Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
| ||
Nº Convencional: | 5ª SECÇÃO | ||
Relator: | HELENA MONIZ | ||
Descritores: | HOMICÍDIO TENTADO DETERMINAÇÃO DA MEDIDA DA PENA IMPUTABILIDADE INIMPUTABILIDADE CULPA PREVENÇÃO GERAL PREVENÇÃO ESPECIAL | ||
![]() | ![]() | ||
Data do Acordão: | 05/21/2015 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
![]() | ![]() | ||
Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | NEGADO O RECURSO | ||
Área Temática: | DIREITO PENAL - CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DO FACTO - PENAS / ESCOLHA E MEDIDA DA PENA - CRIMES CONTRA AS PESSOAS / CRIMES CONTRA A VIDA. | ||
Doutrina: | - Figueiredo Dias, Direito Penal, Tomo I, Coimbra: Coimbra Editora, 20072, 19/ § 23, § 29. | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGOS 412.º, CÓDIGO PENAL (CP): - 23.º, N.º2, 40.º, 71.º, N.ºS 1 E 2, 73.º, 131.º. | ||
![]() | ![]() | ||
Sumário : | I — O recorrente entende que a pena é exagerada, devendo não ultrapassar os 4 anos e 8 meses, dado que é “desproporcional” relativamente às finalidades de punição, tendo em conta as “necessidades especiais e pontuais de recuperação da saúde mental do recorrente”. O recorrente aceita que o grau de ilicitude é elevado, todavia devia ter sido valorado na determinação da pena a patologia que sofre, considerando que a falta de sentimentos de remorso ou arrependimento constituem consequências da patologia e não deviam ter sido valoradas negativamente contra o arguido. II — A determinação da pena, realizada em função da culpa e das exigências de prevenção geral de integração e da prevenção especial de socialização (de harmonia com o disposto nos art. 71.º, n.º 1 e 40.º do CP), deve, no caso concreto, corresponder às necessidades de tutela do bem jurídico em causa e às exigências sociais decorrentes daquela lesão, sem esquecer que deve ser preservada a dignidade humana do delinquente. III — Além disto, ainda que tenha sido provado que o arguido sofre de “perturbação da personalidade denominada de perturbação anti-social” (fls. 467), foi considerado no relatório pericial que “tal perturbação manifesta-se na reiterada incapacidade para se comportar segundo as normas sociais, impulsividade marcada, irritabilidade e agressividade demonstrada por repetidos conflitos, irresponsabilidade e ausência de remorso, racionalização e indiferença de reacção após uma ofensa corporal” (idem), porém sem que se possa afirmar que, no momento da prática dos factos, era incapaz de avaliá-los e de se determinar de acordo com essa avaliação, e sem que se possa dizer que tinha essa capacidade ou possibilidade de determinação “sensivelmente diminuída”, dado que o relatório pericial concluiu expressamente que “apesar disso [isto é, apesar da perturbação da personalidade denominada de perturbação anti-social] no momento da prática dos factos estava capaz de avaliar a ilicitude dos mesmos e de se determinar de acordo com essa avaliação” (matéria de facto provada, fls. 467). Tudo a permitir-nos afirmar a imputabilidade do arguido. IV — Entendendo a culpa como “o ter que responder pelas qualidades pessoais - juridicamente censuráveis - que se exprimem no concreto ilícito-típico e o fundamentam” (idem, 19/ § 29), consideramos que é uma culpa de grau elevado o que temos perante nós, dado que o facto praticado, o modo como o praticou, o tempo e lugar em que o fez, e contra quem o realizou, exprimem um ilícito típico altamente censurável pelo sistema jurídico, pois trata-se do tipo legal de crime com moldura da pena mais grave no nosso Código Penal. Assim, concluímos que as exigências de prevenção geral são acentuadas e que a culpa é de grau elevado. V — Sendo assim, a falta de credibilidade do arrependimento, ao resultar da sua patologia, não poderá ser valorada negativamente contra o arguido. E a adesão ao tratamento em meio prisional constitui um facto relevante e positivo. Além disto, cumpre salientar que o arguido, à prática dos factos, tinha apenas 23 anos, embora já com alguns antecedentes criminais. VI — O modo como praticou o facto ilícito-típico, a fuga que encetou após o seu cometimento, a sua reiterada incapacidade para se comportar segundo as normas, a impulsividade e a agressividade que demonstra, impõem que consideremos como adequada a pena em que vem condenado, de prisão durante seis anos, sendo esta a pena adequada, quer em função das exigências de prevenção geral, quer em função das exigências de prevenção especial. | ||
![]() | ![]() | ||
Decisão Texto Integral: |
Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça:
I Relatório 1. No Tribunal da Comarca de Braga (Instância Central — 1.ª secção criminal, J3), foi julgado, em processo comum, com intervenção do tribunal coletivo, no processo n.º 199/14.9GCBRG, o arguido AA, por acórdão de 17 de outubro de 2014, e condenado pela prática de um crime de homicídio, na forma tentada, previsto e punidos pelos arts. 22.º, 23.º, 73.º, e 131.º, todos do Código Penal, na pena de prisão de 6 (seis) anos. Foi, igualmente, condenado a pagar ao demandante BB, a título de indemnização, o valor global de sete mil e quinhentos euros, pelos danos não patrimoniais sofridos em consequência do crime, ao qual acresce os juros de mora, à taxa de juros aplicável, a contar desde a decisão até integral pagamento. 2. Inconformado com a decisão, o arguido interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, ao abrigo do art. 432.º, n.º 1, al. c), do CPP, apresentando as seguintes conclusões: « I - AA, Recorrente nos presentes autos, foi condenado a uma pena de prisão de seis anos, como autor de um crime de homicídio simples, na forma tentada, p. e p. pelos art. 22°, 23°, 73° e 131°do Código Penal. II - Inconformado com a decisão proferida na 1.