Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JSTJ00038356 | ||
Relator: | ALMEIDA DEVEZA | ||
Descritores: | PROCEDIMENTO DISCIPLINAR DELEGAÇÃO DE PODERES CADUCIDADE ÓNUS DA PROVA | ||
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Nº do Documento: | SJ199909290001674 | ||
Data do Acordão: | 09/29/1999 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | T REL PORTO | ||
Processo no Tribunal Recurso: | 1085/98 | ||
Data: | 02/01/1999 | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA. | ||
Decisão: | CONCEDIDA A REVISTA. | ||
Área Temática: | DIR TRAB - CONTRAT INDIV TRAB. | ||
Legislação Nacional: | LCT89 ARTIGO 21 N1 ARTIGO 26 N1 N2 ARTIGO 39. CCIV66 ARTIGO 342 N1 ARTIGO 343 N2. | ||
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Sumário : | I - O procedimento disciplinar deve ser exercido, sob pena de caducidade, no prazo de 60 dias a partir do momento em que a entidade patronal ou o superior hierárquico com poder disciplinar tenha conhecimento da infracção. II - A delegação do poder disciplinar pode ser feita de forma global ou parcial, e pode ser genérica ou caso a caso, devendo a delegação genérica ser efectuada no regulamento interno da entidade patronal. Se essa delegação for feita caso a caso, deve a mesma constar do processo disciplinar. Não constitui tal delegação a mera existência de superior hierárquico e de este ter feito a participação da infracção. III - É ao trabalhador que compete alegar e provar a existência da delegação do poder disciplinar e de que a entidade patronal tinha conhecimento dos factos há mais de 60 dias. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I - A, com os sinais dos autos, intentou acção com processo ordinário emergente de contrato de trabalho contra B, SA, também com os sinais dos autos, pedindo que, declarado ilícito o seu despedimento, seja a R condenada a reintegrá-lo no seu posto de trabalho ou a pagar-lhe a indemnização de antiguidade no valor de 2430117 escudos e, ainda, a pagar-lhe as prestações que deixou de auferir desde a data do despedimento e a da sentença. Alega, em resumo, que por pertinente contrato de trabalho começou a prestar serviço à Ré, a qual, em 18 de Março de 1997, o despediu; tal despedimento é ilícito por nulidade do processo disciplinar e ausência de justa causa. A R contestou, pedindo a improcedência da acção, alegando, em resumo, que o processo disciplinar não está inquinado de qualquer causa de nulidade e que existiu justa causa para o despedimento, por violação dos deveres de zelo e lealdade por parte do A. Proferido o Saneador e organizados a Especificação e o Questionário, o A requereu prova pericial, a qual lhe foi indeferida, tendo o mesmo agravado dessa decisão, recurso esse que foi julgado deserto. Após se ter realizado o julgamento foi proferida decisão que julgou a acção improcedente e absolveu a R dos pedidos. O A inconformado apelou para o Tribunal da Relação do Porto que, julgando verificada a caducidade do processo disciplinar, revogou a decisão recorrida e condenou a R a reintegrar o A e a pagar-lhe as retribuições que este deixou de auferir desde 25 de Maio de 1997 a 15 de Julho de 1998 - esta última a data da sentença, e aquela referida a 30 dias antes da data em que a acção foi proposta. II - Inconformada a R recorreu de revista para este Supremo concluindo as suas alegações da forma seguinte: 1) O procedimento disciplinar deve exercer-se nos 60 dias subsequentes àqueles em que a entidade patronal, ou o superior hierárquico com competência disciplinar, teve conhecimento da infracção (nº 1 do artigoº 31 da LCT); 2) O prazo de caducidade do processo disciplinar só começa a correr a partir da data do conhecimento da infracção por parte de quem detiver competência disciplinar; 3) No caso dos autos, os factos acusados em nota