova testemunhal, inquinando a decisão proferida pelo Tribunal da Relação, e a nulidade do acórdão que a considerou e valorou nos termos do disposto nos arts. 122.º e 379.º, n.º 1, al. c) do C.P.P., impondo-se em consequência a sua revogação com todas as legais consequências, assim se mantendo a decisão proferida em 1.ª Instância.

Por fim, e ainda sem prescindir, acrescenta-se por mera cautela de patrocínio,

56.Resulta outrossim por fundamentar a escolha da medida da pena muito próxima, aliás, dos oitos anos que configuram o limite máximo abstratamente aplicável ao crime aqui em causa. 

57.Afastando-se, por conseguinte, a aplicabilidade da norma constante dos artigos 50.º e 51.º do Código Penal, sem que se sopesem devidamente: a personalidade do agente, as suas condições de vida, a sua conduta anterior e posterior ao crime (o arguido é primário!) e sobretudo o decurso do tempo, 7 anos(!), deste a data dos factos  _relativamente aos quais se impunha a aplicação de uma pena menor e até suscetível de ser suspensa nos termos das normas citadas.

58.Mais se impunha, atendendo justamente ao desfasamento temporal – de 7 anos(!) – desde a data dos factos e inclusive desde o julgamento realizado em 1.ª Instância, a realização de novo e atual relatório social, que espelhasse as condições pessoais atuais do Recorrente, que, aliás, à semelhança do que sucedeu aquando do julgamento realizado em 1.ª Instância, decorridos 7 anos desde os factos, continua a não apresentar qualquer outra contenda com a justiça!   

59.Atentas as circunstâncias concretas deste caso impunha-se a elaboração de novo relatório social pelos serviços competentes do IRS, ficando, assim, o Tribunal numa situação de conhecimento das contemporâneas condições pessoais, sociais e económicas do arguido que lhe permitia, de modo bem mais seguro, dosear a pena e pronunciar-se acerca da suspensão da respetiva execução, a que se encontrava obrigado, por força do disposto no art. 50.º do Código Penal;

60.       Não o tendo feito, como a mera análise do texto da decisão claramente revela, existe uma situação de matéria de facto insuficiente para a decisão relativa à medida da pena, o que constitui o vício da al. a) do n.º 2 art. 410.º do CPP, suscetível de ser conhecido oficiosamente por este Venerando Tribunal, nos termos do disposto no art. 434.º do referido Código.

Mais de acrescenta, sem prescindir,

61.Que a pena aplicada ao arguido é injustificada, incompreensível, imerecida e injusta, impondo-se a sua revogação e reequacionação de acordo com a matéria fáctica efectivamente apurada, a concreta culpa e personalidade do arguido manifestada nos mesmos e nos momentos que os precederam e sucederam e as exigências de prevenção verificadas e, sublinhe-se, o facto de o mesmo não ter quaisquer antecedentes criminais.

62.A decisão recorrida denuncia, na determinação das penas aplicadas ao arguido, uma insustentável violação dos artigos 40.º, n.º2, 50.º e 51.º, 70.º, 71.º, n.ºs 1 e 2, 72.º, n.º 1,-d), 73.º do Código Penal e do artigo 343.º, n.º 1 do C.P.P., na qual concorre a desconsideração de matéria de facto apurada e a violação frontal de normas processuais, padecendo, por tanto, de ilegalidade, cuja apreciação e reconhecimento se requer a Vossas Excelências se dignem declarar, com as legais e processuais consequências.

Nestes termos e nos demais de direito: deverão dar V. Exas. provimento ao presente recurso:

Considera-se violado o art. 426.º n.º 2 do CPP, exigindo-se, em conformidade, a revogação do Acórdão recorrido e o reenvio do processo para novo julgamento, relativamente à totalidade do objeto do processo, desta feita, para a 1.ª Instância, como aliás e bem, havia sido decidido por esse Colendo Tribunal.

Caso assim se não entenda,

Deverão V. Ex.as dar provimento ao presente recurso, revogando-se em conformidade o Acórdão recorrido, e mantendo-se a decisão douta e legalmente proferida pela 1.ª Instância.  

                                                                                                              Em preito à JUSTIÇA

_

GG, que apresenta as seguintes conclusões na motivação de recurso:

          

- O Tribunal recorrido limita-se a efectuar raciocínio sobre o que se lhe parece, na medida em que nenhuma investigação fez, nem podia;

- Entende a defesa que, as questões sobre as quais o Venerando Supremo Tribunal de Justiça ordenou fosse reproduzida a prova, implicava que a repetição do julgamento ocorresse na 1.ª Instância, pois esta será a única com competência para apurar, investigar e concluir sobre as reais condições de vida dos arguidos à data dos factos e ponderar sobre a positiva valoração do depoimento dos OPC, sob pena de estarmos a subverter as regras do estado de direito, com flagrante violação do Princípio da Imediação;

            - Não sendo os elementos de prova suficientes para sanar o vício do art.º 410.º, n.º 2, não pode o Tribunal da Relação sanar o vício com base na documentação da prova ou na renovação da prova, uma vez que ambas dependem da impugnação da matéria de facto;

            - Como tal, não podia o Tribunal da Relação sanar o vício do art.º 410.º, n.º 2, uma vez que tal não era possível unicamente com os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre a matéria de factos do Tribunal de 1.ª Instância;

            - É convicção da defesa que o Tribunal da Relação deveria ter ordenado o reenvio do processo à 1.ª Instância, ao invés de se pronunciar sobre factos para os quais não estava, como continua a não estar, especialmente habilitado;

- Não o tendo feito, as questões de fundo mantêm-se e os mesmos vícios anteriormente apontados prevalecem;

- O ora Recorrente discorda veemente da decisão proferida pelo Tribunal da Relação, porquanto a mesma, de forma flagrante, viola vários princípios fundamentais do sistema penal, no que à matéria dada como provada pelo Tribunal de 1.ª Instância respeita.

- O Tribunal recorrido viola gritantemente os art.s 356.º, n.º 7 e 357.º, n.º 2, ambos do Cód. Processo Penal, na medida em que, erradamente, valora o depoimento das testemunhas, agentes da PSP, de nome JJ e KK;

-  O Tribunal recorrido na apreciação que dos factos faz, incorre no vício plasmado no art.º 410.º, n.º 2, al. c) do Cód. Processo Penal – erro notório na apreciação da prova, para além de outros.

- O Tribunal recorrido de forma diametralmente oposta ao Tribunal de 1.ª Instância valora e pondera sobre aspectos da vida do Recorrente, sobre os contactos telefónicos e sobre a localização dos arguidos;

- Quanto às condições de vida do Recorrente, entende-se que o Tribunal da Relação carece de legitimidade para efectuar qualquer juízo de valor, positivo ou negativo, porquanto o contacto pessoal do Julgador em 1.ª Instância, com os arguidos e demais elementos de prova, confere-lhe um poder imediato conclusivo sem paralelo, pelo que se subscreve as doutas considerações nesta matéria produzidas na decisão proferida em 1.ª Instância;

- No que aos contactos telefónicos e localização dos arguidos concerne, sempre se dirá, com a 1.ª Instância  que “ … não existem provas directas que permitam a imputação do furto aos arguidos …”;

- Considerando a privilegiada posição em que a 1.ª Instância se encontra e em prol do respeito pelos Princípio da Imediação e da Oralidade, outra não poderia ter sido a decisão, que não seja de absolvição, pela qual se continua a pugnar;

- Inexiste prova testemunhal com conhecimento directo dos factos, bem assim como inexiste prova documental e / ou pericial capaz de corroborar os factos;

- O Tribunal da 1.ª Instância, ao decidir como decidiu, buscou a sua inspiração no Princípio da Imediação e da Oralidade;

- Ao contrário, o Tribunal da Relação bebe da prova documental e testemunhal e das alegações dos Recorrentes;

- As provas apresentadas a recurso impunham apreciação e decisão diversa da que foi proferida em 1.ª Instância;

- O Tribunal recorrido não pode sustentar a sua decisão exclusivamente no art.º 127.º do CPP, uma vez que se impõe provas concretas, devidamente justificadas e fundamentadas, sob pena de se por em causa a liberdade de uma pessoa, in casu, o Recorrente;

- O Tribunal recorrido condena apenas com base na convicção, numa presunção de culpabilidade, em flagrante violação dos Princípios da Imediação, Oralidade e da Livre Apreciação da Prova;

- O Recorrente continua a discordar da valoração efectuada aos depoimentos prestados, em sede de audiência de discussão e julgamento, pelas testemunhas JJ e KK, porquanto os mesmos resultam de depoimento indirecto, ou seja proveniente do que ouviram dizer, numa conversa de café, a um suposto suspeito;

- Manifesta-se total concordância pelo entendimento perfilhado pela 1.ª instância, na parte em que entendeu não valorar o depoimento daqueles agentes, quando afirmam que ouviram uma conversa de café, quando recolhiam informações preliminares;

- O Tribunal da Relação é do entendimento que, ao caso concreto, não será de aplicar a restrição dos art.s 356.º, n.º 7 e 357, n.º2;

- Em contrário, é convicção da defesa que tal prova é manifestamente NULA;

- Desde logo, importa destacar que na base do testemunho por estes agentes prestados está uma suposta “Fonte” que não é identificada, consequentemente, não aparece a explicar a sua razão de ciência;

- No que aos depoimentos dos agentes policiais concerne, prevêem os art.ºs 356.º, n.º 7 e 357.º, n.º 2 do Cód. Processo Penal a proibição sobre a leitura permitida de autos e declarações de arguido;

- O art.º 356.º, n.º 7, conjugado com o art.º 58.º, n.º 1 e 5, ambos do Cód. Proc. Penal e com o art.º 32.º da C.R.P., visa assegurar o cabal respeito pelo Princípio da Proibição da Auto-Incriminação;

            - O art.º 356.º, n.º 7 assegura a eficácia do direito do arguido ao silêncio;

- Pretende-se impedir o uso em julgamento do depoimento de agentes policiais sobre o que ouviram dizer a arguidos, quer tenha sido feito antes ou depois da formal abertura do inquérito, quer os agentes sejam ou não instrutores do processo, quer tenha sido antes ou depois da constituição como arguidos;

- O depoimento destas testemunhas nunca poderia ter sido valorado, porquanto de prova nula se trata;

- O momento inicial a que estes depoimentos se reportam e que se referem a uma suposta “fonte”, a qual teria referido àqueles agentes, aqui Testemunhas, que os arguidos seriam os agentes de crime;

- Estamos perante uma fase de recolha de prova;

- Não estamos perante conversas de café, ouvidas por cidadãos comuns;

- Esta suposta conversa foi ouvida e registada por 2 (dois) OPC, numa fase embrionária da investigação e na sequência de uma “dica” de uma suposta fonte;

- Conversa reportada em depoimento, não por 2 (dois) cidadãos comuns, mas por 2 (dois) OPC no exercício das suas funções e como intervenientes da investigação, pelo que o seu depoimento não poderá ser enquadrado da mesma forma que o das demais testemunhas;

- Razão pela qual se entende que a sua valoração é NULA.

