Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
594/09.5YFLSB
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: ÁLVARO RODRIGUES
Descritores: ACÇÃO EXECUTIVA
SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA
ADMISSIBILIDADE
CAUSA PREJUDICIAL
ACÓRDÃO UNIFORMIZADOR
OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
Data do Acordão: 01/27/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário : I - O processo de execução visa dar realização efectiva e prática ao direito do exequente, definido pelo tribunal em sede de acção declarativa ou consubstanciado em outro título a que a lei atribua força executiva.
II - Mantém-se em vigor a doutrina fixada pelo Assento do STJ de 24-05-1960, no sentido de que o art. 279.º do CPC não se aplica ao processo executivo, uma vez que «a execução não é uma causa por decidir; é a sequência de uma decisão».
III - A execução apenas admite uma espécie de prejudicialidade no âmbito da própria acção executiva, através do instituto da oposição e da possibilidade desta dar origem a suspensão da própria execução.
Decisão Texto Integral:
Acordam no SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


RELATÓRIO

AA, melhor identificado nos autos, deduziu Oposição à Execução especial de alimentos que BB, com os sinais dos autos, contra si instaurou em 15.05.2006.
Alegou em síntese que deixou de poder continuar a prestar alimentos à Exequente, não auferindo rendimentos de qualquer ordem desde Março de 2004 e que a Exequente, após o trânsito em julgado da sentença homologatória do acordo de prestação de alimentos, assumiu privada e publicamente atitudes e comportamentos gravemente violadores dos seus deveres para com o cônjuge, pelo que deduziu, por dependência dos autos principais, o pedido de cessação da obrigação alimentar, continuando a pagar a pensão de alimentos à Exequente até Junho de 2005.
Termina pedindo que seja julgada extinta a execução na parte referente à obrigação exequenda no período posterior a 10.08.2005 inclusive e na parte referente à quantia de € 9.600 referente à renda da casa de habitação da Exequente.
A oposição foi parcialmente indeferida com fundamento em que o Oponente não pôs em causa o título executivo no que respeita à prestação de € 500 mensais nem que deixou de proceder ao pagamento da pensão de alimentos e uma vez que a execução se baseia em sentença, a oposição só pode ter por fundamento um dos referidos no art. 814º do CPC.
Na oposição são invocados os fundamentos alegados na acção de cessação da pensão de alimentos por si intentada e à execução serviu de base a sentença que fixou alimentos à Exequente, não tendo ainda sido declarada judicialmente a cessação da obrigação de prestar alimentos.
Inconformado, AA interpôs recurso de tal decisão para o Tribunal da Relação de Lisboa que, contudo, não concedeu provimento ao Agravo, confirmando a decisão recorrida.

Novamente inconformado, AA veio interpor recurso de Agravo para este Supremo Tribunal de Justiça, rematando as suas alegações com as seguintes:

CONCLUSÕES

I. O acórdão recorrido está, relativamente à mesma questão essencial, no domínio da mesma legislação, e não tendo sido fixada pelo Supremo, nos termos dos art°s 732°-A e 732°-B, jurisprudência a ele conforme, em oposição, entre outros, com o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18.6.1996 (Col. Jur/Acs. STJ, 1996, 2°, 149) e com o Acórdão da Relação de Coimbra de 20.01.2004 (Proc. 3398/03 .dgsi.Net).

II. A oposição de julgados verifica-se quanto à questão da aplicabilidade à acção executiva da norma do n° l do art° 279° do CPC, que permite a suspensão da instância quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta ou ocorra outro motivo justificado.

III O Agravante, em sede de Oposição à presente Execução Alimentar, alegou expressamente perante a 1a instância, oferecendo prova, factos integrantes do seu direito a obter a cessação da obrigação alimentar fixada, a partir de 10.08.2005, e consequentemente determinantes da extinção retroactiva da obrigação exequenda nessa parte.