de culpa foram participados à Administração da R, por parte do seu Director Comercial no dia 10 de Janeiro de 1997, tendo o Administrador deles tomado conhecimento a 14 de Janeiro de 1997 e, logo nessa data, mandado instaurar o correspondente processo disciplinar; 4) O Director Comercial da R não tinha competência disciplinar; 5) A nota de culpa foi entregue ao A em 27 de Janeiro de 1997, sem que tivessem decorrido, portanto, os 60 dias referidos no nº 1 do artigoº 31 da LCT, pelo que se não verifica a caducidade do procedimento disciplinar; 6) A decisão recorrida violou o nº 1 do artigoº 31 da LCT. Termina, pedindo, que se revogue a decisão recorrida, mantendo-se a da 1ª Instância. Contra alegou o recorrido que defendeu a manutenção do decidido, devendo, pois, negar-se a Revista. III-A - Neste Supremo o Exmoº procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que a Revista deve ser concedida. Este parecer foi notificado às partes, que nada responderam. Corridos os vistos legais, cumpre decidir. III-B - Na apelação foram suscitadas duas questões: caducidade do procedimento disciplinar e inexistência de justa causa. A Relação, conhecendo da caducidade, e julgando esta verificada, revogou a decisão e condenou a R nos termos acima referidos. Face à conclusão a que se chegou sobre a caducidade não se conheceu da existência da justa causa de despedimento. Como resulta das alegações, e dada a decisão recorrida, a Revista abrange tão só a questão da existência da caducidade. A matéria de facto que vem dada como provada é a seguinte: 1) A R dedica-se à actividade de fabrico e de comercialização de electrodomésticos, aparelhos de áudio e de vídeo; 2) O A foi admitido ao serviço da C, Lª através de contrato a prazo em 1 de Janeiro de 1989, pelo período de 6 meses, para exercer as funções de caixeiro viajante; 3) Em 28 de Dezembro de 1989, após renovação do contrato de trabalho do A, a C transferiu o estabelecimento para a R, transferindo-se igualmente o contrato de trabalho do A; 4) Aquele contrato de trabalho converteu-se em contrato sem termo; 5) O A, ultimamente, exercia as funções de vendedor, auferindo o vencimento mensal de 270013 escudos (vencimento de 89100 escudos, suplemento de 127400 escudos e comissões - média - de 53513 escudos); 6) No exercício da suas funções o A trabalhava predominantemente fora do estabelecimento (estava-lhe afecta a zona de Trás-os-Montes e Minho), solicitava encomendas, promovia e vendia mercadorias da R, transmitia as encomendas à R e enviava relatórios sobre as transacções comerciais que efectuava; 7) Sob a orientação, fiscalização e direcção da R o A prestou-lhe a sua actividade até 18 de Março de 1997, data em que esta lhe comunicou, por carta registada com aviso de recepção datada de 10 de Março de 1997, que estava despedido; 8) Em 27 de Janeiro de 1997 a R enviou ao A a nota de culpa cuja cópia se encontra junta a fls. 139 a 151; 9) O A enviou à R, juntamente com os relatórios semanais, entre outras, 4 facturas referentes ao restaurante D, no valor de 1250 escudos, 1450 escudos, 1650 escudos, e 1350 escudos e referentes, a 1ª ao dia 8 de Janeiro de 1996, a 2ª a um dia entre 5 e 9 de Fevereiro de 1996, a 3ª a uma data entre 15 e 19 de Abril de 1996 e a última a 1 de Abril de 1996; 10) O A enviou à R 5 facturas do restaurante E referentes aos dias 8, 9, 24 e 30 de Maio e 18 de Junho, todos de 1996; 11) O A enviou à R duas facturas do restaurante F referentes aos dias de 25 de Junho e a 4 de Julho de 1996; 12) O A enviou à R 4 facturas da gasolineira G, Combustíveis, Lª referentes aos dias 23 de Maio, 5 de Junho, 19 de Junho e 28 de Junho, todos do ano de 1996; 13)A R não enviou ao A os documentos a que se faz referência nos nsº 1 a 40 da nota de culpa; 14) O A apresentava e entregava semanalmente ao