- Só na sequência da indicação da suposta “Fonte” e só após a suposta conversa é que se procedeu à constituição como arguidos;

- Nos termos do n.º 7 do art.º 356.º, os depoimentos que reproduziram tais conversas, não poderão ser valorados para formar a convicção do julgador, porque de depoimentos indirectos se trata;

- A norma jurídica visa afastar o conhecimento indirecto de declarações, por meio do depoimento dos OPC, cuja leitura não é permitida;

- Visa-se afastar o depoimento do que se ouviu dizer a pessoas determinadas – Art.º 129.º do CPP;

- De tal preceito legal decorre a excepcionalidade do instituto jurídico, de tal forma que pôs em causa o Princípio Constitucionalmente consagrado da Imediação da Prova, contido no art.º 128.º do CPP;

- O depoimento apenas pode incidir sobre aquilo que efectivamente pode ser directamente apreendido, da factualidade concretamente apurada e não daquilo que se ouviu dizer, de forma que seja dada a possibilidade ao arguido de exercer o contraditório;

- As conversas de “ouvir dizer” – art.º 129.º do CPP – como de depoimento indirecto se trata impede que o arguido seja confrontado com todos os demais meios de prova, impedindo-o do exercício do contraditório;

- Mesmo considerando-se a livre apreciação da prova pelo julgador, tais depoimentos nunca poderiam ser valorados, porquanto impedido sempre esteve o Tribunal de aferir da sua génese, na medida em que a suposta “Fonte” nunca foi identificada;

- É comummente aceite pela doutrina que não pode ser entendido como meio de prova o depoimento de uma testemunha que não consegue indicar através de quem obteve conhecimento dos factos e sobre os quais está a ser inquirida;

- Através deste depoimento indirecto não é possível obter o âmago da prova, a razão de ciência dos factos sobre os quais ela versa;

- Neste particular, muito bem esteve a 1.ª instância ao afastar o depoimento dos agentes policiais, porquanto, deliberada e conscientemente, não identificaram a “fonte” através do qual obtiveram informações;

- Os agentes podiam e deviam ter identificado a fonte, decorrendo daí a possibilidade de comprovação da factualidade por si alegada;

- Esta testemunhas, OPC, recusaram-se a identificar a origem da informação, decorrendo daí a impossibilidade deste depoimento servir como meio de prova;

- É convicção da defesa que, quanto à valoração da prova, estamos perante dois vícios distintos, prova proibida e inadmissibilidade da prova testemunhal;

- O Tribunal recorrido violou  grosseiramente os artigos 40.º, n.º2, 50.º e 51.º, 70.º, 71.º, n.ºs 1 e 2, 72.º, n.º 1,-d), 73.º, todos do Código Penal;

- A escolha da medida da pena se encontra incorrectamente justificada e fundamentada;

- O Tribunal Recorrido violou os art.ºs 50.º e 51.º do Código Penal;

- Imponderado foi a personalidade do Recorrente, as suas condições de vida, a sua conduta anterior e posterior ao crime, relativamente aos quais se impunha a aplicação de uma pena substancialmente inferior, inclusive, suspensa na sua execução;

- A ponderar positivamente, que o Recorrente é pessoa laboralmente activa desde muito novo, com actividade profissional conhecida e registada;

- A nível económico a situação é descrita como sendo estável;

            - É cidadão perfeitamente integrado socialmente;

- Consideramos que a pena concretamente aplicada, não é, como devia, um reflexo sério e justo da culpa do agente e das reais e actuais necessidades de prevenção (geral e especial) que a situação reclama;

- A pena concretamente aplicada ao Recorrente, além de incompreensível, imerecida e injusta é, perfeitamente, injustificada;

- Impõe-se a sua revogação e ponderação de acordo com a concreta culpa e personalidade do Recorrente;

- A decisão ora em crise recorrida, na determinação da pena aplicada ao Recorrente, resulta numa insustentável violação dos artigos artigos 40.º, n.º2, 50.º e 51.º, 70.º, 71.º, n.ºs 1 e 2, 72.º, n.º 1,-d), 73.º do Código Penal e do artigo 343.º, n.º 1 do C.P.P., na qual concorre a desconsideração de matéria de facto apurada e a violação frontal de normas processuais, padecendo, por tanto, de ilegalidade, cuja reapreciação e reconhecimento se impõe.

Nestes termos e nos demais de direito, doutamente supríveis, deverão V. Ex.as dar provimento ao presente recurso, revogando-se em conformidade o Acórdão recorrido, consequentemente, confirmando-se a douta sentença proferida em 1.ª Instância, assim o entendo, fazendo a costumada

JUSTIÇA

-

Respondeu o Ministério Público à motivação de cada recurso, no sentido de se dar “como improcedentes todas as questões suscitadas nas conclusões da motivação de recurso do arguido” e, consequentemente, negar provimento a tal recurso.

            Alega em suma que

“No caso dos autos, não foi requerida a renovação da prova neste TRP.

Mas é um facto que toda a prova está documentada

Por isso, a douta decisão sob recurso não violou, de forma alguma, o disposto no n.º 2, do artigo 426.º, do CPP, dado que não fazia qualquer sentido reenviar o processo para julgamento na 1.ª instância quando o vício da decisão a suprir tinha ocorrido no acórdão proferido na 2.ª instância.

Dando provimento ao recurso do M.ºP.º, foi alterada a decisão da matéria de facto da 1.ª instância, no seguinte sentido:

- Os arguidos, AA, DD e GG, conjuntamente com XX, já julgado e condenado pela prática destes factos, elaboraram um plano de, em conjunto, se apoderarem de objetos com valor e quantias monetárias que se encontrassem na filial da "Companhia ............, SA", sita na .........., assim:

- Entre os dias 13 e 14 de abril de 2008, a hora concretamente não apurada, do interior de uma das filiais da "Companhia .............. SA", sita na Praça .............., n..........., na cidade do Porto, os arguidos furtaram inúmeros objetos em ouro que constituíam o penhor dos empréstimos que essa instituição concedia aos seus clientes.

- Para o efeito, cortaram as linhas telefónicas e a destruição/corte de alguns dos componentes do sistema de segurança contra intrusão instalado no edifício daquela filial, em particular da sirene de alarme colocada no seu exterior.

- Numa segunda fase, e já no dia 14 de Abril de 2008, pelas 2:29 horas, usando os andaimes montados numa obra em curso num imóvel próximo daquele estabelecimento, acederam ao telhado do referido prédio e, de seguida, a uma varanda, cuja porta foi forçada, destruindo o respetivo mecanismo de fecho.

- Através da porta da mencionada varanda do estabelecimento de penhores, conseguiram então aceder ao seu interior.

- Aí chegados, aqueles arguidos e o referido C............. utilizando as ferramentas apreendidas e examinadas nos autos forçaram e destruíram a fechadura de um dos quatro cofres-fortes existentes no estabelecimento.

- De seguida, do interior do citado cofre e também das montras de exposição existentes na ourivesaria do estabelecimento, mas sobretudo do cofre, retiraram vários artigos/artefactos de ourivesaria, em ouro, com o peso total aproximado de 303.303, 3 gramas e com o valor global de cerca de € 10.774.110,00, tendo sido retirados do cofre vários artigos/artefactos em ouro, com o peso de 276.093,9 gramas e no valor de € 10.565.372,00, os quais, na sua esmagadora maioria, haviam sido entregues no estabelecimento pelos clientes deste, como cauções dos empréstimos concedidos aos mesmos pelos responsáveis do estabelecimento e nos termos dos contratos de mútuo celebrados e, da ourivesaria, vários artigos/artefactos em ouro, com o peso de 25.209,4 gramas e no valor de € 208.738,35.

- Pelo menos parte significativa dos citados artigos/artefactos encontram-se discriminados nas relações constantes de fls. 47 a 257, cujo teor aqui se dá por reproduzido, para todos os efeitos legais.

_ Ainda do interior daquele cofre os arguidos retiraram a quantia monetária de cerca de € 4.852,00, correspondente ao apuro do caixa do estabelecimento.

_ Quanto a estes factos correu termos o inquérito n.º 388/08.5PPPRT, de onde foi extraída a certidão que deu origem aos presentes autos, o qual foi posteriormente remetido à 3.ª Vara Criminal do Porto, vindo nesse processo a ser julgado e condenado na pena de 7 anos de prisão o LL.

- Os arguidos fizeram seus aqueles bens, bem sabendo que lhes não pertenciam e que agiam contra a vontade dos respetivos donos.

- Sabiam ainda que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.

Ora, esta matéria de facto dada como provada, juntamente com a julgada intocada na decisão da 1.ª instância, salvo o devido respeito, é perfeitamente suficiente para determinar a condenação do arguido e lhe fixar a medida concreta da pena, não se verificando, por isso, o vício previsto na alínea a), do artigo 410.º, do CPP.

Também nos parece não existir, na douta decisão sobre a matéria de facto qualquer outro dos vícios da decisão referidos no n.º 2, do artigo 410.º, do CPP.

No entanto, o recorrente alega que houve violação do princípio da livre apreciação da prova e ofensa ao princípio in dubio pro reo.

São questões essas, atinentes à fixação da matéria de facto, que não poderão mais ser suscitadas perante o STJ, porque este tribunal superior apenas poderá conhecer de questões de direito.

Alega o recorrente que a decisão sob recurso se encontra inquinada por uma nulidade consistente no excesso de pronúncia ao valorizar prova manifestamente nula, em virtude da proibição legal emergente dos artigos 356.º, n.º 7 e 357.º, n.º 2, do CPP.

Ora, quanto a esta matéria parece-nos não enfermar o acórdão sob recurso da referida nulidade, já que se pronunciou claramente sobre a referida questão embora, naturalmente, em sentido oposto à pretensão do recorrente, pois se considerou que tal prova não era proibida.


-

Neste Supremo a Dig.ma Magistrada do Ministério Público emitiu douto Parecer onde assinala:

 “Os arguidos DD, AA e GG novamente interpõem recurso para o Supremo Tribunal de Justiça do terceiro acórdão proferido em 30/9/2015 pelo Tribunal da Relação do Porto, dando cumprimento ao douto acórdão do STJ que havia anulado o 2º acórdão condenando os arguidos pelo crime de furto qualificado.

Neste novo acórdão que mais uma vez concedeu provimento ao recurso que o M.P havia interposto, os três co-arguidos AA, DD e GG foram condenados por co-autoria de um crime de furto qualificado artºs 203º, nº 1, 204º, nº 2 a) e b)  e  202º, al. b), d) e e) do CP, nas penas de prisão de 7 anos, os arguidos AA e GG e em 6 anos e 6 meses de prisão o DD. 

O MºPº junto do Tribunal da Relação através do SR. Procurador Geral-Adjunto respondeu separadamente aos três arguidos/recorrentes e com o qual também concordo.

1- O arguido DD volta a requerer, nos termos do artº 411º, nº 5 do CPP a realização de audiência, por isso não emitimos parecer relativamente ao seu recurso sobre as matérias impugnadas e que visam questões de direito.

Por isso também relativamente aos outros dois arguidos/recorrentes AA e GG sobre as questões de direito pronunciar-nos-emos também oralmente, porque quase todos são coincidentes.

1.2 – Sobre todas as questões que versam matéria de facto que os três arguidos visam nas conclusões da sua motivação, mantemos o que já dissemos nos pareceres anteriores (de 8/10/2014 e 29/4/2015), que nos temos e reproduzimos que juntamos.

Assim e por tudo isto parece-nos que os recursos interpostos pelos arguidos DD, AA e GG deverão ser parcialmente rejeitados por ser irrecorrível o acórdão do Tribunal da Relação do Porto quando versam matéria de facto, sem que seja violado o disposto no artº 32º da Constituição. “

.-

Cumpriu-se o disposto no artº 417º nº 2 do CPP.


