Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
5215/18.2T9CSC-A.S1
Nº Convencional: 3.ª SECÇÃO
Relator: ERNESTO VAZ PEREIRA
Descritores: RECURSO DE REVISÃO
DESOBEDIÊNCIA
FACTO NOVO
CARTA DE CONDUÇÃO
INJUSTIÇA DA CONDENAÇÃO
CONSTITUCIONALIDADE
Data do Acordão: 07/11/2023
Votação: MAIORIA COM 2 VOTOS DE VENCIDO
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO DE REVISÃO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário :
I . A revisão de sentença é um recurso extraordinário e de utilização excecional com pressupostos de admissibilidade limitados e taxativos e não serve para obter efeitos que deveriam e poderiam ter sido alcançados por via do recurso ordinário, do qual os recorrentes não se quiseram socorrer ou já se socorreram, ainda que sem êxito.

II. Chegando-se à conclusão de que aquilo que se está a intentar por via do recurso de revisão se tinha conseguido, com diligência e autorresponsabilização, ao tempo do julgamento, em sede recursória, através de um recurso ordinário, visto está que deve ser inadmissível o recurso de revisão.

III. O desleixo ou esquecimento do recurso ordinário não pode ser suprido pela utilização (banalização) do recurso extraordinário, sob pena de os confundir.

IV. Mais, estando em causa factos pessoais (alegadamente novos) torna-se injustificável a sua não atempada apresentação (ao tempo do julgamento). Se o facto é pessoal é necessariamente conhecido, se é necessariamente conhecido é injustificável a sua não apresentação. Donde a falta de apresentação atempada só será aceitável em sede de revisão mediante uma justificação com fundamento inobstaculizável, ou seja, com fundamento objetivamente de aceitação obrigatória.

V. Porque, como se disse no ac. deste STJ de 15/02/2023, proc. nº  364/20.0PFAMD-A.S1, Ana Brito, “se os factos e/ou as provas têm de ser novos- novos no sentido de desconhecidos do tribunal e do arguido ao tempo do julgamento -, tal novidade não pode ocorrer, desde logo relativamente a factos pessoais do arguido. Admitir o contrário, consubstanciaria uma contradição nos próprios fundamentos.”

VI. O requisito legal de “novidade” para o facto ou para o meio de prova coloca-se em iguais termos de exigência para o arguido ou para o Ministério Público, agindo em seu benefício. Não pode, por isso, recusar-se como “não novo” o facto para o arguido, por ser do seu conhecimento ao tempo do julgamento, mas, simultaneamente, ter-se o dito facto como novo para o MºPº, depois de o arguido beneficiário lho ter entregado.

VII. Se o facto é “não novo” para o arguido recorrente será também “não novo” para o Ministério Público a quem o arguido o entregou para que o usasse em seu benefício. Sob pena de o arguido contornar a exigência de novidade entregando o tal facto, para ele já “não novo”, ao MºPº, transmudando-o, só por via da entrega a outro sujeito processual, em novo porque o MP não o conhecia até aí. Estaria encontrada a forma de, deixando entrar pela janela aquilo cuja entrada se proibia pela porta, se permitir que indevidamente e ao arrepio legal um facto “não novo” se transmutasse em novo.

VIII. A questão de ser o MP o Recorrente, em vez de ser o arguido, trazendo o MP os elementos que o arguido lhe forneceu não se imiscui, pois, na questão da novidade. Primo, porque ser o MP, no interesse do arguido, ou o arguido configura-se como uma questão de legitimidade, a montante dos fundamentos da revisão. E, secundo, se o MP actua no interesse do arguido, pro reo, forçoso é concluir que a novidade tem de aferir-se em relação ao arguido, sob pena de, em grave afronta ao princípio da igualdade, o recurso que fosse apresentado pelo arguido e o recurso que fosse apresentado pelo MºPº, pro reo, ou por outro co-arguido, em casos processuais iguais, ser tratado de maneira diferente, ou seja, desigualmente, em benefício do arguido “representado” pelo MºPº. 

Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça:



I. RELATÓRIO


I.1. AA, por sentença de 12/01/2022, do Juízo Local Criminal ... - Juiz ..., foi condenado pela prática de um crime de desobediência, p. e p. pelo art. 348.º, n.º 1. al. b) do Código Penal, na pena de 4 meses de prisão, suspensa na sua execução por 1 ano.

A sentença transitou em julgado em 02.05.2022.

I.2.O Ministério Público no Juízo Local Criminal ... veio apresentar requerimento pedindo a revisão da sentença condenatória em favor do condenado, com fundamento no artigo 449.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Penal (CPP).

Rematando, com as seguintes conclusões:

“1. Por sentença transitada em julgado no dia 30 de junho de 2017, no Processo n.º 314/13.0PBCSC, que correu termos no Juízo Local Criminal – Juiz ..., foi o arguido condenado pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelos artigos 292.º, n.º 1 e 69.º, n.º 1, alínea a), ambos do Código Penal, na pena de 75 dias de multa, à taxa diária de € 6,00 e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo prazo de 3 meses.

2. Considerando que o arguido não procedeu à entrega da carta de condução para efeito de cumprimento da pena acessória de inibição de conduzir em que foi condenado, foi extraída certidão e remetida ao Ministério Público para efeito de eventual procedimento criminal contra o arguido por crime de desobediência, para além de se determinar a apreensão daquela, nos termos do artigo 500.º do Código de Processo Penal.

3. Tal certidão deu origem aos presentes autos, nos quais, após a realização de todas as diligências necessárias, foi proferido despacho de acusação, imputando ao arguido um crime de desobediência, previsto e punido pelo artigo 348.º do Código Penal, do qual este veio a ser regularmente notificado.

4. Na sequência, cumpridas as formalidades legais, foi o arguido submetido a julgamento, que teve lugar na sua ausência e proferida sentença, a 12 de janeiro de 2022 (e para cuja data foi também o arguido regularmente notificado), na qual se decidiu condenar o arguido pela prática do crime que lhe vinha imputado na pena de 4 meses de prisão suspensa na sua execução pelo período de 1 ano e se determina a notificação pessoal do arguido, nos termos do artigo 333.º, n.º 5 do Código de Processo Penal, a qual veio a ocorrer a 22 de março de 2022.

5. A sentença proferida, por não contestada em sede de recurso, transitou, de forma pacífica. No entanto, apesar de não apresentar qualquer recurso, o arguido remeteu aos autos requerimento, datado de 26 de abril de 2020, dando conhecimento de que a pena acessória em que havia sido condenado, e que estava na origem dos presentes autos e condenação, já havia sido declarada extinta, para o que juntou cópia de um despacho.

6. Na sequência, foi determinada a junção aos autos de certidão do despacho proferido no Processo n.º 314/13.0PBCSC, a 12 de junho de 2020 e no qual, determinando-se a extinção da pena acessória aí aplicada ao arguido, pelo seu cumprimento, se fez constar que ‘Tendo em atenção o promovido pelo Ministério Público, sustentado pelo Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa no dia 20-02-2020 considera-se ter o arguido iniciado o cumprimento da pena acessória na data do trânsito em julgado da sentença condenatória, a saber, 30-06-2017 e, consequentemente, ter terminado, no dia 30-09-2017, o cumprimento da pena em causa’.

7. Verifica-se que foram descobertos factos e elementos de prova novos que suscitam graves dúvidas sobre a justiça da condenação, nos termos do disposto no artigo 449.º, n.º 1, alínea d) do Código de Processo Penal, os quais se aferem fundamento para ter lugar revisão da sentença condenatória transitada em julgado.

8. O recurso de revisão de sentença transitada em julgado visa corrigir uma situação de erro judiciário quando factos ou meios de prova supervenientes ponham em causa a justiça de uma absolvição ou de uma condenação.

9. Ora, no caso dos presentes autos, certo é que se verificam preenchidos ambos os requisitos previstos no artigo 449.º, n.º 1, alínea d) do Código de Processo Penal, nomeadamente: a apresentação de factos ou meios de prova que se devam considerar novos; e a verificação de que tais factos ou meios de prova suscite graves dúvidas sobre a justiça da condenação.

10. Efectivamente, os elementos de prova são novos porquanto não eram do conhecimento do Tribunal quando proferiu a sentença, não tendo sido por este considerados decisão em que se fundou a condenação.

11. E, os novos meios de prova só foram conhecidos após trânsito em julgado da sentença condenatória, porquanto o arguido deles não deu atempadamente conhecimento, nem o Processo n.º 314/13.0PBCSC remeteu cópia do despacho proferido ao presente processo.

12. Tais elementos de prova põem em causa, de forma séria, a justiça da condenação do porquanto demonstram que o arguido não podia fazer a entrega da sua carta de condução, razão pela qual, no referido despacho datado de 12 de junho de 2020 se fez retroagir o cumprimento da pena à data do trânsito em julgado da sentença.

14. Pelo que, em face dos novos elementos de prova, outra não pode ser a conclusão de que a atuação do arguido não preenche os elementos do tipo do crime de desobediência previsto e punido pelo artigo 348.º, n.º 1, alínea b) do Código Penal, pelo qual foi este condenado nos presentes autos.

15. De facto, caso o Tribunal estivesse na posse dos elementos de prova que agora foram juntos, certamente teria absolvido o arguido do crime de desobediência, pelo que urge evitar os efeitos de uma sentença injusta e, consequentemente reparar um erro judiciário, dando, assim, primazia à justiça material em detrimento de uma justiça formal.