ª instância, pelo Juiz a quo, vem o ali arguido AA, recorrer para V. Exas., por entender que a pena que lhe foi aplicada é manifestamente desproporcionada, e é com este fundamento, matéria exclusivamente de Direito, que incide o presente Recurso, por violar o Acórdão recorrido as normas contidas nos comandos que integram os art. 40°, 70° e 71° do Código Penal. Isto Posto, III - O Recorrente reconhece nos factos constantes da douta acusação e pelos quais veio a ser condenado, a sua admissão por confissão, perante o Juiz de Instrução Criminal, aquando da sua apresentação para aplicação da medida de coação, tendo assim colaborado, desde o seu primeiro contacto com os tribunais, para a descoberta da verdade material, fornecendo informação processual aos autos, de livre e espontânea vontade. IV- Pese embora, o grau de ilicitude ser elevado, e nisso só podemos concordar, deverá ser analisado, também tendo em conta, o facto de o Recorrente ter um nível de consciência alterado e com auto controlo diminuído, conforme foi extraído dos relatórios remetidos aos autos, e aquele de maior ciência, a perícia médico-psiquiátrica realizada no Gabinete Médico-Legal de Braga, donde extraímos as seguintes informações, imprimidas igualmente no Acórdão, a fls. 467: (...)" O arguido apresenta uma perturbação da personalidade denominada de perturbação anti-social. Tal perturbação manifesta-se reiterada incapacidade para se comportar segundo as normas sociais, impulsividade marcada, irritabilidade, conflitos e agressividade demonstrada por repetidos conflitos, irresponsabilidade e ausência de remorso, racionalização e indiferença de reacção após uma ofensa corporal"(...). V- Explorando a patologia que fora diagnosticada ao aqui Recorrente, temos que a psicopatia ou personalidade anti-social, em suma, é uma das perturbações com mais suporte teórico e empírico, devido às inúmeras repercussões negativas que os comportamentos associados a esta perturbação possuem na comunidade onde o doente vive, principalmente a estreita ligação com o cometimento de comportamentos criminais de extrema gravidade O doente é, desta forma, uma pessoa instável e emocionalmente imatura, apresentando uma grande capacidade de agressão, tanto a nível psicológico como físico, englobando comportamentos de hostilidade e manipulação. Neste sentido, de acordo com o autor, a principal característica desta perturbação é a desadequada resposta afectiva face aos outros, encontrando-se este factor relacionado com o elevado número de comportamentos anti-sociais praticados pelos indivíduos com diagnóstico de psicopatia. Por fim, e relativamente ao problema em questão, de sublinhar a importância desmedida de encarar os indivíduos com este diagnóstico não como "loucos" ou "criminosos impiedosos que não merecem ser respeitados", mas sim como sujeitos portadores de uma doença mental, cujo tratamento torna-se uma necessidade incontornável. (FONTE: http://oficinadepsicologia.com/personalidade-anti-social) VI - O paradigma da doença de perturbação anti-social, in casu, não fora valorada pelo Exmo. Juiz a quo, não tanto porque não era pretensão da Defesa obter a declaração inimputabilidade do arguido, mas porque, apesar de a perícia as faculdades mentais realizadas ao recorrente, tivesse esclarecido que o mesmo, à data dos factos se encontrava capaz de avaliar a ilicitude dos mesmos, o juiz estava, como esteve em condições de valorar a ponderar a perturbação diagnosticada, como obstáculo à demonstração de arrependimento do arguido, desde o seu primeiro contacto com a Justiça. VII - Não estamos a falar de um individuo que se revele estável emocionalmente, estamos a falar de um individuo a quem igualmente foi diagnosticada uma personalidade boderline, informação que se encontra junto á informação clínica resultante dos dois internamentos compulsivos, e que tem vindo a experimentar um crescente isolamento social. VIII - A sua incapacidade de interiorizar afectos, o compromisso, autoconceitos positivos, a sua dificuldade em preconizar relações interpessoais não permitem ao aqui recorrente, manifestar de forma inequívoca, um sincero arrependimento, arrependimento esse, que foi valorado na determinação da medida da pena e em sentido negativo, dizendo-se a fls. 471:" (...), e que até á audiência nunca tentou falar com ele, ainda que por interposta pessoa, por estar recluso, para lhe pedir desculpas pelo sucedido, apesar de se ter arrependido." IX - Ora perante tais afirmações proferidas no douto acórdão de que se recorre, estava o tribunal recorrido em condições de ter sensibilidade para esta questão do arrependimento, e que responderiam á alínea e) do n° 2 do art. 71° do Código Penal, fator que depunha a favor do agente, e que de certeza, impunha outra apreciação por banda do tribunal recorrido. X - Assim, entende o Recorrente que tendo o Tribunal recorrido, se pronunciado, no sentido que se pronunciou, no que toca á questão da conduta posterior ao facto, especificadamente no que toca á reparação das consequências do crime, desconsiderou, apesar de fazer reiteradamente referencia á prova pericial e aos demais documentos clínicos probatórios juntos aos autos, os sintomas e manifestações da doença do Recorrente, que o impedem de todo, de manifestar, qualquer sentimento de aderência aos afectos, á sensibilidade, manifestando, pelo contrário uma pobreza geral nas principais relações afectivas, ausência de sentimentos de culpa ou de vergonha, perda específica da intuição, incapacidade para seguir qualquer plano de vida, Incapacidade para responder na generalidade das relações interpessoais e exibição de comportamentos anti-sociais sem escrúpulos aparentes. XI - De acrescentar, que pese embora, o resultado obtido na perícias ás faculdades mentais realizado ao aqui Recorrente, tenha concluído pela sua imputabilidade, não podemos deixar de salientar, que em prejuízo da questão da determinação da doença mental do arguido — perturbação antissocial da personalidade — não ter o senhor perito, tendo por base os quesitos que lhe foram endereçados, se pronunciado sobre esta doença e qual o impacto da mesma no cometimento do ilícito criminal. Contudo, apenas pretendeu apurar o tribunal recorrido a questão vertida no art. 20° do Código Penal, sendo que a análise da sua doença foi preterida. XII - Nesta parte, designadamente, naquela em que se debruça sobre a al. e) do n° 2 do art. 71° do Código Penal, e salvo melhor opinião, andou mal o acórdão recorrido, pelo que deve ser valorada, na determinação da medida da pena, a questão da doença de que padece o Recorrente, e que o impossibilita de registar sentimentos de remorso ou arrependimento, situação essa que foi valorada negativamente e que por isso, nessa parte deve ser reparada, e contabilizado esse factor, positivamente, na esfera jurídica do arguido. XIII- Actualmente, o Recorrente, apresenta uma forte censura quanto ao crime que cometeu e um grande e eterno remorso por "magoado", utilizando as suas próprias palavras, o seu tio, culpa que carregará para o resto da sua vida, apresentando-se consciente das consequências que advieram da sua conduta, o que manifesta um juízo de prognose favorável á sua reintegração. XIV - O facto de se encontrar preso preventivamente desde o dia do seu aniversário e data da prática dos factos ilícitos - Março de 2013 - , fê-lo repensar na sua vida e desenvolver a capacidade de procurar alterar as suas atitudes, identificando claramente os comportamentos e hábitos que deve alterar para mudar de vida, demonstrando um esforço sério para iniciar o seu processo de reintegração na sociedade, estando submetido a tratamentos