_

Tendo sido requerida audiência, e designada data, realizou-se de harmonia com as formalidades legais, após os vistos,

_

Constava do acórdão recorrido antes de ter sido decretado o reenvio pelo Supremo Tribunal:

 […] consideram-se provados os seguintes factos:

-          Os arguidos AA, DD e GG, conjuntamente com LL já julgado e condenado pela prática destes factos, elaboraram um plano de, em conjunto, se apoderarem de objectos com valor e quantias monetárias que se encontrassem na filial da “Companhia ........... SA.” sita na Praça ..........., assim:

Entre os dias 13 e 14 de Abril de 2008, a hora concretamente não apurada, do interior de uma das filiais da "Companhia ..........., S.A”, sita na Praça.................... na cidade do Porto foram furtados inúmeros objectos em ouro que constituíam o penhor dos empréstimos que essa instituição concedia aos seus clientes.

Para o efeito foram cortadas as linhas telefónicas e a destruição/corte de alguns dos componentes do sistema de segurança contra intrusão instalado no edifício daquela filial, em particular da sirene de alarme colocada no seu exterior.

Numa segunda fase, e já no dia 14 de Abril de 2008, pelas 2:29 horas, usando os andaimes montados numa obra em curso num imóvel próximo daquele estabelecimento, foi acedido o telhado do referido prédio e, de seguida, uma varanda, cuja porta foi forçada, destruindo o respectivo mecanismo de fecho.

Através da porta da mencionada varanda do estabelecimento de penhores, conseguiram então aceder ao seu interior.

Aí chegados, auqles arguidos e o referido C............. utilizando as ferramentas apreendidas e examinadas nos autos forçaram e destruíram a fechadura de um dos quatro cofres-fortes existentes no estabelecimento.

De seguida, do interior do. citado cofre e também das montras de exposição existentes na ourivesaria do estabelecimento, mas sobretudo do cofre, retiraram vários artigos/artefactos de ourivesaria, em ouro, com o peso total aproximado de 301.303.3 gramas e com o valor global de cerca de € 10.774.110 (dez milhões setecentos e setenta e quatro cento e dez euros), tendo sido retirados do cofre vários artigos/artefactos em ouro com peso de 276.093,9 gr e no valor de € 10.565.372,00, os quais na sua esmagadora maioria haviam sido entregues no estabelecimento pelos clientes deste, como cauções dos empréstimos concedidos aos mesmos pelos responsáveis do estabelecimento e nos termos dos contratos de mútuo celebrados e, da ourivesaria, vários artigos/artefactos em ouro com o peso de 25.209,4 gramas e no valor de € 208.738,35 (duzentos e oito mil setecentos e trinta e oito euros e trinta e cinco cêntimos).

Pelo menos parte significativa dos citados artigos/artefactos, encontram-se discriminadas na relação constante de fIs. 47 a 257, cujo teor aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais.

Ainda do interior daquele cofre os arguidos retiraram a quantia monetária de cerca de € 4.852,00 (quatro mil oitocentos e cinquenta e dois euros), correspondente ao apuro do caixa do estabelecimento.

Quanto a estes factos, correu termos o inquérito nº 388/08.5 PPPRT, de onde foi extraída a certidão que deu origem aos presentes autos, o qual foi posteriormente remetido 3ª Vara Criminal do Porto, vindo nesse processo a ser julgado e condenado na pena de 7 (sete) anos de prisão, o arguido LL, conforme se retira da certidão do Acórdão constante de fls. 2899 a 2926.

Os arguidos fizeram seus, aqueles bens, bem sabendo que lhes não pertenciam e que agiam contra a vontade dos respectivos donos.

Sabiam ainda que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei,

No dia 22 de Julho de 2008, no decurso da investigação empreendida nestes autos, foram realizadas pela Polícia de Segurança Pública do Porto (PSP) diversas buscas:

Na residência do arguido AA, foram então encontrados e apreendidas pelos Agentes da PSP diversos objetos entre eles artigos/artefactos em ouro, bem como quantias monetárias, em notas emitidas pelo Banco Central Europeu, totalizando €22.025,00

No lugar de garagem sito na Vereda da .................", em S. Mamede de Infesta, ao qual se encontra atribuída a letra "..........", foram encontrados e apreendidas ferramentas.

Este local foi algumas vezes usado pelo arguido G.... e por outros !ndivíduos cujas identidades não se lograram apurar.

Alguma dessas ferramentas bem como as fechaduras do estabelecimento assaltado, estroncadas/destruídas aquando do assalto, foram remetidas ao Laboratório de Polícia Científica (LPC) da Polícia Judiciária, para realização de exame pericial, a fim de se apurar da eventualidade de terem ;ido tais ferramentas as utilizadas para o entroncamento das fechaduras.

No relatório de exame pericial, concluiu-se que:

"Os vestígios de acção de ferramenta observados no espelho do canhão de fechadura enviado foram provavelmente produzidos pelo alicate enviado, por nós referenciado como alicate 2 ( ... Y'i e,

OS vestígios de acção de ferramenta observados na tranca da fechadura enviada foram provavelmente produzidos pela barra de ferro enviada, por nós referendada como barra 2 ( ... )".

Ainda na mesma data, foi apreendido ao arguido AA o automóvel da marca Nissan, modelo Navarro, com a XX 0000000, bem como o documento (Factura) respeitante à compra desta viatura ~ pelo arguido, em 20/06/2008, pelo preço de € 41.770,00, à data já integralmente pago.

Foi ainda apreendido ao arguido AA o documento -.(contrato promessa de compra e venda) respeitante à aquisição pelo arguido de uma habitação pelo valor de € 300.000,00 (trezentos mil euros), dos quais € 250.000 (duzentos e cinquenta mil euros) teriam de ser pagos até ao termo do ano de 2008.

Para aquisição desta habitação este arguido tinha já visto aprovado em 19 de Novembro de 2007, pela Caixa Geral de Depósitos, um empréstimo no valor de 250.000,00 €.

Foram também apreendidos ao arguido AA diversos documentos, designadamente documentos bancários respeitantes a depósitos de dinheiro, efectuados pelo arguido após a data do furto, nas contas do Banco "CGD" da qual este arguido é co-titular com a sua esposa MM.

Na residência do arguido DD, acima referenciada, foram então encontrados e apreendidos pelos Agentes da PSP os diversos objectos entre os quais diversos artigos/artefactos em ouro.

Foram também apreendidas na residência deste arguido quantias monetárias, em notas emitidas pelo Banco Central Europeuf totalizando € 13.160,OO€.

Foram ainda apreendidos na residência do arguido DD 1 (uma) pistola de alarme da marca FRATELLI TANFOGLIO, modelo GT 28, calibre 8 mm, entretanto modificada/adaptada para arma de fogo, de calibre 6,35 mm, 15 (quinze) munições de calibre 6,35 mm, 1 (um) carregador para seis munições e 1 (um) coldre.

Também foram apreendidos ao arguido DD diversos documentos designadamente documentos bancários respeitantes a depósitos de dinheiro e cheques, efectuados pelo arguido nas contas do Banco “BES” da qual este arguido é co-titular com a sua companheira NN.

Ainda na mesma data, foi apreendido ao arguido DD o automóvel da marca Audi, modelo A6, com a XX 000000, bem como o documento (declaração/requerimento de compra e venda) respeitante à compra desta viatura pelo arguido, em 20/06/2008, pelo preço de € 84.900, à data já integralmente pago, a pronto, pelo mesmo.

Na residência do arguido GG, acima referenciada, foram encontrados e apreendidos pelos Agentes da PSP diversos objectos, entre os quais diversos artigos/artefactos em ouro, designadamente uma barra em metal pobre, com o peso de 113,5 gramas, com as inscrições “Ouro” e “779°.

Foram ainda apreendidas na residência deste arguido quantias monetárias, em notas emitidas pelo Banco Central Europeu, totalizando € 42.905,00, bem como várias ferramentas e alguns talões de depósitos e levantamentos bancários (Bancos CeD e Banif) - cfr. Anexo A.

Na mesma data, foi apreendido ao arguido GG o automóvel da marca BMW, modelo 535 D, com a XX 0000000 com o valor comercial de cerca de € 40.000,00, pertencente ao arguido e por ele adquirido, embora se encontre registado em nome do sogro do mesmo, OO, bem como o documento único do veículo, certificado de seguro (efetuado pelo arguido), e o documento comprovativo do Pagamento do Imposto Único de Circulação, respeitante a 2008.

Também foi apreendido ao arguido GG o motociclo da marca Banda, modelo CB5ÕO, com a XX 00000 que se encontrava aparcado na residência dos seus pais e outros familiares, sita no ........., Bloco ..., Entrada ..., ...., no Porto.

Ainda na mesma ocasião, os Agentes da PSP revistaram este automóvel BMW 535 D, tendo encontrado e apreendido no seu interior uma barra em metal pobre, com o peso de 858,20 gramas, com as inscrições "Ouro" e '778", embrulhado numa folha do jornal "DN", respeitante à edição de 09/05/2008.

Ainda na mesma data, o arguido GG foi conduzido à esquadra policial, onde foi sujeito a revista, tendo então sido encontrados em sua posse e apreendidos 1 (um) brinco em metal amarelo e 1 (uma) pulseira em metal amarelo e branco.

Após concluída a busca à residência do arguido GG, a esposa deste, PP, saiu da residência e deslocou-se à uma Caixa ATM, onde levantou a quantia de € 3.809,00 em numerário, vindo tal quantia a ser apreendida pela PSP.

Ainda na mesma data, a Polícia de Segurança Pública do Porto efectuou buscas, devidamente autorizadas, às residências de familiares do arguido GG.

Na residência do já referido sogro do arguido GG, OO, sita na Rua ............, nº 000, 000, em S. Mamede de Infesta, foram então encontrados e apreendidos objectos entre os quais diversos artigos/artefactos em ouro, bem como 1 (um) contrato de compra e venda de uma viatura de marca BMW, modelo 129 I, de cor. preta metalizada, efetuada em nome da esposa PP, r (um) contrato promessa de compra e venda de um prédio rústico, situado no lugar de A......, L....., Matosinhos, efetuada em nome do arguido e da PP, no valor de 150.000,00, e 7 (sete) volumes, com fita adesiva de cor branca e com letras azuis, com inscrições uSamil Peças, Transmissões para Automóveis, Rua .........., nº ...., tendo cinco volumes, assinalado a quantia de € 10.000.00, 1 (um) a quantia de € 50.000.00 e 1 (um) de € 6.000.00, perfazendo um total de € 106.000.00 (cento e seis mil euros).

Nesta ocasião, os Agentes da PSP revistaram os sogros do arguido GG, o já citado OO e a QQ, tendo encontrado na posse destes e apreendido as jóias.

Na residência dos pais e outros familiares do arguido GG, sita no ........., Bloco..., Entrada ......,..........º, no Porto, foram encontrados e apreendidos artigos/artefactos em ouro.

Aquando das buscas, foram igualmente apreendidos aos arguidos telemóveis e cartões SIM a eles associados.

Na sequência das descritas buscas foi determinada a apreensão dos saldos das várias contas bancárias dos arguidos e seus familiares.

O arguido DD detinha a mencionada pistola (inicialmente de alarme, mas posteriormente adaptada pelo arguido, ou pelo menos com o conhecimento deste, para arma de fogo) e munições, apesar de bem saber que é proibida a detenção e o uso _ de armas de fogo (e de munições) com as características daquelas, sem que as mesmas se encontrem devidamente registadas ou manifestadas, e sem a necessária licença de uso e porte de arma ou de licença para a sua detenção no domicílio.

