Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 2.ª SECÇÃO | ||
Relator: | CATARINA SERRA | ||
Descritores: | ACIDENTE DE VIAÇÃO SEGURADORA VELOCÍPEDE DANO BIOLÓGICO DANOS PATRIMONIAIS DANOS NÃO PATRIMONIAIS DIREITOS DE TERCEIRO PROGENITOR PRINCÍPIO DA IGUALDADE DANOS REFLEXOS PERDA DA CAPACIDADE DE GANHO CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO EQUIDADE PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA | ||
Data do Acordão: | 03/14/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | RECURSO DOS AUTORES - CONCEDIDA PARCIALMENTE RECURSO DA RÉ - NEGADA | ||
Sumário : | I. É indemnizável, a título de danos não patrimoniais reflexos, o sofrimento profundo dos Pais de um jovem que foi vítima, ainda que sobrevivente, de acidente muito grave, que lhe deixou sérias sequelas e dor intensa para o resto da vida. II. Valendo para o cálculo da indemnização por danos não patrimoniais reflexos o critério da equidade, o certo é que há que atender igualmente a critérios normativos, cuja aplicação o Supremo Tribunal de Justiça pode e deve sindicar. III. Assume particular destaque de entre eles o princípio da igualdade, impondo que não se discrimine injustificadamente, desvalorizando-o sem razões objectivas, o sofrimento do Pai relativamente ao da Mãe do lesado. | ||
Decisão Texto Integral: | ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA I. RELATÓRIO Recorrentes: AA e BB / Ageas Portugal. S.A. Recorridos: AA, CC e BB / Ageas Portugal. S.A. 1. AA, CC e BB propuseram acção declarativa de condenação contra Ageas Portugal, S.A., no âmbito da qual formularam os seguintes pedidos: - a condenação da ré ao pagamento ao autor AA da quantia € 2.211.993,92 € e da quantia que se vier a liquidar em relação ao alegado nos artigos 328.º a 331.º da petição inicial; - a condenação da ré ao pagamento a cada um dos autores CC e BB da quantia de € 200.000, a que acrescem juros de mora a contar da citação. Alegaram, para tanto, ter sofrido danos em consequência do acidente de viação ocorrido no dia ... de julho de 2014 por culpa do condutor do veículo pesado de mercadorias, de matrícula ..-..-TL, DD, tendo a ré assumido a obrigação de indemnizar terceiros pelos danos que aquele veículo pudesse vir a causar. 2. A ré apresentou-se a contestar, contrapondo que foi o menor autor que, com o seu velocípede, invadiu a faixa de rodagem por onde circulava o veículo pesado de mercadorias, nele embatendo sensivelmente a meio. Sustenta, assim, que a responsabilidade pela produção do sinistro é de atribuir naturalisticamente ao autor AA e juridicamente a seus pais, por omissão, sendo certo que o condutor do veículo seguro nada podia fazer para evitar o embate e as suas consequências. Impugna os danos alegados por desconhecimento concreto dos danos efectivamente verificados. 3. Decorridos os trâmites processuais legalmente previstos, foi proferida sentença julgando a acção parcialmente procedente, nos termos que se seguem: “a) Condeno a ré AGEAS PORTUGAL – Companhia de Seguros, S.A., a pagar ao autor AA as seguintes quantias: i) A título de danos patrimoniais, €845 000 (oitocentos e quarenta e cinco mil euros) (540 000 + 305 000), acrescidos de juros legais que vierem a vencer-se até integral cumprimento; até a limite da cobertura da apólice, a título de danos futuros, as quantias que o autor venha a despender com consultas médicas e tratamentos, incluindo fisioterapia (mediante prescrição médica), cirurgias, tudo exigido pelas lesões provocadas pelo acidente, deslocações para esse efeito necessárias, equipamento adaptado à sua situação e respetivas substituições impostas pelo decurso do tempo, como almofada para prevenção de escaras, cadeira de duche, cadeira de rodas manual ativa, cadeira de rodas tipo scooter, cama articulada, colchão de conforto, ortótese para pé e tornozelo para o membro inferior direito feita por medida, próteses para o membro inferior esquerdo transpélvica endoesquelética (mediante prescrição médica), adaptação de veículo automóvel, do computador, handcycle para desporto adaptado, adaptação de mesa de trabalho, poltrona; adaptações arquitetónicas da casa e prévio estudo com vista a que possa circular em cadeira e rodas. Tudo, a liquidar; ii) A título de danos não patrimoniais, €500 000, acrescidos de juros legais contados desde o dia seguinte ao da citação, o que perfaz um total até hoje de €566 082,19 (quinhentos e sessenta e seis mil e oitenta e dois euros e dezanove cêntimos) e os que vierem a vencer-se até integral cumprimento; b) Condeno a ré AGEAS PORTUGAL – Companhia de Seguros, S.A., a paga, a título de danos não patrimoniais, a cada um dos dois autores, CC e BB, a quantia de € 35 000, acrescida de juros desde o dia seguinte ao da citação, o que perfaz o montante total até hoje de € 39 625,75 (trinta e nove mil seiscentos e vinte cinco euros e setenta e cinco cêntimos) e os que vierem a vencer-se até integral cumprimento; c) Absolvo a mesma ré do restante peticionado. Custas a cargo do autor e da ré, na proporção do decaimento, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário concedido aos autores”. 4. Inconformada, a ré apresentou-se a recorrer, pugnando, no essencial, pela revogação da decisão recorrida, a substituir por outra que declarasse a improcedência do pedido e a sua absolvição. 5. Os autores apresentaram, por sua vez, recurso subordinado, relativamente à quantia fixada a título de compensação pelo dano não patrimonial, na vertente de danos reflexos, sustentando que devia ser proferida decisão que condenasse a ré a pagar a cada um a quantia nunca inferior a €100 000 (cem mil euros). 7. O Tribunal da Relação de Évora proferiu Acórdão em que se decidiu: “Nestes termos, decide-se pela parcial procedência do recurso principal e do recurso subordinado, em consequência do que: - se revoga a sentença quanto ao montante indemnizatório do dano patrimonial por perda de rendimentos futuros, condenando-se a R a pagar ao A AA a quantia de 450 000 (quatrocentos e cinquenta mil euros); - se revoga a sentença quanto ao montante indemnizatório do dano patrimonial decorrente do auxílio de terceira pessoa, condenando-se a R a pagar ao A AA a quantia de 260 500 (duzentos e sessenta mil e quinhentos euros); - se revoga a sentença quanto ao montante indemnizatório do dano não patrimonial do A AA, condenando-se a R a pagar-lhe a quantia de 350 000 (trezentos e cinquenta mil euros); - se revoga a sentença quanto aos montantes indemnizatórios dos danos não patrimoniais dos AA CC e BB, condenando-se a R a pagar à A CC a quantia de 120 000 (cento e vinte mil euros) e ao A BB a quantia de €55 000 (cinquenta e cinco mil euros), Confirmando-se, no mais, a decisão recorrida. Custas do recurso principal e do recurso subordinado pela Ré Ageas Portugal, na proporção do decaimento, delas estando isentos os AA por via do benefício do apoio judiciário”. 7. Inconformados, vêm os autores AA e BB interpor recurso de revista “nos termos do disposto no nº 3 do artigo 671º do Cód. Proc. Civil”. Concluem as suas alegações nos seguintes termos: “1ª Os recorrentes AA e BB não se conformando parcialmente com o teor do acórdão em crise nos presentes autos, vêm do mesmo interpor recurso de Revista nos termos do disposto no nº 3 do artigo 671º do Cód. Proc. Civil. 2ª No que respeita ao recorrente AA a sua discordância com o acórdão aqui em crise prende-se com três ordens de razão: a.- quantificação do dano não patrimonial sofrido; b.- quantificação da indemnização devida pela necessidade de 3ª pessoa e c.- não quantificação do dano biológico sofrido pelo recorrente, na sua vertente patrimonial. 3ª Já quanto ao recorrente BB a sua discordância prende-se com a quantificação do seu dano não patrimonial na sua vertente de dano reflexo. 4ª Comecemos pelo recorrente AA. 5ª No que respeita à quantificação do dano não patrimonial sofrido por este recorrente, a vastíssima matéria de facto tida por provada (que vai do ponto 14 ao ponto 75 dos factos provados) parece, com o devido respeito, falar por si. 6ª Com efeito, decorre daquela extensa matéria de facto tida por provada o carácter penoso, permanente e brutalmente limitativo do dano não patrimonial sofrido pelo jovem recorrente AA, pois que dali resulta não só a gravidade das lesões sofridas, como todo o calvário pelo qual o mesmo – com apenas 13 anos de idade – acabou por passar em consequência das lesões sofridas no acidente dos autos. 7ª E penoso se tornaria se transcrevêssemos toda essa matéria de facto para as presentes conclusões – mas que aqui, por uma questão de economia processual, se tem por reproduzida – assim como a fundamentação que foi utilizada pela Meritíssima Juíza de 1ª Instância. 8ª De uma realidade tem o aqui recorrente a firme certeza e que é o facto de a Meritíssima Juíza de 1ª Instância, que arbitrou de forma corajosa a esse título uma compensação de 500.000,00 €, que o fez seguramente tendo em conta o princípio da imediação da prova, pois que escutou na primeira pessoa o depoimento pessoal do recorrente AA, assim como as mais diversas testemunhas que depuseram a propósito do grave, extenso, penoso e permanente dano não patrimonial sofrido pelo recorrente AA. 9ª Assim, e dessa vastíssima matéria de facto tida por provada, destacamos, por um lado, o facto de ter sido dado como provado (como não poderia deixar de ser) a principal patologia de que o recorrente ficou a padecer em consequência do acidente dos autos e que é a miostite ossificante, que, como se refere no ponto 47 dos factos provados, se caracteriza pela multiplicação desordenada de células ósseas no tecido muscular, gerando formas que ferem a pele e deformam o corpo. O recorrente AA via, literalmente, aparecerem-lhe ossos onde apenas tinha músculo, sofrendo dores lancinantes que nem cediam à forte medicação que lhe era administrada. 10ª E, por outro, ao que se teve por provado nos pontos 75 e 76 da matéria de facto, o que revela bem em quanto o recorrente AA está afectado no seu dia-a-dia e naquilo que irá ser a sua vida daqui para a frente. 11ª Por isso, e muito bem, a Meritíssima Juíza de 1ª Instância não teve a mais ténue hesitação em arbitrar ao recorrente AA, em face de tudo quanto se apurou nos presentes autos, uma compensação de 500.000,00 € (quinhentos mil euros) para o compensar pelo brutal, permanente, penoso e quase revoltante dano não patrimonial sofrido em consequência do acidente dos autos. 12ª E a este propósito não deixa de ser curioso que o Tribunal a quo, que reduziu essa compensação da quantia de 500.000,00 € para 350.000,00 €, não apontou fosse que deficiência fosse ao modo como a Meritíssima Juíza de 1ª Instancia alcançou essa quantia, não existindo ali a mais ténue referência a uma qualquer errónea ou incorrecta ponderação de um qualquer ponto da matéria de facto ou de um qualquer meio de prova. 13ª Por isso, e nesta matéria, a decisão da Meritíssima Juíza de 1ª Instância não violou fosse que princípio fosse dos mais elementares que informam o Direito, seja o da igualdade, seja o da proporcionalidade, seja o da busca permanente de uma uniformização dos padrões das compensações a arbitrar. 14ª Agora aquilo que não pode suceder – e não é o que se pretende nos nossos Tribunais, desde a 1ª Instancia até este Supremo Tribunal de Justiça – é que essas compensações possam ser vistas como miserabilistas ou com carácter meramente simbólico. 15ª E ao contrário do que se refere no acórdão aqui em crise, não existem na Jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores situações semelhantes à do aqui recorrente AA, sendo que aquelas que são referidas nesse mesmo acórdão, não deixando de ser doutas, dizem respeito a assuntos que foram submetidos a apreciação superior há mais de 6 ou 7 anos. 16ª Por isso, com o devido respeito, estarão já desactualizadas, tendo ainda a virtude de servirem de ponto de partida, de limite mínimo a considerar para determinar o quantum compensatório a arbitrar ao aqui recorrente AA. 17ª Daí que se afigure ao recorrente AA que, ponderando tudo quanto se teve de forma vasta e pormenorizada como provado a este propósito, que será mais consentâneo com esse seu extenso, grave, penoso, permanente e brutal dano não patrimonial a compensação arbitrada pela Meritíssima Juíza de 1ª Instância, ou seja, a quantia de 500.000,00 € (quinhentos mil euros). 18ª No que respeita à quantificação da indemnização devida ao recorrente AA a título de necessidade do auxílio de terceira pessoa, também mal andou o Tribunal a quo ao reduzir a sua indemnização da quantia de 305.000,00 € para a quantia de 260.500,00 €. 19ª Antes de mais, e a este propósito, impõe-se afirmar que tem o Tribunal a quo inteira razão quando afirma que Afigura-se que tal indemnização há de ter referência o pagamento da verba apurada (€500) mas 13,5 vezes por ano, conforme decorre da lei relativa ao contrato de seguro de serviço doméstico. 20ª Porém, já não lhe assiste qualquer razão quando reduz essa indemnização para a quantia de 260.500,00 € com base nos critérios que utilizou, ou seja, para atingir essa quantia, dividindo-a pelos 500,00 € mensais, o recorrente AA apenas seria indemnizado por 521 meses (ou 43,4 anos). 21ª Porém, socorrendo-nos dos dados da Pordata, a esperança de vida dos indivíduos de sexo masculino nascidos em 2001 é de 73,3 anos, motivo por que, sem mais, a quantia que deveria ter sido arbitrada ao recorrente AA deveria ter sido a quantia de 359.250,00 €, partindo do princípio que o recorrente AA necessita dessa ajuda de terceira pessoa desde a data da alta, ou seja, pelo menos desde os seus 20 anos de idade. 22ª Deve, por isso, ser revogada a decisão aqui em crise no que tange à indemnização devida ao recorrente a título da ajuda de terceira pessoa e ser proferida nova decisão que condene a recorrida a pagar ao recorrente, a esse título, a quantia de 359.250,00 € (500,00 € x 13,5 meses x 53,3 anos). 