médico-medicamentosos, cujo escopo será a sua integral reabilitação, conforme é descrito no douto acórdão recorrido a fls. 469: "No estabelecimento prisional o arguido está a ser acompanhado pelos serviços clínicos,(...)". XV — A reclusão a que o Recorrente será submetido, pela prática do crime dos autos, interfere irremediavelmente com a progressão positiva que se espera obter com a imposição dos tratamentos medicamentosos, a que se tem sujeitado conforme é descrito no douto acórdão recorrido a fls. 469: "No estabelecimento prisional o arguido está a ser acompanhado pelos serviços clínicos,(...)" XVI — Ora, um individuo, que por si já sofre de perturbação antissocial da personalidade, que regista um afastamento quase total da sociedade em geral, se submetido a um longo período de tempo em reclusão, todo o esforço de recuperação do doente será posto em causa com a aplicação de uma pena privativa da liberdade, que contenda com um período razoável para a sua integração e progressivo convalescença na doença. XVII - Isto é, tendo por assente, que cabe aplicar, no caso em concreto uma medida de prisão, temos em crer que a mesma deverá durar o tempo estritamente necessário para que essa privação não contenda com a doença de que padece e que não agrave irremediavelmente a sua situação anti-social, ora porque, se se pretende uma estabilização do indivíduo quanto à patologia diagnosticada e se, até nos serviços prisionais se medica o Recorrente para contrariar essa doença, não pode o tribunal descurar que o excesso de tempo de reclusão frustre a acção medicamentosa. XIX - Para agravar a situação descrita nos pontos anteriores, temos informação que, em razão da sua doença, o Recorrente será transferido para o E.P. de Santa Cruz do Bispo, situação que reflecte uma redução drástica das visitas da sua mãe, o único suporte familiar presente na sua vida, vide fls. 469 do douto acórdão "O arguido dispõe de apoio familiar, evidenciando uma relação de maior proximidade com a progenitora." e que per si, interferirá na reestruturação da sua personalidade. XX- Ora, analisando este trilogia[1]: reclusão + tratamento da perturbação anti-social + afastamento da retaguarda familiar, concluímos que todo o esforço ressocializador pode desmoronar-se se o primeiro vector, não for revisto em termos de duração. XVI - Ora, como tem vindo a ser explanado, a estabilização do Recorrente, concorre com a trilogia acima descrita, sendo certo que o primeiro vector (pena de prisão) é aquele que, a nosso ver, tem mais reflexo no sucesso da finalidade das penas, XVII - No caso dos autos, a situação tem de tudo, menos linear. Não pode o julgador fazer tábua rasa dos factos e conclusões extraídas dos elementos juntos aos autos, não se trata só de fazer com que as finalidade das penas, principalmente o efeito ressocializador, seja alcançado, mas também, tinha o Juiz a quo, ter em consideração, aquilo que para si foram aspectos obliterados e que muita importância tem como é o caso da recuperação mental do recorrente, fazendo com que seja salvaguarda e recuperada durante esse período, sem que o factor cumprimento de pena de prisão, esteja a ombrear com a recuperação do Recorrente. XVIII — Assim, e consequentemente, somos da opinião que a culpa e a prevenção são os dois termos do binómio com que importa contar para o desenho da medida da pena, a culpa por um lado, traduz-se na censura jurídico penal que funciona como fundamento e limite inultrapassável da medida da pena, conclusão que está projectada no n° 2 do art.40 do C.P. XIX — Por outro lado, o recurso á prevenção geral reflecte-se na determinação dos anseios da sociedade na punição face ao comportamento delituoso, mas também, não se pode olvidar neste contexto, a prevenção especial, que aspira responder ás exigências de socialização e inserção do agente delitivo, em razão de uma integração digna no meio social. XX- Concluindo, entendemos salvo opinião superior, no que concerne ao quantum da pena aplicada pelo tribunal a quo ao Recorrente, houve, violação do disposto no art. 71° do Código Penal. XXI - Assim, e realizando um exercício de articulação entre todos os condicionalismos que se tem vindo a motivar perante os Senhores Juízes Conselheiros, desde logo, a não valoração da interferência da patologia diagnosticada ao arguido, como perturbação antissocial, como causa inequívoca da sua falta de emotividade em expressar sentimentos, como o de arrependimento; e a ausência de ponderação por banda do tribunal recorrido, na escolha da medida da pena, da trilogia reclusão + tratamento da perturbação anti-social + afastamento da retaguarda familiar (deslocação para o E.P. de Sta. Cruz do Bispo), comprova-se que a medida da pena determinação pelo Juiz a quo não ponderando, como deveria ponderar todos estes factores. XXI - Apreciando todos estes factores, mas em concreto, a pena de prisão, concluímos que esta se mostra demasiado desajustada para obter os fins e finalidades das penas, e em concreto, a recuperação do Recorrente, XXII - No nosso modesto entender, e salvo melhor opinião por opinião superior, deve ser substituída por pena inferior, que não deverá ultrapassar os 4 anos e 8 meses, por entendermos que desta forma se realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, e a reintegração do agente na sociedade. Nestes termos e nos demais em Direito, deverá ser revogado o douto acórdão, que condenou o arguido na pena de seis anos de prisão, por esta ser desproporcional ás finalidades da punição, e em concreto, ás necessidades especiais e pontuais de recuperação da saúde mental do Recorrente, e por razão disso, substituir aquela pena, pelo cumprimento de pena de prisão não superior a quatro anos e oito meses.» 3. O Senhor Procurador da República, junto do Tribunal da Comarca de Braga (Instância Central, 1.ª secção criminal), respondeu, tendo concluído que: «1 - O arguido, AA, foi condenado nos presentes autos como autor material de um crime de homicídio na forma tentada, previsto e punível pelos artigos 22.°, 23.°, 73.° e 131.° do Código Penal, na pena de 6 anos de prisão - cfr. fls. 465 a 495. 2 - Inconformado com tal condenação, veio recorrer - cfr. fls. 505 a 525 - apenas no que contende com a medida da pena, considerando que a aplicada é manifestamente exagerada, alegando em síntese: - que deveria ter sido atendido o facto do arguido ter "um nível de consciência alterado e com auto controlo diminuído" e pela sua "incapacidade de interiorizar apeias, o compromisso, autoconceitos positivos, a sua dificuldade em preconizar relações interpessoais não permitem ao aqui recorrente manifestar de forme inequívoca, um sincero arrependimento" pelo que o tribunal estava em condições ”de ter sensibilidade para esta questão do arrependimento e que responderiam à alínea e) do n.