As quantias em dinheiro e os automóveis apreendidos aos arguidos são produto deste furto, sendo no entanto de realçar que em relação ao Audi, modelo A6, com a XX 00000000 , adquirido por DD em 20/06/2008, pelo preço de €84,900, 20 000,00 € foram pagos com cheque emitido pela companheira.

Mais se provou que:

Quanto ao arguido G.... o seu processo de desenvolvimento decorreu no contexto do seu agregado de origem junto dos progenitores e dos quatro irmãos, sendo o segundo da fratria. A subsistência do agregado era assegurada pelos salários auferidos pelos pais, ele operário fabril e ela funcionária pública. A dinâmica familiar foi pautada pela disfuncionaIidade devido ao facto do progenitor ter- comportamentos agressivos dirigidos à esposa e filhos, que se foram mantendo ao longo da vida e até ter contraído doença e ficar diminuído na sua mobilidade.

Esta situação originou que todos os descendentes abandonassem a casa paterna muito jovens, passando longos períodos de tempo em casa dos avós maternos e de pessoas amigas que os acolhiam.

AA após conclusão do 1º ciclo do ensino básico começou a trabalhar numa oficina de automóveis com aprendiz de pintor.

Depois, apesar de laboralmente activo exercendo tarefas diversificadas. Após o cumprimento do serviço militar obrigatório contraiu matrimónio. Contudo, a relação a terminar, em virtude de ter sido condenado e cumprido pena de prisão por crimes contra o património, situação que a esposa não aceitava.

Posteriormente, após cumprimento da pena de prisão, houve reconciliação tendo contraído novamente matrimónio. Da relação existem dois filhos, com 30 e 18 anos, um dos quais se autonomizou recentemente.

À data dos factos, o arguido residia com o seu agregado, esposa e filhos, habitação da sogra. A dinâmica intra-familiar era e é funcionária, estruturada e solidária, com relações afectivas, descritas pela esposa, recompensadoras e satisfatórias.

A nível económico a situação era equilibrada decorrente da atividade laboral do arguido, pintor do ramo automóvel por conta própria e da esposa, funcionária de uma companhia de seguros.

No estabelecimento prisional AA tem apresentado relacionamento interpessoal adequado e comportamentos de acordo com os normativos vigentes.

Não tem desenvolvido atividade laboral/ocupacional relevante e ainda não beneficiou de medidas de flexibilização da pena.

Tem recebido visitas regulares dos elementos do seu agregado familiar, esposa e filhos, os quais estão recetivos a proporcionar-lhe as necessárias condições ao seu processo de reinserção.

No meio social de inserção, AA e família beneficiam de uma imagem social ajustada, sendo distinguido pela forma cordial e respeitadora com que estabelece relações interpessoais.

AA deu entrada no Estabelecimento Prisional do Porto em 27/10/2010 para cumprimento de pena única de 4 anos de prisão em que foi condenado pelos crimes de furto na forma tentada e consumada. Em 25-01-2011 foi transferido para o Estabelecimento Prisional de Santa Cruz do Bispo, onde se encontra actualmente.

A nível familiar continua a dispor do apoio da esposa e filhos, os quais continuam disponíveis para lhe prestarem as condições necessárias ao seu processo de reinserção.

O arguido tem antecedentes criminais e encontra-se actualmente em cumprimento de pena pelo cometimento de um crime de furto.

Quanto ao arguido DD:

DD é oriundo de um agregado familiar constituído pelos progenitores e três descendentes, sendo o mais novo dos irmãos.

Quando tinha quatro anos de idade ocorreu o falecimento da progenitora, altura em que o seu processo educativo passou a ser assumido pelo avô materno, elemento que se constituiu como uma figura significativa na vida dos netos.

Posteriormente o progenitor de DD manteve uma relação afetiva, da qual nasceram dois descendentes, não se tendo desvinculado afetivamente dos filhos do anterior relacionamento.

A nível escolar o arguido frequentou o sistema de ensino entre os .6 e 10 anos de idade, tendo concluído a 4ª classe. Seguidamente, passou a exercer atividades profissionais na área da construção civil.

Quando tinha catorze/quinze anos de idade o avô materno faleceu, tendo este e os irmãos passado a viver sozinhos e a gerir o quotidiano como pretendiam.

Ao nível profissional o arguido desempenhou a atividade profissional de "mestre de obras" e por conta própria em Portugal e Espanha. Assim, entre os anos 2000 e 2007, trabalhou com uma equipa em Espanha

. A partir de 2007 encontra-se em Portugal, onde se tem dedicado à recuperação do interior de habitações.

Ao nível afetivo DD aos 18/19 anos, iniciou uma relação com RR da qual nasceram dois filhos: SS e TT, atualmente com 20 e 16 anos de idade. Durante a infância dos descendentes (quando o filho, SS tinha 4 anos de idade e a filha TT algtms meses de idade) O casal separou-se devido ao comportamento aditivo mantido pela companheira do arguido e canse quente manutenção de um modo de vida associado à problemática da toxicodependência. Desde essa altura, DD assumiu a condução do processo educativo dos descendentes, os quais permanecem a seu cargo.

Posteriormente, DD tinha 34 anos de idade iniciou nova relação afectiva com a atual companheira, NN, tendo nascido uma filha, UU atualmente com 3 anos de idade.

O arguido refere que desde os 24 anos de idade ocupa parte do seu tempo a jogar póquer com amigos. Joga em estabelecimentos comerciais para o efeito e refere que há aproximadamente 10 anos" passou a ser jogador profissional.

No período a que se reportam os factos subjacentes ao presente processo, DD residia com o seu agregado familiar, constituído pelo próprio" companheira, NN (38 anos de idade, 6º ano de escolaridade), e os filhos SS (20 anos, estudante) TT (16 anos de idade, estudante) e UU (3 anos de idade). O filho mais velho do arguido só integra o agregado familiar ao fim de semana" permanecendo" durante a semana em casa da antiga ama" com quem estabeleceu uma ligação afetiva. O agregado habita, há aproximadamente 5 anos, um apartamento, tipologia T2 (adquirido através de empréstimo bancário)" localizado numa zona considerada antiga da cidade do Porto. Ao nível económico a situação é descrita como tendo sido estável. É  indicado como principal fonte de receitas mensais a remuneração auferida pelo arguido no desempenho da actividade profissional como sub-empreiteiro no valor de 1000 € por mês. Este valor cobria as despesas fixas do agregado no valor de 400 € (inclui prestação de empréstimo habitação, electricidade e água). Contudo também é indicado a existências de quantias que são variáveis enquanto jogador de póquer.

A organização do quotidiano do arguido tem sido realizada, essencialmente" em função do exercício da sua atividade profissional na área da construção civil, do jogo de póquer e do agregado familiar, garantindo aos descendentes um suporte" aos diferentes níveis, em função das suas necessidades.

O arguido mantem um relacionamento afetuoso com os descendentes, sendo a união com o cônjuge descrita pelo casal corno estável e gratificante.

Na ocupação do tempo de lazer, o arguido refere privilegiar o convívio com a família e amigos. O casal costuma sair com um grupo de amigos, mantendo o arguido outro grupo de amigos com os quais partilha tempos de ociosidade.

Este arguido é primário.

No que respeita ao arguido GG provou-se que:

Este arguido é o único filho oriundo de um casal com origem em Cabo-Verde, tendo nascido em S. Tomé e Príncipe, para onde se tinha deslocado o agregado familiar de origem por motivos profissionais do progenitor, polícia militar no exército no período anterior à descolonização.

Quando tinha dois anos de idade, o arguido veio para Portugal, tendo os pais se separado pouco tempo após a chegada a este país. Após a ruptura conjugal dos progenitores, que entretanto reorganizaram autonomamente a respetiva vida familiar, depois de uma curta estadia junto da mãe, integrou o agregado familiar do pai que se constituiu como a figura referencial educativa.

Frequentou o sistema de ensino até ao 5º ano de escolaridade que concluiu aos 14 anos de idade, apresentando um percurso escolar onde revelou problemas de adaptação à dinâmica escolar e desinteresse, que motivaram anos de insucesso de aprendizagem e abandono escolar precoce.

Iniciou exercício de atividade laboral logo após o afastamento do sistema de ensino como operário da construção civil até aos 18 anos de idade e depois em atividades diversas em empresas de trabalho temporário.

Aos 25 anos de idade, depois de ter desenvolvido durante cerca de um ano atividade por conta própria como empreiteiro na construção civil, trabalhou como prestador de serviços de segurança em estabelecimentos de diversão nocturna, tendo, posteriormente, estabelecido sociedade de propriedade sobre alguns deles.

A partir de 2002, estabeleceu uma sociedade de compra e venda de viaturas automóveis "Pegadas de Sorte", sedeada em Matosinhos que continua a explorar.

Viveu anteriormente em união de facto com companheira de quem teve dois filhos, atualmente com 17 e 14 anos.

Contraiu matrimónio aos 36 anos de idade, resultando dessa união conjugal, que mantém atualmente, o nascimento de outros dois filhos.

 GGintegra o agregado familiar com a mulher, os dois filhos menores de ambos e um filho de 14 anos de idade fruto do relacionamento anterior do arguido. O ambiente relacional intrafamiliar é definido como coeso e solidário.

Residem numa moradia própria, tipologia T4, com boas condições de conforto e habitabilidade, inserida em zona residencial suburbana do concelho de Matosinhos.

Segundo os respectivos elementos, a situação económica do agregado familiar é referida como confortável. Os proventos económicas resultam da exploração da sociedade de comércio automóvel atrás referida e de urna outra de que é co-proprietário, sedeada em Cabo-Verde que se dedica à importação e exportação.

A mulher do arguido é proprietária e gerente de um estabelecimento de estética e SPA. 

Os rendimentos mensais auferidos pelos dois elementos do casal são variáveis conforme a evolução dos negócios mas usualmente superiores a 4000 € e excedentes relativamente aos encargos fixos de que avulta a mensalidade do colégio particular frequentado pela filha no montante aproximado de 700 €.

Nos tempos livres, costuma ocupar o tempo no convívio com a família viajando também frequentemente para Cabo Verde, país onde mantém familiares e negócios.

Este arguido tem antecedentes criminais tendo já sido julgado e condenado, por crime de burla e de desobediência.


*

Da contestação apresentada pelo arguido G...., com interesse para a discussão da causa, provou-se que:

O ouro apreendido ao arguido, na casa da sogra onde vive, era pertença do seu agregado familiar, constituído por este, pela sua esposa, pelos filhos e pela sogra.

O agregado vive num imóvel que a sogra do arguido está a usufruir mediante um pagamento mensal que efetua para a Associação de Moradores do Bairro de Vilar

Alguns daqueles objetos em ouro foram adquiridos pelo arguido e  seus familiares, há mais de 10 anos.

O filho mais velho do casal é fisioterapeuta e aufere cerca de mil euros mensais.

A esposa do arguido trabalha na companhia de. seguros "Fidelidade Mundial"

Durante os anos de 2006 e 2007 o casal declarou, para efeitos de pagamento de IRS, respetivamente as quantias de 56.000,00 € e 41.950,93 €.

Antes dos factos em apreço nestes autos o casal detinha na conta bancária à ordem nº 000000000000 da CeD, agência do Campo Alegre, cerca de 45.000,00 €, tendo efetuado, nesse mesmo ano, o pagamento de 50.000,00 € (10.000,OO€+40.000,OO€) a título de sinal e princípio de pagamento relativo ao, contrato promessa de compra e venda de um imóvel.

Para aquisição desse imóvel o arguido e sua mulher tinham já tido parecer favorável da CGD para a concessão de um empréstimo no valor de 250.000,00 €.