IV. Tais factos estão, além disso, titulados documentalmente, designadamente pelo Apenso A dos autos, que constitui um pedido de Cessação de Alimentos com esses mesmos precisos fundamentos, entrado em juízo em 10.08.2005.

V. Tais factos, todos eles anteriores a 15 de Maio de 2006, data em que foi requerida a presente Execução, mas posteriores à sentença homologatória de acordo, de fls. 303 e 304, transitada em julgado em 02.06.2003, que constitui o título executivo, não podem deixar de integrar o fundamento de oposição a que se refere a alínea g) do art° 814° do CPC, pois constituem factos extintivos da obrigação exequenda posteriores ao encerramento da discussão do processo de declaração titulados documentalmente..

VII. O Agravante / Executado, apesar de à cautela ter alegado em sede de Oposição à Execução a factualidade integrante do seu direito de obter a cessação da obrigação alimentar, requereu ainda que o Apenso A de Cessação de Alimentos fosse decidido com prioridade em relação ao prosseguimento da Execução (cfr. artigos 50 e seguintes da Oposição deduzida).

VIII A decisão do pedido de cessação de alimentos retroagirá à data da sua entrada em juízo, vigorando entre nós o princípio da não restituição de alimentos..
Verifica-se uma manifesta relação de prejudicialidade entre as duas causas, sendo causa prejudicial, naturalmente, a da Cessação de Alimentos, na qual está finda, desde 10.02.2006 (!), a fase dos articulados.

IX. O que, na opinião do Agravante, deveria determinar a suspensão da instância executiva, ao abrigo do disposto no art° 279° n° l do CPC.
X. A tese oposta sustentada no douto acórdão agravado ancora-se numa orientação jurisprudencial cujo escopo consiste em negar a aplicação às Execuções da norma do art° 279°, considerando que a acção executiva, embora cabendo no conceito lato de 'causa', não é uma 'causa por decidir', pois é já a 'consequência de uma decisão'.

XI. Em certas circunstâncias concretas pode estar em causa a definitividade do direito exequendo, podendo a acção executiva conduzir a efeitos irreversíveis incompatíveis com aquele direito.

XII. É o que sucede quando, como no presente caso, a circunstância de a decisão a proferir na causa prejudicial, retroagindo os seus efeitos à data da sua entrada em juízo, colidir com o período temporal a que se refere a obrigação exequenda, e não havendo lugar à restituição de alimentos, a não suspensão da instância executiva poder conduzir a indesejáveis efeitos lesivos e irreparáveis do direito à cessação de alimentos.

XIII. A suspensão da execução nestes casos não repugna, como não repugna em certos casos o efeito suspensivo dos recursos sobre decisões declarativas, em que apenas se retarda a produção de efeitos de uma decisão substancialmente não definitiva, que poderia vir a ser irreparável.

XIV. O Acórdão do STJ acima referido decidiu que "é permitida a suspensão da instância em acção executiva quando a oposição por embargos depende de uma decisão a proferir em dependência do julgamento de outra causa (questão prejudicial)."

XV. O Acórdão do TRC de 20.01.2004 (Proc. 3398/03.dgsi.Net) exarou o entendimento de que "nada obsta que o juiz, louvando-se no art° 279° do CPC, suspenda a acção executiva se, nas concretas circunstâncias e no respeito pelo princípio da economia processual, for aconselhável o seu prosseguimento em função do desfecho duma acção pauliana em curso," (sublinhado nosso)

XVI. A decisão agora impugnada, apesar de reconhecer expressamente a relação de prejudicialidade entre o pedido de cessação de alimentos e a realização do fim da execução alimentar, e de, simultaneamente, admitir que o direito declarado na sentença que serve de título executivo pode ser alterado por via da causa prejudicial, acaba por não dar resposta aos argumentos da retroacção dos efeitos da decisão da causa prejudicial à data da sua propositura, do princípio da não restituição de alimentos, e do princípio da economia processual.

