Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 5.ª SECÇÃO | ||
Relator: | ANTÓNIO GAMA | ||
Descritores: | RECURSO DE REVISÃO NOVOS FACTOS NOVOS MEIOS DE PROVA INCONCILIABILIDADE DE DECISÕES MANIFESTA IMPROCEDÊNCIA | ||
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Data do Acordão: | 02/16/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | RECURSO DE REVISÃO | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO. | ||
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Sumário : |
I - Os factos que podiam ser dirimentes da responsabilidade dos arguidos, a narrativa de que a ofendida entrou abusivamente na propriedade dos requerentes e aí foi mordida, não é um facto novo, pois foi a defesa usada pelos arguidos, foi discutido em audiência e considerado não provado. II - Novos meios de prova são aqueles que não foram produzidos e considerados na decisão condenatória, mas que a sua atual ponderação inculca a convicção de que a decisão proferida, quanto aos factos nela provados, vista à luz destes novos meios de prova, suscita graves dúvidas sobre a justiça da condenação. | ||
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Decisão Texto Integral: |
Processo n.º 822/11.7TAALM-B.S1 Acordam em conferência no Supremo Tribunal de Justiça I 1. Os arguidos AA, BB e CC, vieram nos termos do disposto no art. 449.º/1/c/d, CPP, interpor recurso extraordinário de revisão da sentença transitada em julgado em 30.09.2015, que os condenou na pena de 8 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 ano, condicionada ao pagamento, naquele prazo, da indemnização devida à demandante DD a título de danos não patrimoniais e respetivos juros legais, devendo os arguidos, logo que decorrido aquele prazo, fazer prova nos autos de que cumpriram o dever a que ficou condicionada a suspensão da pena de prisão. 2. Apresentam as seguintes conclusões (transcrição): «I A assistente/demandante faltou à verdade quando ao seu estado civil, apesar de ter sido advertida que constituiria crime. II Em 20 de Novembro de 2010, a assistente/demandante era casada com a testemunha EE e não prima/primo como declararam. III A demandante foi transferida do Hospital ... para o Hospital ... – cfr. fls. 50 dos autos Dra. FF da Cirurgia Geral, às 12H51 - a seu pedido por ser Professora da Faculdade de ..., tendo sido transportada numa ambulância de transportes de doentes e não numa ambulância de CODU como mandam as regras das transferências inter-hospitalares e em casos graves são acompanhados com médicos e enfermeiros, o que não aconteceu. IV A Assistente/Demandante passou a andar numa cadeira de rodas por ter caído acidentalmente na sua residência e não pela mordedura do cão, durante algum tempo. Antes disso, V Na sequência da mordedura, a assistente/demandante deslocava-se com auxílio de canadianas. VI A Assistente/Demandante não jogava golf como alegou, nem estava inscrita no Clube ... – cfr. Declaração do Orizonte Golfe da Aroeira – Doc. 23 – nem handicap como foi explicado no depoimento prestado pela testemunha GG. VII A assistente/demandante não praticava desportos de competição e muito menos provas de Ciclismo, como alegou. VIII A Assistente/Demandante a data dos factos já sofria de diabetes de tipo II. IX A mordedura do cão ocorreu no interior da propriedade dos condenados - cfr. Doc. 24 que juntam e cujo teor dão aqui por integralmente reproduzido -, onde se pode ver o local onde ocorreu a mordedura do Canídeo e as três fechaduras existentes no portão de difícil acesso e não no exterior, como foi alegado pela demandante. X Actualmente, a assistente/demandante desloca-se pelo seu próprio pé, sem auxílio de canadianas/cadeiras de rodas ou auxiliada por terceira pessoa, contrariamente ao constante dos relatórios médicos que foram fundamentais para a condenação - cfr. Docs. 10,11, 12, 13, 15, 16, e 17 que juntam e cujos teores dão aqui por integralmente reproduzidos. XI O único proprietário do cão é o condenado HH e não as demais condenadas BB e AA como foi considerado pelo Tribunal a quo em 2.21 e 2.26 da douta sentença recorrida. XII Os actos de mera tolerância não fazem dos membros do agregado familiar possuidores nem proprietários nem mesmo responsáveis civis pelos danos causados pelo cão. XIII Os danos causados pela mordedura de um cão envolvem um tipo de responsabilidade pelo risco ou objectiva – cfr. Ac. TRP, de 06 de janeiro de 2003, in CJ, 2003, 1º..166). XIV A responsabilidade civil por danos causados pelo cão pertencente ao condenado HH foi transmitida por contrato de seguro para a seguradora, pelo que é a seguradora a responsável pela indemnização dos prejuízos causados. – cfr. Ac. TRL, de 18/12/2002 : CJ, 2003, 5º.-119. XV O Pit Bul não é um cão de guarda, como é entendido pelo Tribunal. XVI O Pit Bull não é indicado para a função de guarda residencial/territorial, de modo que — de acordo com o padrão oficial da raça pelo U..... ...... .... — é um cão caracteristicamente bastante dócil com pessoas estranhas, o que é uma qualidade desfavorável para a função. XVII Os condenados não contribuíram em nada para a mordedura do cão nem representaram como possível que o mesmo pudesse morder fosse a quem fosse por ser um cão de companhia e meigo, estando entre os mais dóceis e menos propensos a atacarem pessoas, segundo a American Temperament Test Society (ATTS) como já foi alegado, pese embora a legislação tenha considerado um cão perigoso. Na verdade, XVIII À data dos factos o Pit Bul encontrava-se no logradouro na propriedade e não na Rua nem saltou qualquer portão que tinha, ao tempo, 1,70m – como foi declarado pelos condenados e testemunha