Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
150/05.7IDPRT-D.S1
Nº Convencional: 3ª SECÇÃO
Relator: ROSA TCHING
Descritores: HABEAS CORPUS
ACLARAÇÃO
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
REVOGAÇÃO DA SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
PRESCRIÇÃO DAS PENAS
INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO
SUSPENSÃO DA PRESCRIÇÃO
Data do Acordão: 07/05/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual:  HABEAS CORPUS
Decisão: PROCEDÊNCIA / DECRETAMENTO TOTAL.
Área Temática:
DIREITO PENAL – CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DO FACTO / PENAS / SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA DE PRISÃO / EXTINÇÃO DA RESPONSABILIDADE CRIMINAL / PRESCRIÇÃO DAS PENAS E DAS MEDIDAS DE SEGURANÇA.
DIREITO PROCESSUAL PENAL – JULGAMENTO / SENTENÇA.
Doutrina:
-Figueiredo Dias, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas-Editorial Notícias, 1993, 339;
-Jeschek, Tratado de Derecho Penal Editorial Colmares, 799;
-Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal, 460 e 630.
Legislação Nacional:
CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGOS 57.º, N.ºS 1 E 2, 122.º, N.ºS 1, ALÍNEA D) E 2, 125.º E 126.º, N.ºS 1, ALÍNEA A) E 3.
CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGO 380.º, N.º 1, ALÍNEA B).
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 13-02-2014, PROCESSO N.º 1069/01.6PCOER-B.S1, HTTP://WWW.DGSI.PT.
Sumário :

I - Não obstante a circunstância de formalmente o legislador português nunca ter consagrado a suspensão da execução da pena como uma "pena autónoma", é indubitável, quer a nível doutrinal, quer jurisprudencial, ter a suspensão emergido como uma espécie de pena de substituição.
II - A suspensão da pena constitui um meio autónomo de reacção jurídico-penal com uma pluralidade de possíveis efeitos. É pena na medida em que na sentença se impõe uma privação da liberdade. Tem o carácter de um meio de correcção se acompanhada de tarefas orientadas no sentido de reparar o ilícito cometido, como as indemnizações, multas administrativas ou benefícios para beneficio da Comunidade. Aproxima-se de uma medida de assistência social quando são impostas regras de conduta que afectam a vida futura do arguido especialmente se for colocado sob supervisão. Finalmente, oferece uma faceta pedagógico social activo na medida em que estimula o mesmo arguido a engajar-se na sua ressocialização aproveitando o período de prova.
III - Nos termos do disposto no art. 122.º, n.º 1, al. d), e n.º 2, do CP, a prescrição dessa pena de substituição ocorre com o decurso do prazo de quatro anos, contados a partir do trânsito em julgado da sentença condenatória, sem prejuízo, contudo, das causas de suspensão e de interrupção da prescrição estabelecidas nos arts. 125.º e 126.º do mesmo CP, nomeadamente com a sua execução, que pode configurar-se no simples decurso do tempo até ao termo do período da suspensão.
IV - Relativamente à pena de substituição (no caso, a pena de prisão suspensa na sua execução), o prazo da prescrição inicia-se com o trânsito em julgado da sentença condenatória, aplicando-se depois o regime da suspensão e da interrupção da prescrição previsto nos arts. 125.º e 126.º do CP, ou seja, o prazo de prescrição da pena de substituição em causa (a pena de prisão com execução suspensa) interrompe-se com a sua própria execução.
V - No caso vertente pode-se afirmar que, não se tendo verificado nenhuma causa de suspensão, uma vez que não se verifica qualquer um dos itens apontados no art. 125.º do CP, já o mesmo não se pode dizer em relação à sua interrupção face ao disposto no art. 126.º, n.º 1, al. a) do mesmo diploma legal.
VI - Existindo uma causa de interrupção mas já não de suspensão da contagem do prazo prescricional, sendo de quatro anos aquele prazo de prescrição (a contar da data do trânsito em julgado da decisão condenatória, ou seja, 27-01-2011), acrescido de metade (no total de seis anos), nos termos do disposto no n.º 3 do citado art. 126.º, é evidente que, aquando da revogação da suspensão da pena (09-02-2017), já se tinha verificado a prescrição da pena de substituição.


Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

*

I. AA, [ ...]  atualmente detido, veio requerer a  providência de habeas corpus «por virtude de prisão ilegal», nos termos  do disposto no art. 222, nº2,  alínea b) do C.P.P.

Designada a audiência de julgamento, que teve lugar, no dia 27 de junho de 2017, findas as alegações orais, pelo Exmº Senhor Juiz Conselheiro Presidente foi dada a palavra à Exmª. Senhora Procuradora Geral Adjunta e à Exmª mandatária do arguido, para querendo, se pronunciarem sobre a prescrição da pena aplicada, de harmonia com o disposto nos artºs 122º nº 1 al. d)  e 126º nº 3, ambos do C. Penal.

Encerrada a audiência, em 27 de Abril de 2017, foi proferido acórdão  que,  não obstante  ter  considerado improcedente   toda a argumentação desenvolvida pelo requerente  no sentido  da ilegalidade da sua prisão, com o fundamento de que a decisão judicial que revogou a suspensão da pena  não tinha ainda transitado em julgado, constatando que  «a decisão condenatória foi  de 1 (um) ano de prisão e que transitou em julgado em 27.01.2011 ( cfr. certidão de fls. 3 )», decidiu que « face ao disposto no art. 122º, nº1, al. d) do C. Penal, encontra-se prescrita a pena aplicada», pelo que, deferindo a petição de habeas corpus apresentada pelo requerente, AA,  determinou que o mesmo fosse restituído, de imediato, à liberdade.

*

II. Vem, agora, a Exmª Senhora Procuradora Geral Adjunta, neste Supremo Tribunal, « requerer que seja esclarecida a douta decisão final de restituir o arguido à liberdade por se encontrar prescrita a pena aplicada – art. 122.º, n.º 1 d) do CP, pelas seguintes razões:

1 – O arguido foi condenado por acórdão transitado em julgado em 27-01-2011 a 1 ano de prisão suspenso na sua execução por um período de 5 anos, sujeito ao dever de pagar à Segurança Social naquele período, as quantias em dívida num total de 196960,84€.

2 - A douta decisão ao fazer referência linear ao disposto no art. 122.º, n.º 1, al. d) do CP é omissa quanto à avaliação/aplicação da interrupção do prazo de prescrição p. no n.º 1, al. a) do art. 126.º - “a prescrição da pena … interrompe-se com a sua execução”.

3 - É que a suspensão da execução da pena de prisão, segundo a jurisprudência do STJ e a doutrina (Figueiredo Dias, Consequências Jurídicas do Crime) em qualquer modalidade é uma pena de substituição autonomizada.

E enquanto perdurar a pena de substituição de 5 anos terá de ser a pena exequível não lhe sendo aplicável directamente as alíneas do n.º 1 do art. 122.º do CP.

4 - O prazo de prescrição da pena de prisão começou a contar a partir de janeiro de 2016 e quando em 9/2/2017 foi proferido o despacho que revogou a suspensão da execução da pena de prisão e consequente trânsito em julgado (22/3/2017) ainda estava a correr o prazo de 4 anos p. no art. 122.º n.º 1 al. d) do CP.

5 - Para pedirmos este aclaramento não podemos deixar de invocar a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, nomeadamente dois acórdãos do Exmo. Conselheiro Relator Santos Cabral:

5.1 - Acórdão de 6/4/2016, Habeas Corpus proc. 135/04 (relato fls. 721) tem a fundamentação seguinte:

“A partir do momento em que a suspensão da execução da pena de prisão foi revogada, e atempadamente, a pena que o arguido passou a ter que cumprir é a de prisão por dez meses. Portanto, a partir do trânsito em julgado do despacho que operou essa revogação, a prescrição da pena é a prescrição da pena de prisão pois é a única em relação à qual se pode colocar, nessa altura, a questão da respectiva execução e não perante a pena cominada na primitiva sentença condenatória, de suspensão de execução da pena de prisão, a qual se encontra revogada.