XVII. Nem sequer lançando mão da causa residual prevista na norma do citado art° 279°, da ''ocorrência de outro motivo justificado",

XVIII. E deixa de fornecer qualquer justificação para a não consideração dos factos expressamente alegados e documentados nos autos, no Apenso A, não integrarem fundamento de Embargos a que se refere a alínea g) do art° 814° do CPC.

XIX. E nessa medida, deixou de atender às circunstâncias concretas do caso, sustentando uma decisão violadora das normas dos art°s 2006°, 2007° e 2013° do Código Civil e dos art°s 279°, 137°, 817°, n° l, alínea b) e 814°, alínea g) do CPC, bem como os princípios da não restituição de alimentos e da economia processual.

Não foram apresentadas contra-alegações, pugnando a parte contrária pela manutenção do decidido.
Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, pois nada obsta ao conhecimento do objecto do presente recurso, sendo que este é delimitado pelas conclusões da alegação do Recorrente, nos termos, essencialmente, do artº 684º, nº 3 do CPC, como, de resto, constitui doutrina e jurisprudência firme deste Tribunal.


FUNDAMENTOS

Como se colhe das alegações do Agravante, sintetizadas nas conclusões transcritas, a única questão de que importa conhecer no presente recurso é de direito e consiste em saber se a suspensão de instância ao abrigo do artº 279º do Código de Processo Civil deve ser aplicada no caso sub judicio!
De resto, como salienta o próprio Recorrente, na conclusão II, tal é a única matéria que se traduz na alegada oposição de julgados que fundamenta a possibilidade do presente recurso para este Supremo Tribunal.
Com efeito, o recorrente cita alguns arestos que decidiram pela possibilidade de suspensão da Execução, ao abrigo do disposto do artº 279º do CPC, designadamente, em seu entender, um deste Supremo Tribunal, o Acórdão de 18 de Junho de 1996, a que adiante faremos mais detalhada referência!
Para melhor se compreender esta questão, comecemos por apreciar as razões da não aplicação do referido preceito legal, aduzidas pela Relação no Acórdão ora em recurso.
São, em essência, os seguintes os fundamentos em que se alicerçou a 2ª Instância para proferir a decisão denegatória da suspensão da instância pedida pelo Agravante:

«O tribunal pode ordenar a suspensão da instância quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta, ou seja, quando estiver pendente causa prejudicial.

Uma causa é prejudicial em relação a outra quando a decisão daquela pode prejudicar a decisão desta, isto é, quando a decisão daquela pode destruir o fundamento ou a razão desta.

A acção executiva não pode ser suspensa com fundamento em causa prejudicial, uma vez que não tem por fim a decisão de uma causa, não se verificando uma relação de dependência tal como é exigido no art. 279 do CPC.

Também não ocorre motivo justificado dado que servindo de título à execução instaurada uma sentença que fixou os alimentos à exequente tal como foram acordados entre esta e o executado, o direito da exequente existe com a extensão e os limites constantes do título executivo e só deixará de existir se o pedido de cessação da prestação alimentícia for julgado procedente nos termos em que o exequente o requereu.

Há ainda que referir que, nos termos do art. 1118, n°5, do CPC, na execução especial por alimentos o executado é sempre citado depois de efectuada a penhora e a sua oposição à execução ou à penhora não suspende a execução.

No caso dos presentes autos a oposição foi parcialmente indeferida, por os fundamentos apresentados não se ajustarem ao disposto no art.814 do CPC, nomeadamente na alínea g), uma vez que o título executivo é uma sentença e os fundamentos da oposição são os mesmos alegados no processo em que é feito o pedido de cessação da pensão alimentícia.

O direito declarado na sentença que serve de título executivo, nos termos da alínea g) do artº 814º, só pode ser alterado por facto modificativo ou extintivo posterior à sentença e que se prove por documento».