°2 do artigo 71.° do Código Penal; - que a reclusão que o arguido será submetido pela prática do crime dos autos "interfere irremediavelmente com a progressão positiva que se espera obter com a imposição de tratamentos medicamentosos" onde a mesma deverá durar o tempo "estritamente necessário para que essa privação não contenda com a doença que padece e que não agrave irremediavelmente a sua situação anti-social"; - que vista a reclusão, o tratamento da perturbação anti-social e o afastamento da retaguarda familiar, tal implicará que "todo o esforço ressocializador pode desmoronar-se se o primeiro vector não for revisto em termos de duração"; - que face ao argumentado a pena de prisão não deverá ultrapassar os 4 anos e 6 meses de prisão por "entendermos que desta forma se realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição e a reintegração do agente na sociedade". 3 - Pede, assim que se revogue o acórdão proferido nos autos que condenou o arguido em seis anos de prisão por esta ser desproporcional às finalidades de punição, e em concreto, às necessidades especiais e pontuais de recuperação da saúde mental do recorrente e, por via disso, substituir aquela pena pelo cumprimento de pena de prisão não superior a 4 anos e oito meses. 4 - A questão colocada com o recurso ora interposto contende apenas com a medida da pena, onde se pugna pela aplicação de uma pena de 4 anos e 8 meses de prisão ao invés dos 6 anos aplicados no douto acórdão agora colocado em crise (numa redução dei ano e 4 meses). 5 - E muito embora no caso de vingar o peticionado poder /dever atender-se à possibilidade da eventual suspensão da execução da pena de prisão - cfr. artigo 50.°, n.°1 do Código Penal - o certo é que o recorrente o não peticiona nem nós vislumbramos fundamento onde se possa estribar a conclusão que "a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada as finalidades de punição" até naquilo que constitui o conjunto de factos elencados como provados ao longo das folhas 467 a 470 dos autos 6 - Pelo que assim visto a única questão colocada com o recurso interposto gira em torno de saber-se se o tribunal ao aplicar a pena de 6 anos de prisão ao arguido violou os requisitos previstos para a medida da pena a que alude o artigo 71.° do Código Penal, isto é, traduz-se em saber se, face à matéria de facto dada como provada (facto desvalioso, situação económica, social e familiar do arguido e antecedentes criminais) ao invés da decretada prisão efectiva por 6 anos, ainda haveria espaço para que a pena se fixasse nos quatro anos e oito meses de prisão; 7 - E muito embora o esforço argumentativo colocado pelo recorrente, o certo é que os argumentos que aduz não são novidade para os autos naquilo que constitui o conjunto de motivação expendida pelo tribunal e que ali surgem devidamente escalpelizados e de onde se retira o bem fundamentado que se mostra a decisão colocada em crise, não havendo censura a fazer ao todo apreciado pelo julgador. 8 - Com todo o respeito que nos merece a opinião contrária, e naquilo que a decisão condenatória espelha e por nós também referido no julgamento naquilo que de "benevolente" se pode apontar à qualificação jurídica dos factos imputados (cfr. acórdão a fls. 488 último parágrafo e fls. 489 1.° parágrafo) e até na paridade sempre a realizar com que deva ser vista relativamente à moldura prevista para o crime de ofensa à integridade física grave, na previsão da alínea d) do artigo 144.° do Código Penal -, é nosso entendimento que não assiste razão ao recorrente naquilo que invoca para que vingue o por si peticionado. 9 - Face aos factos dados como provados, a medida da pena aplicada ao arguido, situada na metade que corresponde à moldura abstracta do crime, faz uma justa e adequada ponderação das circunstâncias que, não fazendo parte do crime, depõem a favor e contra o agente, sustentada numa argumentação perfeitamente balizada naquilo que é o conjunto de factos em apreciação e a personalidade manifestada pelo condenado no crime em causa e com eco no seu passado criminal. 10- E tal como o tribunal a quo não vislumbramos do comportamento do arguido seja no momento da prática dos factos, ou no seu percurso até ao julgamento, durante o julgamento e leitura do acórdão motivos ou fundamentos bastantes para afirmar qualquer valor atenuativo de modo a fazer situar a pena abaixo da medida em que foi fixada; 11 - E nem a patologia / personalidade diagnosticada, a confissão dos factos do modo que o fez, afirmando que apenas pretendia magoar o tio que não propriamente matar, seja em sede de primeiro interrogatório judicial seja em julgamento são circunstâncias que também não integram grande valor atenuativo, não implicando necessariamente qualquer comportamento não verbal de arrependimento, na exacta medida em que a sua detenção ocorre quase de imediato e fruto de perseguição que lhe moveram populares quando fugiu do local e que assistiram aos factos tal como eles foram dados como provados. 12 - Nestes termos, na nossa perspectiva a fixação da pena em seis anos de prisão, não excede a intensa culpa do recorrente, designadamente ao modo como actuou e ligação da parentesco com o ofendido, o concreto perigo para a vida do mesmo e às consequências físicas e psíquicas que advieram para este, pena essa que se mostra justa, adequada, proporcional e fixada em obediência a todos os normativos legais pelo que deve ser mantida; 13 - Por isso se pode afirmar que a pena em que o arguido foi condenado é justa, adequada e pondera devidamente todas as circunstâncias a que aludem os artigos 70.º e 71.º do Código Penal. 14 - O douto acórdão não violou qualquer preceito legal e nele se decidiu conforme a lei e o direito. Deve, assim, o recurso interposto ser julgado improcedente e, desta forma, mantido o douto acórdão recorrido nos seus precisos termos.» 4. Uma vez subidos os autos, no uso da faculdade concedida pelo art. 416.º, n.º 1, do CPP, a Senhora Procuradora-Geral Adjunta no Supremo Tribunal de Justiça apresentou o seguinte parecer: «O arguido AA vem recorrer do acórdão proferido e depositado em 17/10/2014 na P Secção Criminal-J3 da Comarca de Braga que o condenou por autoria de um crime de homicídio tentado na pena de 6 anos de prisão. O arguido/recorrente nas conclusões da sua motivação, que são muito extensas, segundo consideramos apenas discorda da moldura penal aplicada pedindo a redução da pena para 4 anos e 8 meses de prisão essencialmente devido a ter o nível de consciência alterado e com auto controlo diminuído, sem poder manifestar de forma inequívoca o seu arrependimento e sem ter sido considerada a sua conduta posterior ao facto. O MºPº respondeu através do sr. Procurador da República defendendo a improcedência do recurso e a manutenção do acórdão recorrido, por não haver ter sido violado qualquer preceito legal. O arguido AA foi condenado na 1.