Como a pena de prisão só pode ser cumprida a partir do trânsito em julgado do despacho que operou aquela revogação é a partir dessa data que se contam os 4 anos da prescrição da pena. Efectivamente, como se refere no Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 09/10/2013 o art. 122.º do CP estabelece no seu n.º 2 que “O prazo de prescrição começa a correr no dia em que transitar em julgado a decisão que tiver aplicado a pena”, que não pode ser, necessariamente, o dia em que transitar em julgado a sentença condenatória (Cf. PP de Albuquerque, in “Comentário do Código Penal”, pág. 384). No caso de condenação em pena suspensa que depois é revogada, “a decisão que aplica a pena” resulta duma conjugação, da fixação na sentença condenatória, da pena de prisão substituída, com a decisão que revoga a suspensão. Dada a indispensabilidade desta decisão revogatória, para que a pena de prisão se aplique, o prazo de prescrição só pode contar-se a partir dela.

Neste mesmo Acórdão o Exmo. Conselheiro Relator diz mesmo que o art. 125, n.º 1, al. c) do CP quando refere que a prescrição se suspende, enquanto o condenado estiver a cumprir outra pena, conduz à mesma solução porque o arguido esteve a cumprir a pena de substituição a suspensão da execução da pena de prisão.

5.2 - Neste mesmo sentido o Acórdão de 6/12/2013, Habeas Corpus Proc. 182/06.8PTALM (relato 569) também do Exmo. Conselheiro em que foi “assumida a natureza da pena autónoma em relação à pena suspensa na sua execução” e relativamente ao qual não podemos deixar de chamar à colação o voto de vencido do então Exmo. Sr. Conselheiro Presidente da secção uma vez que dele decorre que a decisão ora proferida sobre a questão da prescrição não vincula a 1ª instância. 

Nestes casos concretos deu-se a suspensão da prescrição prevista no art. 125.º do CP e não a interrupção da prescrição do art. 126.º do CP, pois esta só se verifica com a execução da pena de prisão e/ou com a declaração de contumácia.

Perante a doutrina e jurisprudência o Ministério Público requere/pretende que seja esclarecido se na Douta Decisão baseada exclusivamente no art.º 122.º, n.º 1, al. d) do CP, foi ponderado e aplicado o período de suspensão da execução da pena de prisão (art. 125.º, n.º 1, al. a) e c) do CP) e só depois contado o prazo de 4 anos».

***

Notificado o requerente, este respondeu nos termos seguintes:


1. “Não indicando a Digníssima Procuradora-Geral Adjunta a base legal para o requerimento apresentado, não consegue o ora requerente vislumbrar ao abrigo de que preceito o mesmo é apresentado.
2. Com todo o respeito – que é muito – do ora requerente pela Digníssima Procuradora-Geral Adjunta, parece pretender-se com o referido requerimento obter uma reconsideração da decisão recorrida, a qual não é legalmente admissível.
3. Em qualquer caso, o ora requerente procurará expor sinteticamente a sua interpretação da decisão deste Supremo Tribunal que, nesse ponto, para nós é clara – aliás, tivemos oportunidade de, durante a audiência oral realizada, nos pronunciarmos sobre esta questão, a instâncias do Senhor Presidente da Secção, tal como o Ministério Público.
4. Com efeito, como indica o douto Acórdão prolatado nestes autos de habeas corpus, o prazo de prescrição da pena suspensa é de 4 (quatro) anos, nos termos do art. 122.º, n.º 1, al. d), do Código Penal.
5. Esse prazo começa a correr desde o dia em que transitou em julgado a condenação em pena suspensa, nos termos do art. 122.º, n.º 2, do Código Penal – in casu, no dia 27 de Janeiro de 2011 (cf. certidão remetida a este Tribunal).
6. A execução da pena suspensa interrompe o prazo prescricional, nos termos do art. 126.º, n.º 1, al. a), do Código Penal.
7. Ora, de acordo com o art. 126.º, n.º 3, do Código Penal
“A prescrição da pena e da medida de segurança tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo normal da prescrição acrescido de metade.”
8. Ora, segundo a tese do tribunal de instância, a pena suspensa extinguiu-se, por revogação, no dia 23 de Março de 2017.
9. Decorreram, assim, entre o trânsito em julgado do acórdão condenatório que aplicou a pena suspensa e a respectiva extinção 6 (seis) anos e 2 (dois) meses.
10. Quer isto dizer que, em qualquer caso, não obstante a interrupção do prazo prescricional da pena suspensa por força da circunstância de esta se encontrar a “ser executada” entre 27 de Janeiro de 2011 (cf. certidão remetida a este Tribunal) e 27 de Janeiro de 2016, no dia em que transitou em julgado a decisão de revogação, 23 de Março de 2017, tinha já sido excedido o prazo máximo de 6 (seis) anos, limite máximo para a interrupção da prescrição (prazo prescricional acrescido de metade), pelo que a pena suspensa se extinguira pelo decurso do prazo prescricional – cf. arts. 122.º, n.º 1, al. d), 122.º, n.º 2, e 126.º, n.º 1, al. a), e n.º 3 do Código Penal.
11. Questiona a Digníssima Procuradora-Geral Adjunta se este Colendo Tribunal ponderou a aplicação das causas de suspensão consagradas nas als. a) e c), do art. 125.º, n.º 1, do CP, que obstariam ao decurso do prazo prescricional, nos termos do n.º 3 do mesmo preceito.
12. Quanto à alínea c), com o devido respeito, não entende o requerente como a mesma possa ter relevância, já que a lei apenas prevê como causa de suspensão “o tempo em que ... c) O condenado estiver a cumprir outra pena ou medida de segurança privativas da liberdade”.
13. Desta forma, a pena suspensa, em particular após a prolação do Acórdão de Fixação de Jurisprudência n.º 13/2016, em 7 de Outubro de 2016, que estabeleceu inequivocamente a natureza não privativa da liberdade da pena suspensa, Acórdão aliás posterior aos Acórdãos invocados no requerimento da Digníssima Procuradora-Geral Adjunta, nunca poderia caber naquela norma, desde logo por absoluta falta de correspondência literal[1].
14. Sabendo nós que as normas que regulam a prescrição são normas de direito penal material (ou no mínimo mistas e, em qualquer caso, na sua vertente processual normas processuais penais materiais), estas não admitem interpretação analógica contra reum (art. 1.º. n.º 2, do Código Penal).
15. No que se refere à alínea a), a mesma claramente não integra na sua previsão o período de suspensão da execução da pena, já que a suspensão da execução da pena não constitui um impedimento legal à execução da pena – muito menos da própria pena suspensa.
16. Com efeito, o texto da al. a), do n.º 1, do art. 125.º, reza:
“A prescrição da pena e da medida de segurança suspende-se, para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que: a) Por força da lei, a execução não puder começar ou continuar a ter lugar”
17. Considerar o contrário viola o princípio da legalidade e proibição da interpretação analógica contra reum constante do art. 1.º, n.º 2, do Código Penal e com assento constitucional no art. 29.º, n.º 1 e 3, da Constituição da República Portuguesa.
18. Porventura existirá alguma confusão no requerimento apresentado entre a prescrição da pena suspensa, por um lado, e a prescrição da pena de prisão, por outro.
19. Como aceita a esmagadora maioria da doutrina e jurisprudência, a pena suspensa e a pena de prisão são autónomas e têm prazos de prescrição autónomos, contando-se autonomamente e aferindo-se autonomamente as causas de suspensão e interrupção para um e outro (e pode acontecer, em casos concretos, desde logo o prazo ser diferente, pois se a pena suspensa for de 4 anos, por exemplo, ser-lhe-á aplicável o prazo prescricional de 4 anos; sendo revogada a suspensão e aplicada pena efectiva, então o prazo prescricional desta já será de 10 anos).
20. Apesar desta autonomia, a possibilidade de aplicação da pena de prisão depende de a revogação da pena suspensa operar antes do decurso do prazo de prescrição desta.
21. Se a prescrição da pena suspensa já ocorrera à data do trânsito em julgado da decisão de revogação, a pena de prisão não pode ser executada, já que deixa de ser admissível a prolação de decisão revogatória que possa determinar o cumprimento da pena.
22. Ou seja, ainda que, por hipótese, se admitisse que o art. 125.º. n.º 1, al. a), inclui a suspensão da pena como causa de suspensão por a execução não poder ter lugar por força da lei (o que é, a nosso ver, altamente duvidoso e como tal incompatível com o princípio da legalidade em matéria de lei penal), esta inclusão apenas poderá relevar para o prazo prescricional da pena de prisão, mas já não da pena suspensa.
23. A pena suspensa está, durante a sua execução, por definição, a ser executada.
24. Por isso não pode, manifestamente, incluir-se naquela alínea a execução da pena suspensa como um acaso em que por força da lei a própria pena suspensa não possa “começar ou continuar a ter lugar”.
25. É manifesta a falta de correspondência literal, pelo que qualquer interpretação diversa é violadora do art. 1.º, n.º 2 do Código Penal e do art. 29.º, n.º 1 e 3, da CRP.
26. Neste sentido, basta compulsar decisão análoga, proferida por este Supremo Tribunal, de 13 de Fevereiro de 2014, no processo 1069/01.6PCOER-B.S1 (realce nosso)[2]:

“Ao requerente foi aplicada a pena de 2 anos e 8 meses de prisão, com a execução suspensa pelo período de 2 anos, com imposição de um dever, por acórdão transitado em julgado no dia 05/06/2003.

A suspensão da execução da pena de prisão, na modalidade simples ou com a imposição de deveres ou regras de conduta, é uma pena de substituição, uma pena autónoma, portanto, como ensina Figueiredo Dias (Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, páginas 337 e seguintes).

Tendo sido essa a pena aplicada em substituição da pena de 2 anos e 8 meses de prisão, é ela a pena a considerar para efeito de execução; é a pena exequível.

O artº 122º do CP estabelece, no nº 1, os prazos de prescrição das penas. As alíneas a), b) e c) referem-se às penas de prisão de duração igual ou superior a 2 anos. Os restantes casos caem no âmbito de previsão da alínea d).

A pena de suspensão da execução da prisão não é uma pena de prisão, não se lhe aplicando por isso as disposições das alíneas a), b) e c). Inclui-se por essa razão «nos casos restantes», sendo-lhe aplicável a disposição da alínea d), que estabelece como prazo de prescrição 4 anos.

Nos termos do nº 2 do mesmo preceito, «o prazo de prescrição começa a correr no dia em que transitar em julgado a decisão que tiver aplicado a pena».

A decisão que aplicou a pena suspensa foi o acórdão de 09/05/2003, que transitou em julgado em 05/06/2003.

O prazo de prescrição iniciou-se, pois, nessa data.

Mas foi logo, também nessa data, interrompido, nos termos do artº 126º, nº 1, alínea a) [«A prescrição da pena (…) interrompe-se: Com a sua execução»], visto que, iniciando-se com aquele trânsito o período de suspensão da pena, deve considerar-se esse momento como aquele em que começa a execução da pena suspensa.

A pena de suspensão esteve em execução durante 2 anos, período fixado para a sua duração, pelo que a prescrição se interrompeu entre 05/06/2003 e 05/06/2005.

Não ocorreu causa de suspensão da prescrição.

Nem outras causas de interrupção.

Descontando o período de interrupção, o prazo de prescrição completou-se em 05/06/2009.