23ª Igualmente sufragamos a posição do Tribunal a quo quando afirma que não deve operar qualquer redução pela antecipação do capital, quer porque a taxa de juro do capital já não produz qualquer rendimento – pois que está em patamares negativos há vários anos –, quer porque a vantagem do recebimento antecipado atenua, de algum modo, o certo e seguro aumento da prestação mensal que o recorrente irá ter de despender nessa ajuda, quer ainda porque se ocorresse essa redução o recorrente iria estar privado de uma importante quantia para prover ao pagamento dessa despesa. 24ª Meses iria ter, a ocorrer essa redução, que não iria dispor de qualquer quantia para pagar a quem lhe prestasse essa ajuda como terceira pessoa. 25ª Quanto ao dano biológico, depois de muito extensamente o Tribunal a quo ter feito alusão ao dano biológico, o certo é que, para lá dessa alusão, não a repercutiu na indemnização que foi arbitrada ao recorrente. Limitou-se a arbitrar uma quantia pela perda futura de ganho, tout court, sem nela fazer repercutir o natural, óbvio e até importante dano biológico sofrido pelo recorrente, na sua vertente patrimonial. 26ª É que como muito doutamente foi referido nos doutos acórdãos mencionados na decisão aqui em crise e, bem assim na matéria de facto tida por provada, dúvidas não podem subsistir de que o recorrente AA sofreu um fortíssimo dano biológico na sua vertente patrimonial, tanto mais que é notória a perda de capacidade de trabalho do recorrente, as suas fortíssimas limitações e, bem assim, o relevo dessa incapacidade em termos de prejuízo funcional, não só em termos laborais, mas também em termos sociais, pessoais, de realização profissional, etc. 27ª Arbitrou o Tribunal a quo a quantia de 450.000,00 € (quatrocentos e cinquenta mil euros) a título de perda futura de ganho, considerando um rendimento de 705,00 € (RMMG), por um período de 672 meses. Quanto a esta questão, nada a apontar. 28ª Porém, não poderia o Tribunal a quo quedar-se por aí, pois que a esse dano necessariamente teria de acrescer um importante e grave dano biológico sofrido pelo recorrente AA e que não seria em demasia se tivesse sido contabilizado na quantia de 90.000,00 € (noventa mil euros), o que imporia que se tivesse mantido a quantia global de 540.00,00 € (quinhentos e quarenta mil euros) como doutamente decidido pela Meritíssima Juíza de 1ª Instância. 29ª No que tange ao recorrente BB a sua discordância com a decisão do Tribunal a quo prende-se com a compensação que lhe foi arbitrada a título de dano não patrimonial reflexo. 30ª A este propósito teve-se por provada a matéria de facto constantes dos pontos 85. e 86., que, ainda assim, fizeram com que o Tribunal a quo acabasse por compensar a mãe do AA, a demandante CC na quantia 120.000,00 € e o pai, o recorrente BB, apenas na quantia de 55.000,0 €, ambas a título de dano não patrimonial na sua vertente de dano reflexo. 31ª Por uma questão de económica processual subscrevemos – por concordarmos inteiramente – com a devida vénia, toda a fundamentação relativa ao dano reflexo, solução que está já, com o devido respeito por opinião diversa, pacificada na nossa Jurisprudência e Doutrina. 32ª Porém, não pode o recorrente BB concordar com tamanha diferença entre a sua compensação – enquanto pai do AA – e a que foi arbitrada – e muito bem – à demandante CC, enquanto mãe do AA. 33ª Se os progenitores do AA estivessem separados judicialmente ou divorciados, e a guarda do pequeno AA estivesse atribuída à sua mãe, com fins de semana alternados com o pai, não tem o recorrente BB qualquer receio em afirmar que as compensações teriam de ser diferentes, pois que a vivência com a situação que afecta o AA era também ela diferente. 34ª Mas porque os progenitores do recorrente AA continuam – e continuarão – casados, não há, na nossa modesta opinião, que distinguir entre aquilo que um deles (no caso a mãe) passou quando acompanhou o seu filho num prolongadíssimo internamento e esteve afastada quer da sua filha, quer do seu marido (o recorrente BB), daquilo que passou o recorrente BB que acompanhou à distância a situação de saúde do pequeno AA, tomando conta de notícias quando lhe era prestada qualquer informação pela esposa e privado, também ele de estar quer com a esposa, quer com aquele seu filho. 35ª Seguramente que o sofrimento de um foi semelhante, para não se afirmar categoricamente que igual, ao do outro, motivo por que jamais se deveria ter operado fosse que distinção fosse na quantificação do dano não patrimonial reflexo sofrido por ambos os progenitores. 36ª Por isso, e com o devido respeito, melhor teria andado o Tribunal a quo se tivesse arbitrado, como arbitrou e bem à recorrente CC, igual quantia para ambos os progenitores, isto é, que tivesse 37ª A distinção que o Tribunal a quo fez do dano não patrimonial reflexo da progenitora (120.000,00 €) relativamente ao do progenitor (55.000,00 €) não faz qualquer sentido, nem visto à luz de princípios como o da equidade, do bom senso, do equilíbrio ou sequer da ponderação que merece tão grave, penosa e delicada situação para ambos os progenitores. 38ª Ocorre, assim e por fim, questionar se o sofrimento de um pai que está a várias centenas de quilómetros de um filho, que viu pela última vez num estado bastante grave, que foi internando numa unidade hospitalar a várias centenas de quilómetros, que tem notícias do seu estado de saúde quando lhas prestam, que não o viu até que o mesmo regressasse pela primeira vez a casa e que tinha, ainda assim, de tratar de prover pelo cuidado de uma filha que tinha ficado ao seu cuidado e que padece do Síndrome de Asperger (necessitando de cuidados permanentes e diários), se não teria igualmente sofrido um lancinante dano não patrimonial reflexo semelhante ao da mãe que acompanhava aquele filho e que estava afastada quer do seu marido, quer dessa sua filha?!!! A resposta parece-nos, com o devido respeito por opinião diversa, particularmente óbvia e clara. 39ª Por isso, sem qualquer pejo afirma o recorrente BB que deverá ser-lhe arbitrada uma compensação pelo seu dano não patrimonial reflexo idêntico ao da sua esposa, mãe do AA, no valor de 120.000,00 €. Pelo exposto deve o acórdão aqui em crise ser revogado no que respeita: a.- ao recorrente AA quanto: - à quantificação do dano não patrimonial e - à quantificação do dano relativo à necessidade de auxílio de terceira pessoa; b.- ao recorrente BB quanto à quantificação do seu dano não patrimonial reflexo e, em sua substituição ser proferido douto acórdão que: 1.- condene a recorrida ao pagamento ao recorrente AA: - da quantia de 500.000,00 € a título de dano não patrimonial; - da quantia 359.250,00 € a título de indemnização pela necessidade de auxílio de terceira pessoa e - da quantia de 90.000,00 € a título de dano biológico na vertente patrimonial; 2.- condene a recorrida ao pagamento ao recorrente BB da quantia de 120.000,00 € a título de compensação pelo dano não patrimonial reflexo sofrido”. 8. Notificada deste recurso dos autores, a ré Ageas Portugal, S.A., apresenta recurso subordinado, “nos termos dos artigos 627º/2, 629º/1, 631º/1, 633º/1, 638º/1 do CPC”. A final, formula as seguintes conclusões: “QUANTO AO RECURSO ORDINÁRIO DE REVISTA Ressarcibilidade dos danos não patrimoniais reflexos e medida da indemnização I. O presente recurso vem interposto, no tocante ao valor da indemnizações atribuídas aos Autores CC e BB, da decisão mediante a qual o TRE aumentou as indemnizações de €35.000 para €120 000 (cento e vinte mil euros) para a Autora CC e para a quantia de €55 000 (cinquenta e cinco mil euros), para o Autor BB – a decisão é, pois, desfavorável à Ré em €105.000 ([€120.000+€55.000] – [€35.000+€35.000]= [€175.000] – [€70.000]= €105.000); II. Entende a Recorrente que na interpretação dos artigos 483º e 496º do Código Civil se deve concluir que o nº2 do artigo 496º contém uma norma excecional ao princípio de que só o diretamente lesado deve ser indemnizado, princípio que se alcança da conjugação dos artigos 483º e 562º do Código Civil e que essa norma excecional só se aplica aos casos de morte e é insuscetível de aplicação analógica; III. Não ignorando a jurisprudência a esse respeito e, em particular, a uniformização jurisprudencial efetuada a esse propósito pelo Ac. de Uniformização de Jurisprudência nº 6/14 (processo 6430/07.0TBBRG.S1), entende a Ré que os seus fundamentos só são transponíveis para a situação dos cônjuges e não para o caso dos progenitores; IV. Nesse sentido, cfr., por todos o Ac. do STJ de 17/9/2009 (processo 292/1999 S1, Relator Conselheiro João Camilo, in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/3751cc626c2d6eb48025763 4004ce8b4?OpenDocument) V. Tendo em conta a unidade do sistema jurídico (artigo 9º do Código Civil), carece de sentido que os Autores CC e BB sejam indemnizados em valores superiores ao que resultariam para si nos casos de morte da vítima (Cfr., por exemplo, o padrão citado pelo STJ no Ac. de 3.1.2016, Relator Conselheiro António Joaquim Piçarra, proferido no processo 6/15.5T8VFR.P1.S1 e disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/8bb15e0632dbc07b8025 8061003b31bd?OpenDocument, que situa essas indemnizações “entre os € 50 000,00 e € 80 000,00, indo mesmo alguns dos mais recentes arestos a €100 000,00”; VI. Assim, mesmo que se entenda que os progenitores podem ser indemnizados a título de compensação dos danos reflexos – o que se admite sem conceder - não pode deixar de considerar-se que os valores padrões (no sentido de padrão máximo) atribuídos em caso de morte da vítima constituem um limite máximo no caso de danos reflexos compensando o sofrimento dos progenitores pelo sofrimento da vítima; VII. Assim sendo, a indemnização a atribuir à Autora terá de conter-se no limite inferior do padrão jurisprudencial quanto à indemnização por morte, sob pena de ambas as situações serem tratadas como equivalentes, quando é manifesto que o legislador quis diferenciar uma e outra; VIII. Com esse entendimento, a indemnização a atribuir à Autora não deverá ultrapassar os citados €50.000; IX. Devendo a do Autor ser o correspondente a metade desse valor (mantendo, grosso modo, a proporção usada pelo TRE), tendo em conta a diferença comparativa entre os danos provados; RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL Quanto à a indemnização por Danos não patrimoniais atribuídas aos Autores CC e BB X. Caso se entenda que, na parte comum às decisões das instâncias - €35.000 a cada um dos autores - existe dupla conforme, a Recorrente interpõe também recurso de revista excecional neste segmento da decisão, dando por reproduzidas, brevitatis causa, as Conclusões anteriores; XI. A intervenção do mais alto Tribunal Nacional sobre a questão em apreço é essencial para uma melhor aplicação do direito numa questão com enorme relevância jurídica e na qual estão em causa interesses de particular relevância social – CPC, artigo 672º/1, alíneas a) e b) RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL Enquadramento Jurídico da matéria de facto XII. Quanto à dinâmica do sinistro, a Recorrente entende merecedora de revista excecional, com fundamento processual na alínea a) do nº 1 do artigo 672º do CPC, a questão de saber se a situação factual tida como provada corresponde a uma situação de ausência de culpa nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 506º/1 do Código Civil ou, pelo contrário, a uma situação de dúvida, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 506º/2 do Código Civil; XIII. Apesar de ambas as instâncias terem concluído no sentido do enquadramento da questão dos autos no artigo 506º/1, parte final, do Código Civil, entende a Recorrente que a matéria dos autos é subsumível no 506º/2 do mesmo Código; XIV. A delimitação rigorosa e criteriosa dessa subsunção é, pela sua relevância jurídica, claramente necessária para uma melhor aplicação do Direito e não pode ser limitada, como fizeram as instâncias, a um mero juízo de proclamação da inexistência de culpa dos intervenientes quando a matéria de facto permite concluir o contrário; XV. Esse juízo de subsunção reclama o maior rigor jurídico, bastando atentar na diversidade de consequências jurídicas que advêm de um ou outro entendimento - a tarefa de subsunção justifica, pois, a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça para melhor aplicação do Direito; XVI. A matéria de facto agora definitivamente dada como provada - um sinistro numa passadeira em que o ciclista a invadiu depois de o condutor do pesado dela se ter aproximado – não espelha, de todo, a inexistência de culpa dos intervenientes, mas, pelo contrário, de ambos, embora instilando dúvida; XVII. Por ser assim, deve ser aplicado no disposto no artigo 506º/2 do CC, e considerar-se “igual (…) a contribuição da culpa de cada um dos condutores.”; XVIII. Esse juízo de subsunção é um juízo de Direito, reclamando a intervenção do mais alto Tribunal Nacional, pelo que o recurso de revista excecional sobre a matéria da subsunção – e a delimitação rigorosa dos termos dessa tarefa - é admissível. XIX. Devendo o Supremo Tribunal de Justiça concluir que, nos termos do disposto no artigo 506º/2 do CC, é “igual (…) a contribuição da culpa de cada um dos condutores.” XX. Assim limitando a responsabilidade da Recorrente a 50% dos danos. XXI. Ao entender diversamente, o Ac. TRE cometeu erro de Direito, violando o disposto no artigo 506º/2 do CC. Nestes termos e nos mais de Direito, deve ser declarado procedente o recurso e o Acórdão em crise ser revogado, sendo substituído por outro que reduza a indemnização atribuída aos Autores nos moldes propugnados 9. Os autores AA, CC e BB apresentam contra-alegações ao recurso subordinado da ré, sustentando, em conclusão, que deve: “- o recurso de revista excepcional (subordinado) ser julgado extemporâneo por violação do disposto no nº 1 do artigo 638º do Cód. Proc. Civil; - o recurso de revista subordinado ser julgado totalmente improcedente por não provado”. Apresentam ainda requerimento no qual insistem em que o recurso subordinado de revista interposto a título excepcional deve ser rejeitado por extemporaneidade. 