ª instância por autoria do crime de homicídio tentado p.p. pelo art's 131°, 22.°, 23.°, 73.° do C.P., na pena de 6 anos de prisão. Medida das penas parcelares e única. 1 - O arguido/recorrente pretende defender como já atrás dissemos a alteração da medida da pena fixada pelo acórdão recorrido, essencialmente devido à sua saúde mental, a não valoração da interferência da patologia diagnosticada como causa da sua falta de emotividade em expressar sentimento e embora contraditoriamente defende que no estabelecimento prisional demostra um esforço sério para iniciar a sua integração na sociedade, por estar submetido a tratamento medicamentoso mas que a reclusão não interfere irremediavelmente com a sua progressão positiva. Mas segundo nos parece não haverá fundamentos para alterar a medida da pena que lhe foi aplicada. 2 - A pena, foi determinada entre os 1 ano 7 meses e 10 dias e 10 anos e 8 meses de prisão, o dolo ser eventual e a ilicitude foi considerada elevadíssima não só por "ausências de qualquer motivação, mas também devido à forma como foi perpetrado, pelas costas do seu tio, silenciosamente, e ainda às características do instrumento usado, ter golpeado pelo menos cinco vezes, em locais onde se alojam órgãos vitais, revelando uma "personalidade anti-social"! E ainda foi tido em conta o já se ter envolvido em situações de confronto com terceiros e sem qualquer experiência a nível laboral; também não querer respeitar a medicação, depois das consultas a psicólogos e psiquiatras, com dois pequenos internamentos de 1 semana, causando ambiente tenso e sobressalto constante da família e por fim ter havido uma relação de afinidade entre o arguido e a vítima. A seu favor tanto quanto nos parece, o acórdão recorrido considerou que o arguido tem uma relação de maior proximidade com a mãe, mas até ela não tem sobre o arguido qualquer capacidade de orientação ou ascendência na orientação do seu dia-a-dia ou tratamento. Mas expressamente apenas, foi considerada a idade de 23 anos. 3 - A determinação da medida da pena, nos termos do art° 71°, n° 1, do Código Penal "far-se-á em função da culpa do agente, tendo ainda em conta as exigências de prevenção de futuros crimes", mas dentro dos limites definidos na lei. Existe, um critério legal para a determinação da pena que se baseia na culpa e na prevenção, graduando-se com as circunstâncias atenuantes e agravantes. A pena tem por finalidade a prevenção — quer preventiva geral quer especial. Segundo Figueiredo Dias (As consequências do crime, 277 e ss) e a doutrina, "as finalidades, da aplicação de uma pena residem primordialmente na tutela dos bens jurídica e, na medida do possível, na reinserção social do agente na comunidade — em concreto a pena terá como limite superior a medida ótima de tutela dos bens jurídicos com atenção às normas comunitárias e como limite inferior o "quantum" abaixo do qual já não é comunitariamente suportável fixação da pena sem pôr irremediavelmente em causa a sua função tutelar". Mas seguindo de perto o douto acórdão recorrido e a doutrina atrás referida, a pena aplicada também se têm de prender com o disposto no art.° 40° do CP — a pena ter por finalidade "a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade" e com a culpa pois "em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa". Dentro destes critérios para determinação da pena concreta a aplicar ao arguido AA a mesma deverá ser sempre "utilitária" tal como impõe a Constituição no seu art.° 18°. A reinserção social do agente integra-se na prevenção especial positiva mas já não dentro das finalidades da protecção dos bens jurídicos. E a integração geral positiva será um fim essencial da pena na linha doutrinária e também da jurisprudencial. A finalidade essencial e primordial da aplicação da pena reside na prevenção geral, o que significa "que a pena deve ser medida basicamente de acordo com a necessidade de tutela de bens jurídicos que se exprime no caso concreto ... alcançando-se mediante a estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma jurídica violada ..." (Anabela Miranda Rodrigues, "A Determinação da Medida da Pena Privativa da Liberdade", Coimbra Editora, pág. 570) (Ac. do STJ de 12/4/2012, p. 249/11.0PCSNT.S1-5a sec). A pena a aplicar ao arguido AA, para além da prevenção geral (atendimento do sentimento comunitário) também a prevenção especial terá de ser atendida com a "neutralização-afastamento" do delinquente no cometimento físico de outros crimes, para isso intimando-o a proporcionar, a moldar a sua personalidade (neste sentido. Ac. do STJ de 27/05/2011, proc. 517/08.9). Por isso em função da exigência da prevenção geral que são mais elevadas por ser um caso de homicídio voluntário tentado, do que as da prevenção especial, embora esta, segundo nos parece também elevada — o arguido esperou pelo tio, ataca-o com uma faca pelas costas sem dizer nada em frente à Pastelaria, talvez porque o tio o proibiu de ir à sua casa, por ter criado problemas anteriores com os vizinhos, embora este facto não tenha sido dado como provado, mas consta da fundamentação, depois de ter desferido pelo menos oito (segundo os ferimentos) golpes e o ter-se colocados em fuga, sem ajudar a vítima. Devido a estes factos os fundamentos que o arguido AA tenta defender conjugado com todas as restantes dados como provados que integram as circunstâncias p. no art. 71.°, n.° 1 e 2 do C.P., parece-nos que a pena aplicada deverá ser mantida até porque esses mesmos factos provados poderiam integrar a especial censurabilidade p. no art. 132.°, n.° 2 do C.P., como é referido no acórdão recorrido. Assim parece-nos que o recurso do arguido/recorrente José Fertuzinhos não poderá obter provimento quanto à medida da pena por autoria do crime de homicídio tentado (art.º 71.º, n.º 1 e 2, do CP).» 5. Notificado o arguido nos termos do art. 417.º, n.º 2, do CPP, nada disse. 6. Colhidos os vistos em simultâneo, e não tendo sido requerida a audiência de discussão e julgamento, o processo foi presente à conferência para decisão. II Fundamentação