por estes arroladas. XIX É certo que a assistente/demandante podia receber tratamento em qualquer hospital à sua escolha, contudo inexplicavelmente quando é tratada no Hospital ... onde lhe foi atribuída a pulseira verde – cfr. fls. 52 dos autos e depois da alta para as consultas externas de cirurgia plástica do Hospital ... – cfr. fls 53 dos atos e acaba por ir receber tratamento ao Hospital .... Curiosamente XX É este hospital que no episódio de internamento junto a fls 27 refere o seguinte: «(…) Doente 61 anos de idade, diabética tipo II, foi mordida há três dias por um cão Pit Bul, nas faces posterior e lateral da perna esquerda (20.11.2010). Tratada inicialmente no Hospital ... foi transferida para o Hospital ... por ser Professora da Faculdade .... Obs. Feridas irregulares na face externa e póstero-interna (+/- 10e 8cm) suturadas com Nylon. Edema regional e do pé. Rubor (…).». XXI Não fundamenta a sentença por que razão o depoimento da assistente/demandante mereceu mais credibilidade que o depoimento dos condenados e testemunhas arroladas GG e seguranças que ali trabalhavam ao tempo. Com efeito, XXII Quem falta a verdade ao Tribunal é precisamente a assistente/demandante como se acaba de demonstrar, declarações essas que o Tribunal e o Ministério Público deram como boas, isentas e credíveis, apesar de não corresponderem à verdade. XXIII O silêncio da arguida AA acabou por prejudicá-la, apesar do exercício do direito ao silencia não poder prejudicar. Na verdade, XXIV Refere a douta sentença que: “O tribunal formou a sua convicção com base no conjunto da prova testemunhal, pericial e documental, a qual foi apreciada segundo as regras da experiência comum e a livre apreciação do julgador (artº. 127º. do Código de Processo Penal)”. XXV Os condenados e testemunhas arroladas não prestaram falsas declarações tal como aconteceu com a Assistente/demandante e a testemunha EE quer quanto ao estado civil quer quanto ao local onde ocorreu a mordedura, condição física e relativamente aos relatórios médicos que relatam precisamente o contrário dos depoimentos e gravidade da situação como foi pretendida pela assistente e o seu alegado primo que mais não era do que cônjuge por três vezes. XXVI Será que o Hospital ... perante um quadro tão grave como o pretendido pela Assistente/demandante, não internaria de imediato e não procuraria tratar, ao contrário do que fez e resulta da documentação clínica junta aos autos dispersa? Principalmente por se tratar de uma colega e professora da faculdade ...? Tendo esta recorrido ao Hospital ... para retirar os pontos que apresentavam exsudados? XXVII Confronte-se os diferentes exames e relatórios clínicos juntos aos autos que até médicos particulares. Então o Hospital ... também não estava equipado ou foi por terem atribuído uma pulseira verde e dado alta para as consultas externas de cirurgia plástica? XXVIII Quando a testemunha II que se intitulou primo e inquilino, até foi recebido pelo médico que o levou para a sala ao lado do bloco operatório onde estava a sua mulher e assistente/demandante? XXIX Em que ficamos? As declarações da assistente/demandante e o seu cônjuge são contrários aos relatórios clínicos dos Hospitais! Contudo, foram determinantes para a condenação dos arguidos. XXX Note-se que: o relatário de urgência do Hospital ... para onde a demandante pediu para ser transferida atribui prioridade verde e dor 3, referindo o seguinte: “Apresenta feridas da reg lateral e posterior da perna esq. Motricidade do pé e sensibilidade em todo o território da perna e pé normais.” XXXI A testemunha JJ, Segurança da Herdade ... ao tempo, declarou o seguinte: «(…) - KK era chefe de grupo. - Não sei se o cão é perigoso. - Nunca vi o cão. - Nunca ouvi falar do cão andar à solta. - Um cão tinha mordido numa vizinha dele. - (…) Tantas vezes que andei na zona comercial e nunca fui atacada por nenhum cão Impõe-se a descoberta da verdade material e a realização da justiça. (…)». XXXII O cão propriedade do condenado HH chamado “SHAKUR” tem o chip nº. ...9, colocado desde 20 de Março de 2009 e encontra-se registado na base de dados do SIRA – cfr. declaração do Hospital Veterinário ..., assinada pela Dra. LL, bem como as fotos certificadas pelo próprio veterinário que se juntam e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, sob o Doc. 3, contrariamente ao referido na douta sentença. XXXIII O SHAKUR não tem manchas na cabeça. XXXIV A demandante não tem medo de cães como alegou, pois até está junto a um – cfr. Doc. 11. XXXV A condução da assistente ao Hospital ... foi dentro do tempo a percorrer – cfr. Foto do Google cujo tempo é estimado em 25 minutos de um local ao outro. XXXVI Impõe-se a descoberta da verdade e apuramento da responsabilidade criminal. Termos em que, nos melhores de direito e com o mui douto suprimento de Vossa Excelência deve declarar-se nula a sentença proferida a fls. dos presentes autos, ordenando-se a tramitação dos termos necessários para a causa ser novamente instruída e julgada, com aproveitamento da parte do processo que não tenha sido prejudicada pelo presente recurso (Cfr. artº. 701º. do CPC e 452º., 453º. e 457º. do CPP). Para tanto, Requer-se a Vossas Excelências que o presente recuso seja autuado, por apenso, ao processo nº. e verificado que o mesmo se encontra nos termos previstos no artº. 451º. do CPP, se digne admitir o presente recurso de revisão e ordenada a notificação pessoal da parte contrária para, em 20 dias, responder». 3. O Ministério Público e a assistente pronunciaram-se pela improcedência do recurso extraordinário de revisão interposto pelos arguidos. 