Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
16522/22.0T8PRT.P1.S1
Nº Convencional: 2.ª SECÇÃO
Relator: ANA PAULA LOBO
Descritores: OBRIGAÇÃO DE APRESENTAÇÃO DE COISAS
OBRIGAÇÃO DE APRESENTAÇÃO DE DOCUMENTOS
PROCESSO DE JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA
RECIBO DE QUITAÇÃO
BANCO
PROVA DOCUMENTAL
PAGAMENTO
IMPROCEDÊNCIA
Data do Acordão: 07/04/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Sumário :
I. Os recibos de quitação de montante pago não são, em princípio, documentos de que o banco credor seja possuidor ou detentor, a menos que os haja subtraído à posse do devedor.

II. O processo de jurisdição voluntária para apresentação de coisas ou documentos a que se refere o art.º 1045.º do Código de Processo Civil, não é meio próprio para obter a prova do pagamento de um montante em dívida.

Decisão Texto Integral:

I – Relatório

I.1 – relatório

Destinos Aliciantes, S.A., apresentou recurso de revista do acórdão do Tribunal da Relação do Porto proferido em 25 de Janeiro de 2024 que:

alterou a sentença recorrida:

a) julgando-se manifestamente improcedente o segundo pedido formulado pela autora, Destinos Aliciantes, S.A., dele se absolvendo o réu, Banco Comercial Português, S.A.;

b) determinando-se o prosseguimento da causa perante tribunal a quo, retornando o processo à fase de pré-saneamento, para que sejam esclarecidos os termos da acção e da excepção, designadamente:

1 – com a prestação de esclarecimentos pela autora sobre:

1.1 – qual a natureza do concreto documento preexistente ou a informação que pretende que lhe seja fornecida e a forma como pretende que lhe seja prestada;

1.2 – a que concretos direitos e deveres ficais se refere, quando justifica a necessidade do pedido (art. 34.º da petição);

1.3 – qual o número da conta bancária por si titulada da qual pretende o extracto plurianual, esclarecendo, ainda, se não lhe foram remetidos os extractos integrados periódicos enquanto tal conta se manteve aberta;

1.4 – se a demandante conservou os talões de depósito ou outros registos dos movimentos bancários que efectuou – justificando, querendo, a sua conduta, se os não tiver conservado.

2 – feitos tais esclarecimentos pela autora, com a prestação de esclarecimento pelo réu sobre quais foram os concretos documentos por si juntos (a outros processos) que entende satisfazerem a pretensão da autora (ver o alegado nos arts. 15.º, 17.º a 19.º a 22.º e 29.º e 30.º da contestação) – devendo, caso o réu declare que tais documentos ainda não foram juntos a estes autos, proceder à sua junção (para que não subsistam dúvidas quanto à identificação dos documentos a que se refere na alegação efectuada na contestação de que já satisfez a pretensão da autora no âmbito de junção por si efectuada em processo judicial);

3 – feito o esclarecimento acima referido em 2 pelo réu, esclarecendo a autora em que medida tais documentos juntos pelo réu não satisfazem a sua pretensão;

4 – seguindo-se os ulteriores termos do processo para conhecimento dos primeiro e terceiro pedidos formulados pela autora, sem prejuízo do conhecimento imediato, na fase do saneamento, das questões que obstem ao conhecimento do mérito ou, sendo possível, em face dos esclarecimentos obtidos, do imediato conhecimento do mérito do pedido.

A recorrente apresentou alegações que terminam com as seguintes conclusões:

I. A Recorrente entende, muito respeitosamente, que a 2.ª Instância não proferiu decisão segundo critérios de conveniência e oportunidade, mas sim segundo critérios de estrita legalidade e daí o seu recurso de revista, incorrendo, igualmente, em erro de julgamento;

II. Fez uso de critérios de estrita legalidade aquando a indagação de um conceito rigoroso e legal relativamente o documento com listagem de extracto de conta completo com todas as importâncias pagas pela Recorrente a título do contrato e que peticionou na PI, através da invocação de doutrina, convocando a definição legal de conta bancária e as suas implicações jurídicas e quando fez referência ao caso julgado (que é essencialmente limitado nestes tipos de processos dado o artigo 988.º do CPC e, portanto, irrelevante);

III. E veja-se, ainda, a improcedência do segundo pedido da PI pelo acórdão recorrido totalmente baseada e alicerçada em argumentos de índole formal e processual, designadamente no artigo 5.º, n.º 1, do CPC;

IV. Salvo melhor opinião, o acórdão recorrido olhou para o presente processo como se um processo de contencioso se tratasse, o que não podia, tinha que fazer vislumbrar as regras do processo especial de jurisdição voluntária;

