Proc. n.º 156/19.9T9STR-A.S1
5ª Secção
Habeas Corpus
acórdão
Acordam na 5ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça:
I. relatório.
1. AA, arguido nos autos de Inq. n.º 156/19….. da …. Secção de ….. do Departamento de Investigação e Acção Penal do Tribunal Judicial da Comarca …. – doravante, Requerente –, sujeito à medida de coacção de prisão preventiva, requer «a presente Providência prevista no artº 222º-1-2-c) do CPP e para efeitos do artº 223º», nos termos que seguem transcritos:
─ «[…].
AA, arguido nos presentes autos e em situação de Prisão Preventiva, vem requerer a providência de HABEAS CORPUS, o que faz nos termos seguintes:
O artº 215º-2 estabelece que a prisão preventiva extingue-se, quando desde o seu início, tiver decorrido o prazo de 6 meses sem que tenha sido deduzida a Acusação.
Foi proferido Despacho judicial por parte da Mtª JIC, que manteve tais medidas de coação no dia 20 do corrente.
Por se não ter compreendido na integralidade o respetivo teor, em virtude do prazo acima referido, requereu-se subsequentemente nos termos que constam do processo.
Agora, dia 25, acabado de ser notificado do Despacho judicial proferido que refere a existência da Acusação deduzida no dia 19 do corrente (o que, aliás, se desconhece), verifica-se, afinal, ter sido excedido o prazo respetivo.
Na verdade, “A detenção que for seguida de decretamento de prisão preventiva conta como início da execução desta medida, uma vez que a privação da liberdade ocorre desde aquele primeiro momento.” (CPP – Comentado, Almedina, 2014, Conselheiro Maia Costa, pág. 894).
Como resulta dos autos, o arguido foi detido antes do dia 19, alegadamente, em 18/11/2020, pelas 13h.
Assim, demonstra-se decorrido o prazo mencionado, que tem como consequência a libertação imediata do arguido, nos termos do artº 215º-1-2 e 217º do CPP.
Razão pela qual se requer a presente Providência prevista no artº 222º-1-2-c) do CPP e para efeitos do artº 223º, devendo o processado seguir os ulteriores termos legais.
Até ao momento vertente a Defesa não foi sequer notificada da mencionada Acusação; não sendo isso que motiva a Providência, não deixa de ser assinalado.
[…].».
2. No momento previsto no art.º 223º n.º 1 do CPP, a Senhora Juíza do Juiz …. do Juízo de Instrução Criminal de …. lavrou informação do seguinte teor:
─ «[…].
Petições de habeas Corpus que antecedem: vem o arguido AA sujeito actualmente a prisão preventiva apresentar Petição de Habeas Corpus. Argumentam, no essencial, que o prazo máximo de prisão preventiva sem dedução de Acusação terminou a 19.05.21 pelas 15:00 e que só mais tarde foi deduzida Acusação.
Cumpre apreciar.
Resulta do art. 222º do C.P.P. que qualquer pessoa pode, por petição, requerer providência de habeas corpus desde que a ilegalidade da prisão resulte de uma de três causas. A saber, ter sido efectuada ou ordenada por entidade incompetente; ser motivada por facto pelo qual a lei a não permite; ou manter-se para além dos prazos legalmente previstos ou judicialmente determinados.
No caso vertente, o ora requerente escora-se na última causa [alínea c) do nº2 do preceito], sustentando que, tendo o prazo máximo de prisão preventiva terminado a 19.05.21 e posto que nesse dia não foi deduzida acusação, a prisão passou a ser ilegal.
Sucede, porém, que, conforme se extrai da plataforma cítius, ao contrário do que, certamente por lapso, argumenta o arguido, foi deduzido Despacho de Acusação na primeira hora do dia 19.05.21.
Note-se que o art. 215º, nº 1, al. a), do C.P.P. se reporta à prolação do despacho de acusação e não à notificação do mesmo aos arguidos. Por outro lado, o art. 103º, nº 2, al.a), do C.P.P. permite que actos desta natureza sejam praticados para além do horário de expediente.
Por conseguinte, o arguido e ora requerente encontra-se legalmente preso sendo que o prazo de prisão preventiva se eleva agora nos termos das alíneas seguintes do nº 1 do art. 215º, em conjugação com o nº 3 do mesmo preceito.
Pelo exposto, declara-se que o arguido ora requerente se encontra legalmente privado da liberdade, inexistindo o fundamento invocado – ou qualquer outro - para a presente providência de habeas corpus.