Uma vez que a matéria a apreciar neste recurso é unicamente a delimitada nas conclusões da alegação do Recorrente, como se deixou frisado anteriormente, importa apenas conhecer da questão da aplicação da suspensão da instância em processo executivo, não estando em causa outros aspectos.
Neste concreto aspecto, nenhuma censura merece a douta decisão ora posta em crise, como se passa a demonstrar!
Efectivamente, no Acórdão de 16-04-2009, em que foi Relator o mesmo Juiz que neste recurso intervem nessa qualidade e subscrito também pelos mesmos Exmºs Adjuntos, ponderou-se, a respeito do disposto no artº 279º do CPC, que:
«É posição largamente maioritária, a de que tal preceito legal não tem aplicação ao processo executivo, posição que ganhou adesão em larga escala, essencialmente após o Assento deste Supremo Tribunal de Justiça de 24 de Maio de 1960 que sentenciou no sentido de que «A execução propriamente dita não pode ser suspensa pelo primeiro fundamento do artigo 284º do Código de Processo Civil» ( BMJ, 97º–173).
Todavia, existe um ou outro aresto em sentido oposto ao da larga maioria, como, com razão, afirma o Recorrente!
Para uma melhor observação da panorâmica jurisprudencial sobre esta questão, seja-nos permitido um brevíssimo alinhamento de exemplos decisórios em cada um dos sentidos.
Assim, no sentido de que o artº 279º se não aplica ao processo executivo, podem ver-se, além do referido Assento de 24.05.1960, o Acs. do STJ de 4.06.80 in BMJ 298º– 232 ( Rel. Costa Soares), de 26.04.90, no Pº 78870 da 2ª Secção ( Relator Solano Viana), de 08.10.98, no Pº 83880 da 1ª Secção (Relator Silva Graça), de 8.02.2001, no Pº 3485 da 1ª Secção ( Relator Azevedo Ramos), de 14.10.2004, no Pº 2771 ( Relator Araújo Barros) e muitos outros das Relações que seria despiciendo estar aqui a indicar.
No sentido de que tal norma é aplicável à acção executiva, podem ver-se, além do citado pelo ora Recorrente, o Acórdão da Rel. Lxª de 6.05.2003 in CJ/III/03, pg. 67.
No Assento deste Supremo Tribunal de Justiça de 24 de Maio de 1960, ponderou-se que embora a execução possa caber no conceito lato de causa, tal circunstância não pode preencher as exigências do preceito e isto porque «ele não pressupõe apenas duas causas, pressupõe também que nenhuma delas esteja decidida. É o que claramente flui das locuções «decisão da causa» e «julgamento da causa»
Ora a execução não é uma causa por decidir; é a sequência de uma decisão, quando não provém de título com força executiva; decorre de um direito já declarado. Logo não pode ser suspensa ao abrigo do disposto na primeira parte do artº 284º citado».
Tem vindo a Jurisprudência deste Supremo Tribunal a entender que a doutrina fixada por tal Assento continua em vigor, como se colhe do Acórdão do STJ de 4 de Junho de 1980, de que foi Relator o Exmº Conselheiro Costa Soares, e onde, depois de se consignar que o Assento foi tirado no domínio do Código de Processo Civil de 1939, se acrescentou que o primeiro fundamento do artº 284º do Código de Processo Civil de 1939 corresponde ipsis verbis ao do artigo 279º, nº 1 do Código de Processo Civil actual, se concluiu pela manutenção em vigor da doutrina do mesmo, pois «a doutrina de um assento não caduca pelo facto de ser revogada a legislação em que ele assentou, desde que essa legislação seja substituída por outra que contenha textos idênticos, não havendo razões para excluir que os sentido dos novos textos seja igual ao dos antigos ( Prof. Vaz Serra, Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 96º, pg. 366 e Revista dos Tribunais, ano 54º, pg 233)»