4. Pronunciando-se sobre o mérito do pedido (art. 454.º, CPP), disse o juiz do processo (transcrição parcial): «(…) Afigura-nos que nenhum elemento trazido para estes autos é subsumível à alínea c) do nº1 do art.449º do CPP. No que concerne à alínea d) do referido preceito, por “novos factos”, tem-se por maioritário o entendimento que tais factos são apenas os capazes de suscitar grandes dúvidas sobre a justiça da condenação (e não apenas dúvidas) e devem não só ser novos para o Tribunal, como para o recorrente, interpretação que melhor se harmoniza com o carácter excepcional do recurso de revisão. Aqui chegados, impõe-se fazer uma súmula da prova recolhida, para uma posterior apreciação do mérito do recurso. Das diligências efectuadas em sede de inquirição, apurou-se o seguinte: - A arguida BB declarou, em resumo, que em data não concretamente apurada, mas após a prolação da sentença, viu a assistente/ofendida MM num canil municipal a deslocar-se em pé; - A testemunha NN declarou visitar os arguidos com regularidade, relatando que o canídeo “Shaqui” é muito dócil e que nunca viu o animal fora da propriedade onde vivem os arguidos; - A testemunha OO, afirmou, em resumo, que se encontrava na propriedade quando a assistente foi mordida, sendo que a única explicação que encontra para o cão ter mordido a assistente é que esta terá aberto o portão da moradia, sem autorização dos residentes, mais tendo declarado que o cão estava na propriedade dos Requerentes e não na via pública. - A testemunha PP informou que teve conhecimento por terceiros do incidente que envolveu o canídeo e a assistente, tendo visto a assistente várias vezes depois do sucedido em pé, sem utilizar cadeira de rodas. Feita esta súmula da prova produzida em sede de inquirição testemunhal, concatenado a mesma com os documentos oferecidos no requerimento inicial, não nos afigura que tenham sido oferecidos factos novos, nem tão pouco nos suscitam dúvidas sobre a justiça da condenação. Em primeiro lugar, a alegação de que o canídeo é propriedade de apenas um dos arguidos, bem como existência de um contrato de seguro de responsabilidade civil de animal de companhia, são elementos que não poderiam deixar de ser do conhecimento dos arguidos aquando do julgamento, audiência de julgamento que os mesmos tiveram presentes e onde logo os deveriam ter alegado. Não se tratam assim de factos novos. Por seu turno, invocando os Requerentes que a mordedura do cão ocorreu no interior da propriedade dos condenados e não no exterior, bem como que as declarações da assistente e testemunha QQ são contraditórias face aos relatórios clínicos junto aos autos, seria matéria passível de ser alegada em sede de recurso ordinário, mas já não em sede de recurso de revisão. Também não se vislumbra que o estado civil da assistente ou da testemunha QQ possa ter prejudicado o cabal apuramento dos factos tal como ocorreram nem abala a credibilidade do seu testemunho. Efectivamente, conforme resulta da respectiva acta de julgamento, QQ declarou que residia em casa da assistente, sendo que a credibilidade ou não do seu depoimento, poderia(deveria) ter sido suscitada mediante a interposição de recurso ordinário e não nesta sede. A circunstância do canídeo de raça de Pit Bull não ser um cão de guarda não configura qualquer facto novo. Como bem assinala a Digna Magistrada do Ministério Público em sede de resposta ao recurso, quaisquer estudos que não ponham directamente em causa a ocorrência dos factos consignados como provados, não relevam para efeitos deste recurso. Quanto à alegação da testemunha RR ter eventualmente referido que o canídeo tinha manchas brancas na cabeça quando tal não corresponderá à verdade, tal alegação não consubstancia um facto novo nem tem relevância, pois nunca foi posto em causa pelos Requerentes que o canídeo atacou a assistente. Diremos ainda que a(alegada) circunstância da assistente ter sido vista a andar poucos dias após a prolação da sentença não assume também relevância, pois não resulta dos factos provados da sentença que a assistente ficou provida de se deslocar pelo próprio pé, mas sim que teria problemas de saúde definitivos. Em súmula, produzidas e oferecidas as provas objecto deste recurso e tendo em atenção o teor da sentença recorrida, não nos suscitam graves dúvidas sobre a justiça da condenação. Desta forma, e de harmonia com o supra exposto, entendemos que não se mostram reunidos os pressupostos para que possa ser autorizado o processo de revisão (…)». 5. Já neste Tribunal o Ministério Público foi de parecer que deve ser negado o pedido de revisão de sentença formulado pelos arguidos. 6. Colhidos os vistos e após a realização da conferência cumpre decidir. II A Factos provados (transcrição): 2.1. A arguida AA é a proprietária da residência sita na Rua ..., lote 4, Herdade ..., na ..., aí residindo--- 2.2. Na mesma residência vivem a sua filha e neto, os arguidos BB e CC, respectivamente 2.3. Junto da mesma residência vive ainda um animal canídeo, de raça “American Pit Bull”, nascido em .../.../2008, o qual é de facto e de direito pertença do arguido CC, o qual é o detentor do referido animal 2.4. Com efeito, foi este que o levou para aquela casa, e convenceu a mãe e a avó a deixarem o cão viver naquela propriedade, tendo o arguido celebrado em seu nome o seguro obrigatório de responsabilidade civil por danos eventualmente praticados pelo animal, o que fez na qualidade de tomador do seguro e de detentor do animal, o que teve lugar em data anterior aos acontecimentos objecto dos presentes autos 2.5. Um dia após os acontecimentos objecto dos presentes autos, ou