1. Foram dados como provados os seguintes factos: « Da acusação No dia 28 de Março de 2014, pelas 15.00 horas, junto ao estabelecimento comercial denominado "Pastelaria ...", sita em ..., o arguido avistou o ofendido BB, seu tio. De seguida, e sem que nada o justificasse, o arguido que se encontrava munido de uma faca de cozinha, de marca "Scarpa", com 12 cm de lâmina, dirigiu se ao ofendido BB, e enquanto este se encontrava de costas para si desferiu-lhe diversos golpes no corpo, nomeadamente nos membros inferiores, e quando o mesmo se virou de frente para si desferiu-lhe ainda um golpe na região superior esquerda do abdómen, provocando-lhe diversos ferimentos corto-perfurantes e consequente hemorragia. Por força da conduta do arguido sofreu o ofendido BB os seguintes ferimentos: - feridas no membro superior esquerdo localizadas ao nível da falange distai do 4.0 dedo da mão, uma nas faces palmar e outra na dorsal; - ferida perfurante na região superior esquerda do abdómen, com entrada na cavidade abdominal; - ferida perfurante no membro inferior direito, na região glútea; - feridas perfurantes no membro inferior esquerdo, na face anterior do terço superior da coxa e na região glútea da mesma. As mencionadas lesões, em especial a perfuração do abdómen, colocaram em risco a vida do ofendido, a que só foi possível obviar mediante a pronta intervenção dos serviços médicos-medicamentoso e o seu internamento no Hospital de Braga, onde foi submetido a intervenção cirúrgica, sendo que de tais lesões resultou ainda, como causa directa e necessária, um período de doença por quarenta dias com afectação da capacidade profissional. De seguida, o arguido colocou-se em fuga, durante a qual se desfez da mencionada faca, lançando-a para o meio da vegetação de uma propriedade denominada "Quinta ...", sita na .... Encetada, de imediato, a perseguição do arguido pelas forças policiais foi mesmo interceptado e detido junto do Posto de Abastecimento de Combustível da Galp, sita na mesma .... A faca utilizada pelo arguido foi localizada e apreendida no local para onde o arguido declarou tê-la arremessado. Agiu o arguido com o propósito concretizado de tirar a vida ao ofendido BB, tendo usado para o efeito um instrumento que sabia ser idóneo a causar a morte, atingindo zona do corpo (ou seja, o abdómen e membros inferiores junto à artéria femoral) onde sabia estarem alojados órgãos vitais, resultado que directamente quis e com o qual se conformou, sendo certo que só não logrou alcançar os seus propósitos por motivos alheios à sua vontade, nomeadamente, devido à pronta intervenção dos serviços médico-medicamentos e com a sujeição do ofendido a intervenção cirúrgica. O arguido agiu livre e conscientemente, bem sabendo ser a sua conduta proibida por lei. Do pedido cível As lesões descritas causaram ao ofendido dores. O ofendido nunca antes teve desentendimentos com ninguém e nunca foi vítima de qualquer agressão. Os ferimentos provocados causaram-lhe desgosto e tristeza, constrangendo- o no convívio com familiares e amigos. Ficou num estado de alerta, nervosismo e angústia permanentes. Do relatório pericial O arguido apresenta uma perturbação da personalidade denominada de perturbação anti-social. Tal perturbação manifesta-se na reiterada incapacidade para se comportar segundo as normas sociais, impulsividade marcada, irritabilidade e agressividade demonstrada por repetidos conflitos, irresponsabilidade e ausência de remorso, racionalização e indiferença de reacção após uma ofensa corporal. Apesar disso no momento da prática dos factos estava capaz de avaliar a ilicitude dos mesmos e de se determinar de acordo com essa avaliação. Do relatório social O arguido é o mais velho de dois irmãos, com origem no seio de um agregado de mediana condição socioeconómica e com uma dinâmica familiar marcada pelos problemas de comportamento evidenciados precocemente pelo arguido. Habilitou-se com o 12.0 ano, realizado em 2010 através do Programa das Novas Oportunidades, em horário nocturno, na Escola Carlos Amarante em Braga. Foi aluno do Colégio ..., até ao 110 ano de escolaridade, com destaque para os bons resultados demonstrados em termos de aproveitamento até ao 90 ano, e bom relacionamento interpessoal e sociocultural. No período das férias lectivas frequentou com interesse alguns campos de férias no estrangeiro o que lhe permitiu um maior domínio da língua estrangeira, nomeadamente do inglês. Participação que lhe era proporcionada pela situação económica confortável dos progenitores, que viria a sofrer algumas alterações nos últimos sete anos, após a separação. Este acontecimento, não obstante a referência ao progenitor como sendo uma pessoa inteiramente voltada para o trabalho em detrimento da vertente afectivo-relacional, não foi bem aceite pelo arguido sendo que a partir de então passou a evidenciar comportamentos mais agressivos no relacionamento interpessoal e em contexto de lazer, nomeadamente em frequência de espaços públicos. Esta mudança de comportamento e o seu internamento na Casa de Saúde ..., onde permaneceu entre 13 de Março e 5 de Abril de 2012 e entre 20 e 28 de Novembro de 2013, contribuiu para o afastamento gradual dos amigos. Desde aí desinteressou-se dos estudos, e começou a envolver-se em situações que se destinavam em certa medida a provocar o progenitor, com o qual ficou a residir após a separação, registando alguns confrontos com este. Neste contexto acabaria por regressar para junto da mãe, enquanto a sua irmã mais nova foi viver com o pai. O arguido regista ao nível laborai um percurso praticamente inexistente, pois conta apenas com uma experiência de oito dias como operário na construção civil, e que abandonou. Em 2010, pela persistência e intensidade do comportamento agressivo, o arguido frequentou consultas de psicologia e de psiquiatria, particulares, mas não respeitava a medicação. Após a alta do 1.0 internamento na Casa de Saúde ... o arguido entendeu como necessário para o seu equilíbrio e estabilidade emocional a toma regular de medicação indicada para o tratamento de sintomas psicóticos, mas voltou a deixar de tomar a medicação, bem como de frequentar com regularidade as consultas de psiquiatria no Hospital de .... À data dos factos o arguido apresentava enquadramento sócio familiar, idêntico ao actual, junto da sua progenitora (professora do ensino básico), figura significativa no seu percurso de vida. A irmã do arguido, de 20 anos de idade, é estudante, e mantém residência com o progenitor, empresário. Só a progenitora está por si autorizada a visitá-lo na prisão, embora quando em liberdade mantivesse alguns contactos com o pai e irmã. A mãe reside em casa própria, dotada de condições de habitabilidade, com encargo bancário, inserido num espaço residencial próximo do centro da cidade. O quotidiano do arguido era passado essencialmente em casa, vendo televisão e ao computador, tendendo a isolar-se do convívio social. Em termos económicos, o agregado apresenta uma situação estabilizada, circunscrita ao salário da progenitora. Apesar do seu progenitor possuir uma empresa de metalurgia no