Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
002968
Nº Convencional: JSTJ00010759
Relator: PRAZERES PAIS
Descritores: CADUCIDADE DO CONTRATO DE TRABALHO
DOENÇA
IMPEDIMENTO PROLONGADO DE TRABALHADOR
INVALIDEZ
Nº do Documento: SJ199106260029684
Data do Acordão: 06/26/1991
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação: BMJ N408 ANO1991 PAG388
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA.
Indicações Eventuais: MORAIS ANTUNES E RIBEIRO GUERRA IN DESPEDIMENTOS PAG41.
MONTEIRO FERNANDES IN DIREITO DO TRABALHO PAG419.
Área Temática: DIR TRAB - CONTRAT INDIV TRAB.
Legislação Nacional: DL 372-A/75 DE 1975/07/16 ARTIGO 8 N1 A B C.
CCIV66 ARTIGO 790 N1.
LCT69 ARTIGO 12 ARTIGO 13 ARTIGO 23 N4 ARTIGO 73.
DL 45266 DE 1963/09/23 ARTIGO 32 ARTIGO 48 ARTIGO 50 N1 N2 ARTIGO 78 ARTIGO 79 ARTIGO 80.
CCT IN BTE N37 DE 1975/09/08 CLAUS45.
DL 519-C1/79 DE 1979/12/29 ARTIGO 6 N1 E.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO STJ DE 1989/12/06 IN AD N330 PAG266.
Sumário : Não ha passagem automatica, da situação de impedimento por doença, por mais de 1095 dias, a situação de invalidez, não sendo o impedimento considerado definitivo.
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferencia, no Supremo Tribunal de Justiça:
A, identificada nos autos, demandou com a presente acção emergente de contrato individual de trabalho "Abrigada - Companhia Nacional de Refractarios S.A.R.L.", pedindo a condenação desta a reintegra-la ao serviço e a pagar-lhe a quantia de 498960 escudos, a titulo de complemento de subsidio de doença em divida e as prestações pecuniarias vencidas e vincendas na pendencia da acção, com juros legais.
Na contestação a Re pede a sua absolvição do pedido.
Por sentença foi julgada a acção em parte procedente apurada, condenando-se a Re a pagar a autora as dividas vencidas ate 1-1-87, respectivo subsidio de ferias proporcional ate 12-4-87, data da extinção do contrato, com absolvição dos restantes pedidos.
Da sentença recorreu a Autora e a Relação confirmou a mesma.
Do acordão recorreu de revista a Autora para este Supremo Tribunal, alegando, em resumo, que a Re ao não permitir que a Autora reocupasse o seu posto de trabalho, apos ser considerada apta para o serviço, a Re procedeu a um despedimento ilicito so por isso nulo, devendo ser reintegrada ao serviço, sendo-lhe devidas todas as prestações pecuniarias que se vençam ate retomar o seu posto de trabalho; por outro lado, a Re devera conceder-lhe o complemento de subsidio de doença, bem como a retribuição normal da sua categoria a partir de 28-1-88. Conclui que devesse, assim, face as disposições legais aplicaveis,ser concedida a revista, revogando-se o acordão recorrido e a sentença da 1 instancia, devendo a Re ser condenada a reintegrar a Autora no seu serviço e assim liquidar-lhe todas as prestações pecuniarias em divida.
A recorrida, nas suas contra-alegações conclui pela confirmação do acordão.
O Excelentissimo Representante do Ministerio Publico, no seu douto parecer, pelo provimento do recurso.
O que tudo visto e decidindo. a)- Factos.
Tem-se como assentes os seguintes:
- A Autora entrou para o serviço da Re para, sob as suas ordens e direcção, lhe prestar trabalho subordinado, em 13 de Abril de 1969.
- Estava classificada como 1 escrituraria, auferindo ultimamente o vencimento mensal de 34650 escudos.
- A relação de trabalho em causa esta abrangida pelo Contrato Colectivo de Trabalho para a Industria de Ceramica.
- A autora encontrava-se com baixa medica, conferida pela Caixa de Previdencia respectiva, desde 12 de Abril de 1984.
- A Re por carta registada com aviso de recepção de 15 de Abril de 1987 comunicou a Autora que o contrato de trabalho tinha caducado, por a situação de baixa por doença ter atingido em
12 de Abril de 1987, 1095 dias.
- Na carta registada com aviso de recepção, de
22 de Abril de 1987, a Autora comunicou a Re a prorrogação da data de baixa pelo menos ate ao dia 20 de Maio de 1987.