A pena de suspensão estava, pois, prescrita na data em que foi proferido o despacho que a revogou e determinou o cumprimento da prisão.

Esse despacho transitou em julgado, visto que foi notificado ao defensor e, como prevê no artº 196º, nºs 2 e 3, alíneas c) e e), do CPP, por via postal simples para a morada indicada no termo de identidade e residência, também ao próprio condenado, não tendo dele sido interposto recurso.

Mas não constitui obstáculo à afirmação da prescrição. Por um lado, nada decidiu, mesmo implicitamente, acerca da prescrição. E, por outro, labora sobre uma realidade que já não existia, afirmando a revogação da suspensão e o ressurgimento da pena de prisão, quando a pena já não subsistia, em função da prescrição, que, por força da lei, operou no momento em que se completou o respectivo prazo. É um despacho já sem objecto e que por essa razão não pode produzir o efeito que afirma.
Tendo, assim, ocorrido a prescrição da pena, a prisão não está pendente, não podendo ser executada. Não havendo pena de prisão exequível, a situação de prisão do requerente é ilegal, fundando-se em facto pelo qual a lei a não permite. Está por isso preenchido o fundamento de habeas corpus previsto na alínea b) do nº 2 do artº 222º do CPP.”
27. Poderá alvitrar-se, quiçá, se o prazo de 4 anos de prescrição para as penas suspensas é adequado – até porque o mesmo manteve-se inalterado apesar de, em 2007, a possibilidade de suspensão das penas ter sido alargada até às penas de prisão aplicadas em medida até 5 anos.
28. Porém, esta é uma questão para ser dirimida no foro próprio – do legislador – e não um fundamento que justifique a interpretação contra reum e sem correspondência literal mínima das normas sobre a prescrição da pena que se encontram actualmente em vigor. 
29. Por este motivo, e salvo melhor opinião e com o devido respeito, não se nos afigura que a decisão deste Colendo Tribunal careça de qualquer esclarecimento ou clarificação.
30. Mais, numa nota final, outrossim com o devido respeito e salvo melhor opinião, sempre há de dizer o requerente que não vê como a decisão deste Supremo Tribunal não seja vinculativa da primeira instância.
31. Seria uma contradição inaceitável do sistema de justiça, pouco compatível com o princípio da confiança nas decisões dos órgãos de soberania, considerar que uma decisão do Supremo Tribunal deste teor e no mesmo processo, ainda que no âmbito de uma providência de habeas corpus, não vincula o tribunal de primeira instância.
32. Tal implicaria, em última análise, a possibilidade de termos uma contradição entre uma decisão de um Tribunal da Relação (após recurso de decisão de primeira instância) e uma decisão do Supremo Tribunal de Justiça, no âmbito de um mesmo processo, prevalecendo a decisão do Tribunal de hierarquia inferior! 
33. Tal solução é incompatível com o princípio da tutela da confiança que é um princípio fundamental do Estado de Direito, bem como com os princípios constitucionais que regulam de organização do sistema judicial (maxime arts. 209.º e 210.º da CRP:
34. Aceitar entendimento contrário seria aceitar como possível o absurdo de que após Tribunal de hierarquia superior considerar que manifestamente ocorrera a prescrição da pena, pelo que a privação de liberdade era manifestamente ilegal, um tribunal de hierarquia inferior pudesse, no mesmo processo, dizer que não ocorrera a prescrição.
35. Sublinhamos que está-se in casu perante situação em que um Tribunal superior na hierarquia dos tribunais judiciais deferiu uma providência de carácter extraordinário cujo fundamento é a manifesta ilegalidade da prisão.
36. Aliás, já no domínio da concessão de habeas corpus no âmbito de prisão preventiva se entende o mesmo – a decisão do Supremo Tribunal impede a decisão das instâncias sobe a legalidade da mesma no segmento que constituiu fundamento da libertação.
37. Neste sentido, Paulo Pinto de Albuquerque indica, em anotação ao art. 219.º [3]