10. Foi proferido despacho pelo Esmo. Senhor Desembargador do Tribunal da Relação com o seguinte teor: “Não obstante se possa considerar que o recurso subordinado não pode ter lugar em caso de dupla conforme (cfr. AUJ 1/2020), que só pode ser contornada com a revista excecional (que não poderá ser interposta subordinadamente), em face do regime inserto no art. 641.º/5 do CPC, em ordem a obviar delongas e procedimentos desnecessários, Admitem-se os recursos interpostos em tempo e por quem tem legitimidade, recursos que são de revista, a subir nos próprios autos, com efeito devolutivo – arts. 629.º, 631.º, 633.º, 641.º, 671.º n.º 1, 675.º n.º 1 e 676.º do CPC. O recurso de revista excecional foi interposto por quem tem legitimidade, sendo certo que o valor em causa a ele não obsta. Subam, assim, os autos ao STJ para os efeitos tidos por convenientes”. 11. Tendo o processo sido distribuído, proferiu a presente Relatora despacho com o seguinte teor: “Esclarecimento sobre o prazo para interposição do recurso subordinado Os recorridos AA, CC e BB sustentam a extemporaneidade do recurso subordinado de revista interposto a título excepcional pela ré Ageas Portugal, S.A., porque este foi interposto, a par (“a coberto”) do recurso subordinado de revista interposto a titulo normal, para lá do prazo de trinta dias após a notificação do Acórdão recorrido. Os recorridos incorrem num mal-entendido que cumpre, desde já, esclarecer. Como é sabido, os recursos podem ser interpostos de forma independente ou subordinada (cfr. artigo 633.º, n.º 1, do CPC). O recurso subordinado é apenas uma forma de interposição do recurso – uma forma de interposição do recurso dirigida a dar ao recorrente que se satisfaz com a decisão proferida a possibilidade de defender a sua posição, uma vez que, perante o recurso da outra parte, existe o risco de que aquela decisão venha a ser alterada. Como os respectivos nomes indicam, o recurso subordinado está dependente do recurso da outra parte – o recurso independente. Significa isto que o recurso subordinado é apresentado porque é apresentado um recurso independente e, se estiverem cumpridos os requisitos de recorribilidade, deve ser admitido na medida em que o seja for o recurso independente, ou seja, se o recurso independente não for admitido caduca recurso subordinado, como se diz no artigo 633.º, n.º 3, do CPC, e se o recurso independente for admitido também o será, em princípio, o recurso subordinado, como se diz no artigo 633.º, n.º 5, do CPC. Esta última norma foi objecto de atenção no AUJ n.º 1/2020, através do qual se uniformizou a jurisprudência no sentido de que “[o] recurso subordinado de revista está sujeito ao n.º 3 do art.º 671.º do Código de Processo Civil, a isso não obstando o n.º 5 do art.º 633.º do mesmo Código”. Quer isto dizer que, ainda que o recurso independente de revista seja admitido, o recurso subordinado de revista poderá não ser admitido se se deparar com a dupla conformidade de decisões / dupla conforme, que é um impedimento geral à admissibilidade do recurso de revista (cfr. artigo 671.º, n.º 3, do CPC). A única solução para isto é a interposição do recurso de revista a título excepcional. O facto de um recurso ser interposto a título excepcional não destitui o recurso do seu carácter ordinário (i.e., ele é, tal como o recurso interposto a título normal, um recurso ordinário), sendo exigíveis todos os requisitos gerais e especiais de admissibilidade do recurso (relacionados com a legitimidade do recorrente, a tempestividade do recurso e a recorribilidade da decisão). A única particularidade da revista excepcional é que, além destes requisitos, deve verificar-se, pelo menos, dos pressupostos específicos da revista excepcional [cfr. artigo 672.º, n.º 1, als. a), b) e c), do CPC)], devendo o requerente deve indicar, na sua alegação, sob pena de rejeição, as razões pelas quais considera que se encontra preenchido o(s) pressuposto(s) específico(s) que invoca (artigo 672.º, n.º 2, do CPC) e ficando a apreciação preliminar sumária do cumprimento de tais exigências a cargo da Formação (cfr. artigo 672.º, n.º 3, do CPC). No que toca aos requisitos gerais de admissibilidade do recurso e, em particular, ao requisito da tempestividade / prazo de interposição, o regime do recurso subordinado compreende uma regra especial. Dispõe-se no artigo 633.º, n.º 2, do CPC: “O prazo de interposição do recurso subordinado conta-se a partir da notificação da interposição do recurso da parte contrária”. Bem se compreende esta especialidade, atenta a relação de dependência atrás referida. Como se viu, o recurso subordinado só é interposto porque é interposto recurso independente. E bem se compreende que esta regra se aplique quer o recurso subordinado seja interposto a título normal quer seja interposto a título excepcional. No caso presente, a ré interpôs recurso subordinado, a título simultaneamente normal e excepcional, dentro do prazo de trinta dias após a notificação da interposição do recurso independente dos autores. Assim sendo, o recurso subordinado é tempestivo in totum. * Analisados ambos os recursos, verifica-se que as questões suscitadas no recurso independente interposto pelos autores se prendem com: 1.ª) a indemnização pelos danos patrimoniais sofridos pelo AA, relacionados com a perda de rendimentos futuros, o auxílio de terceira pessoa e o dano biológico na vertente patrimonial; 2.ª) a indemnização pelos danos não patrimoniais pelo AA; e 3.ª) a indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos pelos Pais do AA, mais especificamente a discrepância entre a indemnização a esse título à Mãe do AA e a indemnização atribuída ao do Pai do AA. Por sua vez, as questões que resultam do recurso subordinado da ré são: 1.ª) a culpa pelo acidente; e 2.ª) a indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos pelos Pais do AA. Ora, relativamente à sentença, o Acórdão do Tribunal da Relação produziu as seguintes alterações: 1.º) reduziu o montante da indemnização pelos danos não patrimoniais do AA (de € 540.000 para € 450.000 no que toca à perda de rendimentos futuros e de € 305.000 para € 260.500 no que toca ao auxílio de terceira pessoa); 2.º) reduziu o montante da indemnização pelos danos não patrimoniais do AA (de € 500.000 para € 350.000); e 2.º) aumentou o montante da indemnização pelos danos não patrimoniais dos Pais do AA (de € 35.000 para € 120.000 no caso da Mãe do AA e de € 35.000 para € 55.000 no caso do Pai do AA). No resto, a sentença foi mantida pela Relação, o que significa, designadamente, que pressupôs a ausência de culpa do lesado e a aplicabilidade do disposto no artigo 506.º, n.º 1, 2.ª parte, do CC. Adquire aqui relevância o AUJ n.º 7/2022, que uniformizou a jurisprudência no seguinte sentido: “Em acção de responsabilidade civil extracontratual fundada em facto ilícito, a conformidade decisória que caracteriza a dupla conforme impeditiva da admissibilidade da revista, nos termos do artigo 671º, nº. 3, do CPC, avaliada em função do benefício que o apelante retirou do Acórdão da Relação, é apreciada, separadamente, para cada segmento decisório autónomo e cindível em que a pretensão indemnizatória global se encontra decomposta. que admite a aferição da dupla conforme relativamente aos segmentos decisórios autónomos atinentes aos diversos grupos de danos”. Aplicando ao presente caso esta jurisprudência, conclui-se que: (1) Nada obsta ao conhecimento do recurso independente dos autores. (2) Nada obsta ao conhecimento do recurso subordinado por via normal na parte em que se impugna a indemnização por danos não patrimoniais dos Pais. (3) Porém, na parte em que se impugna o segmento decisório respeitante à culpa pelo acidente, o recurso subordinado depara-se com o obstáculo da dupla conforme, uma vez que a Relação confirmou, sem fundamentação essencialmente diferente e sem voto de vencido, a decisão da 1.ª instância (cfr. artigo 671.º, n.º 3, do CPC). Pelo exposto, o recurso subordinado de revista é inadmissível, nesta parte, por via normal. Atendendo, no entanto, a que a ré invoca, nesta parte, a revista excepcional e “o fundamento processual” da al. a) do n.º 2 do artigo 672.º do CPC, determina-se a remessa dos autos à Formação nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 3 do artigo 672.º, n.º 3, do CPC”. 12. A Formação proferiu Acórdão em que concluiu: “Pelo exposto, não se admite o recurso de revista excecional interposto pela Ré”. * Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente (cfr. artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do CPC), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cfr. artigos 608.º, n.º 2, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, do CPC), as questões a decidir, in casu, são: A) No recurso independente 1.ª) a indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos pelo AA; 2.ª) a indemnização pelos danos patrimoniais sofridos pelo AA; e 3.ª) a indemnização pelos danos não patrimoniais reflexos sofridos pelo Pai do AA. B) No recurso subordinado 4.ª) a indemnização pelos danos não patrimoniais reflexos sofridos pela Mãe e pelo Pai do AA. Como é visível, esta única questão do recurso subordinado “consome” a última questão do recurso independente. * II. FUNDAMENTAÇÃO OS FACTOS São os seguintes os factos que vêm provados no Acórdão recorrido: 1. Cerca das 17H20 do dia ... .07.2014 ocorreu um acidente de viação na rua da ..., na cidade de ..., em que intervieram os veículos: velocípede sem motor, e sem matrícula, conduzido por AA, seu proprietário, de 13 anos e desacompanhado dos seus pais, e o veículo de matrícula ..-..-TL, pesado de mercadorias, propriedade de U..., Lda., e conduzido por DD, motorista, e que se deu do seguinte modo: o velocípede sem motor, modelo “BMX”, circulava pelo passeio do lado direito da avenida de ... (conhecida por “V6”), atento o sentido norte – sul, em direção à rua da ... – fls. 407 (arts. 1.º a 3.º da petição inicial) - que pretendia atravessar da direita para a esquerda, atento o referido sentido de circulação (art. 4.º da petição inicial e parte do art. 4.º da contestação) 2. AA seguia da casa da avó para sua casa, na Cruz da ..., sem capacete, sem fones, tal como fazia quase todos os dias de férias, como era o caso (art. 5.º do Código de Processo Civil) 3. O ciclista invadiu a faixa de rodagem pela passadeira (de cor amarela, provisória, devido a obras); deu-se o embate entre a lateral direita do veículo pesado, rodado do 3.º eixo, e a lateral esquerda do velocípede (arts. 5.º a 8.º da petição inicial, 6.º a 8.º da contestação); 4. Em consequência dessa colisão, o demandante AA acabou por se desequilibrar, caindo ao solo, tendo o rodado traseiro direito do referido veículo pesado de mercadorias passado por cima do AA, que levou arrastado – no meio dos dois rodados traseiros do lado direito – pela distância de 4,60 metros (arts. 9.º a 11.º da petição inicial) 5. O veículo pesado de mercadorias ..-..-TL circulava pela avenida de ..., pretendendo o seu condutor, no entroncamento formado por essa avenida e a rua da ..., que se situa à sua direita, mudar de direção para a direita e passar a circular pela referida rua da ..., no sentido norte – sul (arts. 12.º e 13.º da petição inicial) 6. O condutor havia avistado o ciclista quando este seguia pelo passeio e a “V6” apresentava trânsito lento, quer devido à época do ano (zona turística) quer devido às obras que existiam no local (arts. 14.º e 15.º da petição inicial). A passadeira destinada a peões ali existente era visível (art. 16.º da petição inicial) 7. O condutor do veículo pesado de mercadorias ..-..-TL não se apercebeu da presença do AA (arts. 18.º e 19.º da petição inicial) 7A. Quando o veículo seguro se aproximou do cruzamento, o ciclista ainda nele não se encontrava. 8. Apenas imobilizou o veículo que conduzia depois de ter escutado os gritos e visto o gesticular de uma mulher que se apercebera do sucedido e que tentava chamar a atenção do condutor (arts. 20.º e 21.º da petição inicial) 9. – não provado. 10. O veículo tinha as características constantes do quadro de fls. 35 (art. 5.º do Código de Processo Civil) 11. O velocípede sem motor ficou no estado representado na fotografia de fls. 59, com danos na parte dianteira, no aro e pneu anterior, dobra no guiador e garfo causados por esmagamento pelas rodas do veículo pesado (art. 33.º da petição inicial) 12. Porque o AA ficou preso entre os rodados traseiros direitos daquele veículo pesado de mercadorias, o condutor deste acabou por ter de recuar o dito veículo, com o que voltou a passar com o rodado traseiro por cima do corpo (arts. 39.º e 40.º da petição inicial) 13. O processo n.º 230/15.0... veio a ser arquivado. Aí foi investigado o acidente objeto destes autos e ponderada a responsabilidade criminal do condutor do veículo pesado de mercadorias “TL” por crime de ofensa à integridade física grave negligente, tendo sido constituídos arguidos DD e “U..., Lda.”. Aí consta um relatório pericial de reconstituição que conclui que o cenário mais provável e compatível com as lesões, danos no velocípede e posições de imobilização é ter ocorrido um contacto tangencial entre a lateral direita do veículo pesado e a lateral-esquerda do velocípede que causou o desequilíbrio do ciclista e a sua queda. Não é possível determinar com rigor onde ocorreu, pois não existem vestígios objetivos sobre o local da queda no solo ou correndo este contacto mais próximo do ponto de imobilização dos veículos o ciclista estaria a circular mais próximo do eixo da via no início dos rastros de travagem o ciclista estaria a circular mais próximo da berma. A velocidade do veículo pesado no início dos rastos de travagem é no máximo de 28,6 km/h. Não é explícito que se trata de um rasto de travagem, pode ser apenas um rasto de arrastamento do velocípede/vítima. Não é possível afirmar categoricamente que existiu falta de cuidado nem do condutor do veículo pesado nem da vítima. As características do veículo, muito alto e com ângulos mortos significativos, podem ter conduzido a que o condutor não tenha conseguido visualizar a presença da criança na via. Por outro lado, não é possível determinar com rigor a velocidade do velocípede sendo mesmo possível que velocípedes tivesse parado no instante da colisão – fls. 192 e ss./419 e ss. (art. 22.