Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1871/23.8T8LRA-B.C1.S1
Nº Convencional: 6.ª SECÇÃO
Relator: LUIS ESPÍRITO SANTO
Descritores: GRADUAÇÃO DE CRÉDITOS
PENHOR
CENTRO REGIONAL DE SEGURANÇA SOCIAL
CREDITO LABORAL
INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA
Data do Acordão: 07/09/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA (COMÉRCIO)
Decisão: REVISTA PROCEDENTE
Sumário :

I – É inegável a contradição lógica que resulta da circunstância de o crédito garantido pelo penhor ter preferência sobre o crédito laboral (artigo 666º, nº 1, e 749º, nº 1, do Código Civil), mas não sobre o crédito da Segurança Social (artigo 204º nº 1 e 2, do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social); de o crédito laboral ter preferência sobre o crédito da Segurança Social (artigo 333º, nº 1 alínea a) e nº 2, alínea a), do Código de Trabalho), mas não sobre o crédito garantido pelo penhor; de o crédito da Segurança Social ter preferência sobre o penhor, mas não sobre o crédito laboral (artigo 747º, nº 1, alínea a), do Código Civil), constituindo-se assim uma triangulação conflituante entre si quando a graduação envolva, em conjunto, estes três tipos de créditos.

II - A solução que melhor compatibiliza, na medida do possível, as normas jurídicas envolvidas passa pela leitura restritiva do nº 2 do artigo 204º do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social, a qual se justifica pela circunstância de concorrendo em conjunto créditos pignoratícios, créditos dos trabalhadores, créditos do Estado e das autarquias locais e créditos da Segurança Social, deixar de ser aplicável a solução de preferências destinada a regular a traça normal dos créditos em confronto, evitando-se desta forma a preterição desproporcionada de um conjunto mais alargado de outros credores, a saber os titulares de créditos laborais (em benefício injustificado do crédito da Segurança Social que deveria, à partida, ceder perante aqueles).

III - Compreende-se neste complexo e sui generis quadro que o penhor tenha preferência sobre o privilégio creditório mobiliário geral da Segurança Social e sobre o privilégio mobiliário geral dos trabalhadores, dado que constitui uma garantia de natureza real, firmada por via contratual, protegendo as legítimas expectativas garantísticas do respectivo credor, sendo o penhor dotado de sequela e oponível erga omnes, em confronto com a mera preferência de pagamento daqueles relativamente aos créditos comuns.

IV – Logo, concorrendo na mesma graduação, em conjunto, créditos garantidos por penhor, créditos com privilégio mobiliário geral emergentes de contrato de trabalho, ou da sua violação ou cessação, e créditos com privilégio mobiliário geral da Segurança Social por contribuições e quotizações, a ordem de prioridade que compete a esses créditos é: em primeiro lugar o crédito pignoratício; em segundo lugar o crédito laboral; em terceiro lugar o crédito da Segurança Social.

Decisão Texto Integral:


Revista nº 1871/23.8T8LRA.C1.S1.

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça (6ª Secção - Cível):

I – Relatório.

No âmbito do processo de insolvência da sociedade Venamoldes, Lda., cuja insolvência foi declarada por sentença proferida em 24 de Maio de 2023, veio a ser proferida sentença de verificação e graduação de créditos que graduou os créditos em relação ao produto da venda dos bens móveis não sujeitos a registo apreendidos sob as verbas PM 1.1 e PM 1.2 nos seguintes termos:

- Em 1º lugar, o crédito privilegiado do Instituto da Segurança Social;

- Em 2º lugar, o parcial de crédito do Banco Comercial Português, S.A. garantido por penhor sobre tais bens;

- Em 3º lugar, os créditos laborais reconhecidos como privilegiados aos credores ex-trabalhadores;

- Em 4º lugar, o parcial do crédito privilegiado da Fazenda Nacional respeitante a IRS/DMR e IRS;

- Em 5º lugar, o crédito privilegiado do IAPMEI, IP;

- Em 6º lugar, os créditos comuns;

- Em 7º lugar, os créditos subordinados.

Foi interposto pelo Banco Comercial Português recurso de apelação contra a graduação realizada em 1ª instância.