38. No caso em apreço nestes autos, impõe-se a mesma conclusão mutatis mutandis e ainda de forma mais pungente: a decisão do Supremo preclude decisão contrária das instâncias, já que a decisão sobre a prescrição da pena é uma decisão que incide sobre uma matéria de carácter substantivo (e não decisão sobre uma “irregularidade” ou incidente de cariz processual) e que implica que inexiste pena a cumprir, impedindo nova apreciação em sentido diverso desta questão pelo tribunal de primeira instância.
39. Deve, assim, ser ordenada a baixa dos autos, após o que o tribunal de primeira instância deverá dar execução à decisão declarando a prescrição da pena suspensa, ocorrida anteriormente ao trânsito em julgado da decisão de revogação mesma,

40.              E, consequentemente, proferir decisão de extinção da pena, por prescrição, com as legais consequências, inclusivamente a revogação do despacho que revogou a pena suspensa, em 09 de Fevereiro de 2017.

***

III. Apreciando.

3.1. Começando por apreciar o requerimento apresentado, importa, desde logo, esclarecer que, apesar de no despacho proferido na audiência de julgamento do passado da 27, se ter feito alusão expressa  ao artigo. 126º, nº3 do CPP, tal referência  só não ficou a consta da decisão ora sob censura por mero lapso (do qual nos penitenciamos), pelo que impõe-se colmatar e suprir essa omissão, o que se fará ao abrigo do disposto no art. 380º, nº1, al. b) do CPP.

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3.2. Feita esta correcção e porque a resposta a dar à  questão suscitada pela  Exmª Srª Procuradora remete-nos para a questão da natureza e regime da pena de suspensão da execução da prisão, importa tecer algumas considerações, ainda que breves, sobre esta matéria.

Assim, a este respeito,  impõe-se realçar que, não obstante a circunstância de formalmente o legislador português nunca ter consagrado a suspensão da execução da pena como uma “pena autónoma”, é indubitável, quer a nível doutrinal, quer jurisprudencial, ter  mesma suspensão  emergido como uma espécie de pena de substituição.

Na verdade, como refere Figueiredo Dias[4],  «(…) Por esta via se criou aquilo que hoje correntemente se designa, na linguagem legislativa e doutrinal de muitos países, como «modelo continental» da suspensão da pena para provar', integrando elementos típicos do sursis tradicional e da probation anglo-americana. E que tem sobre aquele a indiscutível vantagem de poder ser aplicado fundadamente a um número muito maior de casos, dada sobretudo a integração no instituto, nesta sua compreensão, de meios de socialização que faltavam completamente no instituto tradicional. Com o que, de resto, adquire ainda mais sólido fundamento a ideia de que a suspensão da execução da prisão não representa um simples incidente, ou mesmo só uma modificação, da execução da pena, mas uma pena autónoma e portanto, na sua acepção mais estrita e exigente, uma pena de substituição»[5].,

Tal entendimento surge numa linha convergente com Jeschek[6] que nos informa que a suspensão da pena constitui um meio autónomo de reacção jurídico penal com uma pluralidade de possíveis efeitos. É pena na medida em que na sentença se impõe uma privação da liberdade. Tem o carácter de um meio de correcção se acompanhada de tarefas orientadas no sentido de reparar o ilícito cometido, como as indemnizações, multas administrativas ou benefícios para benefício da Comunidade. Aproxima-se de uma medida de assistência social quando são impostas regras de conduta que afectam a vida futura do arguido especialmente se for colocado sob supervisão. Finalmente, oferece uma faceta pedagógico social activo na medida em que estimula o mesmo arguido a engajar-se na sua ressocialização aproveitando o período de prova.

Como quer que seja e, quer se entenda que por força duma leitura menos restritiva da lei, quer por interpretação in bonam partem, importa equacionar a suspensão da pena de prisão como uma pena autónoma.