º da petição inicial e art. 5.º do Código de Processo Civil) Dos danos 14. Em consequência do embate o autor sofreu traumatismo da coluna vertebral, do abdómen, da bacia, dos membros superiores e inferiores (art. 43.º da petição inicial) 15. Do local do acidente, e depois de ter sido estabilizado pela equipa da VMER que ali se deslocou para lhe prestar assistência e socorro, AA foi transportado para o S.U. do Centro Hospitalar Universitário ... – Unidade Hospitalar de ..., onde deu entrada diretamente para a sala de reanimação, apresentando as seguintes lesões: - hemorragia em toalha em toda a região pélvica; - escoriação de todo o hemi-abdómen esquerdo; - esfacelo do membro inferior esquerdo; - esfacelo peniano; - esfacelo do antebraço esquerdo e - escoriação frontal pequena (arts. 44.º a 47.º da petição inicial) 16. Em face da gravidade e da extensão das lesões, e por que o AA entrou em choque hemorrágico, foi iniciada ressuscitação hemodinâmica, com entubação, ventilação e administração de bólus de fluidos e hemoderivados (art. 48.º da petição inicial) 17. Efetou TAC toraco-abdomino-pélvica, que revelou: a) – importante traumatismo da bacia, com múltiplas fraturas, existindo fratura cominutiva do sacro, envolvendo os buracos sagrados e canal sagrado; b) – fraturas deslocadas dos ramos isquio-púbicos bilateralmente e ílio-púbico esquerdo e fratura não deslocada do ramo ílio-púbico direito; c) – múltiplas bolhas áreas adjacentes; d) – o ramo ílio-púbico esquerdo fraturado promove importante moldagem da bexiga, existindo risco de rutura; e) – diástase da articulação sacroilíaca direita e diástase da sínfise púbica de cerca de 12 mm; f) – fratura de L5 envolvendo o pedículo esquerdo e estendendo-se à faceta articular; g) – desvio do trajeto da uretra, traduzindo traumatismo uretral provável (uretra membranosa e bulbar), existindo desvio da próstata; h) – hematoma volumoso da região pré-sagrada e ilíaca, extra-peritonial, com focos de hemorragia ativa pré-sagrados, assinalando-se ainda foco hemorrágico ativo proveniente de ramo da ilíaca interna esquerda, parede retal; i) – fratura do fémur esquerdo inter-trocantérica não deslocada; j) – grande laceração com esfacelo da raiz da coxa esquerda, com exposição óssea; k) – fratura do úmero esquerdo ao nível do epicôndilo (art. 49.º da petição inicial) 18. Após estabilização hemodinâmica, o demandante, atento seu grave estado de saúde, foi transferido, de helicóptero, para o S.U. do Hospital de ..., em Lisboa, onde foi admitido no dia 21 de julho de 2014, pelas 23H34, com prioridade vermelho – emergente pela Cirurgia Pediátrica e no dia seguinte transferido para a Unidade de Cuidados Intensivos de Pediatria. No dia 5 de agosto de 2014 foi transferido para a Unidade de Queimados. Voltou aos Cuidados Intensivos entre 3 a 6 de outubro de 2014, de 13 a 22 de abril de 2015 e de 22 a 23 de junho de 2015 – fls. 218/219 v./228/239/240 e ss. (arts. 50.º, 51.º, 57.º, 61.º, 90.º, 93.º da petição inicial) 19. À entrada nesta Unidade vinha com o seguinte diagnóstico: - politraumatizado/vítima de atropelamento; - fratura de L5; - fratura de ramos isquipúbicos, fractura ilio-púbico, diástase da articulação sacroilíaca e diástase da sínfise púbica; - fratura inter-trocantérica do úmero esquerdo; - fratura do epicôndilo do úmero esquerdo; - suspeita de lesão da uretra membranosa vs bulbar; - vesicostomia; - colostomia no colon ascendente a 24.07.2014; - insuficiência renal aguda. 20. Assim, à entrada na sala de reanimação do Hospital de ... – Lisboa, o AA apresentava-se sedado e ventilado, em plano duro e maca de vácuo, onde se manteve, com imobilização pélvica com lençol que, à exposição, revela extensa laceração da coxa esquerda com exposição óssea – lesão de degloving. Seguiu diretamente para o Bloco Operatório de urgência para controlo hemorrágico – fls. 240 (arts. 53.º a 55.º da petição inicial) 21. No bloco operatório, foi acompanhado por várias valências, tendo-se procedido à colagem da linha arterial na radial direita e: - por Ortopedia: - foi realizada estabilização da bacia com fixador externo; - por Cirurgia Plástica: - realizado desbridamento cirúrgico e enceramento do esfacelo do triângulo de Scarpa, coxa e perna esquerda com retalhos locais; e porque durante a mobilização para realização de penso do membro inferior esquerdo se constatou importante laceração perineal e anal, foi contactada a especialidade de Cirurgia Pediátrica; - por Cirurgia Pediátrica: - foi realizada cistostomia eco-guiada, com saída de urina hemática, realizando-se reconstrução de neo-ânus; - por Neurocirurgia: - TAC CE sem evidência de lesões intracranianas pós-traumáticas agudas e sem fraturas evidentes; - por Cirurgia Vascular: - AngioTAC realizada no hospital de origem evidenciando hematoma pélvico e pré-sagrado, com imagem de extravasão de contraste proveniente de ramo ilíaca esquerda. Após fixação da bacia por Ortopedia, manteve TA 75-80 mmHg, pelo que se realizou angiografia disgnóstica por exposição femoral esquerda, que revelou integridade da aorta distal e eixos ilíacos, sem extravasões de contraste nem lesões oclusivas; - por Imagiologia: - na manhã de 22.07.2014 realizou AngioTAC que mostrou múltiplos artefactos condicionados pelo material de estabilização cirúrgica da bacia redução difusa do calibre da aorta e seus ramos viscerais, com permeabilidade do lúmen mantida, no contexto do síndrome de choque. Embora na fase arterial não se observem extravasões de contraste, salienta-se “blush” vascular na fase venosa no território extra-pélvico da ilíaca interna esquerda, significativamente menor que no anterior exame. Volumosa quantidade liquido intra-peritonial, em todos os quadrantes abdominais, e de liquido retro-peritonial e pélvico extra-peritonial. Densificação difusa das partes moles incluindo os planos musculares do períneo, coxa esquerda e flanco esquerdo por extensos esfacelos/hematomas. Fracturas complexas da bacia (em particular do sacro, 5ª vertebra lombar, ramos ílio ísquio púbicos bilaterais, pilar anterior do acetábulo esquerdo, fractura intra-trocantérica do fémur esquerdo), já conhecidas e estabilizadas, referindo-se diástase da sacroilíaca direita (distância de 8 mm) e fragmento ósseo ilio-púbico esquerdo destacado e localizado na cavidade pélvica adjacente à bexiga – fls. 241 (art. 57.º da petição inicial) 22. Durante o internamento foram realizadas várias visitas por equipa de Cirurgia Plástica e realizados pensos Daikin por suspeitas de contaminação por Pseudomonas da coxa esquerda e quadrantes esquerdos do abdómen (art. 58.º da petição inicial) 23. No dia 24.07.2014 realizou colostomia do cólon ascendente pela especialidade de Cirurgia Pediátrica, tendo, no dia 04.08.2014, sido submetido a mais uma cirurgia, desta feita pela especialidade de Cirurgia Plástica, para desbridamento da região posterior da coxa que se apresentava suja de fezes, com necrose dos músculos posteriores da coxa e fístulas com fezes na região glútea – fls. 237 (arts. 59.º e 60.º da petição inicial) 24. À admissão nesta Unidade de queimado encontrava-se ventilado e adaptado à ortótese mecânica, facilmente despertável, hemodinamicamente estável sem suporte aminérgico. 25. Foi submetido a balneoterapia sob anestesia geral balanceada, tendo sido realizada lavagem e desbridamento das lesões. Fez 2U CE durante essa intervenção cirúrgica, tendo-se retirado o cateter central na subclávia direita e colocou-se na veia jugular interna direita (arts. 63.º a 65.º da petição inicial) 26. Dada a existência de fezes na região do períneo e nádegas, apesar da colostomia, foi solicitada a observação do demandante pela especialidade de Cirurgia Pediátrica, serviço que verificou o seguinte: - ampola retal destruída na sua porção distal; fezes a saírem pelo intestino distalmente; duas locas importantes sendo uma anterior e outra posterior à ampola retal, sendo a anterior muito grande e profunda, na loca anterior a bexiga é palpável mas não está totalmente exposta (arts. 66.º e 67.º da petição inicial) 27. Como observaram, estas locas vinham cheias de fezes, tendo-se procedido à sua lavagem e colocada uma sonda de contenção fecal na sigmóidea, porque a ampola retal não existe, impedindo que as fezes escorram para os músculos adjacentes, Degloving da raiz da coxa esquerda com fasceite necronizante do membro inferior esquerdo (Anatomia Patológica) infetado com Pseudomonas aeruginosa, Enterococcus faecalis e faecium, Enterococcus cloacae, Stnetrphomonas maltophila em zaragatoas de 12.08.2014 (arts. 68.º e 69.º da petição inicial) 28. A nível neurológico o AA apresentava-se reativo, com abertura espontânea dos olhos, mobilização espontânea dos membros superiores e inferior direito (art. 70.º da petição inicial) 29. No dia 28.08.2014 teve um episódio de convulsão tónico-clónica que cedeu ao Diazepam. Efetuou TAC CE e EEG (padrão Alfa coma em provável relação com a terapêutica, não apresentando atividade epilética), tendo realizado Levetiracetam até ao dia 21.09.2014 (arts. 71.º a 73.º da petição inicial) 30. A nível respiratório, apresentava pneumonia associada ao ventilador a Pseodomonas aeruginoa a 15.09.2014. Permaneceu entubado e ventilado desde o dia ... .07.2014, tendo sido extubado no dia 26.08.2014, pelas 17h00, mantendo-se eupneico, assimetricamente bem e com boas saturações. No mesmo dia, foram observadas abundantes secreções mucopurulentas, apresentando ao RX torácico atelectasia do lobo superior do pulmão direito. Fez, em consequência, broncofibroscopia que revelou edema da mucosa glótica sem condicionar redução do calibre do lúmen, traqueia e ABD e ABE com hiperemia da mucosa e edema difuso, assim como abundantes secreções mucopurulentas bilaterais. Neste dia, e por ser ocorrido dessaturação, o AA foi novamente entubado e conectado ao ventilador, sendo que por revelar melhoria clínico-laboratorial e radiológica reiniciou processo de desmame, tendo, no dia 29.09.2014 sido extubado (arts. 74.º a 81.º da petição inicial) 31. A nível cardíaco, existindo monitorização invasiva com PICCO mostrando valores compatíveis com choque sético/hipivolémico. A nível metabólico/nutricional apresentava colostomia funcionante bem vascularizada, iniciando a alimentação entérica desde o dia 07.08.2014, data em que lhe foi colocada sonda naso-jejunal (arts. 82.º a 84.º da petição inicial) 32. No dia 29.09.2014 iniciou alimentação oral/misto, mantendo a sonda naso-jejunal (art. 85.º da petição inicial) 33. A cistostomia foi trocada duas vezes por extravasamento de urina. A nível osteoarticular apresentava: - fratura exposta da bacia com fixadores externos desde 22.07.2014 a 15.09.2014; - fratura inter-trocantérica do fémur esquerdo; - fratura do epicôndilo do úmero esquerdo com tala gessada colocada em ... .07.2014 e retirada em 12.08.2014; - fratura de L5 com terapêutica conservadora; - miosite ossificante pós-traumática do membro inferior esquerdo (art. 86.º da petição inicial) 34. Apresentava, igualmente, fratura da uretra membranosa e bulbar com cistostomia desde 22.07.2014 e laceração perineal e anal com colostomia desde 24.07.2014 (art. 88.º da petição inicial) 35. No que respeita a cirurgias, pensos e vacuoterapia o demandante apresentava: - no dia 04.09.2014 desbridamento e enxertia autóloga da região anterior da coxa e flanco esquerdo (zona dadora face anterior da coxa direita) – fls. 237; - no dia 18.09.2014 desbridamento e enxertia da face posterior da coxa e nádega esquerda (zona dadora membro inferior direito) – fls. 236; - do dia 19.08.2014 até ao dia 18.09.2014 realizou vacuoterapia no membro inferior esquerdo; - apresenta áreas enxertadas cicatrizadas, com pequenas zonas de perda de enxerto – fls. 236 (art. 89.º da petição inicial) 36. No dia 03.10.2014 foi transferido para o Serviço de Cirurgia Pediátrica daquela Unidade Hospitalar, mantendo, nessa altura, indicação para continuar a reabilitação e cinesioterapia diárias, bem como apoio psicológico (arts. 90.º e 91.º da petição inicial) 37. Assim, e para lhe que fossem efetuados pensos, o AA necessitava ser submetido a sedação profunda (art. 92.º da petição inicial) 38. Por apresentar quadro depressivo iniciou seguimento pela psicóloga e pedopsiquiatria com Necessidade de intervenção psicofarmacológica, de outubro de 2014 a outubro de 2015, devido a alterações emocionais secundárias ao seu estado clínico de politraumatizado, vítima de atropelamento – fls. 227(art. 94.º da petição inicial) 39. No dia 13.04.2015, sob anestesia, o demandante foi ao Serviço de Imagiologia onde foi submetido a embolização das artérias glúteas, que decorreu sem intercorrências – fls. 211 (art. 95.º da petição inicial) 40. E em 14.04.2015, também sob anestesia geral, o AA foi submetido a hemipelvectomia esquerda e desarticulação do membro inferior esquerdo com encerramento da loca cirúrgica co retalho músculo-cutâneo – fls. 211. Durante esta cirurgia foi realizada anastomose da artéria ilíaca externa esquerda por lesão iatrogénica, tendo ocorrido, durante o procedimento cirúrgico, períodos de instabilidade hemodinâmica (arts. 96.º a 97.º da petição inicial) 41. Realizou pensos da hemipelvectomia no bloco operatório nos dias 17, 19 e 21 de abril de 2015 (art. 99.º da petição inicial). 42. Durante o internamento em Cirurgia Pediátrica, necessitou de controlo de dor pela Unidade de Dor, tendo sido colocado cateter epidural (D12 – L1) para administração de terapêutica (arts. 100.