seja, no dia 21/11/2010, o arguido procedeu ao registo do animal na Direcção Geral de Veterinária, aparecendo nesse registo o seu nome como sendo o do detentor do animal 2.5. Não obstante, todos os arguidos de facto são donos do animal, pois todos eles gostam do cão, desfrutam da sua companhia e interagem com o mesmo, todos eles o alimentam e, quando é preciso, todos eles o levam ao veterinário 2.6. O referido animal por algumas vezes foi visto a deambular livremente pela área circundante da residência, a qual se encontra cercada por uma vedação e vegetação, tendo o local um portão de acesso à residência com pouco mais de um metro de altura 2.7. Desta forma, o referido animal com facilidade saía do interior dapropriedade e deambulava livremente pelas ruas do condomínio da Herdade ..., sem possuir qualquer trela ou açaime--------------------- 2.8. A sua livre circulação pelo condomínio assustava e fazia perigar a segurança dos seus residentes-------------------- 2.9. SS que também possui uma residência perto daquela onde residem os arguidos e o animal já em datas anteriores tinha ficado assustada com a presença do cão, numa das vezes que este deambulava pelas ruas do condomínio e tinha advertido os arguidos para a necessidade de altearem a vedação e portão e impedir que o cão saísse------ 2.10. Contudo, no dia 20 de Novembro de 2010, cerca das 12h05, a TT fazia um passeio de bicicleta na Rua ..., quando ao chegar perto do lote 4, onde residem os arguidos, viu a arguida BB que se encontrava na rua a preparar-se para entrar para o seu veículo automóvel-------------------- 2.11. A TT desmontou da sua bicicleta e ficou na conversa com a arguida BB pois, de novo a chamou à atenção para o facto da vedação não se encontrar alteada. De súbito, surgiu, saltando o portão da referida moradia, para a rua, o referido cão de raça Pit Bull 2.13. E, de imediato se acercou da TT, que se encontrava na rua e a cerca de 20 metros do portão da moradia, atacando-a com uma violenta mordedura na perna esquerda 2.14. Com o impacto do ataque e as dores que sentiu, a TT caiu ao chão, continuando o animal com os dentes cravados na sua perna 2.15. Só com a intervenção da arguida BB e de GG, que se encontrava presente, conseguiram fazer cessar o ataque e levar o cão para o interior do lote 4, o que foi feito por este último 2.16. Devido à violência do ataque e das características das mandíbulas do referido animal, a ofendida TT sofreu feridas expostas com “perda de substância”, extensa dilaceração, destruição de tecidos, bem como rasgadura dos músculos gémeos da referida perna 2.17. Lesões que lhe demandaram prolongados tratamentos, conforme exame e descrição de fls. 258 a 265, cuja consolidação só veio a ocorrer em 16.01.2012 2.18. Tais lesões determinaram um período de doença de 422 dias, com igual afectação da capacidade para o trabalho geral e para o trabalho profissional- 2.19. Para além de tais lesões resultaram ainda consequências permanentes, que se traduzem em: - Cicatrizes e disfunção neuromotora do membro inferior esquerdo, objectivada clinicamente e em exames electromiográficos, que perturbam de maneira grave a possibilidade de utilizar o corpo e a sua capacidade de trabalho - Quadro de dor neuropática do membro inferior esquerdo que consubstancia uma doença dolorosa e permanente - Anomalia psíquica caracterizada por quadro sindromático de “Depressão Major” com referência a terrores nocturnos e memórias intrusivas de tipo “flashback”- 2.20. A ofendida é médica e professora universitária e viu-se impossibilitada de manter a sua capacidade de trabalho--------------- 2.21. Os arguidos, enquanto detentor/proprietário do referido animal canino e os outros, com ele residente e proprietária da moradia onde vive o animal eram responsáveis por diligenciar que o animal não pudesse sair da área da residência e com isso colocasse em perigo a segurança e integridade física dos transeuntes que passavam na rua------------- 2.22. Com efeito, apesar de vários avisos efectuados aos arguidos no sentido de altearem a vedação circundante da moradia para que o cão não pudesse saltar para a rua e atacar os transeuntes, o que já tinha acontecido, aqueles não tomaram qualquer precaução, como era sua obrigação e podiam ter feito, de evitar a saída do animal e o ataque á ofendida----------- 2.23. O referido animal de raça Pit Bull, é, de acordo com a Portaria nº 422/2004 de 24.04 considerado um animal potencialmente perigoso Atento tal facto e as suas características maior obrigação os arguidos possuíam de evitar que o mesmo pudesse galgar a vedação/portão, bem como, colocar aviso na mesma que aí viva um animal potencialmente perigoso, contudo, não tomaram qualquer precaução, conformando-se com as consequências de um ataque do mesmo- 2.25. Sendo que tal obrigação advém ainda para o arguido CC, em especial, do disposto no artº 11, 12 e 13 do DL. 315/09 de 29.10 2.26. Contudo, nem o arguido nem a sua mãe e avó, esta proprietária da moradia, diligenciaram pela colocação de uma vedação de, pelo menos 2 metros de altura na área circundante, nem colocaram a placa de aviso da presença e perigosidade do animal, nem tomaram todas as precauções para evitar a fuga do animal e colocar em causa a segurança das pessoas---------- 2.27. O arguido CC sabia ainda que atenta a caracterização do cão como potencialmente perigoso se encontrava obrigado, nos termos do art.