Pelo exposto, deve o presente recurso merecer provimento, declarando-se a anulação da sentença proferida, substituindo-a por outra nos termos determinados, só assim se fazendo a esperada e costumada JUSTIÇA!”

I.3. Veio a informação prevista no artigo 454º do CPP, do seguinte teor:

“Tendo em consideração o disposto o art. 449º, n.º 1, al. d) do Cód. de Processo Penal, a revisão de sentença transitada em julgado é admissível quando: “(…) d) Se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação”.

Destarte, o processo de revisão com fundamento na al. d), acima citada, visa uma nova decisão, assente num novo julgamento sobre a matéria de facto, sendo que nos factos novos se incluem todos os que deveriam constituir tema de prova.

Ora, in casu, vislumbra-se que nas questões suscitadas pela Digna Magistrada do Ministério Público, são invocados novos elementos fácticos alicerçados em novos meios probatórios, porquanto o Tribunal, no momento da audiência de julgamento e da sentença proferida,deles não tinha conhecimento, o que apenas veio a suceder em momento posterior (meses após o trânsito em julgado) pelo que, devem aqueles servir de fundamento para permitir uma alteração à sentença condenatória proferida, substituindo-a por outra que absolva o arguido da prática do crime de desobediência, nos termos do art. 461º do Cód. de Processo Penal.

Por todo o exposto, e em conformidade com as referidas disposições legais, o parecer deste Tribunal é no sentido de que deve ser deferida a revisão, por manifestamente fundada.”

I.4. O Ex.mo Procurador-Geral-Adjunto no STJ emitiu parecer no sentido da negação da revisão, de onde se extrai o seguinte:

“Ordenando cronologicamente os factos que evolam dos elementos processuais supra resenhados temos que:

1.º - Em 22 de maio de 2017, o arguido AA foi condenado no processo 314/13.0PBCSC pela prática de um crime p. e p. pelos arts. 292.º, n.º 1, e 69.º, n.º 1, al. a), do Código Penal, numa pena de multa e na sanção acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 3 meses;

2.º - A sentença foi pessoalmente notificada ao arguido em 31 de maio de 2017 e transitou em julgado em 30 de junho de 2017;

3.º - Aquando da notificação da sentença o arguido foi advertido que devia entregar a carta de condução no tribunal ou no posto policial da área da sua residência sob pena de incorrer na prática de um crime de desobediência no prazo de 10 dias após o trânsito em julgado da sentença;

4.º - Em 13 de junho de 2020, a Sr.ª juíza titular do processo 314/13.0PBCSC lavrou despacho consignando que, de acordo com a informação do IMT, a carta de condução do arguido fora cancelada por ter caducado há mais de cinco anos e não ter sido revalidada neste prazo e, diante disso, ficcionou que o arguido expiara a pena acessória de proibição de conduzir em 30 de setembro de 2017, ou seja, decorridos 3 meses após o trânsito da condenação;

5.º - Este despacho foi notificado ao arguido por via postal simples expedida em 15 de junho de 2020 e transitou em julgado em 8 de setembro de 2020, o que significa que a notificação se presumiu realizada em 23 de junho de 2020;

6.º - O arguido AA foi notificado do despacho que designou a audiência de julgamento do processo comum 5215/18.2T9CSC e para apresentar contestação em 4 de agosto de 2020;

7.º - O arguido não apresentou contestação nem compareceu ao julgamento do processo comum 5215/18.2T9CSC;

8.º - A sentença condenatória do processo comum 5215/18.2T9CSC foi proferida em 12 de janeiro de 2022 e transitou em julgado em 2 de maio de 2022;

9.º - Em 22 de abril de 2022, o arguido fez chegar ao processo 5215/18.2T9CSC um requerimento solicitando a revisão da sentença, alegando que já em 10 de setembro de 2019 enviara um mail a comunicar que não lhe era possível entregar a carta de condução em virtude de a mesma ter sido apreendida em 22 de março de 2015 e de, entretanto, ter caducado e não ter sido revalidada;

10.º - Em 27 de outubro de 2022 o MP interpôs o recurso de revisão.

Como se pode verificar, o condenado, cujo requerimento impeliu o MP a interpor o recurso de revisão, sabia necessariamente, por se tratar de facto pessoal, que a sua carta de condução havia caducado e não fora revalidada e que, por conseguinte, não podia proceder à sua entrega nem, como tal, incorrer no correspondente crime de desobediência. Se não antes (e muito possivelmente antes – cf. 6.1.), sabia-o, pelo menos, desde 23 de junho de 2020, data em que foi notificado do despacho de 13 de junho de 2020 do processo 314/13.0PBCSC.

Ora, tendo sido notificado em 4 de agosto de 2020 no processo 5215/18.2T9CSC para os efeitos do disposto no art. 315.º do Código de Processo Penal (então em vigor), o arguido não contestou a acusação do crime de desobediência.

E conforme se deu conta, também não compareceu à respetiva audiência.

Ou seja, esbanjou duas oportunidades para esclarecer e demonstrar ao tribunal que perdera a titularidade da carta de condução (para já não recuar à fase processual em que, depois de notificado da acusação, podia ter impetrado a abertura de instrução).

Podemos, então, concluir que só por manifesta incúria e desinteresse da sua parte é que o tribunal não tomou em consideração esse facto, o qual, por esse motivo, não pode ser considerado «novo», na aceção e para os efeitos do art. 449.º, n.º 1, al. d), do Código de Processo Penal.

Na verdade, como é de jurisprudência se o arguido escamoteia ao tribunal da condenação algum facto ou meio de prova não deve ser depois «compensado com o “prémio” de um recurso excepcional, que se destinaria afinal a suprir deficiências, voluntárias ou involuntárias, da sua defesa em julgamento» (acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de setembro de 2008, processo 08P1617, relatado pelo conselheiro MAIA COSTA, www.dgsi.pt).

Dito por outras palavras, o legislador não quis «abrir a porta, com o recurso de revisão, a meras estratégias de defesa, ou dar cobertura a inépcias ou desleixos dos sujeitos processuais. O que teria por consequência a transformação do recurso de revisão, que é um recurso extraordinário, num expediente com risco de banalização, assim se podendo prejudicar o interesse na estabilidade do caso julgado, para além do aceitável, ou facilitar faltas à lealdade processual» (acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7 de janeiro de 2010, processo 837/03.9TACBL-A.S1, relatado pelo conselheiro SOUTO DE MOURA, www.dgsi.pt).

A situação não muda pelo facto de o recurso de revisão ter sido interposto pelo MP.

Com efeito, ao requerer a revisão pro reo, o MP não fica desobrigado de demonstrar que o facto (cancelamento da carta de condução) e elemento de prova (despacho do processo 314/13.0PBCSC) só foram descobertos pelo condenado após o julgamento ou que o mesmo, embora deles tivesse prévio conhecimento, estava impedido ou impossibilitado de alegá-los e de apresentá-los no julgamento.

De resto, face ao conteúdo da comunicação de 10 de setembro de 2019 (6.1.), também não se pode afirmar que a situação fosse desconhecida do MP.”

I.5. Foi aos vistos e decidiu-se em conferência.

II. FUNDAMENTAÇÃO

II.1. Factos

Dos elementos constantes dos autos extrai-se a seguinte factualidade relevante para a decisão:

Em 22 de maio de 2017, o arguido AA foi condenado no processo 314/13.0PBCSC pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez p. e p. pelos arts. 292.º, n.º 1, e 69.º, n.º 1, al. a), do Código Penal, numa pena de multa e na sanção acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 3 meses;

A sentença foi pessoalmente notificada ao arguido em 31 de maio de 2017 e transitou em julgado em 30 de junho de 2017;

Aquando da notificação da sentença o arguido foi advertido que devia entregar a carta de condução no tribunal ou no posto policial da área da sua residência sob pena de incorrer na prática de um crime de desobediência no prazo de 10 dias após o trânsito em julgado da sentença;

Por falta de cumprimento da ordenada entrega foi extraída certidão que deu origem ao processo nº 5215/18.2T9CSC-A.S1.

Em 13 de junho de 2020, a Sr.ª juíza titular do processo 314/13.0PBCSC lavrou despacho consignando que, de acordo com a informação do IMT, a carta de condução do arguido fora cancelada por ter caducado há mais de cinco anos e não ter sido revalidada neste prazo e, diante disso, ficcionou que o arguido expiara a pena acessória de proibição de conduzir em 30 de setembro de 2017, ou seja, decorridos 3 meses após o trânsito da condenação;

Este despacho foi notificado ao arguido por via postal simples expedida em 15 de junho de 2020 e transitou em julgado em 8 de setembro de 2020, o que significa que a notificação se presumiu realizada em 23 de junho de 2020;

O arguido AA foi notificado do despacho que designou a audiência de julgamento do processo comum 5215/18.2T9CSC e para apresentar contestação em 4 de agosto de 2020;

O arguido não apresentou contestação nem compareceu ao julgamento do processo comum 5215/18.2T9CSC;

A sentença condenatória do processo comum 5215/18.2T9CSC foi proferida pelo Juízo Local Criminal ...  - Juiz ..., em 12 de janeiro de 2022 e transitou em julgado em 2 de maio de 2022; e condenou o arguido pela prática de um crime de desobediência p. e p. pelo artigo 348º, nº 1, al. b), do CP, na pena de 4 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de um ano.