Outrossim, no Acórdão deste mesmo Supremo Tribunal de 14. 10. 2004, acima referido, continuou a entender-se que a doutrina do falado Assento continua em vigor, como pode ler-se no mesmo, designadamente na parte em que se afirma: «Como já se disse, a primeira parte do artº 284º do C. Processo Civil de 1939 é idêntica à primeira parte do artº 279º do Código vigente, conforme seguramente se alcança do confronto dos dois citados textos legais. Identidade que, aliás, se estende a toda a disciplina do instituto da suspensão da instância.
Mas, assim sendo, o mencionado Assento de 24.05.60 que, em nossa opinião, consagrou a doutrina que ainda hoje parece ser a melhor, embora apenas com o valor de acórdão uniformizador de jurisprudência ( artº 17º, nº 2, do Dec-Lei nº 329-A/95, de 12 de Dezembro)», daqui concluindo que «se essa legislação foi substituída por outra que contém textos idênticos, não havendo razões para excluir que o sentido dos novos textos seja igual ao dos antigos, a doutrina do assento será de mater e de considerar em vigor»
É esta, pois a posição, de longe maioritária, da nossa jurisprudência, designadamente deste Supremo Tribunal.
No que à Doutrina concerne, são sempre de recordar nestas decisões, as palavras do eminente processualista que foi Alberto dos Reis e que assim escreveu no se Comentário: «A primeira parte do artigo 284º ( hoje 279º, nº 1) não pode aplicar-se ao processo de execução, porque o fim deste processo não é decidir uma causa, mas dar satisfação a um direito já declarado por sentença, ou constante de título com força executiva: Não se verifica, assim, no tocante à execução, o requisito exigido no começo do artigo: estar a decisão da causa dependente do julgamento doutra já proposta» (1).
Também o saudoso Conselheiro Rodrigues Bastos assim reflectia sobre a questão:
«Embora a lei, no artigo 279º, nº 1, não distinga entre acção declarativa e acção executiva, e se trate de uma norma geral sobre a suspensão da instância, a redacção do preceito torna inaplicável o seu comando à execução propriamente dita, Realmente, desde que a suspensão, neste caso, resulta de estar a decisão da causa dependente do julgamento de outra já proposta, parece clara a sua inaplicabilidade ao processo de execução, em que não há que proferir decisão sobre o fundo da causa, visto o direito que se pretende efectivar já estar declarado».
Esta posição jurisprudencial, por largamente maioritária, continua a merecer o nosso aplauso, até porque, como se decidiu no Acórdão ora sob recurso, o processo de execução visa dar realização efectiva e prática ao direito do Exequente, definido pelo Tribunal em sede de acção declarativa ou consubstanciado em outro título a que a lei atribua força executiva.
Por outro lado, tem vindo a Jurisprudência deste Supremo Tribunal a entender que a doutrina fixada pelo Assento deste Supremo Tribunal de Justiça de 24 de Maio de 1960 continua em vigor, como se colhe do Acórdão do STJ de 4 de Junho de 1980 e melhor se explanou na transcrição supra efectuada.
Não há, deste modo, qualquer necessidade de se alterar tal orientação jurisprudencial.
No processo de execução referido nestes autos não está em discussão qualquer questão, pois ele mais não visa do que a execução efectiva de um acordo das partes (transacção) que ocorreu num processo de natureza declarativa (providência cautelar) e que as partes se comprometeram a cumprir, tendo sido homologado pela sentença que constitui o seu título executivo.
Por outro lado, como se decidiu no Acórdão deste Supremo Tribunal de 31.05.2007, de que foi Relator o Exmº Juiz Conselheiro Bettencourt Faria, que neste processo intervem como Adjunto, «a execução apenas admite uma espécie de prejudicialidade interna ou no âmbito da própria acção executiva, através do instituto da oposição e da possibilidade desta poder dar origem a suspensão da própria execução» e onde se acrescentou que «se assim não fosse, o regime do artº 818º CPC deixaria de ter aplicação» ( www.dgsi.pt Pº 07B864).