º e 101.º da petição inicial)- 43. No dia 12.06.2015 o demandante apresentava-se: - hemodinamicamente estável, apirético, com tolerância oral mantida; - colostomia à direita e cistostomia funcionantes, apesar de se ter verificado ligeira diminuição do débito urinário; - mantém seguimento pela Unidade de Dor Aguda e Dor Crónica, cumprindo o programa de hipnose diário com diminuição progressiva da necessidade de terapêutica analgésica, com sucesso; - mantém seguimento pela Pedopsiquiatria e Psicologia, mantendo medicação anti-depressiva; - mantém fisioterapia diariamente; - realizou pensos em dias alternados sob anestesia geral até ao 24º dia de pós-operatório; - desde então começou a realizar pensos na enfermaria cada vez com menos apoio anestésico; - verificou-se uma boa evolução cicatricial da face anterior do coto amputado, sem exsudados ou sinais inflamatórios; - região sagrada com tecido de granulação, sem exsudado; - membro inferior direito com tecido de granulação e algum tecido desvitalizado com exsudado que se tem tornado mais produtivo e marcante na última semana, pelo que foi realizada lavagem; último penso realizado a 09.06.2015 no bloco operatório e sob anestesia geral; - do pontos de vista infeccioso ocorreu novo isolamento de Klebsiella penumoniae multirresistente em urocultura de 02.06.2015 (art. 102.º da petição inicial). 44. Da nota de Alta do Hospital de ..., em Lisboa, de fls. 21 e ss. pode retirar-se, além do mais, o seguinte: - Diagnósticos: - politraumatizado: Fratura exposta da bacia (ramos isquipúbicos, ilio-púbico esquerdo, sacro, diástese da articulação sacroilíaca e sínfise púbica); lesão de degloving do membro inferior esquerdo; fratura inter-trocantérica do fémur esquerdo; fratura do epicôndilo do úmero esquerdo; fratura da apófise transversa de L5; laceração do períneo; fratura da uretra bulbar e prostática; - miostite ossificante grave e extensa da bacia e no membro inferior esquerdo; - pós-operatório hemipelvectomia esquerda, desarticulação do membro inferior esquerdo e encerramento com retalho muscular pediculado; - Défice de factor XIII; - Litíase do aparelho urinário; - Colonização da urina por Pseodomonas aeruginosa e MSSA; - Reação adversa a contraste iodado. - Procedimentos: - 21.07.2014 – estabilização da bacia com fixador externo; desbridamento e encerramento de esfacelo no triângulo de Scarpa, coxa e perna esquerda. Cistostomia. Reconstrução do neo-ânus; - 24.07.2014 – Colostomia à direita; - 25.11.2014 – Endoscopia Digestiva Alta; - 08.01.2015 – Cateter Venoso Central tunelizado na veia subclávia direita; - 09.01.2015 – Colocação de Cateter Epidural alta (D12 – L1) e de Stent uretral à esquerda; - 13.04.2015 – Angiografia e embolização das artérias glúteas esquerdas; - 14.04.2015 – Hemipelvectomia esquerda, desarticulação do membro inferior esquerdo e encerramento com retalho muscular pediculado; - 29.04.2015 – Uretrocistoscopia e remoção de stent uretral; - 09.06.2015 – Remoção de cateter epidural; - 22.06.2015 – Encerramento de colostomia à direita, pelo Serviço de Cirurgia Pediátrica; realização de colostomia mas distal (cólon transverso) posicionada no mesmo quadrante à direita; – desbridamento cirúrgico da perna direita, região sagrada e bordo anal esquerdo, revestimento da perna direita e região sagrada esquerda com enxerto cutâneo colhida da coxa direita, realizado pelo Serviço de Cirurgia Plástica; - 08.07.2015 – Revisão da Colostomia (libertação do topo proximal, abertura da aponevrose e reposicionamento do topo proximal); - 13.08.2015 – Desbridamento cirúrgico e novo revestimento com enxertos (zonas dadoras: coto do membro inferior esquerdo, face lateral da coxa direita); - 08.09.2015 – Remoção do CVC tunelizado; substituição da cistostomia (tentativa de colocação de botão para drenagem vesical); - 10.09.2015 – Substituição da cistostomia (recolocação de Foley nº 18); - 06.10.2015 – Desbridamento cirúrgico da coxa direita e revestimento com enxertos (zona dadora: região dorsal) (art. 103.º da petição inicial) 45. No dia 3 de fevereiro de 2020, o AA foi internado no Serviço de Urologia do centro Hospitalar Lisboa Norte, com diagnóstico de lesão uretral por fratura pélvica com vista a ser sujeito ao procedimento de uretroplastia anastomótica posterior (2.ª intervenção). Teve alta no dia 6, com as seguintes indicações: deve manter-se 4 semanas algaliado até ser reavaliado (…) - fls. 292 (art. 5.º do Código de Processo Civil) 46. No dia 13 de julho de 2020, foi sujeito a consulta de urologia - fls. 294 (art. 5.º do Código de Processo Civil) 47. Tinha de se submeter a uma intervenção cirúrgica delicadíssima, por força da miostite ossificante que começou a desenvolver devido à maciça destruição que sofreu ao nível da bacia, pélvis e coxa esquerda, a qual lhe provocava dores lancinantes que obrigaram à colocação de cateter epidural, pondo essa patologia (miostite ossificante) em causa os enxertos de pele que iam sendo realizados. A misotite ossificante caracteriza-se pela multiplicação desordenada de células ósseas no tecido muscular, gerando formas que ferem a pele e deformam o corpo, ou como referiu o pequeno demandante ao aqui signatário, “tinha os músculos a transformarem-se em osso” e que podia “petrificar” (arts. 104.º a 107.º da petição inicial) 48. Porque se tratava de uma situação de tal forma grave, a médica responsável pelo serviço onde se encontrava internado o AA, a srª Drª EE, decidiu solicitar ajuda a Centros de Trauma (Europa, E.U.A., Israel e Afeganistão), sendo que, maioritariamente, recebeu a noticia de que não existiam condições para realizar a manipulação cirúrgica, devendo aguardar-se pela evolução clínica – fls. 214 (arts. 108.º a 111.º da petição inicial) 49. Após apoio multidisciplinar no âmbito do qual o AA foi observado, e mantendo-se a recusa internacional para tratamento, ele acabou por ser submetido a essa intervenção cirúrgica naquela Unidade Hospitalar (Hospital de ..., em Lisboa), que demorou mais de 13 horas (arts. 112.º e 113.º da petição inicial) 50. No dia 03.11.2015, foi transferido para o Centro de Medicina de Reabilitação de ..., onde permaneceu internado, conforme relatório de fls. 199 v., e em tratamento até ao dia 09.06.2016, altura em que teve alta hospitalar, com as seguintes indicações: prótese modular tipo “canadense” para membro inferior esquerdo (recebeu), prótese cosmética para membro inferior esquerdo (recebeu), cadeira banho (recebeu), cadeira de rodas Action 5 (aguarda), almofada anti escara Proform NX da Varilite 40x40 (aguarda), AFO para MID (recebeu), um par de canadianas com punho ergonómico (recebeu) – fls. 198/199 - recolhendo a sua casa, onde permaneceu em repouso (arts. 114.º a 118.º da petição inicial) 51. Passou, depois a ser seguido no Serviço de Medicina Física e de Reabilitação do Hospital de ..., onde passou a realizar tratamentos de fisioterapia semanalmente, sendo, também, seguido no Serviço de Psicologia no Centro de Saúde da sua área de residência – fls. 204 (arts. 119.º a 121.º da petição inicial) 52. AA foi sujeito às consultas de fls. 208 (art. 5.º do Código de Processo Civil) 53. No dia 10 de maio de 2016, foi admitido no Hospital de ..., vindo de urgência do Hospital de ..., por mobilização da cistostomia que se mantinha funcionante. O balão tinha apenas 2 cc de água destilada. Realizada substituição da cistostomia por nova fley de longa duração (…) com indicação para regressar ao hspital de origem no mesmo dia – fls. 220 (art. 5.º do Código de Processo Civil) 54. No dia 23.11.2016 foi observado em consulta de avaliação no Centro de Medicina de Reabilitação de ..., onde se pôde constatar que utilizava material de colostomia que lhe era fornecido pelo Centro de Saúde, e bem assim que ainda aguardava pela realização de exame de competência do esfíncter anal no Hospital de ..., em Lisboa, para decisão de eventual encerramento do estoma Ao exame físico, mantinha pele integra, extensão completa do joelho, conseguia flexão dorsal ativa grau I da tibiotársica direita e coluna alinhada na posição de sentado – fls. 198 (arts. 122.º a 125.º da petição inicial), deambulando habitualmente em cadeira de rodas, sem utilizar qualquer prótese pelo risco de lesão cutânea – fls. 68 (art. 126.º da petição inicial) 55. AA foi internado no dia 28 de março de 2017 com alta no mesmo dia após sujeição a neuroestimulação anal + substituição de cateter de citostomia sob sedoanalgesia -fls. 210 (art. 127.º da petição inicial e art. 5.º do Código de Processo Civil) 56. No mês de setembro de 2016 retomou a frequência escolar, ainda que de forma irregular, devido às dificuldades físicas e psicológicas, assistindo também às aulas desde sua casa, com recurso a videochamadas (arts. 128.º a 130.º da petição inicial) 57. Apesar dos tratamentos a que se submeteu o demandante ficou a padecer definitivamente: – amputação pélvica esquerda, com desarticulação da anca, com amiotrofia e redução de força no membro inferior direito (Cap. III, Mc 0501); – dor fantasma do membro amputado – inferior esquerdo (Cap. I, Na 0801); – perturbações persistentes do humor, com grave repercussão na autonomia pessoal, social e profissional (Nb 0901); – rigidez do membro inferior direito na flexão dorsal entre 0º e 5º; – dores frequentes na coluna, com limitação funcional clinicamente objectivável, implicando terapêutica ocasional (Cap. III, Md 0905); – rigidez do membro inferior direito, na flexão dorsal ed 0º a 5º (Cap. III, Mc 1105); – dores e instabilidade da sínfise púbica e da articulação sacro-ilíaca associadas, com alteração estática da bacia e compromisso da marcha (Cap. III, Mc 1105); – anca direita dolorosa, por sobrecarga (Cap. III, Mf 1302); – colostomia (Cap. VI, Da 0101); – perturbações do aparelho digestivo, necessitando de acompanhamento médico frequente, tratamento contínuo e exigências dietéticas estritas, com repercussão no estado geral e incidência social (Cap. VI, nºs 2 e 3, Db 0302, Db 0303); – cistostomia permanente, com colocação de cateter para drenagem de urina (Cap. VII, Ub0501) e– cicatrização patológica das áreas enxertadas e das zonas dadoras, alvos de várias intervenções (Cap. X, Pa 0102). 58. Apresenta, assim, o demandante as seguintes alterações físico-funcionais: - neuro-músculo-esqueléticcas: - amputação transpélvica à esquerda com incapacidade de marcha, amiotrofia e redução da força do membro inferior direito, desvio raquidiano; - genito-urinárias e digestiva: - lesão grave das estruturas pélvicas com necessidade de colostomia e cistostomia; - sensoriais e dor: - dor na hemipelve esquerda (que aumenta com a pressão sobre essa zona e condiciona a dificuldade em permanecer sentando), raquialgias e dor fantasma no membro amputado; - da pele: - áreas de pele enxertada, friável e aderente aos planos subjacentes a recobrir a hemipelve esquerda, parte da região abdominal e do membro inferior direito (arts. 131.º e 132.º da petição inicial) 59. As lesões, consolidadas a 13 de setembro de 2017, 1151 dias após o evento traumático, provocaram ao AA um défice funcional total de 751 dias (incluindo para as atividades escolares) e parcial de 430 dias. O período de défice funcional com repercussão na disciplina de educação física foi fixado em 1151 dias, embora ainda hoje o AA esteja incapaz de realizar atividade física não adaptada (atividades desportivas e de lazer) e o exercício das atividades habituais implique esforços suplementares. Com efeito, as sequelas supra impedem o AA de desenvolver qualquer atividade que exija boa mobilidade e força dos membros inferiores, assim como do membro superior esquerdo – fls. 367 (arts. 133.º, 135.º, 136.º da petição inicial) 60. Foi fixado um quantum doloris de grau 7 numa escala de 1 a 7, tanto no momento do acidente, com no decurso do demorado, extenso e penoso tratamento e cujas sequelas, com dores, que o vão acompanhar até ao fim dos seus dias e que se exacerbam com as mudanças de tempo, de quente para frio (arts. 134.º, e 144.º a 147.º da petição inicial) 61. E provocam-lhe um dano estético de grau 6 numa escala de 1 a 7 (art. 137.º da petição inicial), uma repercussão nas atividades desportivas e de lazer de grau 7 numa escala de 1 a 7 (art. 138.º da petição inicial), um prejuízo sexual de grau 7 numa escala de 1 a 7 (art. 139.º da petição inicial) e um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 92 pontos, sendo de admitir dano futuro – fls. 367. 62. O AA ficou ainda com a necessidade das seguintes ajudas técnicas: – almofada para prevenção de escaras; – cadeira de duche; – cadeira de rodas manual ativa; – cama articulada; – colchão de conforto; – ortótese para pé e tornozelo para o membro inferior direito sob medida; – prótese para o membro inferior esquerdo transpélvica endosquelética com articulação da anca e joelho com mecanismos de controlo hidráulico, pé em carbono com retorno de energia e revestimento cosmético (caso venha a suportar a mesma após cirurgia, ainda incerta). 63. E as seguintes adaptações: a) – adaptações automóveis (caixa automática e comandos no volante); b) – equipamento informático; c) – handcycle para desporto adaptado; d) – mesa de trabalho escolar; e) – poltrona para trabalho e estudo; f) – cadeira de rodas tipo scooter, elétrica para se deslocar fora do domicílio; e g) – adaptação da habitação para ali poder circular livremente em cadeira de rodas – fls. 73 v. /367 (art. 140.º e 141.º, 288.º e ss. da petição inicial). 64. Ficou, igualmente por força das sequelas de que ficou a padecer definitivamente, do auxílio de uma terceira pessoa, para as atividades de higiene diária e locomoção, num período de 5 horas por dia – fls. 367 (art. 142.