Em 22 de abril de 2022, o arguido fez chegar ao processo 5215/18.2T9CSC um requerimento solicitando a revisão da sentença, alegando que já em 10 de setembro de 2019 enviara um mail a comunicar que não lhe era possível entregar a carta de condução em virtude de a mesma ter sido apreendida em 22 de março de 2015 e de, entretanto, ter caducado e não ter sido revalidada;

Aí refere ter enviado um email em 10/09/2019 para um endereço que identifica como judicial@tribunais.org.pt e dirigido ao processo nº 5215/18.2T9CSC

Em 27 de outubro de 2022, no interesse do arguido, o MP interpôs recurso extraordinário de revisão da dita sentença condenatória proferida em 12/01/2022 e transitada em julgado em 2 de maio de 2022.

II.2. Direito

II.2.1. Texto constitucional

Começando pela Lei Fundamental, o seu artigo 29, nº 6[1], dispõe que “Os cidadãos injustamente condenados têm direito, nas condições que a lei prescrever, à revisão da sentença e indemnização pelos danos sofridos[2].”

Deixando de lado a parte da indemnização deste normativo constitucional, por não pertinente, do teor do inciso se extrai o direito constitucional do cidadão injustamente condenado à revisão da sentença.  Mas extrai-se mais, que esse direito existe “nas condições que a lei prescrever”. Da forma como está redigida a norma constitucional imperioso é concluir que não estamos perante um direito absoluto ou ilimitado e que o legislador constitucional deixou à liberdade de conformação do legislador ordinário a latitude do direito. A fórmula usada não deixa margem para dúvidas “(…) tem direito, nas condições que a lei prescrever, (…)”.

Despiciendo se torna estar a referir que este direito há de ter substância material, não meramente formal, estando o legislador ordinário obrigado a dar-lhe conteúdo útil.

Mas não é ilimitado, ou seja, não é defensável que a CRP tivesse querido impor a revisão de todas as sentenças que se tenham, depois de transitadas, como injustas. Se tal tivesse sido o intento constitucional a locução “nas condições que lei prescrever” estava a mais. Para tanto bastaria a CRP ter exarado em letra de artigo que “Os cidadãos injustamente condenados têm direito à revisão da sentença.” E, depois, perante tão ampla cláusula genérica, na legislação ordinária consagrar só a tramitação processual adequada. Se tal intento constitucional tivesse vingado todo e qualquer fundamento serviria para apodar a sentença como injusta e nele assentar o pedido de revisão.

Não é assim. As “condições” prescritas para o direito estão consagradas no artigo 449º do CPP.

Em suma, o direito à revisão, como na generalidade dos ordenamentos jurídicos contemporâneos, não se apresenta com natureza absoluta, convivendo sempre com preceitos que fazem depender a sua admissão e procedência de fundamentos expressamente vertidos na lei.

O que não se configura como inconstitucional quer perante a liberdade que a Constituição oferece ao legislador ordinário, “nas condições que lei prescrever”, quer perante o compromisso que a Lei Fundamental também prossegue entre a segurança resultante do caso julgado e o princípio da justiça ou verdade material. Compromisso esse que bem ressalta, por exemplo do artigo 282º, nº 3, da CRP.

Inconstitucional seria, sim, a exclusão arbitrária do direito de revisão em determinados processos ou a maximização das exigências dos fundamentos a tal ponto que vedasse a interposição de recurso de revisão relativamente à maior parte das sentenças, afrontando desde logo o princípio da proporcionalidade.

Sendo permitido afirmar que está vedado ao legislador suprimir em bloco a revisibilidade ou fazê-la depender de circunstâncias que traduzam a violação do princípio da proporcionalidade, tal não determina, porém, que toda e qualquer restrição em sede de recurso extraordinário de revisão traduza violação de regras ou de princípios constitucionais.

As restrições ou limitações derivarão, em última análise, da própria natureza das coisas, id est, da segurança jurídica, da própria natureza extraordinária do recurso, do seu caráter excepcional, da necessidade de preservação do caso julgado, do princípio da lealdade

Por isso é que, naquela liberdade de conformação do legislador ordinário e na base do compromisso entre o caso julgado e a justiça material, a latitude do recurso de revisão tem variado ao longo dos tempos e concretamente ao longo da vigência do actual CPP. E se tem aceitado a taxatividade dos fundamentos expressos no artigo 449º.

E se é verdade que não se identifica um critério formal delimitador dos poderes do legislador ordinário, pode concluir-se que, dentro daquela liberdade e tendo em conta o dito compromisso, o legislador poderá ampliar ou restringir os fundamentos de revisão admissíveis. O que interdito está ao legislador ordinário é não dar corpo à norma constitucional, seja por omissão, seja por inócuo ou deficiente texto legislativo que, na prática, acabe a dificultar o exercício do direito. Não pode o legislador consagrar o direito de revisão em termos tais que desvirtue o núcleo essencial do direito ou que o deixe sem densidade material.

Mas desde que o legislador ordinário o consagre com densidade material suficiente, id est, correspondente à intensidade da injunção constitucional, cumprida se mostrará a injunção constitucional.

Injunção constitucional que determinará a latitude a fornecer ao recurso de revisão sobretudo tendo em conta os princípios da segurança, da justiça e da proporcionalidade (29º, nº 6, da CRP: “nas condições que a lei prescrever”, em conferida liberdade de conformação ao legislador). E que vai mudando tanto quanto a consideração daqueles o imponha, por direito dos “cidadãos injustamente condenados” (citado nº 6). Basta assinalar que por via da reforma do CPP em 2007, através da L. 48/2007, de 29/08, foram acrescentadas as alíneas f) e g), ao catálogo fechado dos fundamentos para revisão.

Como a doutrina e a jurisprudência constitucional o têm assinalado, “a protecção constitucional do caso julgado tem, na ordem jurídico-constitucional portuguesa, um alcance geral.”[3] E não só decorre da Constituição a exigência de que as decisões judiciais sejam, em princípio, aptas a constituir caso julgado, como também que “o caso julgado é um valor constitucionalmente tutelado. A proteção do caso julgado – que não pode ser dissociada do direito a uma tutela jurisdicional efetiva – assenta “no princípio da segurança jurídica inerente ao Estado de direito (artigo 2º da Constituição), na especial força vinculativa das decisões dos tribunais (atual nº 2 do artigo 205º) e no princípio da separação de poderes (artigos 2º e 111 º, nº 1,).[4]

II.2.2. Texto legal

A atual latitude, em termos de fundamentos, do recurso de revisão está inscrita no numerus clausus das alíneas do artigo 449º, nº 1, do CPP:

A saber,

“a) Uma outra sentença transitada em julgado tiver considerado falsos meios de prova que tenham sido determinantes para a decisão;

b) Uma outra sentença transitada em julgado tiver dado como provado crime cometido por juiz ou jurado e relacionado com o exercício da sua função no processo;

c) Os factos que servirem de fundamento à condenação forem inconciliáveis com os dados como provados noutra sentença e da oposição resultarem graves dúvidas sobre a justiça da condenação;

d) Se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.

e) Se descobrir que serviram de fundamento à condenação provas proibidas nos termos dos n.ºs 1 a 3 do artigo 126.º;

f) Seja declarada, pelo Tribunal Constitucional, a inconstitucionalidade com força obrigatória geral de norma de conteúdo menos favorável ao arguido que tenha servido de fundamento à condenação;

g) Uma sentença vinculativa do Estado Português, proferida por uma instância internacional, for inconciliável com a condenação ou suscitar graves dúvidas sobre a sua justiça.”

A história do preceito é a prova de que, com os tempos, vai variando a densidade, consistência e abrangência do direito

Antes teve a seguinte redacção (DL 78/87, de 27/02):

 “Artigo 449.º

(Fundamentos e admissibilidade da revisão)

1 - A revisão de sentença transitada em julgado é admissível quando:
a) Uma outra sentença transitada em julgado tiver considerado falsos meios de prova que tenham sido determinantes para a decisão;

b) Uma outra sentença transitada em julgado tiver dado como provado crime cometido por juiz ou jurado e relacionado com o exercício da sua função no processo;

c) Os factos que serviram de fundamento à condenação forem inconciliáveis com os dados como provados noutra sentença e da oposição resultarem graves dúvidas sobre a justiça da condenação;

d) Se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.

2 - Para o efeito do disposto no número anterior, à sentença é equiparado despacho que tiver posto fim ao processo.

3 - Com fundamento na alínea d) do n.º 1, não é admissível revisão com o único fim de corrigir a medida concreta da sanção aplicada.

4 - A revisão é admissível ainda que o procedimento se encontre extinto ou a pena prescrita ou cumprida.”

Por isso, todos estaremos de acordo, o recurso extraordinário de revisão é a forma processual estabelecida para encontrar o equilíbrio entre a imutabilidade da sentença e a segurança do caso julgado, por um lado, e necessidade de respeito pela verdade material e concretização do princípio da justiça, por outro[5]. E nessa solução compromissória, como em qualquer compromisso, concessões são feitas de um lado e do outro.