Consequentemente, e nos termos do disposto no artigo 122º, nº 1, al. d), e nº 2, do Código Penal, a prescrição dessa pena de substituição ocorre com o decurso do prazo de quatro anos, contados a partir do trânsito em julgado da sentença condenatória, sem prejuízo, contudo, das causas de suspensão e de interrupção da prescrição estabelecidas nos artigos 125º e 126º do mesmo Código Penal, nomeadamente com a sua execução, que pode configurar-se no simples decurso do tempo até ao termo do período da suspensão.

Pode-se, assim, inferir que a pena de prisão suspensa na sua execução prescreve se o processo estiver pendente durante 4 anos, contados desde a data em que se completou o período de suspensão inicialmente fixado, sem que aquele prazo tenha sido prorrogado e sem que a suspensão tenha sido revogada ou a pena declarada extinta (nos termos do preceituado no artigo 57º, nºs 1 e 2, do Código Penal).

Assim, relativamente à pena de substituição (no caso, a pena de prisão suspensa na sua execução), o prazo da prescrição inicia-se com o trânsito em julgado da sentença condenatória, aplicando-se depois o regime da suspensão e da interrupção da prescrição previsto nos artigos 125º e 126º do Código Penal,  ou seja, o prazo de prescrição da pena de substituição em causa (a pena de prisão com execução suspensa) interrompe-se com a sua própria execução.

Consequentemente, no caso vertente pode-se afirmar que, não se tendo verificado nenhuma causa de suspensão, uma vez que não se verifica qualquer um dos itens apontados no artigo 125 do Código Penal, já o mesmo não se pode dizer em relação à sua interrupção face ao disposto no artigo 126 nº 1 alínea a) do mesmo diploma legal.

Aqui chegados, e aparentemente, toda a lógica argumentativa parecia conduzir no sentido que se prescruta no requerimento deduzido. Porém, a leitura integral, e não parcial do ultimo normativo citado, encontra o seu número 3 que proclama  « A prescrição da pena e da medida de segurança tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo normal da prescrição acrescido de metade.

A prescrição temporal em termos absolutos cominada neste normativo tem como pressuposto a relevância do tempo de suspensão do prazo de contagem e já não do tempo de interrupção do prazo de contagem da pena. No caso vertente existe uma causa de interrupção mas já não de suspensão da contagem do prazo.

Consequentemente sendo de quatro anos aquele prazo de prescrição ( a contar da data do trânsito em julgado da decisão condenatória, ou seja, 27.01.2011),  acrescido de metade ( no total de seis anos), nos termos do disposto no nº3 do citado art. 126º,  é evidente que, aquando da revogação da suspensão da pena ( 09.02.2017), já se tinha verificado a prescrição da pena de substituição.

***

III. DECISÃO

Termos em que acordam os Juízes da 3ª Secção deste Supremo Tribunal em:

1. Proceder, ao abrigo do disposto no art. 380º, nº1, al. b) do CPP,  à correção do acórdão proferido e, consequentemente,  em determinar  que do mesmo  fique a  constar referência expressa ao art. 126º, nº3 do CP, passando o parágrafo final  do ponto 2.2.3 do mesmo acórdão a ter a seguinte redacção:

«  Consequentemente, face ao disposto nos arts. 122º, nº1, al. d) e 126, nº3 do C. Penal, encontra-se prescrita a pena aplicada, pelo que o requerente deve ser restituído, à liberdade, de imediato». 

2.  Prestar os solicitados esclarecimentos nos termos sobreditos.

Supremo Tribunal de Justiça,  5 de julho  de 2017

(Texto elaborado e revisto pelo relatora– artigo 94.º, n.º 2, do CPP).

Rosa Tching (Relatora)
Raúl Borges
Santos Cabral


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[1] Neste sentido também Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal, p. 460.
[2] http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/856465712f78253380257c8b003597dc?OpenDocument.
[3] Comentário do Código de Processo Penal, p. 630.
[4] In, “As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas-Editorial Notícias-1993, pág. 339.
[5] In, “As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas-Editorial Notícias-1993, pág. 339.

[6] Tratado de Derecho Penal Editorial Colmares pág. 799.