O arguido e sua mulher não lograram comparecer no dia 07/10/2009 para outorgar a escritura pública.

A viatura automóvel adquirida pelo arguido foi paga em três prestações, tendo o arguido entregue ainda, em troca, uma outra viatura do casal, um Renault Laguna XX 000000 com quatro anos, avaliada em 6.250,OO€, valor este-que veio ,a ser abatido no preço final do Niss'an Navarra" que adquiriu.


*

Da contestação apresentada pelo arguido DD e com interesse para a discussão da causa provou-se:

As peças em ouro encontradas em casa deste arguido são pertença dos três filhos e da sua companheira.

O arguido obtinha através do jogo nos casinos quer de Espinho, quer da Póvoa do Varzim, nas máquinas de póquer, frequentes jackpots, sendo as quantias mais elevadas pagas através de cheques, mas sendo pagos em dinheiro prémios de montantes mais reduzidos.

Já em Agosto de 2002 o arguido procedia a depósitos, só no mês de Agosto no valor de quase 60.000,00 €.

Na conta de depósitos à ordem nº00000000 do Millenium BCP, agência de ............., Porto, no ano de 2008 de Janeiro a Julho o arguido efetuou vários depósitos em dinheiro no quantitativo global de 72.500,00 €. Só no mês de Janeiro o arguido efetuou depósitos no valor de 26.100,00 €.

Grande parte desse montante provem dos prémios de jogo que• o arguido obtinha sobretudo no casino de Espinho.

Parte do preço da viatura automóvel adquirida pelo arguido foi pago com um cheque de 20.000,00 € da companheira do arguido e com um cheque do mesmo valor do arguido. O restante em numerário.


*

Dos factos alegados nos Pedidos de Indemnização Civil:

A demandante "........... - Companhia de seguros S.A." no exercício da sua atividade seguradora celebrou com a "Companhia ...........", contrato de seguro titulado pela apólice nº RB4000000000 através da qual assumiu a obrigação de indemnizar, onde se incluía os objetos existentes no estabelecimento sito na ..................., nº ...., Porto.

Grande parte dos objetos furtados daí furtados está coberto pelo referido seguro.

Por força de tal contrato o demandante procedeu já ao pagamento da indemnização devida, tendo entregue à sua segurada a quantia de 10.108.957,72 f, pagamento este efetuado em várias tranches a saber; em 23/07/2008 a quantia de 1.200.000 €, 25/08/2008 a quantia de 1.200.000,00_ €, em 4/09/2008 a quantia de 1.-200.000,00 €, em 23/09/2008 a quantia de 1.200.000,00 €, em 8/10/2008 a quantia de 1.200.000,00 €, em 30/10/2008 a quantia de 1.200.000,00, e em 13/01/2009 a quantia de 1.708.057,72,.

Como no processo que correu termos na 3ª Vara foram apreendidos 50 quilos e ordenada a sua entrega à demandante e à ..........., entre ambos foi celebrado um acordo, no qual consignaram, para além do mais, que sobre os bens de ouro recuperados, fica determinada que a sua avaliação terá por base o produto da sua venda após fundição e purificação e que o valor obtido reverterá para ambas, Companhi8: Seguros e ........... na proporção de, respetivamente, 74,7% e 25,3%, devendo portanto ser abatido ao valor da indemnização paga o que vier a ser recebido pela seguradora:

A lesada/requerente, para além do supra referido contrato, celebrou ainda com "Companhia ..........., S.A." contrato de seguro titulado pela apólice ME 0000000, designado por "Multi-Riscos P AC 2000", através do qual assumiu a obrigação de indemnizar a sua segurada pela ocorrência de Furto/Roubo, como foi o caso dos autos, com local de risco no estabelecimento da sua segurada sito na Praça ............. e ........, no Porto.

Também por força de tal contrato, a requerente/lesada procedeu já ao pagamento de indemnização no valor de 41.783,70€ (quarenta e um mil setecentos e oitenta e três euros e setenta cêntimos).

A Companhia ........... aqui assistente e demandante existe há mais de um século, tendo sempre respeitado as suas obrigações e sido, sempre, também, respeitada por clientes e concorrentes, tendo por isso uma boa imagem.

Contudo, a confiança e prestígio que caracterizam a Assistente, foram postos, duramente, à prova, após o furto ocorrido, entre os dias 13 e 14 de Abril de 2008, na sua filial sita à Praça d................, ............., Porto, ficando descredibilizada,

Vivendo dias de absoluto desespero, pois eram inúmeros os clientes que, sabendo do ocorrido, telefonavam para as filiais da Assistente, escreviam cartas acusatórias, - reclamando e culpando a casa de penhores. Sucedeu que clientes, presencialmente, exigiam explicações e os seus objectos de volta.

A Assistente teve de suportar os custos para reparação das linhas telefónicas e do sistema de alarme daquela filial, destruídos no assalto, bem corno reparar a portada e janela danificada para conseguir a intrusão no estabelecimento.

Teve ainda de comprar novo cofre, mais seguro, face à destruição e inutilização de um dos cofres forte que detinha, no valor global de € 26.533,76 (vinte e seis mil quinhentos e trinta e h'ês euros e setenta e seis cêntimos)


*

Não se provou que:

-O motociclo apreendido ao arguido GG da marca Honda, modelo CB500, com a matrícula 000000, que se encontrava aparcado na residência dos seus pais, tivesse sido adquirido com dinheiro proveniente do furto,

-          Igualmente não se provou que o valor de 20.0000,00€, entregue pela companheira do arguido DD, por cheque, para pagamento da viatura Audi A6 supra citada fosse de origem ilícita.


-


No acórdão deste Supremo, de 1 de Julho de 2015, que decretou o reenvio, fundamentou-se:      

           

“Examinando, porém, o texto factual da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, verifica-se o seguinte:

Na motivação, que antecedeu a fixação da matéria fáctica apurada, e referindo-se aos bens e quantias apreendidos, constante da alínea g), a 2ª instância, após dizer que “importa analisar os factos provados relativos à vida dos arguidos antes e depois do assalto à Companhia de Crédito, nomeadamente ao nível económico”- fls 78 e segs do acórdão - explicitou:

“As justificações para terem consigo tais quantias em dinheiro “vivo”, não convenceram, tendo em conta o património que antes possuíam.

Terá sido coincidência os arguidos AA e DD terem adquirido no mesma dia, 21.06.2008, automóveis de gama alta no valor de mais de 40.000 € e 80.000 €, respectivamente?

As explicações avançadas por DD, que “justificou” em Tribunal o seu dinheiro, com o ganho de prémios obtidos no jogo de Casino, é no mínimo caricata e não prova a origem de todo o dinheiro encontrado, dado que, embora tendo apresentado cópias de cheques emitidos pelo Casino ficou por provar se correspondiam a dinheiro ganho em prémios, se foi ele quem os ganhou ou se, (como é comum fazer-se neste tipo de situações que visam ocultar a origem do dinheiro) nem sequer corresponde a prémio algum 5[5  - Bastaria que o mesmo adquirisse por exemplo 280 mil euros em fichas de jogo no início da noite ou ao longo de mais dias e depois no fim da mesma noite ou noutro dia apresentar-se a trocá-las por dinheiro, como se de prémios resultasse. Neste caso, o “jogador” tinha facilmente obtido uma prova documental – o cheque do casino – aparentemente irrefutável para fazer crer a origem lícita do dinheiro.]

À laia de parêntesis, cumpre esclarecer que «são admissíveis [em processo penal] as provas que não forem proibidas por lei» (art. 125.º do CPP), nelas incluídas as presunções judiciais (ou seja, «as ilações que o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido»: art. 349.º do CC).

Daí que a circunstância de a presunção judicial não constituir «prova directa» não contraria o princípio da livre apreciação da prova, que permite ao julgador apreciar a «prova» (qualquer que ela seja, desde que não proibida por lei) segundo as regras da experiência e a livre convicção do tribunal (art. 127.º do CPP). Não está, por isso, vedado às instâncias, ante factos conhecidos, a extracção – por presunção judicial – de ilações capazes de «firmar um facto desconhecido».

A prova, mais do que uma demonstração racional, é um esforço de razoabilidade»: «no trabalho de verificação dos enunciados factuais, a posição do investigador - juiz pode, de algum modo, assimilar-se à do historiador: tanto um como o outro, irremediavelmente situados num qualquer presente, procuram reconstituir algo que se passou antes e que não é reprodutível». Donde que «não seja qualquer dúvida sobre os factos que autoriza sem mais uma solução favorável ao arguido», mas apenas a chamada dúvida razoável (a doubt for which reasons can be given). Pois que «nos actos humanos nunca se dá uma certeza contra a qual não militem alguns motivos de dúvida». «Pedir uma certeza absoluta para orientar a actuação seria, por conseguinte, o mesmo que exigir o impossível e, em termos práticos, paralisar as decisões morais». Enfim, «a dúvida que há-de levar o tribunal a decidir pro reo tem de ser uma dúvida positiva, uma dúvida racional que ilida a certeza contrária, ou, por outras palavras ainda, uma dúvida que impeça a convicção do tribunal» (ibidem).

Não pode haver porém dúvida negativa, cuja convocação ou interpelação se assuma em valoração contra o arguido; não pode convocar-se presunção conducente a convicção não objectivada, de que não constem elementos obectivados nos autos, sob pena de arbitrariedade, afrontando-se a sua razoabilidade objectivável, ou indiciariamente justificativa, e que iria anular a razão de ser do princípio de “in dubio pro reo”

A 2ª instância, na sequência da sua motivação, “dando provimento ao recurso interposto elo Ministério Público” veio a dar como provado que (bold nosso):

“No dia 22 de Julho de 2008, no decurso da investigação empreendida nestes autos, foram realizadas pela Polícia de Segurança Pública do Porto (PSP) diversas buscas:

Na residência do arguido AA, foram então encontrados e apreendidos pelos Agentes da PSP diversos objetos entre eles artigos/artefactos em ouro, bem como quantias monetárias, em notas emitidas pelo Banco Central Europeu, totalizando €22.025,00

[…]

Ainda na mesma data, foi apreendido ao arguido AA o automóvel da marca Nissan, modelo Navarro, com a matrícula 00000 bem como o documento (Factura) respeitante à compra desta viatura ~ pelo arguido, em 20/06/2008, pelo preço de € 41.770,00, à data já integralmente pago.

Foi ainda apreendido ao arguido AA o documento -.(contrato promessa de compra e venda) respeitante à aquisição pelo arguido de uma habitação pelo valor de € 300.000,00 (trezentos mil euros), dos quais € 250.000 (duzentos e cinquenta mil euros) teriam de ser pagos até ao termo do ano de 2008.

Para aquisição desta habitação este arguido tinha já visto aprovado em 19 de Novembro de 2007, pela Caixa Geral de Depósitos, um empréstimo no valor de 250.000,00 €.

Foram também apreendidos ao arguido AA diversos documentos, designadamente documentos bancários respeitantes a depósitos de dinheiro, efectuados pelo arguido após a data do furto, nas contas do Banco "CGD" da qual este arguido é co-titular com a sua esposa MM.

Na residência do arguido DD, acima referenciada, foram então encontrados e apreendidos pelos Agentes da PSP os diversos objectos entre os quais diversos artigos/artefactos em ouro.

Foram também apreendidas na residência deste arguido quantias monetárias, em notas emitidas pelo Banco Central Europeu, totalizando € 13.160,OO€.