“Entre o interesse de dotar de firmeza e segurança o ato jurisdicional e o interesse contraposto de que não prevaleçam as sentenças que contradigam ostensivamente a verdade e, através dela, a justiça, o legislador tem que escolher. O grau em que se sobrepõe um ao outro é questão de política criminal. Variam as soluções nas diferentes legislações. Mas o que pode afirmar-se resolutamente é que em nenhuma se adotou o dogma absoluto do caso julgado frente à injustiça patente, nem a revisão incondicional de toda a sentença frente ao caso julgado. Se aceitamos, pois, como postulado, que a possibilidade de rever as sentenças penais deve limitar-se, a questão que doutrinalmente se nos coloca é onde colocar o limite[6].”  

Nunca a doutrina nem a jurisprudência pugnaram pela absolutização do direito, que passaria, desde logo, como dissemos, por uma cláusula geral de ilimitação, ou, em grau menor, por um alargamento das alíneas que a conformassem para aí caber todo e qualquer fundamento de revisão.

Se o normativo constitucional tivesse querido abolir toda a injustiça nas decisões, objetivo seguramente destinado ao fracasso, porque se vê como inalcançável, certamente que na alínea d) teria dispensado o adjetivo “novos” e a alínea teria de fixar como fundamento a “deteção de qualquer elemento (novo ou velho, facto ou meio de prova) que ponha em causa a justiça da condenação”.

E a al. f), nascida com a reforma do CPP de 2007 para dar exequibilidade aos acórdãos do TC, em vez de ser interpretada restritivamente era pelo menos interpretada no sentido que ao STJ é que compete determinar a revisão, e se a revisão é competência do STJ, só este é o dominus da sua determinação e portanto decidi-la-ia quando se aflorasse a injustiça de condenação fosse em que “condições” fosse. E certamente o TC, em todos os casos, ressalvaria os casos julgados.

A elasticidade dos fundamentos de revisão evidencia-a outrossim a forma de nascimento e a posterior densificação legal da alínea g). Nasce da Recomendação R (2000) do Comité de Ministros do Conselho da Europa de 9 de Janeiro desse ano 2000 no sentido de garantir a execução do decidido pelas sentenças do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, execução cuja garantia cabe ao Comité de Ministros daquela entidade mas estabiliza com a circunstância de Portugal ter ido mais longe do que aquilo que fora recomendado e, assim, o preceito legal abranger toda e qualquer sentença, que vincule o Estado português, proferida que seja por uma instância internacional de natureza jurisdicional, como é o caso das que sejam proferidas pelo Tribunal Internacional de Justiça, Tribunal de Justiça da União Europeia e dos tribunais penais internacionais. (cfr “Revisão Penal: Fundamentos Problemáticos”, em 26/04/2023, no sítio “Patologia Social Criminalização e Regulação”, José António Barreiros)

Mais, se a pretensão é a de a justiça da decisão ser almejada sem limite porque é que, nos casos em que a injustiça reside tão só na medida concreta da pena, o legislador não admitiu a revisão? (cfr nº 3 do artigo 449º).

II.2.3. O Direito internacional dos direitos humanos

 Concretamente, em termos de facto novo, o direito internacional dos direitos humanos também admite limites à revisão. Citando Paulo Pinto de Albuquerque[7],  “Só esta interpretação é conforme com o conceito de “factos ou meios de prova novos” do direito internacional dos direitos humanos e, nomeadamente, do artigo 3º do protocolo nº 7 da CEDH, segundo o qual o direito a indemnização em caso de erro judiciário é afastado quando se prove que “a não revelação em tempo útil de facto desconhecido lhe é imputável no todo ou em parte”. (também assim , STEFAN TRECHSEL, 2005:401), e da regra 80 do Regulamento do TEDH, que se refere aos factos que eram desconhecidos do tribunal e do requerente e “não poderiam razoavelmente ser conhecidos” (could not reasonably have been known) pelo requerente , tal como resulta claramente dos acórdãos do TEDH proferidos nos casos Mcginley e Evan v. Reino Unido, de 28.1.2000, sobre um pedido de revisão fundado em correspondência conhecida pelo requerente na data de julgamento, Pravednaya v. Rússia , de 18.11.2004, sobre um pedido de revisão fundado numa instrução ministerial nova de interpretação da lei, Popov v. Moldávia (Nº 2), de 6.12.2005, sobre um pedido de revisão fundado em documentos do arquivo nacional e de uma publicação oficial de 1940, e Oferta Plus SRL v. Moldavia, de 19.12.2006, sobre um pedido de revisão numa carta do procurador-geral ao ministro das finanças sobre a questão em litífgio (também neste sentido , o artigo 44 do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, que prevê que “um requerimento para revisão de um julgamento pa descoberta de um facto que seja de natureza a constituir um factor decisivo e que, quando o julgamento foi proferido, fosse desconhecido do Tribunal e da parte requerente da revisão”, e o artigo 84º do Estatuto de Roma do Tribunal Pena Internacional, que prevê que a revisão depende da “descoberta de novos elementos de prova: de que (o requerente)  não dispunha aquando do julgamento, sem que essa circunstância pudesse ser imputada , no todo ou em parte, ao requerente; e de tal forma importantes qiue, se tivessem ficado provados no julgamento, teriam provavelmente conduzido a um veredicto diferente.)”

II.2.4. Fundamento da revisão

O pedido de revisão vem assente no artigo 449º, nº 1, al. d), do CPP.

A legitimidade do MºPº para, pro reo, apresentar o presente recurso extraordinário de revisão é lhe conferida pelo artigo 450º, nº 1. al. a). do CPP.

O recurso é tempestivamente apresentado atendendo a que foi apresentado depois do trânsito em julgado da sentença revidenda.

O fundamento de revisão consagrado na mencionada al. d), exige, primeiro, a descoberta de novos factos ou de novos meios de prova. E, a seguir, que os mesmos, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.

Assim, antes do mais, temos de saber aquilo que se considera a descoberta do “novo”. A questão resume-se, portanto, a saber se estamos perante descoberta de facto novo. E é na delimitação do que é a descoberta de um facto novo que se traduzirá a resolução do caso.

 É unânime que “descobrir” é a ação de vislumbrar algo que, até aí, era desconhecido.

Já a jurisprudência se vem dividindo no que toca à caracterização do que, para o aqui relevante, é facto novo.

Quanto à novidade elencou o ac. do STJ de 09/12/2021, proc. nº 3103/15.3TDLSB-E.S1, Orlando Gonçalves, as várias teses que se vêm perfilando na jurisprudência do STJ. Assim:

“III - São três as orientações que o STJ segue a respeito de saber para quem devem ser novos os factos (“factos probandos”) ou os meios de prova (“as provas relativas a factos probandos”) que fundamentam a revisão da sentença:

Uma primeira, com interpretação mais ampla, considera que são novos os factos ou novos os meios de prova, invocáveis em sede de recurso de revisão, que não tiverem sido apreciados no processo que levou à condenação do arguido, por não serem do conhecimento do tribunal, na ocasião em que ocorreu o julgamento, pese embora, nessa altura pudessem ser do conhecimento do condenado.

Uma outra, mais restritiva, defende que os novos factos ou novos meios de prova, invocáveis em sede de recurso de revisão, são apenas aqueles que eram desconhecidos do recorrente aquando do julgamento. Apela para o efeito, essencialmente, à natureza extraordinária do recurso de revisão e ao dever de lealdade processual que recai sobre todos os sujeitos processuais.

E, uma terceira orientação, mais restritiva do que a primeira e mais ampla que a segunda, sustenta que os novos factos ou novos meios de prova, invocáveis em sede de recurso de revisão, são os que embora conhecidos de quem cabia apresentá-los, no momento em que o julgamento teve lugar, apresente uma justificação bastante para a omissão verificada (por impossibilidade ou por, na altura, se considerar que não deviam ter sido apresentados os factos ou os meios de prova agora novos para o tribunal).”

Avancemos já que a nossa posição é a de considerar novo só o facto que não era conhecido ao tempo do julgamento pelo arguido recorrente e, por ser dele desconhecido, não teve possibilidade de o apresentar.

Porque a tanto obriga desde logo a excepcionalidade do recurso de revisão. Excepcionalidade que obriga a que “só circunstâncias “substantivas e imperiosas” (substancial anda compelling) devem permitir a quebra do caso julgado, de modo a que este recurso extraordinário se não transforme em uma “apelação disfarçada” (appeal in disguise”, na expressão do acórdão do TEDH Ryabyakh v. Russia; e, exactamente, nestes termos, como veremos, mais adiante, no nosso caso intenta-se suprir a falha de interposição de um recurso ordinário através do presente recurso extraordinário

Depois o princípio da lealdade processual impede que se premeie quem com incompreensível ou sobranceira inércia não apresentou os factos ou os meios de prova ao tribunal no tempo em que tinha o dever de o fazer, seja, ao tempo do julgamento.

Como explicitaremos mais adiante no caso sub judicio é patente o sobranceiro alheamento do arguido do objeto do processo. tanto mais quanto era a ele que o afetava.