º da petição inicial) 65. E, igualmente para futuro, necessita de acompanhamento médico, com consultas regulares, nas seguintes especialidades: – Psiquiatria/Psicologia; – Ortopedia; – Cirurgia Plástica (por ser necessário realizar novas cirurgias para otimização das áreas enxertadas, bem como do coto de amputação, dada a dificuldade que apresenta na execução técnica de protestização, devido ao nível muito alta da amputação, bem como da irregularidade da superfície do coto); – Medicina Física e de Reabilitação (para re-educação funcional e ensino do uso da prótese do membro inferior esquerdo, caso venha a ser essa a opção médica) – fls. 367 (art. 147.º da petição inicial) 66. Na altura do acidente o demandante tinha 13 anos de idade tendo nascido no dia 15 de fevereiro de 2001 – fls. 76 (art. 148.º da petição inicial). Era um jovem saudável, fisicamente bem constituído, dinâmico, alegre, social e sociável (art.149.º da petição inicial) 67. À data do acidente tinha já terminado o 6º ano de escolaridade, encontrando-se, no momento do acidente dos autos, no gozo das férias escolares (art. 259.º e 260.º da petição inicial) 68. No ano letivo 2018/2019 frequentava o 9º ano de escolaridade (art. 261.º da petição inicial) 69. Não tinha, como não tem, qualquer ocupação remunerada (art. 263.º da petição inicial) 70. Seria expectável que o AA, iniciando qualquer atividade profissional auferisse, pelo menos, por lei, o correspondente à retribuição mínima garantida (art. 265.º da petição inicial) 71. O AA passou, passa e irá continuar a passar por momentos de grande dor física e psicológica (art. 151.º da petição inicial) 72. Está agora confinado a uma cadeira de rodas, uma poltrona ou uma cama, pois, atendendo à forma como ocorreu a lesão a nível do membro inferior esquerdo e consequente amputação, tem sido impossível colocar a prótese (arts. 153.º e 154.º da petição inicial) 73. Na zona onde reside o demandante não consegue contratar uma terceira pessoa por quantia inferior a 5,00 € por hora, o que representa uma despesa mensal de 500,00 €, 12 vezes por ano (arts. 325.º e 326.º da petição inicial) 74. Era uma criança feliz, alegre, bem disposta e de bem com a vida, que, rapidamente, percebeu que essa sua infância e adolescência tinha sofrido um fortíssimo e definitivo revés, do qual jamais irá recuperar. Vive dias melhores, dias piores, seja com as dores que o acompanham diariamente, seja com o facto de estar, desde o mês de julho de 2014, confinado a uma cama e a uma cadeira de rodas, realidade à qual não se consegue habituar, chorando (arts. 155.º a 165.º da petição inicial) 75. Deixou de brincar com os seus amigos na rua, onde jogava futebol e andava de bicicleta, bem como quando se deslocava para a escola sentia-se incomodado com os olhares dos outros alunos e deixou de sair com amigos e perdeu o interesse por tudo o que é comum naquelas idades, tendo passado a sua adolescência no interior de unidades hospitalares e em tratamentos (arts. 166.º a 173.º da petição inicial) 76. E agora que atingiu a maioridade tem outras preocupações que o atormentam, pois, ao contrário dos seus colegas e amigos, vai ter extrema dificuldade em poder obter a licença de condução (arts. 174.º a 175.º da petição inicial) Dos danos da autora, mãe do AA 77. Logo que tomou conhecimento do acidente do filho, CC não mais saiu de próximo dele, tendo seguido com ele desde o Hospital de ... para o Hospital de ... em Lisboa, de helicóptero, e ali viveu durante cerca de dois anos, temendo, por aquilo que os médicos lhe iam referindo nos briefings diários, pela vida do seu filho de 13 anos de idade, o que a marcou, incluindo a impossibilidade de colaboração dos vários hospitais internacionais que foram contactados pelo Hospital de ... de Lisboa (arts. 183.º a 193.º da petição inicial) 78. Enquanto ali viveu durante dois anos, deixou de poder estar com a sua filha FF e o seu companheiro, o demandante BB, o que lhe provocou profunda tristeza, pois estava ali a sofrer sozinha, sem ter ao seu lado qualquer familiar que a pudesse apoiar (arts. 194.º a 196.º da petição inicial) 79. E maior era o seu sofrimento por saber que a sua filha FF, a quem foi diagnosticado o Síndrome de Asperger, necessitava de ajuda diária, e que não lhe podia valer (arts. 197.º e 198.º da petição inicial) 80. No mês de setembro de 2015 teve a notícia de que o seu companheiro, BB, tinha sofrido um AVC hemorrágico que acabou por colocá-lo, para o resto dos seus dias, numa cadeira de rodas, sujeito a tratamentos de fisioterapia e terapia da fala diários – fls. 77 (arts. 200.º a 202.º da petição inicial) 81. Passou, assim, a dividir-se entre ..., onde estava com a sua filha, em ... onde estava com o marido hospitalizado e em Lisboa, onde tinha o demandante AA também internado, tendo dias em que estava de manhã em ..., à tarde em Lisboa e ao fim do dia em ..., deslocando-se, sempre, de autocarro, onde muitas vezes chorou por tudo aquilo que estava a acontecer com a sua família (arts. 203.º a 205.º da petição inicial) 82. Por isso, e tendo uma família onde reinava a alegria, diversão e amor, Ana, de repente, com 32 anos de idade passou a ter o seu filho numa cadeira de rodas, assim como o seu marido, sendo a ela que cabe olhar, agora, por todos os membros do seu agregado familiar. Deixou, assim, de ter vida própria, vivendo apenas em função das limitações dos seus filhos e marido, o que lhe provoca uma profunda tristeza, que a acompanha todos os dias, chorando, sofrendo pela situação atual e futura do filho (arts. 208.º a 219.º, 227.º a 229.º, 233.º da petição inicial) 83. Atualmente, residem num rés-do-chão, não têm vida social relevante (arts. 220.º a 224.º da petição inicial), tendo o agregado cerca de € 700/mês (art. 225.º da petição inicial) 84. Uma vez que está dedicada a cuidar da família, CC não tem conseguido encontrar ocupação remunerada, nem lhe permite, tampouco, privar com outras pessoas para, de algum modo, espairecer de todo o sofrimento diário que vive (arts. 226.º, 230.º a 232.º da petição inicial) Dos danos do pai do AA, BB 85. Após ter sido informado de que o seu filho AA tinha sido vítima de um acidente de viação deslocou-se ao local do acidente, onde ainda pôde ver o seu filho a ser assistido pela equipe médica do INEM, do que jamais se irá esquecer até ao fim dos seus dias (arts. 236.º a 238.º da petição inicial) 86. Por força do problema de saúde de que padece a sua filha FF (Síndrome de Asperger), o pai não teve possibilidade de acompanhar diariamente a evolução clinica do seu filho AA, fazendo-o apenas à distância e quando recebia telefonemas da sua esposa que acompanhava o seu filho AA no Hospital de ..., em Lisboa. Sofreu em particular com as intervenções cirúrgicas a que o filho foi submetido e quando percebeu que o seu filho iria ficar condenado a locomover-se apenas numa cadeira de rodas por lhe ter sido amputado o membro inferior esquerdo, sem possibilidade de jogar futebol com ele, como habitualmente dar umas caminhadas como o faziam habitualmente e fazer outro tipo de brincadeiras, inclusivamente na praia (arts. 239.º a 240.º da petição inicial) Da ré 87. A demandada assumiu a obrigação de indemnizar terceiros por via do contrato de seguro titulado pela apólice nº 0045.11.100272 referente ao veículo pesado de mercadorias ..-..-TL, propriedade de U..., Lda., e que no momento da colisão circulava sob a sua direção efetiva e no seu interesse, conduzido por DD, no exercício de funções laborais de que o tinha incumbido – fls. 120 (art. 332.º da petição inicial) O DIREITO Esclarecimento prévio acerca da noção de “dano biológico” Não há dúvidas de que o que se põe em causa em ambos os recursos é o quantum indemnizatório. Começando pelo recurso independente, e por aquilo que respeita ao jovem AA, verifica-se que se questiona não só a quantificação dos danos não patrimoniais como também, ipsis verbis, “a quantificação da indemnização devida pela necessidade de 3ª pessoa” e a “não quantificação do dano biológico sofrido pelo recorrente, na sua vertente patrimonial” (cfr. conclusão 2.ª). Em face disto, impõe-se um esclarecimento. A categoria do “dano biológico” (também chamado “dano da saúde”1, “dano corporal”2) e a categoria, mais abrangente ainda, do “dano existencial”3 vêm sendo usadas tanto pela doutrina e como pela jurisprudência com a intenção de superar a dificuldade na identificação dos danos susceptíveis de resultar da ofensa de direitos de personalidade e na distinção entre os vários tipos. Tendo em conta a unidade da pessoa, importando, em qualquer caso, manifestar a percepção crescente dos “multifacetados níveis de protecção que a personalidade humana reclama”4, trata-se de um conceito tentativamente englobalizador ou (re)unificador. Segundo os adeptos destas categorias, pondo em causa a rigidez da distinção entre danos patrimoniais e não patrimoniais5, a categoria do “dano biológico” permitiria a ampliação do número e do tipo de consequências que o julgador deve ter em consideração no momento de calcular o montante da indemnização e propiciaria as condições para o cálculo de uma indemnização mais justa, uma vez que permitiria compreender que o facto lesivo origina um conjunto de consequências que não são absolutamente autónomas ou dissociáveis e em que se incluem as consequências conhecidas como de natureza não patrimonial bem como de natureza patrimonial futura, não se esgotando, contudo, nestas. Embora tenha tido origem no Direito italiano6, esta nova orientação foi bem recebida em Portugal, sendo aplicada, em particular, quando estão em causa danos decorrentes de acidentes de viação. De acordo com a jurisprudência aderente, na avaliação destes danos, o julgador deve ponderar factores variados, quais sejam as restrições que o lesado tem de suportar na qualidade da sua vida em virtude das lesões biológicas, a criação ou indução de dependências que afectam o exercício da sua liberdade pessoal, os prejuízos nas suas aptidões familiares ou afectivas, as necessidades especiais dos lesados que sejam pessoas débeis, como os idosos ou as crianças, e quaisquer outros que possam assumir relevância consoante as circunstâncias do caso concreto. Sucede que, não obstante as suas boas intenções, a noção de dano biológico não é sempre uniformemente utilizada ou devidamente compreendida, o que pode causar graves mal-entendidos. Sobretudo quando o termo é empregue em simultâneo com a (e não em alternativa à) terminologia clássica, assente na distinção entre “danos patrimoniais” e “danos não patrimoniais”, pode haver a impressão de que certos danos não foram contabilizados ou, ao invés, de que existiu uma dupla contabilização. É, justamente, o que parece acontecer aqui. O recorrente alega, por um lado, que a necessidade do AA de auxílio de terceira pessoa não foi bem avaliada (cfr. conclusões 18.ª a 24.º) e, por outro, que o “dano biológico na vertente patrimonial” do AA não foi repercutido na indemnização (cfr. conclusões 25.ª a 28.ª, sobretudo, conclusão 25.ª). Ora, desde logo, e como se viu acima, o “dano biológico na vertente patrimonial” não é um dano distinto e autónomo da perda da capacidade geral de ganho e da necessidade de auxílio de terceira pessoa. Depois, não é verdade que o Tribunal recorrido não tenha repercutido o “dano biológico na vertente patrimonial” do AA na indemnização; o que houve foi uma redução da indemnização pelos danos patrimoniais futuros, que resultou da desvalorização dos danos por perda de rendimentos futuros e dos danos decorrentes do auxílio de terceira pessoa. Se não veja-se. Na sentença nunca se menciona o termo “dano biológico”. Em contrapartida, no Acórdão recorrido há várias referências ao “dano biológico” mas apenas com o fim de enquadramento, existindo uma perfeita correspondência entre as parcelas indemnizatórias avaliadas, a final, em cada uma das decisões. Na sentença fixa-se uma indemnização pelos danos patrimoniais futuros do AA no valor total de € 845.000: € 540.000 pelo “dano patrimonial por perda de rendimentos futuros” e € 305.000 pelos outros danos patrimoniais futuros, “correspondentes às despesas que terá para a ajuda de terceiro (que contabiliza em € 500/mês, quantia razoável, tendo em conta que, se possível, o autor deveria ter um apoio especializado, dada a dimensão das sequelas de que sofre) e que devem ser contabilizadas para o futuro (até lá, a mãe assegurou essa atividade, não tendo sido apresentado comprovativo de qualquer despesa a esse título) tendo em conta a esperança média de vida do autor”. No Acórdão fixa-se uma indemnização pelos danos patrimoniais futuros do AA no valor total de € 710.500: € 450.000 “por perda de rendimentos futuros” e € 260,500 pelo “dano patrimonial decorrente do auxílio de terceira pessoa”. Vendo bem, aquilo que o recorrente pretende é que os danos decorrentes do auxílio de terceira pessoa sejam elevados para € 359.250 (cfr. conclusão 22.ª) e que os outros danos patrimoniais futuros, em que se integra, à cabeça, a perda de rendimentos futuros, sejam avaliados em mais € 90.000, ou seja, (re)elevados para € 540.000 (cfr. conclusão 28.ª). De qualquer forma, para evitar mal-entendidos, considera-se preferível adoptar – acompanhando, aliás, in casu, as instâncias – a nomenclatura tradicional, mais estabilizada, dos danos patrimoniais e dos danos não patrimoniais. Dir-se-á, em suma, que, no que respeita ao jovem AA, são dois os grupos de danos a considerar: os danos não patrimoniais e os danos patrimoniais ou, mais precisamente, os danos patrimoniais futuros. Dos danos não patrimoniais do AA O Tribunal a quo atribuiu ao AA uma indemnização por danos não patrimoniais no valor de € 350.000, o que corresponde a uma redução do valor atribuído pelo Tribunal de 1.