- Em resposta a carta da Autora, a Re, por carta de 7 de Maio de 1987, confirma a sua carta de
15 de Abril de 1987, considerando o contrato de trabalho extinto por caducidade.
- A Re, entretanto, em 24 de Abril de 1987, comunicou a Autora que estava a sua disposição nos escritorios a partir de, digo a quantia de 19372 escudos, das partes proporcionais de ferias do ano de 1984, confirmando tal carta por outras datadas de 28 de Maio de 1987 e 1 de Junho de 1987.
- A Autora não foi reformada pela Caixa de Previdencia nem requereu qualquer reforma por invalidez.
- A re deixou de liquidar a Autora o complemento de subsidio por doença e a partir do dia 1 de Outubro de 1984, nos termos da carta de 26 de Outubro de 1984.
- A Caixa de Previdencia suspendeu a partir de
14 de Abril de 1987, o pagamento a autora de qualquer retribuição a titulo de baixa, por estar nessa situação ha mais de 1095 dias.
- A Autora teve alta medica em 28-1-1988.
- A Autora apresentou-se ao serviço da Re, no dia 1-2-88.
- A Re concedia e concede o complemento do subsidio de doença, mas fe-lo sempre depender de um certo condicionalismo, entre o qual figura o grande absentismo.
- A Autora entre os anos de 1976 a 1984, teve um absentismo de 45% a 50%.
- A Autora teve alta medica, em 28-1-1988 nos termos do documento emitido pelo seu medico.
- A Autora enviou a Re, por carta registada com aviso de recepção, o documento emitido pelo seu medico. b)- O Direito:
São as seguintes as questões suscitadas pela Autora recorrente e que constituem objecto da presente revista:
1)- A da caducidade do seu contrato de trabalho; e
2)- A do complemento do subsidio de doença.
Assim, em relação a primeira, a da caducidade do contrato de trabalho, estabelece o artigo 8 do Decreto-Lei n. 372-A/75:" O contrato de trabalho caduca nos casos previstos nos termos gerais do direito, nomeadamente:
3)- Expirando o prazo por que foi estabelecido;
4)- Verificando-se impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva, de o trabalhador prestar o seu (serviço) trabalho ou da empresa o receber:
5)- Com a reforma do trabalhador.
Segundo a regra geral, enunciada no campo do referido artigo, o contrato de trabalho caduca nos casos previstos "nos termos gerais de direito".
Na opinião de Jorge Leite - da cessação do contrato de trabalho edição 1978, pagina 92 -, esta remissão para os termos gerais de direito" deve entender-se feito para os artigos 790 e seguintes do Codigo Civil.
Nos termos do n. 1 do artigo 790, a obrigação extingue-se quando a prestação se torna impossivel por causa não imputavel ao devedor.
A impossibilidade da prestação, alem de superveniente, ha-de ser absoluta (não basta uma excessiva onerosidade), definitiva ( e não apenas temporaria) e total (não apenas parcial) - (cf. P.Lima e A. Varela, em anotação aos artigos
790 e seguintes do Codigo Civil Anotado VII,
1968) e A. Varela - (nas obrigações em Geral,
2 edição, VII, 64 e seguintes).
Segundo A. Varela, ob. cit. pagina 66, a "prestação torna-se impossivel quando por qualquer circunstancia (legal, natural ou humana) o comportamento exigivel do devedor se torna inviavel".
A impossibilidade ha-de ser absoluta, pois so ela "liberta o devedor e não a impossibilidade relativa, que se traduz na simples dificuldade ou onerosidade da prestação" (cf. Almeida Pinto,
Direito das Obrigações, Coimbra, 1968, pagina 441) - mera difficultas proustandi.
A impossibilidade diz-se objectiva quando ninguem pode efectuar a prestação (cf. A. Varela).
Essa impossibilidade tera de ser contraida ou devera ser contraida das partes (cf. Morais Antunes e Ribeiro Guerra, Despedimentos, Coimbra, 1984, pagina 41 e Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 1987, pagina 419) n. 2 do citado artigo 8.
Assim, resulta que a verificação do pressuposto da impossibilidade superveniente tem de ser apreciadas objectivamente, com base num criterio decorrente das regras da experiencia comum (cf. acordão do Supremo Tribunal de Justiça de 6-12-89, in Acordãos Doutrinais 330 - 266).
No caso dos autos, o contrato de trabalho e sem prazo e a autora não se encontra reformada pelo que, a partida, não se lhe aplicam as alineas a) a c) do n. 1 do artigo 8 do Decreto -Lei 372-A/75.
Resta, assim, consignar se ao mesmo se aplica o preceito da alinea b) do n. 1 do artigo 8 do citado Diploma Legal.