Dr. H, seu superior hierárquico, o relatório das vendas/encomendas efectuadas, bem como das despesas que havia suportado, juntando os documentos; 15) O Dr. H teve conhecimento da factura datada de 28 de Junho de 1996 aquando da apresentação do respectivo relatório semanal; 16) As duas primeiras facturas referidas em 9), respectivamente com os números 9893 e 9895, foram emitidas no dia 8 de Janeiro de 1996; 17) O A pediu ao empregado do restaurante que lhe desse duas facturas, sendo uma referente à refeição do dia 8 de Janeiro de 1996 e uma segunda, sem data, para apresentar mais tarde como despesa de almoço; 18) A factura nº 9895 não corresponde a nenhum almoço tomado pelo A entre os dias 5 e 9 de Fevereiro; 19) As duas últimas facturas referidas em 9), respectivamente com os nsº 10976 e 10977, foram ambas emitidas em 1 de Abril de 1996; 20) O A pediu ao empregado que pusesse a data de 1 de Abril de 1996 numa e deixasse a outra sem data; 21)As facturas referidas em 10) não correspondem às refeições que titulam, nem às datas que indicam; 22) O A pediu ao restaurante E no mesmo dia, mais do que uma factura de almoço para apresentar, mais tarde, à R como comprovativo das refeições; 23) Foi o A que colocou nas facturas referidas em 10) as datas; 24) As facturas referidas em 11) foram passadas no mesmo dia e no mesmo momento; 25) O A pediu duas facturas no referido restaurante e datou-as de dias diferentes para comprovar perante a R duas despesas de almoço; 26) As facturas referidas em 12) foram emitidas no mesmo dia e no mesmo momento; 27) O A pediu na referida gasolineira pelo menos antes de 24 de Maio de 1996 que lhe dessem 4 facturas para ele poder usar junto da R como comprovativos de despesas de gasolina; 28) O A deu instruções aos funcionários dos estabelecimentos para que lhe dessem facturas não correspondentes a efectivas despesas e que apresentou mais tarde na R como comprovativas das mesmas; 29) No dia 30 de Dezembro de 1996, em plena reunião de vendedores, o director comercial da R, Dr. H, chamou a atenção do A para o facto de o cliente I estar perto de atingir determinado escalão do Rapel Quadrimestral; 30) Na sequência dessa chamada de atenção o A pegou no telefone e ligou a esse cliente; 31) No dia 30 de Dezembro de 1996 o A foi chamado à atenção pelo Dr.H para o facto de faltarem 500000 escudos ao cliente J para atingir determinado escalão do Rapel Quadrimestral; 32) O Dr. H vendeu ao cliente L, de Braga, em 30 de Outubro de 1996, material no valor de 21300 contos; 33) Em 30 e 31 de Outubro de 1996 o Dr. H vendeu ao cliente J material no valor de 18700 contos; 34) No dia 19 de Novembro de 1996, o Dr. H vendeu ao cliente I material no valor de 9200 contos. III-C - Como acima se referiu, na presente Revista está em causa a determinação da existência da caducidade do procedimento disciplinar. Sobre o exercício da acção disciplinar dispõe o nº 1 do artigoº 31 da LCT que o procedimento disciplinar deve ser exercido nos 60 dias subsequentes àquele em que a entidade patronal, ou o superior hierárquico com competência disciplinar, teve conhecimento da infracção. O nº 1 do artigoº 31 do citado tem de se conjugar com o disposto no artigoº 26 do mesmo diploma, artigo esse que se refere ao poder disciplinar, poder este que consiste na faculdade que a entidade patronal tem de reprimir as infracções aos deveres do trabalhador para com ela. E estabelece o nº 1 daquele artigoº 26 que a quem detém o poder disciplinar é a entidade patronal; segundo o nº 2 daquele preceito, o poder disciplinar pode ser exercido, além da entidade patronal, pelos superiores hierárquicos do trabalhador, nos termos por aquela estabelecido. Esta delegação do poder disciplinar pode revestir uma forma global ou parcial; e pode ser genérica, ou caso a caso. E o lugar próprio