ª instância (€ 500.000). A sua fundamentação foi, no essencial, a seguinte: “Estão em causa prejuízos de natureza infungível em que, não sendo possível uma reintegração por equivalente, importa atribuir ao lesado uma compensação que proporcione certas condições decorrentes da utilização do dinheiro. A indemnização por tais danos, «sem embargo da função punitiva que, outrossim, reveste, tem por fim facultar ao lesado meios económicos que, de alguma sorte, o compensem da lesão sofrida, por tal via reparando, indiretamente, esses danos, por serem hábeis a proporcionar-lhe alegrias e satisfações, porventura de ordem puramente espiritual, que consubstanciam um lenitivo com a virtualidade de o fazer esquecer ou, pelo menos, mitigar a havido sofrimento moral». Abrange, «nomeadamente os prejuízos estéticos, os sociais, os derivados da não possibilidade de desenvolvimento de atividades agradáveis». O valor da indemnização deve ter um alcance significativo, que não simbólico ou miserabilista, apurado segundo um juízo de equidade (art. 496.º n.º 3 do CC), efetivando a procura da justiça do caso concreto, assente numa ponderação prudencial e casuística das circunstâncias do caso, sem olvido do princípio da igualdade (art.º 13.º da CRP), iluminador da uniformização de critérios, tendo em atenção os padrões de indemnização normalmente adaptados na jurisprudência em casos similares. Considerando toda a factualidade elencada que contende com tal questão, que traduz os padecimentos sofridos pelo A logo após o embate, no Hospital, no período subsequente às intervenções cirúrgicas, os padecimentos decorrentes da amputação pélvica esquerda e das demais lesões e alterações físico-funcionais que regista, o quantum doloris de grau 7, o dano estético de grau 6, a falta de autonomia para as atividades da vida diária, o sofrimento por se ver confinado a cama e a cadeira de rodas desde os 13 anos de idade, levando em linha de conta os montantes indemnizatórios atribuídos em casos concretos submetidos a apreciação superior, afigura-se adequado fixar em €350 000 (trezentos e cinquenta mil euros) a compensação a atribuir ao A a tal propósito”. A isto o recorrente reage a isto apresentando duas ordens de contra-argumentos. Em primeiro lugar, chama a atenção para o facto de o Tribunal recorrido não apontar nenhum vício à sentença, manifestando com isto a sua incompreensão pela decisão de revogação da indemnização (cfr., sobretudo, conclusões 12.ª e 13.ª). Em segundo lugar, alega que o montante indemnizatório não corresponde aos danos efectivamente existentes (cfr., sobretudo, conclusões 9.ª e 10.ª) e que, além disso, consubstancia uma concepção miserabilista e desactualizada da indemnização (cfr., sobretudo, conclusões 14.ª a 17.ª). Pede, em suma, uma indemnização por danos não patrimoniais no valor de € 500.000 (cfr. conclusão 18.ª). A verdade, porém, é que, em primeiro lugar, os danos não patrimoniais são calculados, essencialmente, com base na equidade, pelo que estava nos poderes do Tribunal recorrido, sem necessidade de imputar qualquer violação ao Tribunal de 1.ª instância, alterar esta indemnização. Quando se trata de fixar indemnização por danos não patrimoniais está em causa, não propriamente, o seu ressarcimento, visto que, por sua natureza, são insusceptíveis de avaliação económica, mas um esforço de compensação. Quer dizer: a função da indemnização nestes casos traduz-se em facultar ao lesado uma compensação pelo sofrimento, angústia ou incómodos relevantes que suportou em consequência do facto produtor dos danos. Assim, como se afirmou em Acórdãos deste Supremo Tribunal, em relação aos danos não patrimoniais, o princípio é o de que a indemnização se calcula de acordo com a equidade (art. 496.º, n.º 4, do CC)7 ou, repetindo as palavras do Acórdão do mesmo Supremo Tribunal de 26.02.2019, “o julgador tem margem para valorar segundo a equidade, cumprindo ao Supremo Tribunal de Justiça averiguar apenas se, na fixação daquele montante o tribunal a quo respeitou os ditames de origem legal e jurisprudencial relevantes e arbitrou, portanto, uma indemnização adequada ao caso em concreto”8. Em resposta ao segundo grupo de argumentos, dir-se-á que a fundamentação do Acórdão recorrido denota que o Tribunal a quo considerou os factos provados relevantes para o cálculo do dano e que ponderou os montantes das indemnizações fixadas nos casos paralelos, nomeadamente nos Acórdãos deste Supremo Tribunal de 19 de Janeiro de 2016 (José Rainho), de 11 de Fevereiro de 2016 (João Trindade), de 14 de Julho de 2016 (João Trindade) e de 16 de Março de 2017 (Maria da Graça Trigo), que, como é admitido pelo recorrente, são dos únicos casos semelhantes na jurisprudência dos tribunais superiores (cfr. conclusão 15.ª). Em conclusão, no que toca a este ponto, não se vislumbra erro ou violação da lei que possam ser assacados ao Tribunal recorrido por este Supremo Tribunal, pelo que a sua decisão é de manter. Dos danos patrimoniais futuros do AA Neste capítulo há que avaliar, em particular, das parcelas indemnizatórias correspondentes aos danos derivados do auxílio de terceira pessoa e da perda da capacidade geral de ganho, fixadas, como se sabe, em € 260.500 e € 450.000, respectivamente, o que significa uma redução relativamente aos valores fixados na 1.ª instância (€ 305.000 e € 540.000). Para justificar a primeira parcela disse o Tribunal recorrido: “Afigura-se que tal indemnização há de ter referência o pagamento da verba apurada (€500) mas 13,5 vezes por ano, conforme decorre da lei relativa ao contrato de serviço doméstico, o que implicará na verba de €260 500. Não está afirmado que a esperança de vida de AA será diversa da que decorre do padrão decorrente do respetivo ano de nascimento, pelo que não está o Tribunal legitimado a tomar tal dado como critério definidor do montante indemnizatório. A redução do capital decorrente do pagamento antecipado afigura-se não ser devida, quer pelo valor da taxa de juro que se regista e perspetiva para os tempos mais próximos quer porque a vantagem da antecipação atenuará, de algum modo, a perda decorrente do aumento, no decurso do tempo, da prestação mensal. Não se alcançando o critério aplicado em 1.ª Instância, fixa-se o montante indemnizatório em causa na apontada verba de €260 500 (duzentos e sessenta mil e quinhentos euros)”. Contrapõe o recorrente: “20º não lhe assiste qualquer razão quando reduz essa indemnização para a quantia de 260.500,00 € com base nos critérios que utilizou, ou seja, para atingir essa quantia, dividindo-a pelos 500,00 € mensais, o recorrente AA apenas seria indemnizado por 521 meses (ou 43,4 anos). 21ª Porém, socorrendo-nos dos dados da Pordata, a esperança de vida dos indivíduos de sexo masculino nascidos em 2001 é de 73,3 anos, motivo por que, sem mais, a quantia que deveria ter sido arbitrada ao recorrente AA deveria ter sido a quantia de 359.250,00 €, partindo do princípio que o recorrente AA necessita dessa ajuda de terceira pessoa desde a data da alta, ou seja, pelo menos desde os seus 20 anos de idade. 22ª Deve, por isso, ser revogada a decisão aqui em crise no que tange à indemnização devida ao recorrente a título da ajuda de terceira pessoa e ser proferida nova decisão que condene a recorrida a pagar ao recorrente, a esse título, a quantia de 359.250,00 € (500,00 € x 13,5 meses x 53,3 anos)”. Quanto aos restantes danos patrimoniais futuros, o Tribunal a quo concentrou-se no dano derivado da perda da capacidade geral de ganho, explicando o valor da indemnização a que chegou nos termos seguintes: “No que respeita aos critérios a adotar para fixação do quantum indemnizatório, tem-se entendido que assentam na equidade, à luz do regime inserto no art. 566.º n.º 3 do CC. Porém, «a utilização de critérios de equidade não impede que se tenham em conta as exigências do princípio da igualdade, cuja prossecução implica a procura de uma uniformização de critérios, naturalmente não incompatível com a devida atenção às circunstâncias do caso. Os critérios seguidos pela Portaria n.º 377/2008, de 26/05, com ou sem as alterações introduzidas pela Portaria n.º 679/2009, de 25/06, destinam-se expressamente a um âmbito de aplicação extra-judicial, e se podem ser ponderados pelo julgador, não se sobrepõem ao critério fundamental para a determinação judicial das indemnizações fixado pelo Código Civil.»25 À luz de tais ensinamentos bem como dos parâmetros que vem sendo aplicados pelos tribunais superiores26, importa levar em linha de conta a seguinte factualidade provada: - o Recorrido contava, à data do acidente, 13 anos de idade; - a esperança de vida prolonga-se até aos 73,3 anos;27 - a idade legal de acesso à reforma é, atualmente, de 66 anos e 4 meses; - o Recorrido ficou a padecer de défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 92 pontos, com rebate profissional; - a RMMG28 à data da prolação da sentença29 cifra-se em €705.30 Por aplicação das regras decorrentes da Portaria n.º 377/2008 e respetivo anexo IV (arts. 3.º al. b) e 8.º da citada Portaria), na redação atualizada, a indemnização ascenderia, segundo o simulador da Associação Portuguesa de Seguradores31, ao montante de €279 258,08. Procedendo às operações inerentes a tal tabela, ou seja, multiplicando por 92 o valor de 2293,11 constante da tabela atenta a idade do Recorrido à data do acidente, alcança-se o montante de €210 966,12, valor fixado com referência à RMMG de 2007, no montante de €40332. Tomando por referência a RMMG de €705 e aplicando a regra matemática de três simples, obtém-se o montante indemnizatório de €369 059,83. Trata-se do montante apontado como critério orientador para efeitos de apresentação, pelas seguradoras aos lesados por acidente automóvel, de proposta razoável para indemnização do dano corporal, em caso de incapacidade permanente parcial – v. art. 1.º da referida portaria. Já aplicando a tabela inserta no Ac. do STJ de 04/12/200733, considerando 48 anos de vida ativa e o fator 25,26671, alcança-se o valor de €229 431,83, a que se reduziria 1/3 pela antecipação da disponibilidade do capital. Tal construção considera uma taxa de juro de 3%, manifestamente desajustada dos tempos presentes. Afigura-se, no entanto, que a utilização de tais instrumentos só pode servir para determinar o minus indemnizatório, o qual terá de ser corrigido com vários elementos que possam conduzir a uma indemnização justa, já que tais tabelas não contemplam, designadamente, os seguintes itens: - o prolongamento da IPP para além da idade de reforma (entrando na base de cálculo a referência à idade de reforma aos 65 anos, não significa necessariamente que se deixe de trabalhar depois dessa idade, ou que se deixe de ter atividade depois dela); - a tendência, pelo menos a médio e longo prazo, quanto à melhoria das condições de vida do país e da sociedade e do próprio aumento de produtividade; - a tendência para o aumento da vida ativa para se atingir a reforma nem o aumento da própria longevidade; - a inflação; - a progressão na carreira e, decorrentemente, a progressão salarial. Por outro lado, afigura-se não ser devida a redução da quantia apurada em 1/3 a título de compensação da vantagem decorrente da antecipação do capital, desde logo atentas as reduzidas taxas de juros que atualmente se registam e se perspetivam, e ainda por se levar em linha de conta que, sendo a incapacidade de 92 pontos, seria de considerar afetada a totalidade do rendimento a auferir até ao termo da vida ativa, o que implicaria, à luz da RMMG atual, na verba de €473.760 (672 meses x €705). Considerando tudo o que se deixa exposto, dado que não resulta da factualidade assente que o Recorrido em nada tenha contribuído para a eclosão do acidente, nem o seu contrário, afigura-se adequado fixar o montante indemnizatório pela perda de rendimento futuro na quantia de €450 000 (quatrocentos e cinquenta mil euros)”. Neste conspecto, o recorrente contra-argumenta: “27ª Arbitrou o Tribunal a quo a quantia de 450.000,00 € (quatrocentos e cinquenta mil euros) a título de perda futura de ganho, considerando um rendimento de 705,00 € (RMMG), por um período de 672 meses. Quanto a esta questão, nada a apontar. 28ª Porém, não poderia o Tribunal a quo quedar-se por aí, pois que a esse dano necessariamente teria de acrescer um importante e grave dano biológico sofrido pelo recorrente AA e que não seria em demasia se tivesse sido contabilizado na quantia de 90.000,00 € (noventa mil euros), o que imporia que se tivesse mantido a quantia global de 540.00,00 € (quinhentos e quarenta mil euros) como doutamente decidido pela Meritíssima Juíza de 1ª Instância”. Como se disse no recente Acórdão deste Supremo Tribunal de 11 de Janeiro de 2014 (Proc. 25713/15.9T8SNT.L1.S1), em relação aos danos patrimoniais, designadamente aos danos patrimoniais futuros, a sua ressarcibilidade não depende da comprovada perda de rendimentos do lesado, podendo e devendo o julgador ponderar, designadamente, tanto o dano relativo à perda da capacidade geral de ganho como o dano relativo ao acrescido esforço no exercício das tarefas diárias, que é susceptível de se traduzir na necessidade de auxílio de terceiras pessoas, e sendo o princípio o de que a indemnização deve calcular-se de acordo com as regras dos artigos 562.º e seguintes do CC, funcionando a equidade como último recurso, para ajustar o montante da indemnização às particularidades do caso concreto. Reitera-se esta última ideia, entre outros, no Acórdão deste Supremo Tribunal de 23.04.2020 (Proc. 5/17.2T8VFR.P1.S1),: “Em relação aos danos patrimoniais, designadamente aos danos patrimoniais futuros, o princípio é o de que a indemnização deve calcular-se de acordo com as regras dos artigos 562.º e seguintes do CC, funcionando a equidade como último recurso, para ajustar o montante da indemnização às particularidades do caso concreto”. Analisando, primeiro, a parcela respeitante à necessidade de auxílio de terceira pessoa, deve dar-se razão ao recorrente quando diz que devia ter-se atendido – e não se atendeu – ao tempo de vida remanescente dos indivíduos com a idade do AA. De facto, o Tribunal recorrido chegou ao valor de € 260.500 (ou, em qualquer caso, a um valor inferior ao atingido pelo Tribunal de 1.ª instância) multiplicando a verba mensal de € 500 por 13,5 meses e considerando, não a esperança média de vida do autor, como fez o Tribunal de 1.