º 5 do mesmo diploma legal a efectuar o registo do animal na Junta de Freguesia da ..., contudo, não o registou, só o vindo a fazer muito depois dos factos, em Março de 2012-------------------- 2.28. Igualmente tinha conhecimento que era obrigatório promover o treino do cão, com vista à sua socialização e obediência, nos termos do artº 21 do DL. 315/2009 de 29.10, contudo nada fez nesse sentido------------ 2.29. Todos os arguidos agiram de forma livre e ciente da sua proibição e punição legal 2.30. O arguido HH é solteiro e vive com a mãe, a arguida BB, em casa da avó, a arguida AA É estudante de psicologia 2.32. O arguido HH tem averbado no seu Certificado de Registo Criminal as seguintes condenações:- - Pela prática em 20/11/2006 de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo art. 3º do Dec-Lei nº 2/98, de 3 de Janeiro, foi condenado por sentença de 15/12/2006, transitada em julgado no dia 15/12/2006, numa pena de admoestação- - Pela prática em 13/04/2007 de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo art. 3º do Dec-Lei nº 2/98, de 3 de Janeiro, foi condenado por sentença de 30/01/2008, transitada em julgado no dia 19/02/2008, na pena de 90 dias de multa, à taxa diária de € 3,00, o que perfez a quantia de € 270,00---------------------- - Pela prática em 10/07/2007 de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo art. 3º do Dec-Lei nº 2/98, de 3 de Janeiro, foi condenado por sentença de 07/04/2008, transitada em julgado no dia 28/04/2008, na pena de 120 dias de multa, à taxa diária de € 4,00, o que perfez a quantia de € 480,00--------------------------- 2.33. A arguida BB vive com um companheiro como se fossem marido e mulher, em casa da mãe daquela, a arguida AA 2.34. É professora do 1º ciclo encontrando-se desempregada 2.35. O companheiro trabalha por conta própria na área da informática, não conseguindo a arguida precisar os rendimentos do mesmo- As arguidas não têm averbada qualquer condenação nos seus Certificados de Registo Criminal--- 2.37. As lesões sofridas pela demandante agravaram-se levando à prorrogação dos tratamentos e culminando com a invalidez permanente e definitiva da mesma que se vê privada do direito de locomover livremente sem a ajuda de terceiro e de fazer toda a sua vida de forma autónoma e independente 2.38. Em consequência dos acontecimentos passou a deslocar-se em cadeira de rodas 2.39. No ano de 2011 despendeu € 4.120,78 com tratamentos e medicamentos necessários à salvaguarda e manutenção do seu estado de saúde 2.40. Na sequência do ataque do cão e dos danos pelo mesmo provocados à demandante, foi emitido atestado médico de incapacidade, em 30/05/2011, declarando a sua incapacidade definitiva, permanente e global de 68%, desde Novembro de 2010, tendo posteriormente sido agravado o grau de incapacidade inicialmente fixado para 82%, o que teve lugar em 11/02/2013---- 2.41. A demandante é médica e vê-se, agora, definitivamente impedida de manter a sua capacidade de trabalho, e - 2.42. O ataque de que a demandante foi vítima causou-lhe um enorme choque emocional, afectando de modo intenso e irreparável a sua estabilidade psíquica A demandante, como consequência do ataque e dos danos que lhe foram provocados, ainda sente dores- 2.44. Tem cicatrizes no membro inferior esquerdo 2.45. Vive em permanente receio de vir a ser atacada por este ou por outro animal com que se venha a deparar----- 2.46. Tais sentimentos causam-lhe uma enorme ansiedade, necessitando de constante acompanhamento de ajuda psicológica * Não resultaram provados quaisquer outros factos com relevo para a decisão da causa * Motivação da decisão de facto O tribunal formou a sua convicção com base no conjunto da prova testemunhal, pericial e documental produzida, a qual foi apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador ( artº 127º do Cód. Proc. Penal ). Quanto à ausência ou quanto aos antecedentes criminais dos arguidos consideramos o teor dos CRC que se encontram juntos aos autos. A arguida AA optou pela faculdade de não prestar declarações. Assim, a situação sócio-económica, familiar, profissional e demais circunstâncias pessoais da vida dos outros dois arguidos alicerça-se nas declarações complementares por eles prestadas em audiência de julgamento. Os arguidos BB e HH optaram por prestarem declarações quanto aos factos objecto do presente processo, não tendo negado que o cão tivesse mordido a assistente, no entanto a sua estratégia de defesa passou por tentar convencer o Tribunal que o ataque se deu no interior da propriedade deles, onde a assistente havia entrado sem qualquer autorização. As suas declarações, nesta parte, foram confirmadas até ao ínfimo pormenor pela testemunha UU, companheiro da arguida BB. No entanto foram pouco coerentes e, por essa razão, débeis na sua eficácia persuasiva, não permitindo ao Tribunal que apoiasse nas suas declarações o convencimento judicial e a subsequente decisão de direito. Com efeito, negaram a factualidade que se julgou provada e que se justifica quando conjugada com as regras da experiência Comum. Com efeito, não faz qualquer sentido o teor destas declarações, quando foi o próprio arguido HH quem a determinado momento das suas declarações afirmou que a partir do momento que levou o cão para casa a assistente começou a ter medo de lá entrar. Ora, se assim foi, não se percebe então a razão pela qual, no dia dos acontecimentos, a assistente teve um comportamento tão destemido, entrando numa propriedade privada onde ela sabia existir um cão da raça Pit Bull de quem ela tinha tanto medo. Assim, consideramos as declarações aparentemente isentas e credíveis da assistente, que referiu ao Tribunal ter tido conhecimento de que por vezes o Pit Bull andava à solta pela Herdade da Aroeira, que ela própria já o tinha visto junto ao campo de golf, tendo transmitido ao Tribunal que já tinha