[…].»
3. O procedimento vem instruído com certidão de auto de detenção do Requerente em flagrante delito em 18.11.2020 à ordem do Inq. n.º 156/19…. no decurso de busca domiciliária; de mandado de busca, de despacho de apresentação do detido a primeiro interrogatório judicial; de auto de primeiro interrogatório judicial com despacho de aplicação da medida de coacção de prisão preventiva; de despacho de reexame de pressupostos de prisão preventiva datado de 20.5.2021; e de despacho de esclarecimento do despacho de reexame.
Já neste Supremo Tribunal de Justiça, providenciou-se pela junção de despacho da Senhora Juíza de Instrução Criminal sobre requerimento do Requerente apresentado em 25.5.2021 em que peticionava a sua imediata libertação.
4. Convocada esta 5ª Secção Criminal e notificados o Ministério Público e o Defensor dos Requerentes, realizou-se a audiência pública – art.os 223º n.os 2 e 3 e 435.º do CPP.
Cumpre, assim, publicitar a respectiva deliberação e, sumariamente, a discussão que a precedeu.
II. Fundamentação.
A. Factos.
5. Dos elementos documentais que instruem o processo e da informação prestada ao abrigo do art.º 223º n.º 1 do CPP, emergem, com relevância para decisão, os seguintes factos e ocorrências processuais:
(1). No decurso de uma busca domiciliária, o Requerente foi detido, em flagrante delito, pelas 13.00 horas do dia 18.11.2020 pela suspeita da prática de crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo art.º 21º n.º 1 do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22.1, e tabelas 1-B e 1-C anexas.
(2). Submetido, sob requerimento do MP – aliás, ele e um outro arguido, igualmente detido –, a primeiro interrogatório judicial no dia seguinte, 19.11.2020, decretou, no acto, a Senhora Juíza de Instrução a medida de coacção de prisão preventiva, a acrescer à de Termo de Identidade e Residência já prestado, e tudo assim em razão da forte indiciação da prática do crime de tráfico de estupefacientes apontado e da verificação dos «perigos de perturbação das ulteriores diligências de inquérito, de continuação da actividade criminosa e de perturbação da ordem e paz públicas» e com atenção ao disposto nos art.os 21º n.º 1 do Decreto-Lei n.º 13/93 e 191º, 192º, 193º n.os 1 e 2, 202º n.º 1 al.ª a) e 204º al.as b) e c), estes do CPP.
(3). O acto de interrogatório decorreu entre as 17.10 horas e as 21.10 horas.
(4). Recolhido, até ao momento presente, o Requerente em estabelecimento prisional em execução da medida de coacção, deduziu o Ministério Público acusação contra ele em 19.5.2021, pelas 00.52 horas, imputando-lhe a prática, em co-autoria, de um crime de crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo art.º 21º n.º 1 do Decreto-Lei n.º 15/93 e Tabela I-C anexa, e, em autoria singular, de um crime de detenção de arma proibida p. e p. pelos art.os 86º n.º 1 al.as c), d) e e), 3º n.º 2 al.as l) e x), 3º n.os 1 e n.º 5 al.ª e), 2º n.º 3 al.ª r) e 3º n.º 2 al.ª r), e 3.º n.os 1 e 6, todos da Lei n.º 5/2006, de 23.2.
(5). Em despacho de 20.5.2021, a Senhora Juíza de Instrução reexaminou os pressupostos da medida de coacção de prisão preventiva, mantendo-a para os ulteriores trâmites processuais sem prejuízo do «prazo limite […] estabelecido no art. 215º, nº1, al. b), e, do C.P.P», como, aliás, requerido pelo Senhor Procurador da República no despacho acusatório.
(6). Em requerimento do mesmo dia 25.5.2021, mas posterior ao de instauração da presente providência, o Requerente peticionou ao Juízo de Instrução Criminal de …. a sua imediata libertação, nos seguintes termos:
─ «[…].
AA, arguido nos presentes, tendo interposto a providência especial de HABEAS CORPUS em virtude de prisão ilegal nos termos dos artºs 215º-2 e 222º-2-c) do CPP, vem requerer adicionalmente o seguinte:
Por via do estatuído no artº 223º-2 do CPP resulta que pode o arguido ser libertado em termos imediatos, por decisão do próprio Tribunal de Instrução criminal, o que sempre resultaria da consequência judicial que deve ser extraída em face do decurso do prazo respetivo, para dedução da Acusação.