No mesmo eito nos leva a estrutura acusatória, integrada pelo princípio da investigação, do processo penal português, com a sua conatural exigência de autorresponsabilização das partes e que acaba a rejeitar a tese da reconfiguração “magnânima” do recurso de revisão como um recurso ordinário baseado em “qualquer novum susceptível de demonstrar uma injustiça congénita” que visa a “correcção da generalidade dos erros judiciários dignos de tutela jurídica[8]”. Tal estrutura acusatória impede a desresponsabilização dos sujeitos processuais, proíbe a deslealdade processual, impõe o respeito pela segurança jurídica, e deixa sem justificação a dita “magnanimidade” para com o Requerente.

A seguir, na mesma senda, a lei não permite que a inércia voluntaria ou grosseiramente desleixada do arguido em fazer actuar os meios ordinários de defesa seja compensada pela atribuição de meios extraordinários de defesa. “Meio “excepcional” não visa a “correcção de erros” do anterior processo nem “compensar” o arguido pela sua inercia processual.” (cfr ac. do TC nº 376/2000)

A revisão de sentença é um recurso extraordinário com pressupostos de admissibilidade limitados e não serve para obter efeitos que apenas seriam alcançados por via do recurso ordinário, do qual os recorrentes não se quiseram socorrer ou já se socorreram, ainda que sem êxito.

Chegando-se à conclusão de que aquilo que se está a intentar por via do recurso de revisão se tinha conseguido ao tempo do julgamento, em sede recursória, através de um recurso ordinário visto está que deve ser inadmissível o recurso de revisão.

O desleixo ou esquecimento do recurso ordinário não pode ser suprido pela utilização (banalização) do recurso extraordinário, sob pena de os confundir.

Mais, estando em causa factos pessoais (alegadamente novos) torna-se injustificável a sua não atempada apresentação (ao tempo do julgamento). Se o facto é pessoal é necessariamente conhecido, se é necessariamente conhecido é injustificável a sua não apresentação. Donde a falta de apresentação atempada só seria aceitável mediante uma justificação com fundamento inobstaculizável, ou seja, com fundamento objetivamente de aceitação obrigatória.

No nosso caso estamos perante um alegado novo facto pessoal, a não titularidade de licença de condução, que era necessariamente do conhecimento do aqui Recorrente.

O requisito legal de “novidade” para o facto ou para o meio de prova coloca-se em iguais termos de exigência para o arguido ou para o Ministério Público, agindo em seu benefício. Não pode, por isso, recusar-se como “não novo” o facto para o arguido, por ser do seu conhecimento ao tempo do julgamento, mas, simultaneamente, ter-se o dito facto como novo para o MºPº, depois de o arguido beneficiário lho ter entregue.

Se o facto é “não novo” para o arguido recorrente será também “não novo” para o Ministério Público a quem o arguido o entregou para que o usasse em seu benefício. Sob pena de o arguido contornar a exigência de novidade entregando o tal facto, para ele já “não novo”, ao MºPº, transmudando-o, só por via da entrega a outro sujeito processual, em novo porque o MP não o conhecia até aí. Estaria encontrada a forma de, deixando entrar pela janela aquilo cuja entrada se proibia pela porta, se permitir que indevidamente e ao arrepio legal um facto “não novo” se transmutasse em novo.

A questão de ser o MP o Recorrente, em vez de ser o arguido, trazendo o MP os elementos que o arguido lhe forneceu não se imiscui, pois, na questão da novidade. Primo, porque ser o MP, no interesse do arguido, ou o arguido configura-se como uma questão de legitimidade, a montante dos fundamentos da revisão. E, secundo, se o MP actua no interesse do arguido, pro reo, forçoso é concluir que a novidade tem de aferir-se em relação ao arguido, sob pena de, em grave afronta ao princípio da igualdade, o recurso que fosse apresentado pelo arguido e o recurso que fosse apresentado pelo MºPº pro reo, em casos processuais iguais, ser tratado de maneira diferente, ou seja em benefício do arguido “representado” pelo MºPº.  

II.2.5. Inúmeros acórdãos do STJ vêm sublinhando a necessidade de o facto ter de ser novo para o arguido, para poder sustentar o recurso extraordinário de revisão.

“(…), os factos e/ou as provas têm de ser novos. Novos no sentido de desconhecidos do tribunal e do arguido ao tempo do julgamento, derivando a sua não apresentação oportuna desse desconhecimento ou, no limite, duma real impossibilidade de apresentação da prova em causa em julgamento. E a dúvida sobre a justiça da condenação tem de ser séria e consistente, tendo-se sempre presente que “o recurso de revisão, enquanto recurso extraordinário, não visa uma revisão do julgado, mas um julgado novo sobre novos elementos de facto” (ac. do STJ de 19-11-2020, 29/17.0GIBJA-C.S1, Rel. Francisco Caetano).

E, como se disse no recente ac. de 17/05/2023, 3503/18.7T9CBR-A.S1, Ana Brito,:

“I. Não constitui fundamento de revisão a apresentação de provas que o arguido conhecia ao tempo do julgamento, e podia então ter apresentado, ficando por explicar a apresentação tardia de provas necessariamente conhecidas.

II. Ocorre ainda ausência de novidade de “facto novo” quando as “provas novas” respeitam a factos que foram discutidos em julgamento; e, por outro lado, encontrando-se os factos provados solidamente justificados na sentença, sempre falharia o requisito “grave injustiça da condenação.”

Mais, “se os factos e/ou as provas têm de ser novos – novos no sentido de desconhecidos do tribunal e do arguido ao tempo do julgamento -, tal novidade não pode ocorrer, desde logo relativamente a factos pessoais do arguido. Admitir o contrário, consubstanciaria uma contradição nos próprios fundamentos.”

No mesmo sentido, o ac. de 15/02/2023, 364/20.0PFAMD-A.S1, Ana Brito, “Apresenta-se infundado o pedido de revisão formulado ao abrigo da al. d) do n.º 1 do art. 449.º do CPP quando inexistem novos factos e/ou novas provas a ponderar. Se os factos e/ou as provas têm de ser novos - no sentido de desconhecidos do tribunal e do arguido ao tempo do julgamento - tal novidade não pode ocorrer relativamente a factos pessoais (da arguida), o que, a admitir-se, consubstanciaria uma contradição nos próprios fundamentos.

II - A prova oferecida para demonstração de factos que não assumem a qualidade de “novos”, no sentido que releva para a revisão, é prova imprestável e de nula utilidade, já que a prova é por sua natureza instrumental do(s) facto(s) probando(s).”

Também o ac. de 18/02/2009, 09P0109, Armindo Monteiro, afirma:

“O recurso extraordinário de revisão, que impõe a quebra de caso julgado e é permitido nos arts. 29.º, n.º 6, da CRP e 4.º, n.º 2, da CEDH, supõe a ocorrência de factos novos, que são aqueles que eram desconhecidos do recorrente na data da decisão revidenda ou só posteriormente vieram ao seu conhecimento. É essa novidade que há-de suportar grave dúvida, não qualquer dúvida, mas uma dúvida tal que quase atinja a certeza, sobre a justiça da decisão.

E o ac. de 07/10/2009, 8523/06, Santos Cabral, sublinha:

“I. A revisão visa, não uma reapreciação do anterior julgado, mas sim uma nova decisão assente em novo julgamento da causa, com base em novos dados de facto.

II - No caso de o fundamento da revisão ser a descoberta de factos novos, o CPP enfatiza a excepcionalidade do recurso de duas formas: primeiro, restringindo o recurso à hipótese de os novos factos suscitarem graves dúvidas (não apenas quaisquer dúvidas) sobre a justiça da condenação; depois, limitando a amplitude de produção de prova, rejeitando a admissibilidade de audição de testemunhas que não tenham sido já ouvidas no processo, a não ser que o requerente venha justificar que ignorava a sua existência ou que elas estavam impossibilitadas de depor.

III - Factos ou meios de prova novos são aqueles que eram ignorados pelo recorrente ao tempo do julgamento e não puderam ser presentados antes deste, sendo, consequentemente, insuficiente que os factos sejam desconhecidos do tribunal, devendo exigir-se que tal situação se verifique, paralelamente, em relação ao requerente.

IV - Se o requerente tem conhecimento, no momento do julgamento, da relevância de um facto ou de um meio de prova, que podem coadjuvar na descoberta da verdade material e se entende que o mesmo lhe é favorável, deve informar o tribunal. Se não o fizer, mormente descurando a apresentação de documentos em 1.ª instância, jogando com o resultado do julgamento – por estar convicto da sua absolvição – não pode responsabilizar que não a sua própria conduta – de inércia, quando não, de negligência processual – inobservante dos princípios da lealdade processual e da verdade material.

V - É manifestamente improcedente a revisão de decisão se, para além da ausência de novidade em qualquer um dos meios de prova que se pretenda provar, o requerente introduz a sua pretensão, manifestando discordância em relação à matéria de facto e à forma como o tribunal formou a sua convicção sobre a prova produzida.”

Igualmente o ac. do STJ de 05-01-2011, 968/06.3TAVLG.S1, Oliveira Mendes,; «IV - Apenas são novos os factos e os meios de prova desconhecidos pelo recorrente ao tempo do julgamento e que não tenham podido ser apresentados e apreciados na decisão. Se, ao invés, o recorrente conhecia os factos e os meios de prova ao tempo do julgamento e os podia apresentar, tais factos e meios de prova não relevam para efeitos de revisão de sentença.»