[…]

Também foram apreendidos ao arguido DD diversos documentos designadamente documentos bancários respeitantes a depósitos de dinheiro e cheques, efectuados pelo arguido nas contas do Banco “BES” da qual este arguido é co-titular com a sua companheira NN.

Ainda na mesma data, foi apreendido ao arguido DD o automóvel da marca Audi, modelo A6, com a matrícula 00000 bem como o documento (declaração/requerimento de compra e venda) respeitante à compra desta viatura pelo arguido, em 20/06/2008, pelo preço de € 84.900, à data já integralmente pago, a pronto, pelo mesmo.

Na residência do arguido GG, acima referenciada, foram encontrados e apreendidos pelos Agentes da PSP diversos objectos, entre os quais diversos artigos/artefactos em ouro, designadamente uma barra em metal pobre, com o peso de 113,5 gramas, com as inscrições “Ouro” e “779°.

Foram ainda apreendidas na residência deste arguido quantias monetárias, em notas emitidas pelo Banco Central Europeu, totalizando € 42.905,00, bem como várias ferramentas e alguns talões de depósitos e levantamentos bancários (Bancos CeD e Banif) - cfr. Anexo A.

Na mesma data, foi apreendido ao arguido GG o automóvel da marca BMW, modelo 535 D, com a matrícula 0000 com o valor comercial de cerca de € 40.000,00, pertencente ao arguido e por ele adquirido, embora se encontre registado em nome do sogro do mesmo, OO, bem como o documento único do veículo, certificado de seguro (efetuado pelo arguido), e o documento comprovativo do Pagamento do Imposto Único de Circulação, respeitante a 2008.

Também foi apreendido ao arguido GG o motociclo da marca Banda, modelo CB5ÕO, com a matrícula 0000000, que se encontrava aparcado na residência dos seus pais e outros familiares, sita no ........., Bloco..., Entrada.... .......sqº, no Porto.

Ainda na mesma ocasião, os Agentes da PSP revistaram este automóvel BMW 535 D, tendo encontrado e apreendido no seu interior uma barra em metal pobre, com o peso de 858,20 gramas, com as inscrições "Ouro" e '778", embrulhado numa folha do jornal "DN", respeitante à edição de 09/05/2008.

Ainda na mesma data, o arguido GG foi conduzido à esquadra policial, onde foi sujeito a revista, tendo então sido encontrados em sua posse e apreendidos 1 (um) brinco em metal amarelo e 1 (uma) pulseira em metal amarelo e branco.

Após concluída a busca à residência do arguido GG, a esposa deste, PP, saiu da residência e deslocou-se à uma Caixa ATM, onde levantou a quantia de € 3.809,00 em numerário, vindo tal quantia a ser apreendida pela PSP.

Ainda na mesma data, a Polícia de Segurança Pública do Porto efectuou buscas, devidamente autorizadas, às residências de familiares do arguido GG.

Na residência do já referido sogro do arguido GG, OOs, sita na Rua ............, nº 000, 000, em S. Mamede de Infesta, foram então encontrados e apreendidos objectos entre os quais diversos artigos/artefactos em ouro, bem como 1 (um) contrato de compra e venda de uma viatura de marca BMW, […]

[…]

Aquando das buscas, foram igualmente apreendidos aos arguidos telemóveis e cartões SIM a eles associados.

Na sequência das descritas buscas foi determinada a apreensão dos saldos das várias contas bancárias dos arguidos e seus familiares.

[…].

As quantias em dinheiro e os automóveis apreendidos aos arguidos são produto deste furto, sendo no entanto de realçar que em relação ao Audi, modelo A6, com a matrícula 00000 , adquirido por DD em 20/06/2008, pelo preço de €84,900, 20 000,00 € foram pagos com cheque emitido pela companheira.”

Porém, depois, a mesma decisão, vem também a dar como provado que

Da contestação apresentada pelo arguido G...., com interesse para a discussão da causa, provou-se que:

O ouro apreendido ao arguido, na casa da sogra onde vive, era pertença do seu agregado familiar, constituído por este, pela sua esposa, pelos filhos e pela sogra.

O agregado vive num imóvel que a sogra do arguido está a usufruir mediante um pagamento mensal que efetua para a Associação de Moradores do Bairro de Vilar

Alguns daqueles objetos em ouro foram adquiridos pelo arguido e seus familiares, há mais de 10 anos.

O filho mais velho do casal é fisioterapeuta e aufere cerca de mil euros mensais.

A esposa do arguido trabalha na companhia de. seguros "Fidelidade Mundial"

Durante os anos de 2006 e 2007 o casal declarou, para efeitos de pagamento de IRS, respetivamente as quantias de 56.000,00 € e 41.950,93 €.

Antes dos factos em apreço nestes autos o casal detinha na conta bancária à ordem nº 000000000000 da CGD, agência do Campo Alegre, cerca de 45.000,00 €, tendo efetuado, nesse mesmo ano, o pagamento de 50.000,00 € (10.000,OO€+40.000,OO€) a título de sinal e princípio de pagamento relativo ao, contrato promessa de compra e venda de um imóvel.

Para aquisição desse imóvel o arguido e sua mulher tinham já tido parecer favorável da CGD para a concessão de um empréstimo no valor de 250.000,00 €.

A viatura automóvel adquirida pelo arguido foi paga em três prestações, tendo o arguido entregue ainda, em troca, uma outra viatura do casal, um Renault Laguna matrícula 000000000, com quatro anos, avaliada em 6.250,OO€, valor este que veio a ser abatido no preço final do Niss'an Navarra" que adquiriu.”


*

“Da contestação apresentada pelo arguido DD e com interesse para a discussão da causa provou-se:

“As peças em ouro encontradas em casa deste arguido são pertença dos três filhos e da sua companheira.

O arguido obtinha através do jogo nos casinos quer de Espinho, quer da Póvoa do Varzim, nas máquinas de póquer, frequentes jackpots, sendo as quantias mais elevadas pagas através de cheques, mas sendo pagos em dinheiro prémios de montantes mais reduzidos.

Já em Agosto de 2002 o arguido procedia a depósitos, só no mês de Agosto no valor de quase 60.000,00 €.

Na conta de depósitos à ordem nº 00000000000 do Millenium BCP, agência de ............., Porto, no ano de 2008 de Janeiro a Julho o arguido efetuou vários depósitos em dinheiro no quantitativo global de 72.500,00 €. Só no mês de Janeiro o arguido efetuou depósitos no valor de 26.100,00 €.

Grande parte desse montante provem dos prémios de jogo que o arguido obtinha sobretudo no casino de Espinho.

Parte do preço da viatura automóvel adquirida pelo arguido foi pago com um cheque de 20.000,00 € da companheira do arguido e com um cheque do mesmo valor do arguido. O restante em numerário. “

Aliás, também foi dado como não provado que:

O motociclo apreendido ao arguido GG da marca Honda, modelo CB500, com a matrícula 0000000000, que se encontrava aparcado na residência dos seus pais, tivesse sido adquirido com dinheiro proveniente do furto,

-Igualmente não se provou que o valor de 20.0000,00€, entregue pela companheira do arguido DD, por cheque, para pagamento da viatura Audi A6 supra citada fosse de origem ilícita.

É patente a contradição insanável na decisão de facto apurada, quanto à origem dos objectos e quantias apreendidos, que se apresentam como produtos do furto, bem mas depois arreda-se essa proveniência ilícita pela explicação da posse e propriedade legítima dos mesmos, bem como o relativo aos veículos automóveis e modo de pagamento,

Por outro lado, a decisão recorrida tinha ainda fundamentado em sua motivação que:

Ao tempo da verificação dos factos, os arguidos não tinham emprego ou actividade laboral estável nem constante, com a excepção do arguido GG, vender automóveis usados na berma da estrada (negócio já nessa época em dificuldades devido à crise) e todos exibem um património e quantias em dinheiro manifestamente inadequadas ao estilo de vida que até aí lhes era conhecido e incompatível com a vida familiar que cada um tinha.”

Ora resulta que foi dada como provada, no que ora releva,  a seguinte matéria fáctica:

“Quanto ao arguido G.....

AA após conclusão do 1º ciclo do ensino básico começou a trabalhar numa oficina de automóveis com aprendiz de pintor.

Depois, apesar de laboralmente activo exercendo tarefas diversificadas. Após o cumprimento do serviço militar obrigatório contraiu matrimónio. Contudo, a relação a terminar, em virtude de ter sido condenado e cumprido pena de prisão por crimes contra o património, situação que a esposa não aceitava.

Posteriormente, após cumprimento da pena de prisão, houve reconciliação tendo contraído novamente matrimónio. Da relação existem dois filhos, com 30 e 18 anos, um dos quais se autonomizou recentemente.

À data dos factos, o arguido residia com o seu agregado, esposa e filhos, habitação da sogra. A dinâmica intra-familiar era e é funcionária, estruturada e solidária, com relações afectivas, descritas pela esposa, recompensadoras e satisfatórias.

A nível económico a situação era equilibrada decorrente da atividade laboral do arguido, pintor do ramo automóvel por conta própria e da esposa, funcionária de uma companhia de seguros.

No estabelecimento prisional AA tem apresentado relacionamento interpessoal adequado e comportamentos de acordo com os normativos vigentes.

No meio social de inserção, AA e família beneficiam de uma imagem social ajustada, sendo distinguido pela forma cordial e respeitadora com que estabelece relações interpessoais.

A nível familiar continua a dispor do apoio da esposa e filhos, os quais continuam disponíveis para lhe prestarem as condições necessárias ao seu processo de reinserção.

Quanto ao arguido DD:

DD é oriundo de um agregado familiar constituído pelos progenitores e três descendentes, sendo o mais novo dos irmãos.

A nível escolar o arguido frequentou o sistema de ensino entre os .6 e 10 anos de idade, tendo concluído a 4ª classe. Seguidamente, passou a exercer atividades profissionais na área da construção civil.

Quando tinha catorze/quinze anos de idade o avô materno faleceu, tendo este e os irmãos passado a viver sozinhos e a gerir o quotidiano como pretendiam.

Ao nível profissional o arguido desempenhou a atividade profissional de "mestre de obras" e por conta própria em Portugal e Espanha. Assim, entre os anos 2000 e 2007, trabalhou com uma equipa em Espanha

. A partir de 2007 encontra-se em Portugal, onde se tem dedicado à recuperação do interior de habitações.

Aos 34 anos de idade iniciou nova relação afectiva com a atual companheira,NN, tendo nascido uma filha, UU atualmente com 3 anos de idade.

O arguido refere que desde os 24 anos de idade ocupa parte do seu tempo a jogar póquer com amigos. Joga em estabelecimentos comerciais para o efeito e refere que há aproximadamente 10 anos" passou a ser jogador profissional.

No período a que se reportam os factos subjacentes ao presente processo, DD residia com o seu agregado familiar, constituído pelo próprio" companheira, NN (38 anos de idade, 6º ano de escolaridade), e os filhos SS (20 anos, estudante) TT (16 anos de idade, estudante) e UU (3 anos de idade). O filho mais velho do arguido só integra o agregado familiar ao fim de semana" permanecendo" durante a semana em casa da antiga ama" com quem estabeleceu uma ligação afetiva. O agregado habita, há aproximadamente 5 anos, um apartamento, tipologia T2 (adquirido através de empréstimo bancário)" localizado numa zona considerada antiga da cidade do Porto. Ao nível económico a situação é descrita como tendo sido estável. É  indicado como principal fonte de receitas mensais a remuneração auferida pelo arguido no desempenho da actividade profissional como sub-empreiteiro no valor de 1000 € por mês. Este valor cobria as despesas fixas do agregado no valor de 400 € (inclui prestação de empréstimo habitação, electricidade e água). Contudo também é indicado a existências de quantias que são variáveis enquanto jogador de póquer.