Conforme se disse, o início do prazo conta-se a partir do momento em que a pessoa deixou de estar livre, por via da detenção (anotação ao CPP – Comentado, Almedina, 2014, Conselheiro Maia Costa, pág. 894 – ponto 2).
Perante o exposto, requer-se seja o arguido e impetrante imediatamente restituído à liberdade nos sobreditos termos.
*
Caso assim não seja entendido, requer-se que o presente requerimento seja igualmente remetido nos autos inerentes à Providência especial requerida […].
[…]».
(7). Sobre tal requerimento recaiu despacho da Senhora Juíza de Instrução do seguinte teor:
─ «[…].
Com efeito, é pacífico na jurisprudência que o dies a quo do prazo de duração máxima da prisão preventiva não é a data da “detenção” do arguido submetido a tal medida, mas sim a data do despacho que, na sequência de tal “detenção”, veio a determinar a prisão preventiva. O tempo de “detenção” para interrogatório do arguido não pode ser tido em consideração no cômputo do tempo da prisão preventiva, mas apenas no cumprimento da pena de prisão aplicada (v, por todos, o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 29.11.16, disponível em www.dgsi.pt). Neste mesmo sentido, pronunciou-se já o Tribunal Constitucional, nomeadamente, no Aresto 462/2004, de 12 de Outubro.
Em causa está um prazo judicial (processual ou adjectivo). Este consiste, de acordo com a doutrina sedimentada, no “período de tempo que há- de decorrer entre dois extremos («dies a quo» e «dies ad quem» " ou " "a distância entre os actos do processo" para se "produzir um determinado efeito processual (cfr. Prof. A. dos Reis in Comentário ao Cod. Proc. Civil, II, 53).
É aplicável ao caso a regra de contagem do prazo prevista no art. 479º do C.P.P. para a pena de prisão por ser este o regime concretamente mais favorável e na medida em que as regras da lei civil e processual civil para as quais se remete subsidiariamente no art. 104º, nº 1, do C.P.P., não se compadecerem com o regime da prisão preventiva, plasmado nos art.s 215º e seguintes deste último diploma.
Ora, avulta do nº 1, al.b), desse preceito que “A prisão fixada em meses é contada considerando-se cada mês um período que termina no dia correspondente do mês seguinte ou, não o havendo, no último dia do mês”.
A prisão preventiva decretada quanto ao arguido ora requerente iniciou-se às 21:10 do dia 19.11.20. Por conseguinte, o prazo de seis meses terminaria no dia 19.05.21 (v. auto de Primeiro Interrogatório Judicial de Arguido detido).
A acusação foi proferida no dia 19.05.21 às 00:52 (v. ref…… no cítius).
Destarte, quer se entenda que o prazo terminaria à mesma hora do último dia; às 09:00 ou às 24:00 desse dia (reconhecendo-se a dispersão doutrinária e jurisprudencial a este nível e a ambiguidade legal), o resultado seria, no caso igual: o do reconhecimento de que a Acusação foi proferida antes de decorrido o prazo previsto no art. 215º, nº 1, al.a), do C.P.P.
No mais, reiteram-se os considerandos de facto e de Direito plasmados no despacho de revisão das medidas de coacção em vigor, proferido nos autos principais nos termos e para os efeitos do art. 213º, nº 1, al. b), do C.P.P., no qual se concluiu que se mantém inalterados os pressupostos de facto e de Direito que fundaram a decisão de aplicação aos arguidos da medida coactiva de prisão preventiva pelo que é de manter tal estatuto.
Remeta de imediato os autos ao STJ.
[…]».
(8). A petição que deu origem à presente providência deu entrada no Juízo de Instrução Criminal …. no dia 25.5.2021, pelas 11.23 horas.
(9). Até esse momento o Requerente não tinha sido notificado do despacho acusatório de 19.5.2021.
B. Direito.
6. O artigo 31º n.º 1 da Constituição da República figura o direito à providência de habeas corpus como direito fundamental contra o abuso de poder por virtude de prisão ou detenção ilegais.
Visando reagir contra tal abuso de poder, o habeas corpus constitui «não um recurso, mas uma providência extraordinária com natureza de acção autónoma com fim cautelar, destinada a pôr termo em muito curto espaço de tempo a uma situação de ilegal privação de liberdade»[1]: trata-se de «um processo que não é um recurso mas uma providência excepcional destinada a pôr um fim expedito a situações de ilegalidade grosseira, aparente, ostensiva, indiscutível, fora de toda a dúvida, de prisão e, não, de toda e qualquer ilegalidade, essa sim, objecto de recurso ordinário ou extraordinário»[2].