No mesmo sentido o ac. do STJ de 22-01-2013, 78/12.4GAOHP-A.S1, Santos Cabral, : «I - Para efeitos de revisão, os factos ou provas devem ser novos e novos são aqueles que eram ignorados pelo recorrente ao tempo do julgamento e não puderam ser apresentados antes do julgamento e apreciados neste. A “novidade” dos factos deve existir para o julgador (novos são os factos ou elementos de prova que não foram apreciados no processo) e, ainda, para o próprio recorrente.  II - Se o recorrente tem conhecimento, no momento do julgamento, da relevância de um facto ou meio de prova, que poderiam coadjuvar na descoberta da verdade e se entende que o mesmo é favorável deve informar o Tribunal. Se o não fizer, jogando com o resultado do julgamento, não pode responsabilizar outrem, que não a sua própria conduta processual. Se, no momento do julgamento, o recorrente conhecia aqueles factos ou meios de defesa e não os invocou, não se pode considerar que os mesmos assumem o conceito de novidade que o recurso de revisão exige encontrando-se precludida a mesma invocação.[…]»

Na mesma senda ac.do STJ de 07-04-2021, proc. nº 921/12.8TAPTM-J.S1, Nuno Gonçalves,: «VIII – Novos serão «os factos e os meios de prova desconhecidos pelo recorrente ao tempo do julgamento». IX - O recurso extraordinário de revisão não pode servir de mecanismo destinado a corrigir deficiências ou erros que, a terem existido, são exclusivamente imputáveis à estratégia de defesa que o condenado entendeu adotar.»

Cite-se também o ac. de 24.02.2021, proc. nº 95/12.4GAILH-A.S1, Nuno Gonçalves, em cujo sumário pode ler-se:

“I - O instituto do caso julgado é orientado pela ideia de conseguir maior segurança e paz nas relações jurídicas, bem como maior prestígio e rendimento da atividade dos tribunais, evitando a contradição de decisões.

II - Embora o princípio da intangibilidade do caso julgado não esteja previsto, expressis verbis, na Constituição, ele decorre de vários preceitos (arts. 29.º, n.º 4 e 282.º, n.º 3) e é considerado um subprincípio inerente ao princípio do Estado de direito na sua dimensão de princípio garantidor de certeza jurídica.

III - As exceções ao caso julgado deverão ter, por isso, um fundamento material inequívoco.

IV - Traço marcante do recurso de revisão é, desde logo, a sua excecionalidade, ínsita na qualificação como extraordinário. Regime normativo excecional que admitindo interpretação extensiva não comporta aplicação analógica.

V - A expressão “descobrirem novos” pressupõe que os factos ou elementos de prova foram conhecidos depois da sentença e, por isso, não podiam ter sido aportados ao processo até ao julgamento, seja porque antes não existiam, seja porque, embora existindo, somente foram descobertos depois.

VI - A novidade dos factos e meios de prova afere-se pelo conhecimento do condenado. Omitindo o dever de contribuir, ativa e lealmente para a sua defesa não pode, depois de condenado por sentença firme, servir-se do recurso extraordinário de revisão para corrigir deficiências ou estratégias inconsequentes.

VII - No recurso de revisão com fundamento em novos factos ou meios de prova deve estar em causa, fundamentalmente, a antinomia entre condenação e absolvição. Grave e intoleravelmente injusta é a decisão que condenou o arguido quando deveria ter sido absolvido.

VIII - O recurso de revisão não pode servir para buscar ou fazer prevalecer, simplesmente, “uma decisão mais justa”. De outro modo, o valor do caso julgado passava a constituir a exceção e a revisão da sentença condenatória convertia-se em regra.”

Lembre-se o teor do ac. de 24/06/2021, 1922/18.8PULSB-A.S1 Helena Moniz, “(…)II.Nos últimos tempos, jurisprudência sofreu uma limitação, de modo que, pelo menos maioritariamente, passou a entender-se que, por mais conforme à natureza extraordinária do recurso de revisão e mais adequada à busca da verdade material e ao respetivo dever de lealdade processual que recai sobre todos os sujeitos processuais, só são novos os factos e/ou os meios de prova que eram desconhecidos do recorrente aquando do julgamento e que, por não terem aí sido apresentados, não puderam ser ponderados pelo tribunal.

Ainda o ac. de 19/11/2020, 198/16.6PGAMD-A.S1,Margarida Blasco,:

“Tem-se entendido que se deve interpretar a expressão “factos ou meios de prova novos” no sentido de serem aqueles que eram ignorados pelo tribunal e pelo requerente ao tempo do julgamento e, por isso, não puderam, então, ser apresentados e produzidos, de modo a serem apreciados e valorados na decisão. Com efeito, só esta interpretação observa a natureza excepcional do recurso de revisão e os princípios constitucionais da segurança jurídica, da lealdade processual e da proteção do caso julgado.”

E mais antigo o ac. de 07/01/2008, proc. nº 08P1617, Maia Costa,:

“I - No que respeita ao recurso fundado na descoberta de factos novos – situação prevista na al. d) do n.º 1 do art. 449.º do CPP – a generalidade da doutrina e alguma jurisprudência admitem a revisão mesmo quando os factos, sendo novos para o tribunal, eram já conhecidos do recorrente ao tempo do julgamento.

II - Tal posição é insustentável, por contrariar a natureza excepcional do recurso de revisão.

III - Com efeito, o recurso de revisão assenta num compromisso entre os valores da estabilidade e segurança jurídicas, sem os quais nenhum sistema jurídico subsiste, e a salvaguarda da justiça do caso, em ordem a fazer ceder aqueles, mas apenas pontualmente (nos casos taxativamente indicados) e havendo razões muito sérias, perante as exigências da segunda. Por isso, o recurso de revisão é remédio excepcional contra decisões (transitadas) notoriamente injustas, permitindo a sua revisão naqueles casos em que a subsistência da decisão (injusta) seria insuportável para a comunidade.

IV - No caso de o fundamento da revisão ser a descoberta de factos novos, o CPP enfatiza a excepcionalidade do recurso de duas formas: primeiro, restringindo-o à hipótese de os novos factos suscitarem graves dúvidas (não apenas quaisquer “dúvidas”) sobre a justiça da condenação (al. d) do n.º 1 do art. 449.º); depois, limitando a amplitude de produção de prova, rejeitando a admissibilidade de audição de testemunhas que não tenham já sido ouvidas no processo, a não ser que o requerente venha justificar que ignorava a sua existência ou que elas estavam impossibilitadas de depor (n.º 2 do art. 453.º).
V - Ora, se o requerente só pode indicar testemunhas novas nessas situações é porque os factos novos, para efeitos de revisão, têm de ser novos também para ele: novos porque os ignorava de todo, ou porque estava impossibilitado de fazer prova sobre eles.
VI - Esta interpretação é a única que dá sentido ao aludido n.º 2 do art. 453.º, pois seria incontestavelmente contraditório que o legislador admitisse a revisão com fundamento em factos já conhecidos pelo recorrente e simultaneamente o privasse de fazer prova dos mesmos, ou lhe dificultasse notoriamente essa prova, impedindo-o de apresentar testemunhas novas.

VII - É também a única interpretação que se harmoniza com o carácter excepcional do recurso de revisão, que não é compatível com a complacência perante situações como a inércia do arguido na dedução da sua defesa ou estratégias de defesa incompatíveis com a lealdade processual, que é uma obrigação de todos os sujeitos processuais.

VIII - Se o arguido se “esquece” de apresentar certos meios de prova em julgamento ou os negligencia, ou se por qualquer outra razão opta por ocultá-los, no prosseguimento de uma certa estratégia de defesa, escamoteando-os ao tribunal, caso venha a sofrer uma condenação, não deve obviamente ser compensado com o “prémio” de um recurso excepcional, que se destinaria afinal a suprir deficiências, voluntárias ou involuntárias, da sua defesa em julgamento.

IX - É, pois, de concluir pela inadmissibilidade do recurso de revisão interposto ao abrigo da al. d) do n.º 1 do art. 449.º do CPP quando os factos novos alegados sejam já do conhecimento do requerente ao tempo do julgamento.

X - Assim, numa situação em que o “facto novo” alegado pelo requerente (a sua toxicodependência à data dos factos da condenação) não era evidentemente dele desconhecido aquando do julgamento, podendo então ter alegado esse facto e produzido prova sobre o mesmo (a mesma que agora veio apresentar), tendo omitido esse facto, não pode vir agora invocá-lo como fundamento de revisão.”

Como vemos, a jurisprudência vai no sentido de exigir a novidade para o arguido Recorrente. Mas alguma jurisprudência tempera a exigência da novidade, com a possibilidade de o Recorrente apresentar justificação suficiente. E exige que o Recorrente justifique de forma credível a impossibilidade de apresentação atempada, ao tempo do julgamento. Não nos parece, porém, que chegue essa justificação suficiente. Deve exigir-se que o Recorrente apresente justificação inobstaculizável, o mesmo é dizer, objetivamente de aceitação obrigatória e, então, só perante tão exigente justificação se aceitará para revisão o facto ou o meio de prova já conhecido do recorrente no momento do julgamento.

Não é o caso. No caso, o arguido alheou-se sobranceiramente da sua defesa e do julgamento e mesmo do resultado do mesmo, em manifesta e indiferente inércia. teve todo o tempo, na fase da defesa, na fase de julgamento e na fase de recurso para informar o tribunal de um facto pessoal que conhecia há anos e, apesar disso, desprezando essas soberanas oportunidades de falar, nada disse, nada requereu, nada impugnou.