Ora, para que isso se verifique e necessario que se conclua pela impossibilidade absoluta e definitiva de o trabalhador prestar o seu trabalho.
Assim, a Autora teve alta medica em 28-1-88, não se provando que a mesma estivesse absoluta e definitivamente impossibilitada de continuar ao serviço da Re. Antes se mostra que a autora, recebida a alta medica, em 28-1-88, apresentou-se, pouco depois, ao serviço, no dia 1-2-88.
O contrato de trabalho, visto o impedimento não ser imputavel a autora e não se tornar definitivo, fica imediatamente suspenso, nos termos do artigo 73 da Lei de Contrato de Trabalho, sem prejuizo da sua antiguidade, conservando a autora o direito ao lugar.
Não caducou assim o contrato.
Em contrario refere o acordão recorrido - com o que não concordamos - que a situação de reforma por invalidez e automatica apos o trabalhador atingir os 1095 dias de baixa clinica.
Na verdade, a lei que regula os subsidios por doença estabelece a igualdade de tratamentos apenas em termos de percentagem de subsidios entre o estado de invalidez e o impedimento por mais de 1095 dias. - Não equipara tais situações para efeitos da caducidade do contrato.
Assim, preceitua o artigo 50-1 do Decreto numero 45266, de 23-9-63, na redacção do decreto regulamentar de 23-9-77, de 4-5, que o subsidio por doença" sera pago no montante previsto no artigo 48 pelo prazo maximo de mil e noventa e cinco dias em cada impedimento por doença".
O numero 2 do artigo 50 daquele Decreto n. 45266, com a redacção do Decreto n. 358/78, de 16-7, reza que "se, atingindo o limite de tempo fixado no numero anterior, se mantiver o impedimento, o beneficiario passara ao regime de protecção na invalidez, nos termos da secção V deste capitulo".
O artigo 48 do Decreto n. 45266, com a redacção do Decreto n. 358/77 de 1-7, referido, somente estabelece as regras para se conseguir o subsidio diario no apoio a doença, a que se alude no artigo 32 do mesmo diploma que sera de 60% do salario medio dos dois primeiros meses que antecedem o segundo mes anterior ao da baixa,...", passando a calcular-se o subsidio do trabalhador impedido por mais de 1095 dias, nos termos do artigo 80 da Secção V, do Capitulo
V - "Invalidez".
Todavia, da situação de impedimento do trabalhador por mais de 1095 dias consecutivos não resulta a passagem automatica para a de invalidez, por virtude do que preceituam os artigos 77, 78 e 79 do citado Decreto n. 45266.
Assim, preceitua o n. 1 do artigo 77 que "tem direito a pensão de invalidez os beneficiarios que tendo completado o prazo de garantia estatutaria e antes de atingirem a idade da reforma por velhice, se encontrem, por motivo de doença ou acidente que não esteja a coberto da legislação especial sobre acidentes de trabalho e doenças profissionais, definitivamente incapacitados de trabalhar na sua profissão, de modo a não poderem auferir no desempenho desta mais de um terço da remuneração correspondente ao seu exercicio normal, com prejuizo do disposto no n. 2 do artigo 50, ou seja, para alem dos casos previstos nesta disposição, que não preve a incapacidade definitiva.
Por sua vez, o n. 3 do artigo 77 estabelece a presunção da redução definitiva da capacidade para o trabalho "quando seja de presumir que, na falta de tratamento de recuperação profissional adequado, o beneficiario não tem melhoria apreciavel dentro dos 3 anos subsequentes..."
O artigo 78 estatui que para o beneficiario ter direito a pensão de invalidez e não passar a situação de invalidez, para alem dos casos previstos no n. 2 do artigo 50, ou seja, nos casos de doença que se prolongarem por mais de 1095 dias tera de ser requerida a direcção da Caixa no sentido de serem submetidos a exame medico.
Mas, o n. 2 do artigo 78 permite, ainda assim, que a direcção da Caixa em que o beneficiario estiver inscrito, solicite a atribuição a este da pensão, caso o mesmo se encontre a receber tratamento nos respectivos serviços medicos e haja esgotado o periodo da concessão do subsidio de doença previsto no n. 1 do artigo 50.
Por fim, o artigo 79 refere que a incapacidade para o trabalho sera apreciada com base em parecer escrito de uma comissão de verificação de invalidez.
Deste modo, ha que distinguir duas situações bem distintas.