Note-se que mesmo no Acórdão deste Supremo, de 18 de Junho de 1996, que o Recorrente apresenta como sendo de sentido contrário ao decidido pela corrente maioritária, a contradição é meramente aparente, pois no referido aresto perfilha-se claramente a tese de Alberto dos Reis, que ensinava que « a primeira parte do artº 284º ( hoje 279º, nº 1) não pode aplicar-se ao processo de execução, porque o fim deste processo não é decidir uma causa, mas dar efectiva satisfação a um direito já declarado por sentença ou constante de título com força executiva» ( Col. Jur. 1996, II, pg. 150).
No mesmo Acórdão também se pondera que « independentemente de aos assentos ter sido retirada a sua antiga força vinculativa, por revogação do artº 2º do C.Civil pelo artº 4º, nº 2 do Dec.-Lei nº 329º-A/95, de 12 de Dezembro, dir-se-á que o entendimento acima referido também foi perfilhado pelo Assento de 24/5/1960, Bol. 17, 113, proferido no domínio do CPC de 1939.
Por isso, como se disse, no Ac. do STJ de 4-6-1980; Bol. 298, 232, a doutrina daquele assento não caducou, pelo facto de ser revogada a legislação em que ele assentou, porque essa legislação foi substituída por outra que contem textos idênticos, não havendo razões para excluir que o sentido dos novos textos seja igual ao dos antigos, como é o caso».
Deste modo, o aresto em referência defende a inaplicabilidade do nº 1 do artº 279º do CPC à execução propriamente dita, embora já aceite que se aplique às fases declarativas enxertadas na execução, como é o caso da Oposição ou Embargos.
Entendimento este que temos por exacto, dado que na Oposição discute-se um conflito de interesses contrapostos, que requer a sua composição pelo tribunal, tal como qualquer acção declarativa.
Ora, no caso em apreço, o que o Recorrente pretende é a suspensão da própria instância executiva que foi instaurada para a cobrança das importâncias que ficaram convencionadas na transacção judicialmente homologada por sentença proferida e transitada em julgado, que lhe serve de título executivo.
Tal não é consentido pela nossa ordem jurídica, como se colhe da Jurisprudência citada, designadamente a deste mais alto Tribunal.
Se tal fosse permitido, estaríamos ante uma clara inoperância da tutela judiciária dos direitos e legítimos interesses dos que recorrem à Justiça, que depois de verem o seu caso percorrer toda a longa e árdua via crucis das diversas fases da tramitação da acção declarativa, quando viesse, finalmente, a ser instaurada a execução, correriam o risco de ver esta paralisada, por via da instauração de uma outra acção declarativa que eventualmente se poderia considerar prejudicial, relegando-se ad infinitum a realização prática e efectiva do direito do demandante, judicialmente já reconhecido.
Desta forma, os eventuais efeitos decorrentes da prossecução da Execução instaurada, a que se refere o Recorrente nas suas alegações, não podem tolher por via da suspensão do processo executivo, o curso da realização efectiva do direito da ora Exequente.

Nesta conformidade, claudicam todas as conclusões da alegação do recorrente, o que directa e irrefragavelmente conduz à negação de provimento ao Agravo interposto.

DECISÃO
Face a tudo quanto exposto fica, acordam os Juízes deste Supremo Tribunal de Justiça em negar provimento ao presente Agravo, confirmando-se integralmente a decisão recorrida.

Custas pelo Recorrente.

Processado e revisto pelo Relator.

Lisboa e Supremo Tribunal de Justiça, 27 de Janeiro de 2010

Álvaro Rodrigues (Relator)
Santos Bernardino
Bettencourt de Faria
____________________
1) - ALBERTO DOS REIS, Comentário ao Código de Processo Civil, vol III, pg 274.