pedido aos arguidos para altearem os portões, tendo a arguida AA lhe dito que o iria fazer. No dia dos acontecimentos, tinha acabado de dar um passeio de bicicleta, quando avistou a arguida BB a sair pelo portão da sua propriedade, trazia uma mala e dirigia-se para o seu automóvel que estava estacionado na via pública. Nessa ocasião interpelou-a e perguntou-lhe a razão pela qual ainda não tinham alteado o portão, a arguida fez questão de a cumprimentar, beijando-a, desmontou da bicicleta e encostou-a, e, na altura em que estava a falar com a BB, apercebeu-se do Pit Bull a saltar o portão da propriedade, que deveria ter cerca de 1,10 mt de altura, aproximou-se de si e mordeu-lhe a perna esquerda, tendo nessa altura caído desamparada no chão. Confirmou que o ataque ocorreu fora da propriedade dos arguidos, a cerca de 30 mt da mesma. A assistente transmitiu ao Tribunal que nesse momento a BB atirou-se para cima de si, com a intenção de a proteger do ataque do cão, cujos dentes continuavam enterrados na sua perna, surgiu o UU, companheiro da BB, que agarrou o cão pela coleira e conseguiu afastá-lo e levá-lo de novo para o interior da propriedade. Transmitiu ao Tribunal o facto de ter pedido à BB e ao UU para a levarem ao Hospital, pois estava a sangrar e tinha perdido substância na zona da perna que havia sido mordida pelo cão. Referiu que, nesse momento, a segunda preocupação do UU foi a de levar a sua bicicleta para o interior da propriedade dos arguidos, apesar dela pedir para ele o não fazer. Neste particular, valoramos também o depoimento da testemunha QQ, primo da assistente, que ouviu os gritos da prima que dizia “socorro, o Pit Bull atacou “. Correu naquela direcção e, ao lá chegar, já viu a assistente de pé, agarrada à BB, com a calça rasgada e sangue na perna, tendo transmitido ao Tribunal que ficou com a percepção que a prima se tinha acabado de levantar do chão. Nessa altura a prima transmitiu-lhe que o UU já tinha levado o Pit Bull para o interior da propriedade, e, a pedido da assistente, foi a casa dela buscar a sua pasta de documentos. Não a encontrou, telefonou-lhe, ela atendeu e, nessa altura, ouviu a voz dela que dizia para o UU “ para onde levas a bicicleta “. Também esta testemunha seguiu para o Hospital, onde falou com a BB, tendo ouvido da boca da mesma o seguinte: “ A DD fala alto e gesticula, falou por causa dos portões, o Pit Bull saltou e atacou-a “. Ora, por tudo isto, está o Tribunal convencido que o ataque ocorreu fora da propriedade dos arguidos, e, logo nesse momento, começaram a desenhar uma estratégia de defesa, que foi a de levarem a bicicleta para o interior da propriedade dos arguidos, para demonstrarem que a mesma, sem qualquer autorização, entrou de bicicleta na sua propriedade, tendo o cão a atacado. Anote-se, que conforme a assistente referiu, e os arguidos não contrariaram, até hoje que a bicicleta não foi devolvida, pretendendo os arguidos que a assistente assinasse um documento como contrapartida para devolverem a bicicleta, não se tendo apurado qual o conteúdo concreto desse escrito. Das declarações dos dois arguidos que quiseram falar e do depoimento da testemunha UU resultou que o cão, apesar de estar registado em nome do arguido HH, é de todos, todos se sentem donos do mesmo, todos o alimentam, todos o podem levar ao veterinário, todos interagem com o animal, tendo a testemunha UU explicado que em determinada altura o arguido HH foi à GNR, viu o cão ainda bebé que tinha sido apreendido, ficou comovido e trouxe o cão para casa. A avó e a mãe ainda tentaram convencê-lo a arranjar um dono, mas o CC insistiu para que ele ficasse lá em casa e todos contemporizaram com esta situação. A arguida BB referiu que a mãe, a arguida AA, é a dona da propriedade. O Tribunal teve ainda em conta o teor dos documentos juntos aos autos, designadamente, a carta que a assistente remeteu à Administração ... que faz fls. 126, comunicando o ataque do cão, logo nessa altura referindo que foi no exterior da propriedade dos arguidos; a resposta que a Administração ... deu a essa carta, que faz fls. 235-236, onde se diz que o cão já tinha sido visto, sozinho, junto ao ...; seguro de responsabilidade civil relativo ao cão, cujo tomador é o arguido HH; Registo do cão a fls. 215, feito um dia após os factos, onde aparece o nome do arguido como sendo o detentor do animal; fotografias dos portões da residência dos arguidos que fazem fls. 232 a 234; Ficha da Direcção Geral de Veterinária a fls. 282, onde aparece o arguido identificado como detentor do cão. Também a testemunha VV transmitiu ao Tribunal o facto de ter chegado a ver o cão à solta, sozinho, junto ao campo de golf, referindo que chegou ao seu conhecimento a comunicação de fls. 242. A testemunha WW transmitiu ao Tribunal o facto de ter conhecido as duas arguidas através da assistente, que foi com esta uma vez jantar a casa daquelas, transmitindo ao Tribunal o facto dos portões terem cerca de 1,10 mt de altura. Também ele transmitiu ao Tribunal o facto de já ter visto o Pit Bull acompanhado por outro cão dos arguidos junto ao campo de golf, ambos sozinhos. A testemunha XX referiu ao Tribunal que os portões da propriedade dos arguidos só foram alteados após o ataque do cão e, só nessa altura, é que viu lá uma placa a informar “ Cão Perigoso “. Confrontado com o escrito de fls. 243 confirmou que foi ele quem remeteu esta carta à assistente. A testemunha YY, que na altura trabalhava para uma empresa de segurança que prestava serviços na Herdade ..., transmitiu ao Tribunal ter em tempos ouvido falar que uma jovem tinha sido atacada por um cão e que tinha ficado