O disposto no artigo 453, nº 2, do CPP dá igualmente respaldo à tese que vimos defendendo. Porque impede a indicação de testemunhas que não tiverem sido ouvidas no julgamento, a não ser que o Requerente prove não saber da sua existência ao tempo da decisão ou que estiveram objetivamente impossibilitadas de depor. “Estas regras decorrem diretamente da natureza acusatória do processo penal, não sendo admissível a subversão das mesmas com base numa visão inquisitorial do processo fundada numa pretensa busca interminável da “justiça” e numa exacerbação do princípio da investigação. Assim procedesse o STJ e estaria a reconhecer a plena desresponsabilização dos sujeitos processuais, a promover uma descarada deslealdade processual, a desprezar por completo a segurança jurídica e, enfim, a hipotecar a acusatoriedade do processo e a independência do poder judicial, tudo sob a capa de uma ilusória “magnanimidade” para com o requerente.”[9]   


II.2.6. E que a solução por nós aqui defendida passa no crivo da constitucionalidade não temos dúvidas. A questão que neste conspecto se coloca depara-se outrossim no particular da revisão com o fundamento da al. f), por exemplo, no caso recente dos metadados. Também neste caso, não ressalvando o TC os casos julgados ao abrigo do artigo 282, nº 3, da CRP, certamente serão injustiçados muitos arguidos. O que não é inconstitucional.

Porque, como em nota ao artigo 282, in “Constituição Portuguesa Anotada”, UC Editora, 2ª edição, Jorge Miranda e Rui Medeiros disseram,:

“A primeira parte do nº 3 do artigo 282 do texto constitucional atual estabelece, como limite geral aos efeitos retroativos da declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral, a ressalva dos casos julgados.

O fundamento último da solução consagrada na primeira parte do nº 3 do artigo 282 da Constituição não se encontra só no respeito pela autoridade própria dos tribunais ou num princípio de separação de poderes, estando indissociavelmente ligado a uma exigência de segurança jurídica. “Colocado entre dois campos de interesses opostos – de um lado a consideração do interesse da certeza e segurança jurídicas, a demandar o respeito pelo caso julgado, com a sua natureza definitiva, e do outro o interesse do respeito pela legalidade constitucional, a solicitar a reconstituição da ordem jurídica constitucional mediante o afastamento da norma que a violava e de todos os efeitos jurídicos produzidos á sua sombra -, o legislador constitucional sobrepôs o primeiro ao segundo, pondo como limite ao efeito ex tunc da inconstitucionalidade a existência de caso julgado formado relativamente a situação em que tenha ocorrido a aplicação da norma declarada inconstitucional” (acórdão nº 232/04). E não se diga que, por esta via, se verifica “um verdadeiro fenómeno de autoderrogação constitucional”, admitindo-se a derrogação do princípio de que a validade de todos os atos do poder público depende da sua conformidade com a Constituição (PAULO OTERO, Ensaio, pag. 89). É que, em rigor, o problema não está na opção entre privilegiar a plenitude da Constituição ou, ao invés, a certeza do direito declarado judicialmente, porquanto a certeza do direito declarado judicialmente (ainda que inconstitucional …) é, ela própria, uma das formas de que se reveste a certeza constitucional. Nesta perspetiva, num Estado de Direito, que protege a confiança e tutela a segurança jurídica, a ressalva dos casos julgados constitui ainda uma forma de assegurar a primazia da ordem constitucional (cfr, para maiores desenvolvimentos, JORGE MIRANDA; Fiscalização da Constitucionalidade, pags 335 e segs; RUI MEDEIROS, A decisão de inconstitucionalidade, pags 548 e segs – cfr ainda, na jurisprudência mais recente, Acórdãos nºs 108/12 e 680/15).”

II.3. Volvendo ao caso concreto

Aquilo que o Recorrente invoca agora como fundamento de revisão é um facto pessoal, a inexistência de titularidade de licença de condução, facto pessoal, cujo primeiro conhecedor, ao tempo do julgamento, era ele próprio.

Mais, sabia dessa inexistência desde 10/09/2019, data em que enviou o email a afirmar que “a carta de condução já estava em poder das autoridades desde o dia 22/3/2015.”

Conhecimento dessa inexistência que se reforçou com a notificação, em 23/06/2020 do despacho de 13/06/2020 no processo nº 314/13.0PBCSC.

Pese embora o manifesto conhecimento da falta de titularidade de licença de condução, nem em sede de defesa de acusação nem em sede de julgamento nem em sede de recurso da sentença revidenda, alheando-se de todas essas fases processuais, em momento nenhum e nos tempos próprios trouxe à discussão da causa os factos que agora reputa de novos, mas que, como se vê, não o são.

No caso, o arguido alheou-se sobranceiramente da sua defesa e do julgamento e mesmo do resultado do mesmo, em manifesta e indiferente inércia. teve todo o tempo, na fase da defesa, na fase de julgamento e na fase de recurso para informar o tribunal de um facto pessoal que conhecia há anos e, apesar disso, nada disse, nada requereu, nada apresentou podendo e devendo fazê-lo, princípio da lealdade oblige, e, no desfavorável, nada impugnou.

Não se surpreende, portanto, a suprarreferida justificação suficiente da não apresentação atempada.

Se ocultou tal facto que agora pretende “novo”, sibi imputet, mormente não se compreendendo porque persistiu em esconde-lo já após prolação de uma sentença condenatória e na fase de recurso.

E assim sendo, a prova que agora se oferece para demonstração de factos que não assumem a qualidade de “novos” no sentido que releva para a revisão, são prova imprestável e de nula utilidade, já que a prova é por sua natureza instrumental do(s) facto(s) probando(s). E não sendo estes novos e não tendo aqui valia, nada mais cumpre apreciar. Mas sempre se aditará que também as provas agora oferecidas podê-lo-iam ter sido aquando do julgamento, como se retira linearmente da fundamentação do recurso.

De tudo resulta que, inexistindo novos factos e/ou novas provas a ponderar, apresenta-se infundado o pedido de revisão formulado

Mais, tendo em conta que o arguido deu entrada ao seu pedido de revisão pelo MºPº em 22/04/2022 e a sentença condenatória só transitou em julgado em 02/05/2022 não se compreende porque, ainda em tempo, nem o próprio arguido nem o MºPº, qualquer deles, interpôs recurso ordinário.

 A suscitação de “graves dúvidas” também exigida na al. d) do nº 1 do artigo 449º, como necessário complemento da novidade está a jusante desta, pelo que o seu conhecimento fica prejudicado face à consideração da inexistência de novidade.

III. DECISÃO

Pelo exposto, acorda-se em negar a revisão pedida pelo condenado AA.

Sem custas por Ministério Público delas estar isento.


STJ, 11 de julho de 2023

Ernesto Vaz Pereira (Juiz Conselheiro Relator por vencimento)

José Luís Lopes da Mota (Juiz Conselheiro Adjunto, vencido)

Teresa de Almeida (Juíza Conselheira Adjunta, vencida)

Nuno António Gonçalves (Juiz Conselheiro Presidente da Secção, com voto de desempate)


Declaração de voto

Voto em concordância com o projeto elaborado pela Senhora Conselheira Teresa de Almeida e com a declaração de voto que apresentou, sublinhando os seguintes pontos:

Uma interpretação conforme à Constituição (artigo 29.º, n.º 6, que reconhece o direito fundamental à revisão de uma condenação “injusta”) confere importância decisiva à “injustiça” da condenação. Sem esquecer a discussão jurisprudencial, comprovada a “injustiça da condenação”, como sucede neste caso, não é importante saber quem é o responsável pela condenação injusta. O nosso processo penal não é um processo de partes, de verdade formal, que imponha ao arguido um ónus de prova. A negligência do arguido não pode, perante a demonstrada injustiça da condenação, justificar a manutenção de uma condenação injusta. E o Ministério Público deve, como fez neste caso, na promoção dos interesses que lhe estão confiados, contribuir para a realização da justiça.  

Como se nota no “relatório explicativo” do Protocolo n.º 7 da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, não há direito a compensação por condenação injusta (artigo 3.º) se se demonstra que a não revelação do facto desconhecido é imputável ao condenado que viu a sentença condenatória anulada. Mas o seu comportamento processual não impede a revisão. As coisas situam-se em planos distintos.

Dizia o Professor Cavaleiro de Ferreira: “Nenhuma omissão processual pode ser punida com uma condenação injusta”. E o Professor Eduardo Correia: “não deixam de ser novos os factos ou elementos de prova pela circunstância de serem conhecidos ou poderem ter sido deduzidos pelo réu na altura própria do processo: ponto é, tão só, que tivessem sido ignorados pelos juízes”; “seria inadmissível fazer perder a honra ou a liberdade a um inocente só porque ele não contrariou por todos os meios ao seu alcance a injustiça da condenação de que foi alvo. A culpa ou responsabilidade do condenado na condução do processo e, portanto, no erro judiciário poderá, de facto, importar (…) consequências sobre a indemnização (…). Nunca, porém, transformar um inocente em criminoso” (apud Conde Correia, O «Mito» do Caso Julgado e Revisão Propter Nova, Coimbra Editora, 2010, p. 352-353).