para indicar uma delegação genérica é o regulamento interno da entidade patronal, tal como está previsto no nº 2 do artigoº 39 da LCT, como resulta da expressão da parte final daquele nº 2 do artigoº 26: "nos termos por aquela estabelecidos", ou então através das convenções colectivas de trabalho. No caso de a delegação ser feita "caso a caso", então deve a mesma constar do processo disciplinar e ser comunicada ao trabalhador arguido. No caso dos autos está fora de causa que a instauração do processo disciplinar pela R e a comunicação da nota de culpa ocorreram antes de ter decorrido aquele prazo de 60 dias após o seu conhecimento das infracções imputadas ao A, pois que o director comercial da R - Dr. H - só comunicou essas imputadas infracções em 10 de Janeiro de 1997. Alega-se que aquele director comercial era superior hierárquico do A e com poderes disciplinares, entendimento esse acolhido no acórdão recorrido. Parece-nos, no entanto, que este entendimento não pode proceder. Na verdade, e logo no quesito 2º se perguntava se esse superior hierárquico detinha competência disciplinar. E tal quesito recebeu resposta negativa. E não se prova qualquer facto de onde se possa concluir pela delegação de poder disciplinar naquele director comercial - delegação específica para o caso concreto, ou delegação genérica através de regulamento da R ou de IRC -. E nem o facto de esse superior hierárquico ter participado os factos à direcção da R, manifestando a opinião de que deveria ser instaurado procedimento disciplinar contra o A (cfr fls. 99 e 100), possui a relevância suficiente para se lhe poder atribuir uma delegação de poderes disciplinares. A elaboração dessa participação e a manifestação daquela opinião não podem servir, sem mais, de suporte à pretendida delegação de poderes. Aliás, o director comercial, ao efectuar aquela participação, mais não fez do que cumprir o seu dever para com a R. Assim sendo, não pode concluir-se que o director comercial - Dr. H - detivesse poder disciplinar que lhe fosse delegado. E, como o A alegou a caducidade e os factos que pretendia verificados e referentes àquele poder disciplinar do seu superior hierárquico, a ele competia provar que o Conselho de Administração da R tomara conhecimento dos factos antes de decorridos aqueles 60 dias anteriores à instauração do processo disciplinar; e competia-lhe provar os factos de onde derivasse aquela delegação de poderes. E tal resulta do disposto no nº 2 do artigoº 343 do C. Civil que, no caso impunha ao A a prova de que o Conselho de Administração tomara conhecimento dos factos antes daqueles 60 dias; e teria, nos termos do nº 1 do artigoº 342 do mesmo diploma, de provar aquela falada delegação do poder disciplinar. Ora, o A não só não fez a prova da data em que Conselho de Administração da R tomou conta daqueles factos integradores da apontada infracção, como não fez a prova daquela delegação de poderes, como resulta até da resposta negativa ao quesito 2º, e que acima se deixou referida. Temos, pois, que o A não provou os elementos de facto necessários para que se possa considerar verificada a alegada caducidade. Assim, impõe-se concluir pela inexistência da alegada caducidade, o que importa a procedência do recurso. Desta improcedência resulta que os autos terão de baixar à Relação com a finalidade de conhecer da apelação no que toca à ilicitude do despedimento. IV - Tendo em conta o acima exposto acorda-se em conceder a Revista e, em conformidade, julgar não verificada a caducidade do procedimento disciplinar e revogar o acórdão recorrido. Face a esta decisão, acorda-se, igualmente, em que os autos baixem à Relação para se conhecer da ilicitude do despedimento. Custas do recurso pelo recorrido. Lisboa, 29 de Setembro de 1999. Almeida Deveza, Sousa Lamas, Diniz Nunes. |