com as calças rasgadas. Quanto ao facto da assistente ser médica de profissão, as lesões que lhe foram provocadas pela mordedura do cão, o facto de não ter voltado mais a trabalhar, o ter ficado numa cadeira de rodas, e o ter-se reformado aos 60 anos de idade, o Tribunal teve em conta as declarações da mesma, sendo certo que de harmonia com o disposto no art. 145º, nº 1, do Cód. Proc. Penal podem ser tomadas declarações não só ao assistente mas também às partes civis. As suas declarações foram conjugadas com o teor da prova documental e pericial junta aos autos, designadamente, foto onde é visível os ferimentos causados pela mordedura do cão a fls. 21; Relatório de Urgência do HGO a fls. 44 e ss. e 95 e ss.; Exame Pericial a fls. 150 e ss. e 258 e ss.; Relatório Médico do Hospital ... a fls. 194-195; Informação Clínina do Centro Hospitalar ... a fls. 244 a 255; Relatório emitido pelo Dr. ZZ quanto ao grau de incapacidade da assistente a fls. 252, e, quanto ao agravamento, tivemos em conta o atestado de fls. 831; e documentos de fls. 337 a 398 juntos com o PIC, dos quais resulta, relativamente às despesas do ano de 2011, que as mesmas são no montante global de € 4.120,78, já após deduzido o valor de € 16,70 relativo a uma nota de crédito que consta a fls. 338. B O Direito 1. A Constituição consagra o direito dos cidadãos injustamente condenados requererem a revisão da sentença, nas condições que a lei prescrever (art. 29.º/6, CRP). Concretizando o referido direito, dispõe o art. 449.º, CPP, em matéria de fundamentos e admissibilidade da revisão: 1 - A revisão de sentença transitada em julgado é admissível quando: a) Uma outra sentença transitada em julgado tiver considerado falsos meios de prova que tenham sido determinantes para a decisão; b) Uma outra sentença transitada em julgado tiver dado como provado crime cometido por juiz ou jurado e relacionado com o exercício da sua função no processo; c) Os factos que serviram de fundamento à condenação forem inconciliáveis com os dados como provados noutra sentença e da oposição resultarem graves dúvidas sobre a justiça da condenação; d) Se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação. e) Se descobrir que serviram de fundamento à condenação provas proibidas nos termos dos n.ºs 1 a 3 do artigo 126.º; f) Seja declarada, pelo Tribunal Constitucional, a inconstitucionalidade com força obrigatória geral de norma de conteúdo menos favorável ao arguido que tenha servido de fundamento à condenação; g) Uma sentença vinculativa do Estado Português, proferida por uma instância internacional, for inconciliável com a condenação ou suscitar graves dúvidas sobre a sua justiça. 2 - Para o efeito do disposto no número anterior, à sentença é equiparado despacho que tiver posto fim ao processo. 3 - Com fundamento na alínea d) do n.º 1, não é admissível revisão com o único fim de corrigir a medida concreta da sanção aplicada. 4 - A revisão é admissível ainda que o procedimento se encontre extinto ou a pena prescrita ou cumprida. 2. O recurso extraordinário de revisão é o último remédio processual para ultrapassar erros judiciários dando primazia à justiça material, nos casos tipificados pelo legislador, em detrimento da segurança do direito e a força do caso julgado. 3. Os condenados fundam a sua pretensão na previsão das als. c) e d), do n. º1 da norma transcrita, cumprindo indagar se os factos que serviram de fundamento à condenação [são] inconciliáveis com os dados como provados noutra sentença e da oposição resultarem graves dúvidas sobre a justiça da condenação ou se existem novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação. 4. Lido e relido o requerimento dos requerentes, adiantando a conclusão, não se descortina, um único facto novo ou meio de prova que suscite a mínima dúvida sobre a justiça da condenação. O requerimento de revisão podia ser uma contestação à acusação ou uma alegação de recurso ordinário, que oportunamente não interpuseram, mas como requerimento de revisão é inviável. 5. Um dos fundamentos do pedido dos requerentes é a inconciliabilidade dos factos que serviram de fundamento à condenação com os dados como provados noutra sentença e da oposição resultarem graves dúvidas sobre a justiça da condenação. Ora apesar de fundarem o pedido no art. 449.º/1/c, CPP, nada alegaram os requerentes nesse sentido. Improcede o pedido de revisão com esse fundamento. 6. Em tema de novos factos que suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação, o requerimento de revisão deve relatar novos factos relevantes, não factos acessórios e/ou sem interesse, como ocorre com a generalidade da alegação dos requerentes. E factos juridicamente relevantes que podem ser objeto de prova são os imprescindíveis para decidir e afirmar a existência ou inexistência do crime, a punibilidade ou não punibilidade do arguido, conceito cujo âmbito resulta claro da conjugação dos arts 124.º/1, 339.º/4, 368.º e 369.º, CPP. No caso, não serão relevantes os factos com repercussão apenas na medida da pena, pois com fundamento na alínea d) do n.º 1, dispõe a norma especial do art. 449.º/3, CPP, que não é admissível revisão com o fim único de corrigir a medida concreta da sanção aplicada. 7. Novos meios de prova são aqueles que não foram produzidos e considerados na decisão condenatória, mas que a sua atual ponderação inculca a convicção de que a decisão proferida, quanto aos factos nela provados, vista à luz destes novos meios de prova, suscita graves dúvidas sobre a justiça da condenação. 