Uma, a da impossibilidade da doença do trabalhador se prolongar por mais de 1095 dias consecutivos e outra, a de o trabalhador estar definitivamente incapacitado de trabalhar na sua profissão, o que, nos termos do artigo
77, o coloca no regime da invalidez, a presente invalidez, que se traduz numa incapacidade definitiva do trabalhador para a sua profissão, se encontra compreendida no artigo 8-1 b) do Decreto-Lei 372-A/75.
Portanto, não ha passagem automatica do impedimento por doença para mais de 1095 dias a situação de invalidez.
No caso dos autos, a Autora esteve doente por mais de 1095 dias - Não transitou para o regime de invalidez se assim e que a Caixa lhe deu alta em 28-1-88. - Por conseguinte, o impedimento por doença da autora nao era qualificavel de definitivo e absoluto, como antes exige o n. 1 alinea b) do artigo 8 do citado Decreto-Lei.- Alem disso, como, se viu, a passagem ao regime de invalidez não e automatica, pois, a Caixa considerou a Autora apta ao serviço e deu-lhe alta.
Em reforço desta conclusão temos ainda o disposto no n. 4 do artigo 13 da L.C.T., em que se diz que "o contrato caducara, porem, no momento em que se torne certo que o impedimento e definitivo, sem prejuizo da observancia das disposições aplicaveis da legislação sobre previdencia".
Não se verifica, pois, o impedimento definitivo da autora, sem prejuizo, evidentemente dos subsidios e pensões a que pela legislação da previdencia tenha direito.
Em suma, não se operou a caducidade do contrato de trabalho da autora recorrente, como muito bem sustenta.
No que respeita a segunda questão, a do complemento de subsidio por doença, ha que atentar, desde logo, que e apreciavel o C.C.T. publicado no BTE n. 37, de 8-9-75, o qual na sua clausula 45 estabelece, em termos gerais, que "o complemento de subsidio de doença e direito adquirido dos trabalhadores nas empresas em que ja se verifique...", especificando-se no n. 1 que "Em caso de doença, as entidades patronais pagarão aos seus trabalhadores a diferença entre a retribuição auferida a data da baixa e o subsidio atribuido pela previdencia".
Ficou aprovado que a Autora trabalhou para a Re desde 13-4-69 e que a Re concedia e concede o complemento de subsidio por doença.
E certo que tambem ficou provado que a Re fazia depender a concessão do subsidio de um certo condicionalismo entre o qual figura o grau de abstencionismo.
Porem, semelhante comportamento da Re, neste caso, e ilegal.
Assim, o C.C.T./P.R.T. aplicavel não estabelece qualquer restrição a concessão de subsidio por doença na clausula 45.
Na verdade, a re encontra-se vinculada ao cumprimento das clausulas das convenções colectivas de trabalho, nos termos dos artigos 12-1 e 13 da L.C.T.
Os usos e regulamentos internos adoptados pela pela Re não podem contrariar as normas legais sem as referidas convenções, como se explicita no n. 2 do artigo 12 da L.C.T.
A citada clausula 45 do C.C.T. harmoniza-se, pois, em relação ao seu conteudo, com os precisos termos do artigo 6-1, e) do Decreto- -Lei 519-C/79, de 29-12.
Assim, a autora tem direito a receber o complemento de subsidio de doença, previsto no C.C.T., não sendo licito a Re impor condicionalismo como o grau de absentismo, que a clausula 45 não preve, para se cair numa forma descriminada para a atribuição do subsidio.
O periodo a que a autora tem esse direito vai de 1-10-84 ate a alta, em 28-1-88.
Pelo exposto, concede-se provimento ao recurso de revista e revogou-se o acordão recorrido e a sentença da 1 instancia, julgando-se, assim, a acção procedente por provada e condenando-se a Re - Abrigada - Companhia Nacional de Refractarios S.A.R.L. a favor da Autora, recorrente, no seguinte, que lhe fora pedido: a)- A reconhecer como valido e em vigor, o contrato de trabalho e assim a reintegrar a Autora ao seu serviço; b)- A pagar-lhe as importancias que lhe são devidas, a titulo de complemento de subsidio de doença, bem assim os respectivos juros legais, desde 1-10-84 ate 28-1-88, contando-se os juros da citação. c)- E a pagar-lhe ainda todas as prestações pecuniarias vencidas e vincendas na pendencia da acção, tudo com juros legais e procuradoria, sendo aqueles tambem da citação.
Devera, quanto as importancias, proceder-se a sua liquidação em execução de sentença.
Custas nas instancias e pelo recurso, a cargo da Re, recorrida.
Lisboa, 26 de Junho de 1991.
Prazeres Pais,
Castelo Paulo,
Barbieri Cardoso.