Por acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 9 de Abril de 2024 foi a apelação julgada improcedente, confirmando-se a decisão recorrida

Veio o Banco Comercial Português interpor, agora, recurso de revista excepcional nos termos do artigo 672º, nº 1, alíneas a) e c), do Código de Processo Civil, apresentando as seguintes conclusões:

1. O presente recurso de revista excepcional vem interposto, nos termos e ao abrigo do disposto nas als. a) e c), do n.º 1, do art. 672.º, do CPC, do Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, datado de 09/04/2024, proferido nos autos em referência.

2. Estando em causa concurso de credores, onde além do credor pignoratício e de créditos da Segurança Social, concorram, também, créditos laborais, coloca-se a questão de saber como deve proceder-se à graduação de cada um daqueles créditos, no âmbito da venda de bens móveis sujeitos à garantia real de penhor.

3. O douto Acórdão Recorrido entendeu graduar, em primeiro lugar, o crédito da Segurança Social e só depois o crédito do credor pignoratício, decidindo a questão de direito suscitada em manifesta contradição com a doutrina expendida no Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 05/04/2022, relatado por Ricardo Costa, proferido no âmbito do processo n.º1855/17.5T8SNT-A.L1.S1, e cuja cópia ora se junta nos termos e para os efeitos do disposto no art. 637.º, n.º 2, do CPC.

4. No sumário do Acórdão citado e que serve de Fundamento ao presente Recurso consignou-se: “I - Em sede de graduação de créditos sobre a insolvência, o art. 204.º, n.º 22, do CRCSPSS (Lei n.º 110/2009, de 16-09) deve ser objecto de interpretação restritiva, a fim de a prevalência dos «créditos da segurança social por contribuições, quotizações e respectivos juros de mora» dotados de privilégio mobiliário geral, de acordo com o art. 747.º, n.º 1, al. a), do CC, «sobre qualquer penhor» se aplicar apenas em caso de confronto dual ou bilateral entre créditos pignoratícios e créditos da Segurança Social. II - Quando a graduação se estenda para concurso com créditos de outra natureza (confronto multilateral), igualmente privilegiados, a prevalência dos vários tipos de crédito em conflito, uma vez sendo eles “garantidos” (no caso, pela garantia real do penhor) e “privilegiados” (mobiliários gerais: créditos laborais e créditos fiscais, juntamente com esses créditos da Segurança Social) nos termos do art. 47.º, n.º 4, al. a), do CIRE, para efeitos de aplicação dos arts. 174.º e 175.º do CIRE, deve seguir a ordem de prioridade determinada pelos critérios legais gerais: arts. 666.º, n.º 1, 747.º, n.º 1, al. a), e 749.º, n.º 1, do CC, 333.º, n.º 1, al. a), nº 2, al. a), do CT, e 204.º, n.º 1, do CRCSPSS.”

5. Por sua vez, o Acórdão Recorrido decidiu: “Na impossibilidade de conjugar as várias disposições legais aplicáveis no que toca à graduação de créditos em caso de concurso de créditos garantidos por penhor e créditos do Estado, da segurança social e dos trabalhadores garantidos por privilégio mobiliário, a solução que melhor respeita ou que menos desrespeita a letra da lei e o pensamento e a vontade do legislador corresponderá a graduar os créditos pela ordem seguinte: créditos com privilégio da segurança social, créditos garantidos por penhor, créditos com privilégio dos trabalhadores e créditos com privilégio do Estado.”

6. No âmbito da mesma legislação, entenderam aquelas Instâncias dar tratamento diverso à mesma questão de direito, a qual se prende com o facto de saber como se procede à graduação de cada um daqueles créditos, no âmbito da venda de bens móveis sujeitos à garantia real de penhor, quando concorrem créditos da Segurança Social e créditos laborais.

7. No que concerne à questão de direito em causa, não existe qualquer Acórdão Uniformizador de Jurisprudência, sendo certo que a questão de direito suscitada em cada um dos processos se revelou essencial para o resultado alcançado numa e noutra decisão.