A organização do quotidiano do arguido tem sido realizada, essencialmente" em função do exercício da sua atividade profissional na área da construção civil, do jogo de póquer e do agregado familiar, garantindo aos descendentes um “suporte" aos diferentes níveis, em função das suas necessidades.

O arguido mantem um relacionamento afetuoso com os descendentes, sendo a união com o cônjuge descrita pelo casal corno estável e gratificante.

Na ocupação do tempo de lazer, o arguido refere privilegiar o convívio com a família e amigos. O casal costuma sair com um grupo de amigos, mantendo o arguido outro grupo de amigos com os quais partilha tempos de ociosidade.

Este arguido é primário.

No que respeita ao arguido GG provou-se que:

Este arguido é o único filho oriundo de um casal com origem em Cabo-Verde, tendo nascido em S. Tomé e Príncipe, para onde se tinha deslocado o agregado familiar de origem por motivos profissionais do progenitor, polícia militar no exército no período anterior à descolonização.

Iniciou exercício de atividade laboral logo após o afastamento do sistema de ensino como operário da construção civil até aos 18 anos de idade e depois em atividades diversas em empresas de trabalho temporário.

Aos 25 anos de idade, depois de ter desenvolvido durante cerca de um ano atividade por conta própria como empreiteiro na construção civil, trabalhou como prestador de serviços de segurança em estabelecimentos de diversão nocturna, tendo, posteriormente, estabelecido sociedade de propriedade sobre alguns deles.

A partir de 2002, estabeleceu uma sociedade de compra e venda de viaturas automóveis "Pegadas de Sorte", sedeada em Matosinhos que continua a explorar.

Viveu anteriormente em união de facto com companheira de quem teve dois filhos, atualmente com 17 e 14 anos.

Contraiu matrimónio aos 36 anos de idade, resultando dessa união conjugal, que mantém atualmente, o nascimento de outros dois filhos.

 GGintegra o agregado familiar com a mulher, os dois filhos menores de ambos e um filho de 14 anos de idade fruto do relacionamento anterior do arguido. O ambiente relacional intrafamiliar é definido como coeso e solidário.

Residem numa moradia própria, tipologia T4, com boas condições de conforto e habitabilidade, inserida em zona residencial suburbana do concelho de Matosinhos.

Segundo os respectivos elementos, a situação económica do agregado familiar é referida como confortável. Os proventos económicos resultam da exploração da sociedade de comércio automóvel atrás referida e de urna outra de que é co-proprietário, sedeada em Cabo-Verde que se dedica à importação e exportação.

A mulher do arguido é proprietária e gerente de um estabelecimento de estética e SPA. 

Os rendimentos mensais auferidos pelos dois elementos do casal são variáveis conforme a evolução dos negócios mas usualmente superiores a 4000 € e excedentes relativamente aos encargos fixos de que avulta a mensalidade do colégio particular frequentado pela filha no montante aproximado de 700 €.

Nos tempos livres, costuma ocupar o tempo no convívio com a família viajando também frequentemente para Cabo Verde, país onde mantém familiares e negócios. “

È pois evidente a contradição insanável destes factos apurados com a fundamentação que lhes serve de base de que “os arguidos não tinham emprego ou actividade laboral estável nem constante”

A decisão recorrida enferma de contradição insanável de fundamentação e, entre esta e a decisão em matéria de facto, que constitui o vício constante da alínea b) do nº 2 do artº 410º do CPP, que ao Supremo é possível conhecer, mas não é possível suprir, por contender com a determinação da matéria de facto, da exclusiva competência das instâncias.

Sem suprimento de tal vício não é possível decidir a causa, obrigando por isso ao reenvio do processo para novo julgamento relativamente à totalidade do objecto do processo, nos termos dos artºs 426º e 426º-A do CPP.”

E, por isso, se decidiu:

“Acordam os deste Supremo – 3ª secção – em decretar o reenvio do processo para novo julgamento, relativamente à totalidade do objecto do processo, nos termos dos artºs 426º e 426º-A do CPP.

Fica, por isso, prejudicado o conhecimento do objecto dos recursos.

Sem custas”.

_

No novo acórdão recorrido, ora em apreciação apenas vem descrito:

“[…]

Tendo a valoração da prova sido realizada pelo tribunal a quo ao abrigo do princípio da livre apreciação da prova e tendo o mesmo explicitado como formou a sua convicção, esse juízo é sindicável pelo tribunal de recurso.

Por conseguinte, os erros de julgamento, já identificados nesta decisão, são passíveis de correção, julgando-se provido o recurso do Ministério Público, quanto à impugnação da decisão da matéria de facto pertinente à autoria do assalto.

De resto, apurou-se, com base na prova documental referida pelo tribunal a quo, ainda, o seguinte:

a) Quanto ao arguido AA:

• Tinha na conta da CGD, em 22/07/2008, a quantia de 87.667,43 €;

• Em casa, em dinheiro, a quantia de 22.025,00 €, em notas do BCE;

• Em 22/06/2008 tinha adquirido um automóvel da marca Nissan no valor de 41.770,00 € (deu em troca um veículo avaliado em 6.250 €);

b) Quanto ao arguido DD:

• Em 22/06/2008 adquiriu um automóvel da marca Audi no valor de 84.900,00 €.

• Em casa guardava a quantia de 13.160,00 €, em notas do BCE.

c) Quanto ao arguido GG:

• Em sua casa tinha a quantia de 42.775,00 € em notas do BCE;

•Na casa dos seus sogros, mas sua pertença, tinha a quantia de 106.000,00 em notas do BCE; e

• Um veículo automóvel da marca BMW, no valor de 40.000,00 €.

No mesmo dia - 21 de Junho de 2008 - os arguidos AA e DD adquiriram automóveis de gama, respetivamente, média-alta e alta no valor de mais de 40.000 € e 80.000 €.

Não foi apurada em julgamento qualquer atividade em relação ao arguido AA, que justificasse a possibilidade de aquisição do carro e a posse do dinheiro acima referidas.

Também a justificação da posse do dinheiro por parte do arguido GG - atribuindo-a à herança recebida de uma avó que morreu em Cabo Verde -, não convence: além de ser improvável, o arguido não provou tal origem do dinheiro, não tendo apresentado a prova documental respetiva - a qual teria sido de fácil obtenção -.

No entanto, tais ausências de prova, por si só, não permitem associar tais automóveis e dinheiro ao assalto em referência nos presentes autos, podendo os mesmos ter outra origem - eventualmente também ilícita -, que não foi concretamente apurada -.

A posse do dinheiro por DD é que foi justificada - e, de algum modo corroborada pelo depoimento da testemunha RR (substituto do diretor de jogos do Casino de Espinho) e por cópias de cheques do Casino, com o ganho de prémios obtidos em jogos de Casino.

Porém, contrariamente às teses já explanadas nos autos a propósito da importância do valor dos bens encontrados na posse dos arguidos, importa desvalorizar esta, uma vez que o valor do ouro furtado (mais de dez milhões de euros), mesmo que tenha sido apenas convertido em dinheiro por uma fração do val~r do mesmo - dada a sua origem ilícita e elevada quantidade -, o caráter organizado do assalto leva a concluir que os seus autores nunca iriam cometer o erro mais próprio de jovens delinquentes, não evidenciando um enorme súbito enriquecimento. Pelo contrário, iriam esconder e dissimular os proventos do furto, para não serem relacionados com o crime, com a intenção, certamente, de branqueá-los, provavelmente, ao longo do tempo.


*

Assim, na sequência do exposto, suprime-se da factualidade considerada não provada o seguinte:

•. "( ... ) que os arguidos AA, DD e GG tivessem elaborado um plano de, em conjunto, se apoderarem de objetos com valor e quantias monetárias que se encontrassem na filial da "Companhia ........... S.A" sita na Praça ...............".

~ "( ... ) que os arguidos tivessem colaborado, fosse por que forma fosse, com XX já julgado e condenado como um dos autores desse furto".

Com base na fundamentação acima exposta - conjugada com os demais meios 68 concretos de prova plasmados no acórdão recorrido - e dando provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público, nesta parte, passa a considerar-se provado o seguinte:

~ Os arguidos AA, DD e GG, conjuntamente com XX, já julgado e condenado pela prática destes factos, elaboraram um plano de, em conjunto, se apoderarem de objetos com valor e quantias monetárias que se encontrassem na filial da "Companhia ........... S.A" sita na ............., assim:

., Entre os dias 13 e 14 de Abril de 2008, a hora concretamente não apurada, do interior de uma das filiais da "Companhia ..........., S.A", sita na Praça ...................., n° ......., na cidade do Porto os arguidos furtaram inúmeros objectos em ouro que constituíam o penhor dos empréstimos que essa instituição concedia aos seus clientes.

~ Para o efeito cortaram as linhas telefónicas e a destruição/corte de alguns dos componentes do sistema de segurança contra intrusão instalado no edifício daquela filial, em particular da sirene de alarme colocada no seu exterior.

~ Numa segunda fase, já no dia 14 de Abril de 2008, pelas 2h29m, usando os andaimes montados numa obra em curso num imóvel próximo daquele estabelecimento, acederam ao telhado do referido prédio e, de seguida, a uma varanda, cuja porta foi forçada, destruindo o respectivo mecanismo de fecho.

~ Através da porta da mencionada varanda do estabelecimento de penhores, conseguiram então aceder ao seu interior.

~ Aí chegados, aqueles arguidos e o referido C............. utilizando as ferramentas apreendidas e examinadas nos autos, forçaram e destruíram a fechadura de um dos quatro cofres-fortes existentes no estabelecimento.

~ De seguida, do interior do citado cofre e também das montras de exposição existentes na ourivesaria do estabelecimento, mas sobretudo do cofre, retiraram vários artigos/artefactos de ourivesaria, em ouro, com o peso total aproximado de 301.303.3 gramas e com o valor global de cerca de € 10.774.110 (dez milhões setecentos e setenta e quatro cento e dez euros), tendo sido retirados do cofre vários artigos/artefactos em ouro com peso de 276.093,9 gr e no valor de € 10.565.372,00, os quais na sua esmagadora maioria haviam sido entregues no estabelecimento pelos clientes deste, como cauções dos empréstimos concedidos aos mesmos pelos responsáveis do estabelecimento e nos termos dos contratos de mútuo celebrados e, da ourivesaria, vários artigos/artefactos em ouro com o peso de 25.209,4 gramas e no valor de € 208.738,35 (duzentos e oito mil setecentos e trinta e oito euros e trinta e cinco cêntimos).

~ Pelo menos parte significativa dos citados artigos/artefactos, encontram-se descriminadas na relação constante de fls. 47 a 257, cujo teor aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais.

~ Ainda do interior daquele cofre os arguidos retiraram a quantia monetária de cerca de € 4.852,00 (quatro mil oitocentos e cinquenta e dois euros), correspondente ao "apuro da caixa" do estabelecimento.

~ Quanto a estes factos, correu termos o inquérito n° 388/08.5 PPPRT, de onde foi extraída a certidão que deu origem aos presentes autos, a qual foi posteriormente remetido à 3a Vara Criminal do Porto, vindo nesse processo a ser julgado e condenado na pena de 7 (sete) anos de prisão, o arguido - LL, conforme se retira da certidão do Acórdão constante de fls. 2899 a 2926.