8. Os factos que podiam ser dirimentes da responsabilidade dos arguidos, a narrativa de que a ofendida entrou abusivamente na propriedade dos requerentes e aí foi mordida, não é um facto novo, pois foi a defesa usada pelos arguidos BB e filho CC, foi discutido em audiência e considerado não provado conforme resulta claro da fundamentação. Vejamos: «Os arguidos BB e HH optaram por prestarem declarações quanto aos factos objecto do presente processo, não tendo negado que o cão tivesse mordido a assistente, no entanto a sua estratégia de defesa passou por tentar convencer o Tribunal que o ataque se deu no interior da propriedade deles, onde a assistente havia entrado sem qualquer autorização. As suas declarações, nesta parte, foram confirmadas até ao ínfimo pormenor pela testemunha UU, companheiro da arguida BB. No entanto foram pouco coerentes e, por essa razão, débeis na sua eficácia persuasiva, não permitindo ao Tribunal que apoiasse nas suas declarações o convencimento judicial e a subsequente decisão de direito. Com efeito, negaram a factualidade que se julgou provada e que se justifica quando conjugada com as regras da experiência Comum. Com efeito, não faz qualquer sentido o teor destas declarações, quando foi o próprio arguido HH quem a determinado momento das suas declarações afirmou que a partir do momento que levou o cão para casa a assistente começou a ter medo de lá entrar. Ora, se assim foi, não se percebe então a razão pela qual, no dia dos acontecimentos, a assistente teve um comportamento tão destemido, entrando numa propriedade privada onde ela sabia existir um cão da raça Pit Bull de quem ela tinha tanto medo. Assim, consideramos as declarações aparentemente isentas e credíveis da assistente, que referiu ao Tribunal ter tido conhecimento de que por vezes o Pit Bull andava à solta pela Herdade da Aroeira, que ela própria já o tinha visto junto ao campo de golf, tendo transmitido ao Tribunal que já tinha pedido aos arguidos para altearem os portões, tendo a arguida AA lhe dito que o iria fazer». 9. A mesma narrativa foi veiculada pela testemunha OO, que afirmou, em resumo, que se encontrava na propriedade quando a assistente foi mordida, sendo que a única explicação que encontra para o cão a ter mordido é que esta terá aberto o portão da moradia, sem autorização dos residentes; mais declarou que o cão estava na propriedade dos Requerentes e não na via pública. Como o facto era conhecido dos arguidos e até foi alegado em audiência de julgamento, não temos facto novo. Mas a prova testemunhal em que consistiu o depoimento do OO é, numa primeira análise, um meio de prova novo pois não consta da motivação da sentença que tenha sido ouvido um OO. Só que o legislador diz no art. 453.º/2, CPP, que o requerente não pode indicar testemunhas que não tiverem sido ouvidas no processo, a não ser justificando que ignorava a sua existência ao tempo da decisão ou que estiveram impossibilitadas de depor. Nada adiantam os requerentes no cumprimento da exigência legal, pelo que o identificado depoimento não pode ser considerado. 10. A propriedade do canídeo, animal de estimação da família, também não é facto novo pois não poderia deixar de ser do conhecimento dos arguidos aquando da audiência de julgamento, audiência de julgamento em que os mesmos estiveram presentes, quer a avó (AA), quer a filha (BB) quer o neto (CC), tanto mais que viviam todos na mesma casa, como família alargada. 11. O estado civil da assistente e o casamento com uma testemunha é um elemento de identificação relevante e, se foi conscientemente subtraído ao conhecimento do tribunal, suscetível de ter consequências, mas para o caso, para a condenação ou absolvição dos requerentes, não se descortina nem os requerentes identificam a sua relevância. Quanto ao essencial, que o cão foi o autor das lesões sofridas pela assistente, está fora de qualquer dúvida, pois, é aceite por todos. O local da ocorrência dos factos está definitivamente assente e sobre isso também não se suscitam dúvidas. 12. A reabertura da discussão, pretendida pelos requerentes, quanto à duração e extensão dos danos não tem fundamento fáctico nem legal. A reapreciação da prova produzida em julgamento podia ter sido realizada em recurso ordinário, que os requerentes oportunamente não quiseram interpor. Se os requerentes mudaram de ideias, a mudança ocorreu a destempo, pois já não podem interpor recurso ordinário; se o presente recurso extraordinário foi o modo reação escolhido para reagir ao incidente de revogação da suspensão de execução da pena, é evidente que o recurso de revisão não tinha no caso, nem tem em regra, qualquer efeito paralisador do incidente de revogação da suspensão da pena de prisão, a não ser a partir do momento em que fosse autorizada a revisão, nos estritos termos do art. 457.º, CPP; se de facto isso ocorreu, é questão de que não cumpre conhecer, estanhando-se apenas a demorada tramitação dos autos. 13. Em conclusão, no caso, não temos novos factos ou meios de prova novos que, de per si, ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação (art. 449.º/1/d, CPP). O pedido formulado pelos requerentes mostra-se manifestamente infundado. III Decisão: Pelo exposto, acordam os Juízes da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em negar a revisão pedida pelos condenados AA, BB e CC. Fixa-se em 2 (duas) UC a taxa de justiça por cada um dos recorrentes (tabela III do RCP). Cada um dos recorrentes pagará ainda, nos termos do art.º 456.º do CPP, uma quantia de 8 (oito) UC, por ser manifestamente infundado o pedido apresentado. Supremo Tribunal de Justiça, 16.02.2023. António Gama (Relator) Orlando Gonçalves Maria do Carmo Silva Dias Eduardo Loureiro (Presidente de Seção) |