8. O Acórdão Recorrido confirmou integralmente o entendimento da Primeira Instância, dizendo que “Esta solução respeita a vontade expressa do legislador que foi consignada no n.º 2 do art.º 204.º do CRCSPSS, uma vez que faz prevalecer o privilégio dos créditos da segurança social sobre o penhor e respeita também respeita o disposto no art.º 749.º do CC, uma vez que faz prevalecer o penhor sobre os privilégios mobiliários (com exclusão, naturalmente, dos privilégios da segurança social relativamente aos quais, conforme vimos, existe disposição expressa em sentido diferente).”

9. Deste modo e apesar da multiplicidade dos créditos em concurso, entre os quais créditos laborais, este decidiu graduar, em primeiro lugar, os créditos da Segurança Social e só depois os créditos do credor pignoratício.

10. No Acórdão Fundamento, estando em causa a repartição do produto da venda de bens móveis, em sede de processo insolvencial, viria a decidir-se pela prevalência da graduação em benefício do credor pignoratício, assim tendo sido determinado que este crédito, por força do privilégio creditório de que dispõe, deveria ser graduado em primeiro lugar, com prevalência sobre o crédito da Segurança Social, pois que, conjuntamente com aqueles créditos, concorriam ainda créditos laborais.

11. No entendimento vertido no douto Acórdão Fundamento, foi entendido que os créditos da Segurança Social só devem ser graduados à frente dos créditos do credor pignoratício quando estes dois tipos de créditos estiveram apenas em confronto dual ou bilateral e já não quando concorrem outros créditos, designadamente créditos laborais.

12. Louvou-se o dito Acórdão na ordem de prioridade que é determinada nas diversas disposições legais aplicáveis, como sejam os arts. 666.º, n.º 1, 747.º, n.º 1, al. a), e 749.º, n.º 1, do CC, 333.º, n.º 1, al. a), n.º 2, al. a), do CT, e 204.º, n.º 1, do CRCSPSS (por aplicação nos arts. 174.º e 175.º do CIRE).

13. O Acórdão Recorrido, por sua vez, julgou de forma diversa a mesma questão de direito colocada, pois que perante a tríade de créditos em causa, entre os quais os créditos laborais, entendeu dar preferência aos créditos da Segurança Social em detrimento dos créditos do credor pignoratício.

14. Perante todo o exposto encontram-se preenchidos os requisitos previstos na Lei para a admissibilidade desta revista excepcional, com fundamento na al. c), do art. 672.º do CPC.

15. São diversos os entendimentos que vão sendo seguidos nos nossos Tribunais sobre a matéria em causa, o que resulta num conjunto de decisões contraditórias entre si, importando assim aprofundar juridicamente a questão suscitada, para que seja possível criar uma maior certeza jurídica na abordagem do problema, razão esta que determina, igualmente, a possibilidade de recurso de revista excepcional, para este Supremo Tribunal de Justiça, nos termos e ao abrigo do art. 672.º, n.º 1, al. a), do CPC.

16. Não se mostra condizente com os princípios da certeza e segurança jurídica a existência de decisões contraditórias nos nossos Tribunais e ancoradas na mesma legislação, quando estamos perante a mesma questão de direito.

17. Existe na nossa Doutrina e Jurisprudência uma verdadeira controvérsia sobre a questão jurídica suscitada, revelando-se necessária uma verdadeira clarificação jurídica da interpretação das normas, de molde a uma melhor aplicação do direito.

18. Estamos, de facto, perante uma questão complexa e com relevância jurídica, tornando-se necessário fazer uma interpretação que possa criar, para futuras situações, um verdadeiro efeito preventivo, de modo a que possamos prever determinada situação, evitando incertezas quanto à aplicação do direito.

19. No caso em apreço, tal relevância jurídica surge como evidente, pois que, em face da diversa argumentação usada em cada um dos arestos indicados e na demais Jurisprudência sobre a matéria em causa, torna-se imperioso definir com clareza qual a interpretação da Lei que seja condizente à segurança jurídica, para uma maior certeza na aplicação do direito.

20. Importará, assim, avaliar para o efeito, como deve ser interpretada a Lei, de modo a alcançar o propósito consignado no n.º 3, do art. 8.º, do CC, e que determina que os casos análogos sejam tratados de igual forma.