concelho de Guimarães, o arguido não desempenhava qualquer tipo de actividade, embora a mãe o estimulasse nesse sentido, face à instabilidade comportamental por si manifestada. De igual modo, a recusa por parte do arguido em tomar a medicação prescrita inviabilizava um quotidiano adequado, sendo protagonista de um ambiente tenso e de constante sobressalto para a família. No meio de residência a presença do arguido passava despercebida, exceptuando alguns períodos em que revelou maior agitação pessoal, fazendo barulho e perturbando a tranquilidade dos vizinhos. No estabelecimento prisional o arguido está a ser acompanhado pelos serviços clínicos, apresentado alguma instabilidade. No dia 12 de Junho de 2014 recorreu à urgência de psiquiatria do Hospital de Braga, e a 16 do mesmo mês foi a uma consulta de psiquiatria ao Hospital prisional de Caxias. A 19 de Junho de 2014 foi novamente encaminhado para uma consulta de especialidade no estabelecimento prisional de Sta Cruz do Bispo, recorrendo a nova consulta a 25 de Junho 2014 já no estabelecimento prisional do Porto — Custóias. Encontra-se a tomar medicação e foi pedida nova consulta em nome do arguido, ainda sem data agendada. O arguido dispõe de apoio familiar, evidenciando uma relação de maior proximidade com a progenitora. Contudo, nem esta riem outro familiar tem sobre o arguido qualquer capacidade de orientação ou ascendência na reorientação do seu quotidiano ou tratamento. Não apresentava nenhuma ocupação à data dos factos, pois não tem hábitos de trabalho e não dispõe de meios económicos próprios. Na eventualidade de condenação, para além da pouca ressonância do arguido perante o anterior confronto judicial e condenação, o arguido revela necessidades de intervenção específicas ao nível do acompanhamento psiquiátrico, direccionados para a sua estabilização psíquico-emocional, sem o qual serão elevados os riscos para a família ou terceiros. Provou-se ainda que o arguido já foi julgado e condenado: - no processo n.º 277/11.6GAESP do 2.0 juízo de Esposende, pela prática em 6 de Abril de 2011 de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelos arts. 2.0, n.o 1, als. an) e ap), 3.0, n.º 1 e 2, ais. f) e g), 4.0, n.º 1 e 2, 72.0 e 86.0, n.º 1, al. d), todos do RJAM, na pena de 140 dias de multa à taxa diária de seis euros, por sentença proferida a 16.2.20102, transitada a 18.3.2013, pena esta extinta pelo pagamento por decisão de 23.9.2013; - no processo n.º 1846/11.0PBBRG do 1.0 juízo criminal de Braga, pela prática em 20 de Agosto de 2011 de um crime de introdução em lugar vedado ao público, p. e p. pelo art. 191.0 do Cód. Penal, e de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo art. 143.0 do Cód. Penal, respectivamente nas penas de 45 dias de multa e de 90 dias de multa ambas à taxa diária de cinco euros, e em cúmulo jurídico na pena única de 105 dias de multa à taxa diária de cinco euros, por sentença proferida a 14.6.2012, transitada em julgado a 12.11.2012, pena esta extinta pelo pagamento por decisão de 8.1.2013. » 2. Foram dados como não provados os seguintes factos: «Da acusação não se provou que antes de desferir os golpes o arguido Interpelou o ofendido BB, seu tio. Do pedido cível não se provou que o ofendido teve consciência que estava em perigo de vida e que tem sofrido diversas perturbações psíquicas quando se desloca a espaços públicos, tendo mesmo receio de sair da própria casa. Do alegado pelo arguido em audiência não se provou ter sido o mesmo abusado sexualmente pelo ofendido BB, quando menor, nem se provou ter sido o ofendido a introduzir a faca no seu próprio abdómen.» O recorrente vem condenado na pena de prisão de 6 (seis) anos por tentativa de homicídio. Recorre apenas da pena em que vem condenado, considerando que se trata de uma pena excessiva e só este ponto, de acordo com o disposto no art. 412.º, do CPP, será analisado. Entende que a pena é exagerada, devendo não ultrapassar os 4 anos e 8 meses, dado que é “desproporcional” relativamente às finalidades de punição, tendo em conta as “necessidades especiais e pontuais de recuperação da saúde mental do recorrente”. O recorrente aceita que o grau de ilicitude é elevado, todavia devia ter sido valorado na determinação da pena a patologia que sofre, considerando que a falta de sentimentos de remorso ou arrependimento constituem consequências da patologia e não deviam ter sido valoradas negativamente contra o arguido. A determinação da pena, realizada em função da culpa e das exigências de prevenção geral de integração e da prevenção especial de socialização (de harmonia com o disposto nos art. 71.º, n.º 1 e 40.º do CP), deve, no caso concreto, corresponder às necessidades de tutela do bem jurídico em causa e às exigências sociais decorrentes daquela lesão, sem esquecer que deve ser preservada a dignidade humana do delinquente. Para que se possa determinar o substrato da medida concreta da pena, dever-se-ão ter em conta todas as circunstâncias que depuserem a favor ou contra o arguido, nomeadamente, os fatores de determinação da pena elencados no art. 71.º, n.º 2, do CP. Assim, fatores como a ilicitude do facto, o modo de execução do crime e a sua gravidade, a intensidade do dolo, as condições do arguido, o comportamento anterior e posterior serão fatores a ter em conta na determinação da medida concreta da pena. Estamos perante um caso em que o arguido, com uma faca de cozinha de 12 cm de lâmina, desfere vários golpes no corpo (membros inferiores) do seu tio quando este se encontrava de costas, sem possibilidade de se defender. Quando o tio se vira de frente é ainda agredido com a mesma faca no abdómen, o que o colocou em risco de vida não fosse a pronta assistência. Ou seja, a gravidade das lesões e o modo como foram realizadas (“golpeando [o tio] pelo menos cinco vezes”, fls. 486) demonstram um comportamento com uma ilicitude elevada (o que aliás o recorrente nem discute e aceita). Ou seja, o caso integra elevadas exigências de prevenção geral em ordem a mostrar a toda a comunidade que o bem jurídico mais valioso protegido pelo direito penal — a vida humana — continua a ser protegido pelo ordenamento jurídico. Mas, para a determinação da pena, é ainda relevante não só o comportamento colaborativo que o agente/arguido teve ao longo da investigação, assim como a confissão dos factos. Ora, consta da matéria provada não só que “a faca utilizada pelo arguido foi localizada e apreendida no local onde o arguido declarou tê-la arremessado” (fls. 467, itálico nosso), como também que confessou os factos (cf. fls. 471 e ss), embora tenha dado como justificação para a sua realização outros factos (teria sido abusado sexualmente enquanto criança pelo seu tio — fls. 471 — e teria sido o tio que pretendendo retirar-lhe a faca a tinha puxado para si e assim a introduzindo no abdómen, tendo apenas o arguido retirado a faca — fls. 471) que não foram provados (cf. fls. 470). Estes outros factos invocados “não convenceram o tribunal colectivo quer quanto à ausência de intenção de matar o ofendido, quer quanto à própria motivação da conduta do arguido” (fls. 472; “o tribunal [considerou] absolutamente inverídica e infundada a afirmação feita pelo arguido de que foi abusado sexualmente pelo tio e que foi essa situação que o motivou a agir no dia dos factos”: fls. 474). Acresce ser ainda relevante neste contexto o facto de o arguido ter esperado pelo tio à porta do café, a revelar alguma determinação na prática do crime. Ou seja, destes elementos não podemos retirar quaisquer argumentos a favor do recorrente. Além disto, ainda que tenha sido provado que o arguido sofre de “perturbação da personalidade denominada de perturbação anti-social” (fls. 467), foi considerado no relatório pericial que “tal perturbação manifesta-se na reiterada incapacidade para se comportar segundo as normas sociais, impulsividade marcada, irritabilidade e agressividade demonstrada por repetidos conflitos, irresponsabilidade e ausência de remorso, racionalização e indiferença de reacção após uma ofensa corporal” (idem), porém sem que se possa afirmar que, no momento da prática dos factos, era incapaz de avaliá-los e de se determinar de acordo com essa avaliação, e sem que se possa dizer que tinha essa capacidade ou possibilidade de determinação “sensivelmente diminuída”, dado que o relatório pericial concluiu expressamente que “apesar disso [isto é, apesar da perturbação da personalidade denominada de perturbação anti-social] no momento da prática dos factos estava capaz de avaliar a ilicitude dos mesmos e de se determinar de acordo com essa avaliação” (matéria de facto provada, fls. 467). Tudo a permitir-nos afirmar a imputabilidade do arguido. Pelo que, se o arguido estava em condições de avaliar a ilicitude do facto, e se a sua capacidade de determinação não estava diminuída, não vemos como podemos considerar que a culpa, enquanto atitude contrária ou indiferente ao Direito, esteja diminuída de modo a impor uma diminuição da pena, por esta estar a ultrapassar o limite máximo imposto por aquela. Considerando que estava apto a avaliar a ilicitude dos factos praticados, não podemos considerar que a forma violenta como os praticou não demonstre no facto praticado e através do facto praticado “qualidades juridicamente desvaliosas da personalidade que fundamentam [o] facto ilícito-típico e nele se exprimem” (Figueiredo Dias, Direito Penal, Tomo I, Coimbra: Coimbra Editora, 20072, 19/ § 23). Tendo em conta que as suas capacidades não estavam diminuídas, então tinha capacidades para se deixar motivar pela norma e não praticar um crime com o qual demonstrou uma falta de respeito e desprezo pela vida de outras pessoas. Na verdade, entendendo a culpa como “o ter que responder pelas qualidades pessoais — juridicamente censuráveis — que se exprimem no concreto ilícito-típico e o fundamentam” (idem, 19/ § 29), consideramos que é uma culpa de grau elevado o que temos perante nós, dado que o facto praticado, o modo como o praticou, o tempo e lugar em que o fez, e contra quem o realizou, exprimem um ilícito típico altamente censurável pelo sistema jurídico, pois trata‑se do tipo legal de crime com moldura da pena mais grave no nosso Código Penal. Assim, concluímos que as exigências de prevenção geral são acentuadas e que a culpa é de grau elevado. Resta verificar se existem razões de prevenção especial a legitimar uma diminuição da pena concreta como pretende o recorrente. Serão aqueles elementos relevantes para que se possa dar um maior ou menor relevo ao facto de não ter mostrado um sério e convincente arrependimento (“não pode deixar o Tribunal de relevar a postura do arguido em audiência, pois se por um lado disse que está arrependido, por mais de uma vez, não o disse de forma a convencer o Tribunal da seriedade de tal sentimento, desde logo porque assumiu que desde que foi preso não tentou falar com o tio, ainda que por interposta pessoa, para lhe apresentar um pedido de desculpas, nem tão-pouco manifestou desejo de o fazer em audiência”: acórdão recorrido a fls. 488)? Isto é, ainda que aquela perturbação não lhe retirasse a imputabilidade, ou não nos permita afirmar a existência de uma imputabilidade diminuída, poderemos fazer valer aqueles elementos para considerarmos que as exigências de prevenção especial são por este motivo aumentadas? Consideramos que a patologia de que sofre permite, em parte, que se justifique o comportamento que teve e que levou o tribunal a não conceder credibilidade ao arrependimento manifestado. Ainda que a patologia não lhe não retire a imputabilidade, entendemos que limita uma clara e convincente exposição dos sentimentos que tenha quanto ao ato praticado. Aliás, ainda está a ser acompanhado pelos serviços clínicos em meio prisional, porque apresenta instabilidade (cf. matéria de facto prova, fls. 469), e revela ainda “necessidades de intervenção específicas ao nível do acompanhamento psiquiátrico, direccionadas para a sua estabilização psíquico-emocional, sem o qual serão elevados os riscos para a família ou terceiros” (fls. 470). Sendo assim, a falta de credibilidade do arrependimento, ao resultar da sua patologia, não poderá ser valorada negativamente contra o arguido. E a adesão ao tratamento em meio prisional constitui um facto relevante e positivo. Além disto, cumpre salientar que o arguido, à prática dos factos, tinha apenas 23 anos, embora já com alguns antecedentes criminais. Entendemos que as lesões provocadas, o modo de execução e a determinação evidenciada exigem uma pena acima do mínimo da moldura (no caso entre 1 anos, 7 meses e 10 dias e 10 anos e 8 meses, de acordo com o estipulados nos arts. 131.º, 23.º, n.º 2, e 73.º, todos do CP). Mas, ainda assim uma pena afastada do seu máximo. Ora, o modo como praticou o facto ilícito-típico, a fuga que encetou após o seu cometimento, a sua reiterada incapacidade para se comportar segundo as normas, a impulsividade e a agressividade que demonstra, impõem que consideremos como adequada a pena em que vem condenado, de prisão durante seis anos, sendo esta a pena adequada, quer em função das exigências de prevenção geral, quer em função das exigências de prevenção especial. III Conclusão Nos termos expostos acordam em conferência na secção criminal do Supremo Tribunal de Justiça:
Supremo Tribunal de Justiça, 21 de maio de 2015 Os juízes conselheiros, (Helena Moniz) (Nuno Gomes da Silva) -------------- |