ª instância, mas a um período global de 38 anos e 7 meses. Cumpre salientar, todavia, que a alteração (redução) da indemnização foi efectuada por impulso recursivo, não do autor, mas da ré, o que significa que o autor se conformou com o valor fixado na sentença (€ 305.000) e assim fica impedido de peticionar, na presente revista, um valor superior. Em suma, assistindo razão ao recorrente no que toca ao método de cálculo dos danos decorrentes do auxílio de terceira pessoa, deve esta indemnização ser fixada naquele valor máximo, ou seja, € 305.000. Passando agora à parcela respeitante à perda da capacidade geral de ganho, nota-se que o recorrente nada aponta ao raciocínio e ao resultado atingido (cfr. conclusão 27.ª). Aquilo que o recorrente alega é que deveriam ser tidos em conta outros danos. Mas a sua alegação é genérica e imprecisa, falando o recorrente, tão-só, num “importante e grave dano biológico sofrido pelo recorrente AA e que não seria em demasia se tivesse sido contabilizado na quantia de 90.000,00 €”. Não se vendo que outros danos pudessem, em concreto, ser identificados e contabilizados dentro desta categoria – nem o recorrente tão-pouco os precisa – mantém-se a decisão do Tribunal recorrido neste ponto. Dos danos não patrimoniais reflexos dos Pais do AA Resta, por fim, apreciar a indemnização atribuída à Mãe do AA – impugnada no recurso subordinado – e a indemnização atribuída ao Pai – impugnada em ambos os recursos. O Tribunal a quo concluiu quanto a estas indemnizações: “A gravidade dos danos ocorridos justifica a indemnização dos danos não patrimoniais sofridos pelos pais em decorrência de tal situação. Importa considerar que, na altura do acidente, o filho tinha 13 anos de idade, era um jovem saudável, fisicamente bem constituído, dinâmico, alegre, social e sociável. Acompanharam o considerável sofrimento físico e psicológico do filho, sabendo-se que irá continuar a passar por momentos de grande dor física e psicológica. Está agora confinado a uma cadeira de rodas, uma poltrona ou uma cama, pois, atendendo à forma como ocorreu a lesão a nível do membro inferior esquerdo e consequente amputação, tem sido impossível colocar a prótese. Era uma criança feliz, alegre, bem-disposta e de bem com a vida, que, rapidamente, percebeu que essa sua infância e adolescência tinha sofrido um fortíssimo e definitivo revés, do qual jamais irá recuperar. Vive dias melhores, dias piores, seja com as dores que o acompanham diariamente, seja com o facto de estar, desde o mês de julho de 2014, confinado a uma cama e a uma cadeira de rodas, realidade à qual não se consegue habituar, chorando. Relativamente à A CC, provou-se a seguinte factualidade: 77. Logo que tomou conhecimento do acidente do filho, CC não mais saiu de próximo dele, tendo seguido com ele desde o Hospital de ... para o Hospital de ... em Lisboa, de helicóptero, e ali viveu durante cerca de dois anos, temendo, por aquilo que os médicos lhe iam referindo nos briefings diários, pela vida do seu filho de 13 anos de idade, o que a marcou, incluindo a impossibilidade de colaboração dos vários hospitais internacionais que foram contactados pelo Hospital de ...de Lisboa. 78. Enquanto ali viveu durante dois anos, deixou de poder estar com a sua filha FF e o seu companheiro, o demandante BB, o que lhe provocou profunda tristeza, pois estava ali a sofrer sozinha, sem ter ao seu lado qualquer familiar que a pudesse apoiar. 79. E maior era o seu sofrimento por saber que a sua filha FF, a quem foi diagnosticado o Síndrome de Asperger, necessitava de ajuda diária, e que não lhe podia valer. 80. No mês de setembro de 2015 teve a notícia de que o seu companheiro, BB, tinha sofrido um AVC hemorrágico que acabou por colocá-lo, para o resto dos seus dias, numa cadeira de rodas, sujeito a tratamentos de fisioterapia e terapia da fala diários. 81. Passou, assim, a dividir-se entre ..., onde estava com a sua filha, em ... onde estava com o marido hospitalizado e em Lisboa, onde tinha o demandante AA também internado, tendo dias em que estava de manhã em ..., à tarde em Lisboa e ao fim do dia em ..., deslocando-se, sempre, de autocarro, onde muitas vezes chorou por tudo aquilo que estava a acontecer com a sua família. 82. Por isso, e tendo uma família onde reinava a alegria, diversão e amor, Ana, de repente, com 32 anos de idade passou a ter o seu filho numa cadeira de rodas, assim como o seu marido, sendo a ela que cabe olhar, agora, por todos os membros do seu agregado familiar. Deixou, assim, de ter vida própria, vivendo apenas em função das limitações dos seus filhos e marido, o que lhe provoca uma profunda tristeza, que a acompanha todos os dias, chorando, sofrendo pela situação atual e futura do filho. 83. Atualmente, residem num rés-do-chão, não têm vida social relevante, tendo o agregado cerca de € 700/mês. 84. Uma vez que está dedicada a cuidar da família, CC não tem conseguido encontrar ocupação remunerada, nem lhe permite, tampouco, privar com outras pessoas para, de algum modo, espairecer de todo o sofrimento diário que vive. Relativamente ao A BB cumpre assinalar o seguinte: 85. Após ter sido informado de que o seu filho AA tinha sido vítima de um acidente de viação deslocou-se ao local do acidente, onde ainda pôde ver o seu filho a ser assistido pela equipe médica do INEM, do que jamais se irá esquecer até ao fim dos seus dias. 86. Por força do problema de saúde de que padece a sua filha FF (Síndrome de Asperger), o pai não teve possibilidade de acompanhar diariamente a evolução clinica do seu filho AA, fazendo-o apenas à distância e quando recebia telefonemas da sua esposa que acompanhava o seu filho AA no Hospital de ..., em Lisboa. Sofreu em particular com as intervenções cirúrgicas a que o filho foi submetido e quando percebeu que o seu filho iria ficar condenado a locomover-se apenas numa cadeira de rodas por lhe ter sido amputado o membro inferior esquerdo, sem possibilidade de jogar futebol com ele, como habitualmente dar umas caminhadas como o faziam habitualmente e fazer outro tipo de brincadeiras, inclusivamente na praia. Considerando tudo o que se deixa exposto, procedendo a um julgamento de equidade com base no bom senso, equilíbrio e noção das proporções, atendendo às circunstâncias concretas de cada um dos progenitores e aos padrões que vêm sendo adotados pela jurisprudência (supra enunciados), afigura-se adequado fixar a CC a indemnização no valor de €120 000 (cento e vinte mil euros) e a BB a indemnização no valor de €55 000 (cinquenta e cinco mil euros)”. A ré Ageas alega que o n.º 2 do artigo 496.º do CC contém uma norma de carácter excepcional, insusceptível de aplicação analógica, cujos fundamentos só são transponíveis para a situação dos cônjuges e não para o caso dos progenitores (cfr. conclusões II e III). Propugna uma indemnização para a Autora não superior a €50.000 (cfr. conclusão VIII) e para o Autor metade desse valor, tendo em conta a diferença comparativa entre os danos provados (cfr. conclusão IX). O autor BB insurge-se, por sua vez, contra o valor da sua indemnização (cfr. conclusões 29.ª a 39.ª). Chama a atenção para os pontos 85 e 86 da decisão sobre a matéria de facto e expressa a sua profunda discordância com diferença entre a compensação atribuída à Mãe do AA e a sua própria compensação na qualidade de Pai do AA. Cumprindo apreciar, diga-se, em primeiro lugar, que estão em causa danos patrimoniais reflexos9, uma categoria de danos que é indemnizável posto que os danos sejam especialmente graves, como é o caso. São válidas neste âmbito as observações feitas antes a propósito dos danos não patrimoniais: o Tribunal tem plenos poderes para fixar estes danos com base na equidade. Não há, por outro lado, quaisquer dúvidas de que, atendendo aos fortes laços afectivos, o intenso sofrimento dos Pais perante o sofrimento particularmente grave dos filhos é um dano indemnizável nesta sede. Destaca-se, a propósito, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15 de Dezembro de 2022 (Proc. 550/14.1T8PVZ.P1.S1), em cujo sumário pode ler-se: “I. O AUJ n.º 6/2014 perfilhou uma leitura atualista do disposto nos artigos 483.º, n.º 1, e 496.º, n.º 1, do Código Civil, de modo a que a dor e o sofrimento, particularmente graves, das pessoas com uma relação afetiva de grande proximidade com um lesado direto, fosse indemnizável em situações em que este, apesar de sobrevivente, tivesse sofrido lesões, também elas particularmente graves. II. Na aplicação da doutrina deste acórdão uniformizador, a realizar num campo em que o traçado das margens é ténue e irregular, na determinação do que é “particularmente grave” há que valorar, por um lado, as caraterísticas das lesões sofridas e das suas sequelas, e por outro lado, o grau de sofrimento das pessoas mais próximas do lesado assistirem ao padecimento de um ente querido, além da privação da qualidade do relacionamento com este e ainda o custo existencial do acréscimo das necessidades de acompanhamento”. Quanto à indemnização arbitrada à Mãe do AA, fixada em € 120.000, nada se vê que possa fazer duvidar da sua correcção / adequação. O mesmo não é possível dizer-se a respeito da indemnização arbitrada ao Pai do AA, fixada em € 55.000. Valendo para o cálculo desta indemnização, da mesma forma, o critério da equidade, o certo é que concorrem critérios normativos, assumindo particular destaque o princípio da igualdade. Este impõe que não se discrimine injustificadamente, isto é, que que não se trate de forma desigual situações que são iguais. Ora, é visível, de acordo com a factualidade provada, que o facto de o autor BB ter estado / estar mais afastado (fisicamente) do seu filho AA do que a Mãe se deve à necessidade de assistir à outra filha de ambos, que padece do síndrome de Asperger. Esta situação corresponde a uma organização / repartição de funções que aparece como absolutamente necessária e adequada à exigente situação familiar que os Pais enfrentam desde o acidente do AA, não consubstanciando um afastamento emocional do Pai em relação ao AA e, por conseguinte, tão-pouco significando um sofrimento menos intenso daquele face à situação deste. Não se vê, em suma, qualquer razão objectiva para a desigualdade de tratamento no que toca ao quantum indemnizatório, devendo ser atribuída ao Pai uma indemnização por danos não patrimoniais reflexos de valor igual àquela que é atribuída à Mãe, ou seja, € 120.000. Em conclusão, improcede in totum o recurso subordinado e procede, também nesta parte, o recurso independente. * III. DECISÃO Pelo exposto, decide-se: 1) - conceder provimento parcial ao recurso independente dos autores AA e BB 2) - negar provimento ao recurso subordinado da ré Ageas Portugal. S.A., e, em consequência: 3) - revogar o Acórdão recorrido quanto ao montante indemnizatório do dano patrimonial decorrente do auxílio de terceira pessoa, condenando-se a ré a pagar ao autor AA a quantia de € 305.000 (trezentos e cinco mil euros); e 4) - revogar o Acórdão recorrido quanto ao montante indemnizatório dos danos não patrimoniais do autor BB, condenando-se a ré a pagar a este a quantia de € 120.000 (cento e vinte mil euros), 5) - confirmar no resto o Acórdão recorrido. * Custas por ambas as partes na proporção do respectivo decaimento. * Lisboa, 14 de Março de 2024 Catarina Serra Isabel Salgado Fernando Baptista ____
1. Cfr. Maria da Graça Trigo, “Adopção do conceito de 'dano biológico' pelo Direito português”, in: Revista da Ordem dos Advogados, 2012, vol. I, pp. 147 e s. (disponível em https://portal.oa.pt/upl/%7B5b5e9c22-e6ac-4484-a018-4b6d10200921%7D.pdf), e Responsabilidade civil – Temas especiais, Lisboa, Universidade Católica Portuguesa Editora, 2015, pp. 69 e s. 2. Cfr. Maria Manuel Veloso, “Danos não patrimoniais”, in: Comemorações dos 35 anos do código civil e dos 25 anos da reforma de 1977, Volume III – Direito das Obrigações, Coimbra, Coimbra Editora, 2007, pp. 512 e s. 3. Cfr. Manuel A. Carneiro da Frada, “Nos 40 anos do Código Civil Português – Tutela da Personalidade e Dano Existencial”, in: Forjar o Direito, Coimbra, Almedina, 2015, pp. 289 e s. Segundo o autor (p. 298), o conceito de “dano existencial” permite compreender “o impacto da lesão que a pessoa sofreu na sua integridade física na sua realidade mais global”, transcendendo-se, pois, o “nível meramente biológico, o nível daquilo que é passível de uma averiguação ou testificação médica, para nos situarmos no plano dinâmico da vida da pessoa e das suas condições concretas (atingida que foi por uma lesão da saúde)” (sublinhado do autor). 4. Cfr. Manuel A. Carneiro da Frada, “Nos 40 anos do Código Civil Português – Tutela da Personalidade e Dano Existencial”, cit., p. 292. 5. A distinção entre danos patrimoniais e danos não patrimoniais assenta na susceptibilidade da sua avaliação pecuniária. Os segundos são definidos pela negativa, podendo apenas ser objecto de compensação e não, como os primeiros, de uma indemnização por equivalente. 6. Cfr., entre outros, Maria da Graça Trigo, Responsabilidade civil – Temas especiais, cit., pp. 78 e s. Adverte a autora que a jurisprudência italiana retomou, no entanto, a partir de 2003, a dicotomia “dano patrimonial / dano não patrimonial”, entendendo que o primeiro era suficientemente amplo para compreender os danos não patrimoniais, como o dano biológico e o dano existencial. 7. Cfr., por exemplo, os Acórdãos de 23.04.2020 (Proc. 5/17.2T8VFR.P1.S1) e de 14 de Julho de 2020 (Proc. 326/17.4T8GRD.C1.S1) (relatados pela presente Relatora). 8. Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26.02.2019, Proc. 4419/13.9TBGDM.P1.S1, (também relatado pela presente Relatora) (disponível em www.dgsi.pt). 9. Cfr., quanto a estes danos, entre outros, Gabriela Páris Fernandes, “A compensação dos danos não patrimoniais reflexos nos cinquenta anos de vigência do Código Civil português de 1966”, in: Elsa Vaz Sequeira, Edição Comemorativa do Cinquentenário do Código Civil, Lisboa, Universidade Católica Portuguesa, 2017, pp. 389 e s. |