21. Importando, também, por esta via também, clarificar a posição de cada um dos credores com privilégio, com vista a determinar-se, com rigor, a ordem de preferência no pagamento, no que ao produto da venda dos bens móveis diz respeito, para que estes possam prever aquilo que futuramente lhes caberá num futuro rateio.

22. Também por esta razão, e sempre sem conceder, se deve admitir o presente recurso de revista excepcional, nos termos e ao abrigo da al. a), do n.º 1, do art. 672.º, do CPC.

23. Por via dos sinais dos autos, o Banco invocou um penhor específico sobre equipamentos, o qual garante créditos no valor de €166.597,39.

24. No mesmo apenso de reclamação de créditos, verifica-se que outros credores reclamaram os seus créditos, sendo que, pelo produto da venda daqueles bens concorrem, também, créditos privilegiados da Segurança Social, créditos laborais, créditos privilegiados da Fazenda Nacional respeitantes a IRS/DMR e IRS, créditos privilegiados do IAPMEI, IP, créditos comuns e créditos subordinados.

25. Nos autos existem créditos reconhecidos a ex-trabalhadores, os quais gozam de privilégio mobiliário geral sobre os bens móveis apreendidos no processo e, necessariamente, sobre os bens sobre os quais o Banco ora Recorrente beneficia de penhor (cfr. al. a) e b) do n.º 1, do art. 333.º do CT).

26. Ao abrigo da al. a), do n.º 2, do supra mencionado preceito, os créditos laborais deverão ser graduados à frente dos créditos da Segurança Social.

27. Nos termos da Lei e designadamente nos termos do disposto no n.º 1, do art. 749.º do CC, o crédito pignoratício prevalece sobre os créditos laborais, sendo que a harmonia do sistema só é alcançada quando, pelo produto da venda, prefiram, em primeiro lugar, os créditos suportados em garantia real de penhor, seguindo-se os créditos laborais e, em último lugar, os créditos da Segurança Social.

28. A seguir-se uma graduação diversa da supra indicada, como aliás se verifica da tese vertida no Acórdão recorrido, estaremos a atraiçoar o espírito da Lei, pondo em causa os princípios da confiança e da segurança jurídica.

29. Como bem ensina o Professor Antunes Varela, o penhor é uma garantia real completa que confere ao credor o direito à satisfação do seu crédito com preferência sobre os demais credores pelo valor de certa coisa ou do direito empenhado (sublinhado nosso).

30. Enquanto credor pignoratício, não pode o Banco ora Recorrente ver sacrificada a recuperação do seu crédito e ver posta em crise uma garantia real sólida que sustenta a garantia do seu crédito, que de boa fé concedeu e que acautelou a sua recuperação por via da constituição de um penhor.

31. Nestas situações e quando há múltiplos interesses em disputa, não pode deixar de seguir-se o consignado na Lei Geral aplicável no que concerne ao Regime Geral previsto nos art. 666.º, n.º 1 e 749.º do CC.

32. A garantia constituída é reportada a um determinado bem em concreto, ou seja, perante uma certa coisa móvel e não apenas perante um privilégio de natureza geral.

33. A seguir-se um tal entendimento, estaria a criar-se um benefício (injusto) para a Segurança Social, o que colocaria em causa as regras gerais sobre os privilégios creditórios.

34. Para evitar tal injustiça, só a interpretação restritiva do n.º 2 daquele preceito poderá resolver a contenda, sempre que estiverem em concurso aquelas diversas tipologias de créditos.

35. Como referido no Acórdão Fundamento, encontramo-nos perante uma “garantia de natureza real (firmada necessariamente por contrato e sobre que a parte credora estabeleceu as suas legítimas expectativas garantísticas) que beneficia de sequela e é oponível erga omnes, enquanto o privilégio mobiliário geral que não tem natureza real está talhado para conferir uma mera preferência de pagamento, relativamente aos créditos comuns.”

36. Como bem fundamentado no Acórdão Fundamento, a contradição normativa verificada nos diplomas legais citados deverá ser resolvida por via de uma interpretação restritiva da norma contida no n.º 2, do art. 204.º, da Lei 110/2009, interpretando-a no sentido de esta se aplicar apenas e tão somente quando estão em confronto créditos garantidos por penhor e créditos com privilégio mobiliário geral da Segurança Social.