Os fundamentos do habeas corpus estão taxativamente enumerados nos artigos 220º n.º 1 e 222º nº 2 do CPP, consoante o abuso de poder derive de situação de detenção ilegal ou de prisão ilegal, respectivamente, só com base neles podendo ser deferido.
Sendo que, tratando-se de habeas corpus em virtude de prisão ilegal, há-de a ilegalidade resultar – art.º 222º n.º 2 do CPP – ou de a prisão «[t]er sido efectuada por entidade incompetente» – al.ª a) –, ou de «[s]er motivada por facto por que a lei a não permite» – al.ª b) – ou de «[m]anter para além dos prazos fixados pela lei ou por decisão judicial» – al.ª c).
E há-de tratar-se, ainda, de ilegalidade actual, é dizer de prisão ilegal que persista no momento em que é apreciado o pedido[3].
C. Apreciação.
7. Flui, então da factualidade assente que, sob apresentação do Ministério Público, o Requerente foi submetido a interrogatório judicial em 19.11.2020 e viu ser-lhe aplicada, nesse acto, a medida de coacção de prisão preventiva por referência à forte indiciação de crime de tráfico de estupefacientes do art.os 21º n.º 1 do Decreto-Lei n.º 15/93, à existência perigo de perturbação do inquérito, de continuação de actividade criminosa e de perturbação da ordem e tranquilidade públicas e à insuficiência cautelar de medidas de coacção menos gravosas.
E, anotando ter sido detido no dia anterior, 18.11.2020, e dever esse dia de detenção ser computado no prazo máximo de seis meses previsto no art.º 215º n.os 1 al.ª a) e 2 do CPP durante o qual podia estar preso preventivamente sem que tivesse sido deduzida acusação, sustenta a ilegalidade da privação da sua liberdade no posterior ao dia 18.5.2021 – que foi quando, no seu ver, se completaram aqueles seis meses –, por excedido o prazo fixado por lei – art.º 222º n.º 2 al.ª c) do CPP –, uma vez que, segundo lhe foi informado, mas do que ainda não foi notificado, a acusação só foi deduzida no dia seguinte, 19.5.2021.
Por isso que quer ser de imediato libertado.
Mas, salvo o muito devido respeito, não assiste ao Requerente – diz-se já – o fundamento de habeas corpus que invoca – nem, aliás, qualquer outro dos previstos no art.º 222º n.º 2 CPP –, havendo a sua pretensão de ser indeferida.
Com efeito:
8. Não havendo controvérsia quanto ao prazo de duração máxima de prisão preventiva sem que tenha sido deduzida acusação ser, no caso, o de 6 meses, nos termos das disposições dos n.os 1 al.ª a) e 2 do art.º 215º do CPP, o erro do Requerente quanto à acusação de excesso decorre de pretender que ele se conte a partir do dia da sua detenção.
Contrariando, desse modo, o entendimento indisputado na jurisprudência deste Tribunal de que os prazos de duração máxima de prisão preventiva se contam, isso sim, a partir do momento em que o arguido é sujeito, por despacho judicial, à medida de coacção.
A detenção, em flagrante delito nos termos art.º 254º n.º 1 e 255º do CPP – como no caso – ou fora de flagrante delito nos art.os 254º e 256º do CPP, ainda que imediatamente preceda – como também no caso – a aplicação da medida de coacção de prisão preventiva, é uma situação de privação de liberdade distinta desta outra e, embora em certas circunstâncias produza os mesmos efeitos – v. g., o do desconto no cumprimento da pena de prisão, nos termos do artigo 80º do Código Penal –, não se confunde com ela: como refere Maia Costa, in "Código de Processo Penal Comentado", 2ª ed., p. 897, «A detenção não é uma medida de coação, não se confundindo, pois, com prisão preventiva, cujo decretamento é da competência do juiz de instrução.».
Por isso, para efeitos de contagem dos prazos de duração máxima de prisão preventiva só releva o tempo decorrido após a sua aplicação judicial, não se incluindo nos prazos previstos no art.º 215º do CPP o tempo da detenção: é a lição dos, entre muitos outros, Ac'sSTJ de 28.11.2018 - Proc. n.º 257/18.0GCMTJ-AF.S1, de 14.6.2018 - Proc. n.º 57/15.0T9SEI-C.S1 ou de 2.10.2014 - Proc. n.º 107/13.4P6PRT-B.S1[4].