Parece que não há dúvidas de que se o facto invocado tivesse sido conhecido em julgamento o arguido seria absolvido. O que, a meu ver, justifica a autorização da revisão.

a) José Luís Lopes da Mota


***


Declaração de Voto

Votei vencida, com os fundamentos do projeto de acórdão que elaborei e que ora se apesentam:

1. O facto novo alegado mostra-se descrito no despacho de 13 de junho de 2020, transitado em 8 de setembro de 2020, exarado no processo n.º314/13.0PBCSC, que correu por outro Juízo Local Criminal ... (processo de onde foi extraída a certidão que deu origem aos presentes autos), no qual se lê:

«O arguido foi condenado, nos presentes autos, por sentença transitada em julgado, para além do mais, na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 3 meses.

O arguido nunca chegou a entregar a sua carta de condução para cumprimento da referida pena acessória. Nos termos da informação prestada pelo IMT resulta que a carta de condução do arguido está cancelada, por se verificar a caducidade por prazo superior a 5 anos sem que tenha sido solicitada a revalidação antes do decurso daquele prazo máximo de 5 anos.

(…) Nestes termos, a pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor pelo período de 3 meses, mostra-se cumprida, atenta a forma de cumprimento determinada pela referida decisão, bem como atenta a data do trânsito em julgado da sentença, pelo que é a mesma julgada extinta pelo seu cumprimento – artigo 475.º do C.P.P.

2. Em 22 de abril de 2022, o arguido deu entrada, no presente processo, de requerimento dirigido ao juiz, acompanhado do despacho transcrito em 1., com o seguinte teor:

«Fui em 22 de março notificado da sentença do processo n.º 5215/18.2T9CSC, cujo conteúdo muito me espantou.

Quando fui visitado em setembro de 2019 por um polícia a propósito deste processo, enviei o mail que anexo (agora apercebi-me que o destinatário pode não estar correto).

Considerando o envio do mail e o conteúdo deste, fiquei descansado sobre o assunto.

Em 31 de janeiro deste ano paguei uma multa neste processo e julguei que o processo terminava aí.

E os meus lapsos terminam aqui. Agora importa verificar os lapsos deste tribunal que me condenou por um crime de desobediência por não entregar a carta de condução.

- No processo 314/13.0PBCSC que a sentença cita existe um despacho de 12/06/2020 que ora junto que confirma que já nessa altura o arguido não tinha carta de condução válida.

- Uma mera consulta por parte do Tribunal deste processo ao IMT bastaria para confirmar que eu não tenho carta há vários anos. (…)”

Ou seja, antes do julgamento, o condenado diligenciou, embora com destinatário errado, por informar o processo.

Com efeito, o mail referido no requerimento terá sido remetido, em 10 de setembro de 2019, antes do julgamento que teve lugar em 12.02.2022 e logo que notificado da acusação, para o endereço judicial@tribunais.org.pt, e informava: “A referida carta de condução, como poderão confirmar, nunca foi renovada desde a data em que foi apreendida.

Pelo exposto, e tratando-se do processo inicial de 22/3/15, não seria possível responder ao pedido de entrega da carta de condução em 22/5/17, pelo que julgo ficarem esclarecidas as pretensões do Ministério Público”.

3. Como vimos, a impressão junta do mail em referência contém, como destinatário, judicial@tribunais.org.pt.

Este endereço de correio eletrónico, manifestamente, não se encontra completo, faltando, pelo menos, a indicação da comarca ou tribunal a anteceder a menção “judicial”.

4. Para o Ministério Público, requerente da revisão, e para o Tribunal, o facto é novo e teria sido essencial para a valoração criminal da conduta do ora condenado, à data do julgamento.

Ministério Público que, agindo pro reo, com este se não confunde, por não agir em representação do condenado, mas na defesa da legalidade e no interesse da Justiça.

A Jurisprudência deste Tribunal tem exigido que o conhecimento do facto ou do meio de prova seja novo (ou que se mostre cabalmente justificada a sua apresentação após o julgamento) para o Tribunal e para o arguido requerente da revisão; ora, no caso, o condenado não é o recorrente.

4. Outrossim, caberia aos Tribunais das 2 condenações comunicarem entre si, mormente ao Tribunal da 1.ª condenação informar o Tribunal do processo com origem na certidão, do teor do despacho, de 12 de junho de 2020, que determinara a extinção da pena acessória.

Note-se que ambos os processos correram pelo Juízo Local Criminal ..., um deles no J..., outro no J....

A primeira responsabilidade pela injustiça da condenação pode ser encontrada no sistema de Justiça, circunstância cuja perceção terá pesado, com acerto, na iniciativa do Ministério Público.

5. A circunstância de o facto não ser novo para o condenado, no contexto vindo de descrever, não pode relevar em revisão, em que o mesmo não é requerente, por inabilidade sua no endereçamento de uma comunicação eletrónica, em que a negação da revisão corresponderia, na prática, a uma punição pela sua desatenção.

6. A consagração constitucional, no n.º 6, do art. 29.º, no núcleo dos direitos, liberdades e garantias, do direito dos “cidadãos injustamente condenados” à revisão de sentença, “nas condições que a lei prescrever”, obriga a que atendamos à essencialidade da injustiça, patente no caso em apreço.

A norma visa uma decisão já transitada que atente flagrantemente contra a verdade e contra os direitos fundamentais dos cidadãos.

Também o artigo 4.º, n.º 2, do Protocolo n.º 7 à Convenção para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais (CEDH), permite a quebra do caso julgado, a “reabertura do processo (…), se factos novos ou recentemente revelados ou um vício fundamental no processo anterior puderem afectar o resultado do julgamento”.

Como se explicita em Acórdão deste Tribunal e Secção, relatado por Raúl Borges, relativo a situação com semelhança à dos autos “Mais do que meros interesses individuais, são ponderosas razões de interesse público que ditam a existência desta última garantia, cuja teleologia se reconduz em fazer prevalecer a justiça (material, real ou extraprocessual), sobre a segurança jurídica. – José Maria Rifá Soler e José Francisco Valls Gombau, Derecho Procesal Penal, Madrid, Iurgium Editores, pág. 310.”[10]

E, no mesmo Acórdão, conclui-se: “Assim, “novos” são tão só os factos e/ou os meios de prova que eram ignorados pelo recorrente ao tempo do julgamento e, porque aí não apresentados, não puderam ser considerados pelo tribunal.”

Em Acórdão deste Tribunal, de 17.03.2010, (Proc. n.º 706/04.5GNPRT-A.S1, Rel. Maia Costa), sobre caso, igualmente, idêntico aos destes autos, entendeu-se:

“IV. Representa um facto novo, quer para o MP, quer para o tribunal, à data do julgamento, que a arguida fosse titular de carta de condução na data dos factos que motivaram a sua condenação.

V. Tendo embora a arguida conhecimento desse facto à data do julgamento, tem o MP legitimidade e fundamento para invocar esse desconhecimento e para pedir a revisão da sentença, actuando em benefício da condenada e da sociedade, pois seria intolerável que ficasse estabilizada na ordem jurídica uma decisão baseada num facto falso que o tribunal declarara provado com base em informação transmitida pela entidade pública competente, existindo, nessa medida, fundamento para a revisão.”.

7. A ponderação de tal facto novo para o recorrente e do correspondente meio de prova (certidão junta do Despacho proferido no processo que a este deu origem) corresponde à realização da Justiça, no caso.

Com efeito, o arguido foi condenado por crime que, com certeza, não cometeu, sendo o novo facto apto a gerar a sua absolvição em novo julgamento.

A aplicação da norma do artigo 449.º, n.º 1, alínea d) do Código de Processo Penal, em interpretação conforme ao texto constitucional e ao artigo 4.º, n.º 2, do Protocolo n.º 7 à CEDH, demanda que a verdade material se substitua à realidade ficcionada, fundamento de facto da condenação, através de novo julgamento.

Registe-se que o Ministério Público interpôs recurso de revisão, por só ter sido junta certidão do despacho proferido no processo da 1.ª condenação, em 13 de setembro de 2022, após o trânsito, ocorrido em 02.05.2022.

Pelo exposto, votámos pela procedência do recurso e consequente autorização da revisão da sentença condenatória do arguido, requerida pelo Ministério Público.

a) Teresa Almeida

______

[1] O atual nº 6 corresponde ao primitivo nº 2 do artigo 21 , tendo sido reproduzido pela revisão de 1982.
[2] V. também artigo 4º, & 2 do Protocolo Adicional nº 7 à CEDH.
[3] Jorge Miranda e Rui Medeiros, “Constituição Portuguesa Anotada”, III, 2ª edição, nota ao artigo 282.
[4] Acs, nºs 86/2004, 152/2004 e 564/2004 do TC.
[5] Cfr “Recursos em Processo Penal”, Simas Santos e Leal Henriques, Rei dos Livros , 1988.
[6] In “Derecho Procesal Penal”, Emilio Robaneja e Vicente Qemada, Madrid 1986, citado Por Simas Santos e Leal Henriques, ibidem.
[7] In “Comentário do Código de Processo Penal”
[8] Paulo Pinto de Albuquerque discordando de Conde Correia, in “Comentário do Código de Processo Penal”
[9] Paulo Pinto de Albuquerque, ibidem.
[10] De 20.05.2020, no Proc. 312/19.0GAVGS-A.S1.