37. Nas situações em que se encontram em confronto diversos créditos privilegiados mobiliários gerais onde concorram créditos da Segurança Social, Estado e Trabalhadores, quando confrontados com créditos garantidos por penhor, a graduação de créditos a efectuar terá que seguir o disposto na Lei Geral, ou seja, nos arts. 666.º n.º 1 e 749.º do CC, de onde resulta que o crédito garantido por penhor deve prevalecer sobre o crédito da Segurança Social.

38. Reportando-nos ao caso em concreto, onde se procedeu à venda de bens móveis sobre os quais incide um penhor que garante créditos do ora Recorrente, forçoso será concluir que, concorrendo aquela tríade de créditos, deve o crédito do Banco ser graduado em primeiro lugar e, posteriormente, os créditos dos trabalhadores, seguindo-se os créditos da Segurança Social.

39. Ao decidir, como decidiu, o Tribunal a quo violou as seguintes disposições legais: art. 666.º, n.º 1, art. 749.º do CC e o art. 204.º, n.ºs 1 e 2, da Lei 110/2009, de 16 de Setembro.

Não houve resposta.

II – FACTOS PROVADOS.

Foi dado como provado:

1. Por sentença proferida nos autos principais em 24 de Maio de 2023, já transitada em julgado, foi declarada a insolvência da sociedade comercial por quotas Venamoldes, Lda., com o NIPC .......15, onde foi fixado o prazo de 30 dias para reclamação de créditos.

2. Pela Exma. Administradora da Insolvência, em 14 de Julho de 2023, foi apresentada a lista dos credores reconhecidos e não reconhecidos a que alude o artigo 129.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.

3. Foram apreendidos para a massa insolvente os seguintes bens (considerando o auto de apreensão rectificado junto ao ap. A a 14/07/2023, bem como o auto de apreensão aí junto a 17/11/2023):

a. Diversos bens móveis não sujeitos a registo.

b. O veículo automóvel com a matrícula ..-EZ-...

c. 4.450 acções da G..., S.A., no valor nominal de € 1,00 cada;

d. Saldo bancário no valor de € 10.007,85.

4. Sobre as verbas PM 1.1 (uma prensa da marca “MILLUTENSIL”, modelo “BLUE LINE – BV.28EGR”, com número de série .........72 do ano de 2018) e PM 1.2 (Lote composto por um centro de maquinação da marca “AXILE”, modelo “V5” (…), etc.) do auto de apreensão de bens móveis não sujeitos a registo, encontra-se constituído penhor a favor do credor Banco Comercial Português, S.A..

5. Sobre as referidas acções encontra-se constituído penhor a favor da credora G..., S.A..

6. O processo principal de insolvência iniciou-se no dia 08/05/2023, com a junção da d. petição inicial pela devedora, ora insolvente.

III – QUESTÕES JURÍDICAS ESSENCIAIS DE QUE CUMPRE CONHECER.

Concurso, em sede de graduação de créditos realizada por apenso ao processo de insolvência, entre o crédito garantido por penhor de que é titular o credor recorrente, nos termos dos artigos 666º, 747º, nº 1, e 749º do Código Civil, e o crédito privilegiado, nos termos do artigo 204º do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial da Segurança Social (CRCSPSS) de que é titular o Instituto de Segurança Social recorrido, quando com eles concorram, em conjunto, créditos laborais reconhecidos como privilegiados aos credores ex-trabalhadores, nos termos da alínea a) do nº 2 do artigo 333º do Código do Trabalho.

Passemos à sua análise:

Sobre a questão jurídica em referência foram já proferidos os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 22 de Setembro de 2021 (relator José Rainho), no processo nº 775/15.2T8STS-C-P1.S1, publicado in www.dgsi.pt e de 5 de Abril de 2022 (relator Ricardo Costa), no processo nº 1855/17.5T8SNT-A.L1.S1, publicado in www.dgsi.pt, sendo que neste último aresto foram intervenientes o relator que ora subscreve o presente acórdão, aí na qualidade de 1º adjunto, e o ora 2º adjunto, aí na qualidade de relator.