9. Ora, volvendo ao caso, é muito evidente que o prazo máximo de 6 meses de duração da prisão preventiva correspondente à fase pré-acusatória se iniciou no momento em que foi decretada a medida de prisão preventiva do Requerente, é dizer, no dia 19.11.2020.
Como prazo substantivo que é[5], conta-se nos termos dos art.º 296º e 279º al.ª c) do Código Civil, por isso que terminando às 24.00 horas do dia 19.5.2021, o correspondente, no último mês, ao do início.
Como ficou assente em 5. supra, a acusação foi proferida nesse mesmo dia 19 – aliás, na primeira hora dele –, portanto, perfeitamente dentro do prazo sempre referido e com a consequência de, no sistema faseado de prazos máximos da medida de coacção desenhado no art.º 215º do CPP, logo se ter transitado para o acumulado seguinte, o de 10 meses sem que haja decisão instrutória – sendo a instrução requerida, naturalmente – ou o de 1 ano e 6 meses, sem que haja condenação em 1ª instância.
E foi, de resto, naquele momento da acusação que se verificou a transição de fases e não no da sua notificação ao Requerente – que, aliás, à data dedução do pedido de habeas corpus, em 25.5.2021, ainda não tinha ocorrido –, isso pois que, conforme jurisprudência que se crê unânime, foi aquele e não este o marco escolhido pela lei para o efeito, como se vê, por todos no AcSTJ de 21.6.2012 - Proc. n.º 62/12.8YFLSB.S1 que, de novo se cita: «A norma processual não faz depender a passagem do prazo de uma fase para a seguinte da notificação do acto processual que escolheu como marco processual, servindo de terminus de cada uma das fases. Como se refere no acórdão de 02-06-2010 - Proc. nº 649/09.1JDLSB-D.S1 - 3ª Sec., "a lei não exige, para este efeito, a notificação ao arguido, mas a simples e imediata prática do acto, porque o prazo é de injunção para as autoridades e o limite do prazo da lei é determinado pela prática do acto a quem é imposto – o Ministério Público. A notificação da acusação tem como finalidade o conhecimento ao destinatário para que possa exercer direitos processuais próprios, que dependem da sua vontade, tendo, pois, uma função processual própria e autónoma e diversa da consideração do acto, em si, como termo final de um prazo máximo dirigido às autoridades de investigação e de acusação.»
Razões por que, tendo o acto acusatório sido praticado antes de esgotado o prazo máximo de prisão preventiva, nenhum tempo-limite desta fixado por lei foi ultrapassado e nenhuma ilegalidade se configura que possa integrar a previsão do art.º 222º n.º 2 al.ª c) do CPP e que, consequentemente, possa fundar o decretamento da providência de habeas corpus.
Providência que, nessa perspectiva, tem de ser indeferida.
10. Mas não só por essas razões a pretensão do Requerente está votada ao insucesso, que igualmente se lhe opõe a ideia da actualidade da ilegalidade da prisão que, como referido, constitui, igualmente, pressuposto do decretamento da providência.
Com efeito – e trata-se, por mais uma vez, de asserção que se crê colher a unanimidade da jurisprudência –, sobre ter que padecer de algum dos vícios enumerados no n.º 2 do art.º 222º n.º 2 do CPP, a ilegalidade da prisão fundante da providência extraordinária do habeas corpus há-de ser actual, isto é, há-de persistir no momento em que é necessário apreciar o pedido[6].
Ora, mesmo que, por absurdo, se admitisse que no prazo computável até ao momento da acusação se deveria ter contabilizado o dia de detenção sofrido pelo Requerente e que, no momento da acusação estavam já esgotados os 6 meses do máximo de duração da prisão preventiva, a verdade é que, no presente momento – e, aliás, logo no da apresentação da petição de habeas corpus, que como assente supra, teve lugar a 25.5.2021, quando a acusação tinha sido deduzida em 19 anterior – não se verifica qualquer excesso de privação de liberdade que, estando-se já na fase delimitada pelo despacho de pronúncia ou pela condenação em 1ª instância, os prazos relevantes são, como já referido, respectivamente, o de 10 meses – art.º 215º n.os 1 al.ª b) e 2 – ou o de 1 ano e 6 meses – art.os 215º n.os 1 al.ª c) –, dentro dos quais o tempo de prisão preventiva já decorrido – aliás reexaminada e mantida, esta, por despacho de 20 p. p., nos termos do art.º 213º n.º 1 al.ª b) do CPP – perfeitamente se contém.