~ Os arguidos fizeram seus, aqueles bens, bem sabendo que lhes não pertenciam e que agiam contra a vontade dos respetivos donos.

~ Sabiam ainda que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.”

E, de seguida, passou o acórdão recorrido à fundamentação de direito.

Porém, perante a sincopada descrição parcial de factos, não consta a enumeração cabal de todos os factos relevantes para a decisão, nomeadamente em que termos ficaram supridos os vícios da anterior decisão assinalados por este Supremo, ou de outro modo, a manterem-se, além dos ora descritos, os factos descritos na anterior decisão, continuarão ipso facto a manterem-se os mesmos vícios.

O acórdão há-de dar cumprimento ao disposto no artº 374º nº2 do CPP, enumerando e descrevendo os factos provados e não provados, suficientes para decidir o direito a eles aplicável.

Não o fazendo, torna-se nulo, nos termos do artº 379º nº 1 al a) do CPP.

A apresentação da decisão definitivamente fixada em matéria de facto há-de ser clara, e completa, escorreita e compreensível, na sua ligação e conjugação intrínseca global.

Como já escrevemos no acórdão que julgou o Recurso Penal nº 200/08.5PAESP-A.P1.S1,provindo também da 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:

“Sem prejuízo do disposto no artigo 410º, nºs 2 e 3, o recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça visa exclusivamente o reexame da matéria de direito - . artº 434º do CPP.-  o que necessariamente pressupõe a fixação definitiva dos factos sobre os quais deverá incidir a revista.

Enumerar os factos é descrevê-los, pois que sem descrição de factos desconhece-se o conteúdo do objecto do processo como resultou da discussão da causa, em ordem a que possa aplicar-se o direito.

Torna-se necessária a descrição especificada dos factos provados, relevantes para a decisão da causa, mesmo quando resultem de documento, porque o documento é apenas o suporte probatório dos factos que dele se extraírem como relevantes, integrando o documento a motivação da convicção dos factos documentados considerados relevantes.

O artº 374º nº 2, do CPP, impõe que na sentença se enumerem pormenorizadamente os factos provados, sendo incorrecto proceder a remissões – v. já remoto acórdão deste Supremo, de 26 de Setembro de 1990, BMJ, 389,486)

[…]

A enumeração dos factos é, em rigor, a sua menção, um a um, como já referia o acórdão. deste Supremo de 6 de Fevereiro de 1991, proc. nº 41 200, AJ, nºs 15-16,6

Se o Código de Processo Penal nada contemplasse, sobre o modo de exposição dos factos, teria de consultar-se o Código de Processo Civil pela subsidiariedade advinda do artº 4º do CPP.

E, também em processo civil, o artº 663.º (art.º 713.º CPC 1961) sobre “Elaboração do acórdão “ explicita no nº 2: «O acórdão principia pelo relatório, em que se enunciam sucintamente as questões a decidir no recurso, expõe de seguida os fundamentos e conclui pela decisão, observando-se, na parte aplicável, o preceituado nos artigos 607.º a 612.º.»

E, bem expressivo é o preceituado no art 607.º (art.º 655.º/658.º/659.º CPC 1961) sobre a “Sentença“, quando determina:

“2 - A sentença começa por identificar as partes e o objeto do litígio, enunciando, de seguida, as questões que ao tribunal cumpre solucionar.

3 - Seguem-se os fundamentos, devendo o juiz discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final.

4 - Na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria »

A discriminação dos factos é pois, conditio sine qua non da estrutura, credibilidade e validade factual da decisão.

A decisão recorrida deve bastar-se a si própria, na sua integridade processual formal.

Daí que, e regressando à dogmática processual penal, por força do artº 379.º do CPP, 

  1 - É nula a sentença:

 a) Que não contiver as menções referidas no n.º 2 e na alínea b) do n.º 3 do artigo 374.º […]

2 — As nulidades da sentença devem ser arguidas ou conhecidas em recurso, devendo o tribunal supri-las, aplicando -se, com as necessárias adaptações, o disposto no n.º 4 do artigo 414.º”

Se o tribunal da relação, apesar de conhecer de facto, não suprir a nulidade em causa, não incumbe ao Supremo, supri-la, porque não é tribunal do facto, sem prejuízo do conhecimento ofícios dos vícios referidos, pelo que. é, em tal caso, nula a decisão recorrida,.

Mesmo que um acórdão proceda à reformulação da matéria de facto de acórdão anterior, não basta aduzir a parte reformulada ou modificada, há-de apresentar a cabal decisão de facto, englobando todos os factos provados ou não provados, pois que embora referente ao mesmo objecto do processo, trata-se de nova decisão que, por isso, necessariamente tem de obedecer aos parâmetros processuais legais, o citado artº 374º nº 2 do CPP..


_

Porém, uma questão prévia existe, no âmbito do cumprimento do reenvio determinado pelo Supremo Tribunal,

O Supremo decretou o reenvio do processo “para novo julgamento, relativamente à totalidade do objecto do processo, nos termos dos artºs 426º e 426º-A do CPP”.

Como se sabe, o art. 426.º do CPP, sobre o “Reenvio do processo para novo julgamento “ determina:

“1 - Sempre que, por existirem os vícios referidos nas alíneas do n.º 2 do artigo 410.º, não for possível decidir da causa, o tribunal de recurso determina o reenvio do processo para novo julgamento relativamente à totalidade do objecto do processo ou a questões concretamente identificadas na decisão de reenvio.

2 - O reenvio decretado pelo Supremo Tribunal de Justiça, no âmbito de recurso interposto, em 2.ª instância, de acórdão da relação é feito para este tribunal, que admite a renovação da prova ou reenvia o processo para novo julgamento em 1.ª instância.

3 - No caso de haver processos conexos, o tribunal superior faz cessar a conexão e ordena a separação de algum ou alguns deles para efeitos de novo julgamento quando o vício referido no número anterior recair apenas sobre eles.

4 –[…]”

Por outro lado, de harmonia com o Artº 426.º-A do mesmo diploma legal, sobre “Competência para o novo julgamento”:

“1 - Quando for decretado o reenvio do processo, o novo julgamento compete ao tribunal que tiver efectuado o julgamento anterior, sem prejuízo do disposto no artigo 40.º, ou, no caso de não ser possível, ao tribunal que se encontre mais próximo, de categoria e composição idênticas às do tribunal que proferiu a decisão recorrida.

2 - Quando na mesma comarca existir mais de um juízo da mesma categoria e composição, o julgamento compete ao tribunal que resultar da distribuição.”

O julgamento decorrente do reenvio não é uma correcção do julgamento anterior, mas sim um “novo julgamento”, nas palavras da lei,

Sendo um “novo julgamento”, total ou parcial, conforma o âmbito do reenvio, não implica a reformulação do acórdão anterior, mas a elaboração de um novo acórdão decorrente da prova produzida no novo julgamento.

Por outro lado, como se referiu, tratando-se de acórdão da Relação, o reenvio é feito para este Tribunal, que, de duas uma: ou admite a renovação da prova e conhece do reenvio fazendo novo julgamento (total ou parcial, conforme a natureza do reenvio), ou reenvia o processo para novo julgamento em 1.ª instância.

Poderia discutir-se se, havendo documentação da prova, podendo os vícios serem supridos pela prova documentada, seria desnecessária a renovação da prova.

Isto será válido em termos de recurso para a Relação em matéria de facto, em que a Relação pode suprir os vícios da decisão da 1ª instância, por conhecer de facto e de direito, e fixar definitivamente a matéria de facto, se a documentação da prova permitir.

Com efeito, nos termos do artº 431.º do CPP,

“Sem prejuízo do disposto no artigo 410.º, a decisão do tribunal de 1.ª instância sobre matéria de facto pode ser modificada:

a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que lhe serviram de base;

b) Se a prova tiver sido impugnada nos termos do n.º 3 do artigo 412.º; ou

c) Se tiver havido renovação da prova”

Se a Relação perante a documentação da prova não puder suprir os vícios terá de reenviar o processo para a 1º instância efectuar novo julgamento (total ou parcial)

Porém, quando o reenvio é determinado pelo Supremo, pressupõe que a Relação já examinou todos os elementos do processo que lhe serviram de base, a prova documentada, mas, continuando a persistir o(s) vício(s), já não é compreensível que a Relação perante a mesma prova possa raciocinar de maneira diferente.

Daí que o julgamento decorrente do reenvio para a Relação, só pode ser efectuado por esta se admitir a renovação da prova, pois que, inexistindo, tem de reenviar o processo para novo julgamento em 1.ª instância, como resulta com clareza do disposto no nº 2, do artº 426º, do CPP.

Ou seja, não pode o Tribunal da Relação no âmbito do reenvio pelo Supremo, limitar-se a reponderar a prova já examinada, para suprir os vícios, como se tratasse de reformulação de acórdão em suprimento de nulidades, em correcção do acórdão anterior; tem de haver um “novo Julgamento, ou pela Relação no âmbito estrito de “renovação da prova”, ou não sendo esta admitida, o novo julgamento tem de ser efectuado pela 1ª instância, para onde o Tribunal da Relação enviará os autos.

Segundo determina o artº 430.º, do CPP, a propósito da “Renovação da prova”:

1 - Quando deva conhecer de facto e de direito, a relação admite a renovação da prova se se verificarem os vícios referidos nas alíneas do n.º 2 do artigo 410.º e houver razões para crer que aquela permitirá evitar o reenvio do processo.

2 - A decisão que admitir ou recusar a renovação da prova é definitiva e fixa os termos e a extensão com que a prova produzida em 1.ª instância pode ser renovada.

3 - A renovação da prova realiza-se em audiência.

4 - O arguido é sempre convocado para a audiência, mas, se tiver sido regularmente convocado, a sua falta não dá lugar a adiamento, salvo decisão do tribunal em contrário.

5 - É correspondentemente aplicável o preceituado quanto à discussão e julgamento em 1.ª instância. 

Ora, após a baixa dos autos à Relação, para o novo julgamento em consequência do reenvio decretado, não consta que esta admitisse a renovação da prova, e realizasse audiência, pois como consta do relatório do acórdão recorrido: “Composto o novo colectivo de juízes para a apreciação do mérito dos recursos os autos foram aos vistos e à sessão de conferência.”

Não tendo sido admitida renovação da prova, não poderia haver lugar a audiência, mas sim ao reenvio do processo para a 1ª instância, para realizar o novo julgamento.

Ao proceder como agiu, perante a decisão do reenvio, decretado sobre a totalidade do objecto do processo, o Tribunal da Relação cometeu uma nulidade insanável, violando as regras de competência do tribunal, nos termos do artº 119º nº 1 al e) do CPP,

Nulidade esta que deve ser oficiosamente declarada em qualquer fase do procedimento nº 1 do preceito.


_

Termos em que, decidindo:

Acordam os deste Supremo – 3ª Secção – em dar provimento aos recursos quanto à questão suscitada do reenvio, e, consequentemente declaram nulo o acórdão recorrido, nos termos do artº 119º nº1 e al. e), do CPP, devendo os autos prosseguir os seus legais termos, para cumprimento da decisão deste Supremo, de 1 de Julho de 2015, que decretou o reenvio do processo para novo julgamento, relativamente à totalidade do objecto do processo, nos termos dos artºs 426º e 426º-A do CPP.

Prejudicado fica pois, a apreciação do demais constante do objecto dos recursos.

Sem custas.

            Supremo Tribunal de Justiça,17 de Março de 2016

                                               Elaborado e revisto pelo relator

                                               Pires da Graça (Relator)

                                               Raul Borges

                                               Pereira Madeira