Em ambos estes arestos foi no essencial decidido que:

- O nº 2 do artigo 204º do CRCSPSS, aprovado pela Lei nº 110/2009, de 16 de Setembro, deve ser interpretado restritivamente, sendo aplicável apenas quando a graduação de créditos envolve exclusivamente créditos pignoratícios e créditos da Segurança Social.

- Concorrendo na mesma graduação, em conjunto, créditos garantidos por penhor, créditos com privilégio mobiliário geral emergentes de contrato de trabalho, ou da sua violação ou cessação, e créditos com privilégio mobiliário geral da Segurança Social por contribuições e quotizações, a ordem de prioridade que compete a esses créditos é aquela que, em geral, estabelece a lei, ou seja: em primeiro lugar o crédito pignoratício; em segundo lugar o crédito laboral; em terceiro lugar o crédito da Segurança Social.

Concorda-se inteiramente com o veredicto assumido nestes acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça e seus fundamentos, para os quais agora se remete.

Deixa-se consignado, em súmula, o essencial da fundamentação jurídica subjacentes a essas decisões:

1º - É inegável a contradição lógica que resulta da circunstância de o crédito garantido pelo penhor ter preferência sobre o crédito laboral (artigo 666º, nº 1, e 749º, nº 1, do Código Civil), mas não sobre o crédito da Segurança Social (artigo 204º nº 1 e 2, do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social); de o crédito laboral ter preferência sobre o crédito da Segurança Social (artigo 333º, nº 1 alínea a) e nº 2, alínea a), do Código de Trabalho), mas não sobre o crédito garantido pelo penhor; de o crédito da Segurança Social ter preferência sobre o penhor, mas não sobre o crédito laboral (artigo 747º, nº 1, alínea a), do Código Civil), constituindo-se assim uma triangulação conflituante entre si quando a graduação envolva estes três tipos de créditos.

2º - A solução que melhor compatibiliza, na medida do possível, as normas jurídicas envolvidas, passa pela leitura restritiva do nº 2 do artigo 204º do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social, a qual se justifica pela circunstância de concorrendo, em conjunto, créditos pignoratícios, créditos dos trabalhadores, créditos do Estado e das autarquias locais e créditos da Segurança Social, deixar de ser aplicável a solução de preferências destinada a regular a traça normal dos créditos em confronto, evitando-se desta forma a preterição desproporcionada de um conjunto mais alargado de outros credores, a saber os titulares de créditos laborais (em benefício injustificado do crédito da Segurança Social que deveria, à partida, ceder perante aqueles).

3º - Compreende-se neste complexo e sui generis quadro que o penhor tenha preferência sobre o privilégio creditório mobiliário geral da Segurança Social e sobre o privilégio mobiliário geral dos trabalhadores, dado que constitui uma garantia de natureza real, firmada por via contratual, protegendo as legítimas expectativas garantísticas do respectivo credor, sendo o penhor dotado de sequela e oponível erga omnes, em confronto com a mera preferência de pagamento daqueles relativamente aos créditos comuns.

(Perfilhando esta mesma solução vide Salvador da Costa in “O Concurso de Credores”, Almedina 2015, 5ª edição, págs. 242 a 245; António Carvalho Martins, in “Reclamação e Verificação de Créditos”, Coimbra Editora, página 91, nota 126; o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22 de Abril de 1999 (relator Herculano Namora), com a referência 98-B1084, sumariado in www.dgsi.pt; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28 de Novembro de 1999 (relator Sousa Macedo), com a referência 002783, sumariado in www.dgsi.pt; contra acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26 de Setembro de 1995 (relator Martins da Costa), publicado in www.dgsi.pt.).

Pelo que se concede a revista.

IV – DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes do Supremo Tribunal de Justiça (6ª Secção - Cível) conceder a revista, alterando-se a ordem da graduação de créditos nos seguintes termos: em primeiro lugar o crédito pignoratício; em segundo lugar o crédito laboral; em terceiro lugar o crédito da Segurança Social.

Custas pelo credor recorrido.

Lisboa, 9 de Julho de 2024.

Luís Espírito Santo (Relator)

Rosário Gonçalves

Ricardo Costa

V – Sumário elaborado pelo relator nos termos do artigo 663º, nº 7, do Código de Processo Civil.