11. E refira-se, por último, que também não constituirá fonte de ilegalidade que releve nos termos do art.os 222º n.º 2 do CPP a circunstância de poderem não ter sido reexaminados os pressupostos da prisão preventiva do Requerente, nos termos do art.º 213º n.º 1 al.ª a) do CPP, no momento em que se completaram os primeiros três meses da sua execução, o que de qualquer modo teria que ser averiguado, que não o esclarecem os elemento instrutórios do procedimento.
E não constituirá fonte de ilegalidade relevante porquanto, como é igualmente entendimento sedimentado, «A jurisprudência deste STJ distingue os prazos da prisão preventiva, dos prazos de reexame dos pressupostos desta medida coativa, sustentado que "o prazo do n.º 1 do art. 213.º do CPP não é um prazo de prisão preventiva, mas de reexame dos seus pressupostos, pelo que a sua inobservância não implica ilegalidade da medida de coação por excesso de prazo"»[7].
D. Conclusão.
12. Vale tudo o que precede por dizer que improcede o fundamento em que o Requerente apoia o pedido da sua libertação imediata por via de habeas corpus, não havendo sombra de ilegalidade que, à luz do art.º 222º do CPP, afecte a privação de liberdade a que está sujeito, sendo muito evidente que a medida de coacção de prisão preventiva foi decretada por entidade competente – por um juiz de instrução criminal –, por factos pelos quais a lei a admite – pela prática de crimes de tráfico de estupefacientes agravado cuja forte indiciação foi judicialmente reconhecida – e que se contém dentro dos limites legais e judiciais – iniciada em 19.11.2020, podia-se ter prolongado, nos termos dos art.º 215º n.os 1 al.ª a) e 2 e 1ª al.ª m) do CPP e 21º n.º 1 e 51º n.º 1 do Decreto-Lei n.º 15/93, até à data 19.5.2021 em que foi deduzida acusação; de momento, está, sujeita aos prazos-limite de 10 meses (até 19.9.2021, portanto), sem que seja proferida pronúncia, ou, não havendo instrução, de 1 ano e 6 meses (até 19.5.2021, portanto), sem que seja proferida condenação em 1ª instância, por isso que estando muito longe do seu termo final.
Motivos por que nada mais resta do que indeferir o pedido, como imediatamente segue.
III. decisão.
13. Pelo exposto, deliberando nos termos dos n.os 3 e 4 al.ª a) do art.º 223º do CPP, acordam os juízes desta secção criminal em indeferir o pedido da habeas corpus por falta de fundamento bastante.
Custas pelo Requerente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC's (art.º 8º n.º 9 do RCP e Tabela III anexa).
*
Digitado e revisto pelo relator (art.º 94º n.º 2 do CPP).
*
Supremo Tribunal de Justiça, em 2.6.2021.
Eduardo Almeida Loureiro (Relator)
António Gama
Clemente Lima
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[1] Germano Marques da Silva, "Curso de Processo Penal II", Editorial Verbo, p. 260.
[2] AcSTJ de 11.11.2018 - Proc. n.º 601/16.SPBSTB-A.S1, aliás, citando o AcSTJ de 16.3.2003 - Proc. n.º 4393/03.
[3] Neste sentido, v. g., AcSTJ de 25.6.2020 - Proc. n.º 5553/19.7T8LSB-F.S1, in www.dgsi.pt.
[4] Todos in SASTJ.
[5] Neste sentido, AcSTJ de 21.6.2012 - Proc. n.º 62/12.8YFLSB.S1, consultável em Colectânea de Jurisprudência Online, aliás citando a lição de Germano Marques da Silva in "Curso de Processo Penal", II, p. 50.
[6] Neste sentido e para lá do de 25.6.2020 - Proc. n.º 5553/19.7T8LSB-F.S1 acima citado, veja-se, por todos, o AcSTJ de 28.10.2020 - Proc. n.º 12/17.5JBLSB-X.S1, in www.dgsi.pt.
[7] AcSTJ de 23.10.2019 - Proc. n.º 780/16.1T9VFX-A, in www.dgsi.pt, aliás, citando o AcSTJ de 4.2.2010 - Proc. n.º 837/08.2JAPRT-A.S1, igualmente in www.dgsi.pt.