V. O acórdão recorrido não relevou minimamente as circunstâncias concretas da situação da Recorrente no presente caso o que o impossibilitou de garantir a melhor satisfação, e inerente adequação, do interesse da Recorrente com a documentação;

VI. O acórdão recorrido deu prevalência às barreiras limitativas do ónus alegatório e da vinculação temática ao efeito jurídico especificadamente formulado, estabelecidas no âmbito dos processos de natureza contenciosa nos termos dos artigos 5.º, n.º 1, 260.º e 609.º, n.º 1, do CPC;

VII. O acórdão recorrido não relevou devidamente o direito de informação da Recorrente, o interesse fundamental protegido pelo presente processo especial;

Da Impugnação da Matéria de Facto

8. O acórdão recorrido modificou o facto 20.º dado como provado na 1.ª instância nos seguintes termos: “20 - Até ao dia de hoje, e por carta directamente remetida à requerente em resposta às cartas destas recebidas, o requerido não remeteu (extrajudicialmente) à requerente a listagem com extracto de conta completo de todos os depósitos efectuados no âmbito do contrato de locação financeira n.º .......37, desde o ano de 2009 até ao ano de 2022”, que a Recorrente, desde já, impugna, nos termos do artigo 640.º do CPC;

9. Os documentos n.º 4 (decisão judicial) e 5 (peça processual), juntos à contestação do Recorrido, autênticos, possuem pleno valor probatório, em conformidade com o artigo 371.º do Código Civil;

10. Resulta dos referidos documentos que o Recorrido, no processo judicial n.º 472/15.9..., depois de “compelido” pelo Tribunal, somente juntou o extrato de conta datado do período que decorreu entre 2009 e 2014;

11. A Recorrente, no seu pedido, peticiona documento com conteúdo de listagem com extrato de conta completo com todas as importâncias pagas/depositadas que efetuou desde o ano de 2009 até à presente data, no contexto do contrato de locação financeira n.º .......37, de uma forma completa, verdadeira, clara, organizada e objetiva;

12. E, realça-se, não o está só a peticionar agora no presente processo, anda a fazê-lo desde há 10 anos, conforme atestam a data das correspondências da Recorrente;

13. Não resultando controvertida a alegação de o Recorrido ter já cumprido com o direito de informação em causa no presente processo;

14. O Recorrido nunca alegou que cumpriu com a entrega da documentação aqui peticionada, aliás, aceitou que nunca cumpriu (artigo 574.º, n.º 2, do CPC);

15. Dos artigos 15.º, 17.º a 19.º, 21.º, 38.º e 39.º da Contestação resulta tão só que o Recorrido cumpriu com um dever judicial de junção de extrato de conta relativo aos anos de 2009 a 2014 o que não está em oposição ao facto 20.º dado como provado na sentença;

16. Aliás, o próprio artigo 28.º da Contestação é claro: se documento que a Recorrente aqui solicita não existe enquanto tal, então, é impossível que o Recorrido tenha cumprido com a sua obrigação de informação;

17. Assim, objetivamente, o facto 20.º deve ter a redação dada pela 1.ª Instância:

“Até ao dia de hoje, o requerido não remeteu à requerente a listagem com extrato de conta completo de todos os depósitos efetuados no âmbito do contrato de locação financeira n.º .......37, desde o ano de 2009 até o presente ano de 2022”.

18. Pelo que o acórdão recorrido incorreu num erro de apreciação da prova e fixação da matéria de facto dado que violou o artigo 574.º, n.º 2, do CPC e 371.º do CC;

19. Devendo, assim, por consequência, considerar-se impugnada a redação do facto 20.º dada pelo acórdão recorrido e ser repristinada na totalidade a redação dada pela 1.ª instância, ao arrepio do artigo 674.º, n.º, do CPC;

Do Erro de Julgamento

20. A presente ação depende da verificação dos seguintes pressupostos: “que o possuidor ou detentor deles não os queira facultar; que o requerido não tenha motivos fundados para se opor à apresentação e que o requerente tenha um interesse juridicamente atendível no seu exame” (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, processo n.º 352/11.7TVPRT.P1.S1, 7.ª secção, Relator Orlando Afonso, de 19/05/2016

(Cfr.https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/ccbd9bd995c fb4280257fb800582fe0);

21. Na opinião da Recorrente, o estado atual do processo permite, a solução oportuna e conveniente da causa e o pleno vislumbramento dos requisitos supra elencados, pelo que uma baixa à 1.ª Instância, como determinado pelo acórdão recorrido, implicaria a realização de atos processuais inúteis (Cfr. artigo 130.º do CPC), consubstanciando-se num erro de julgamento;

22. Na sua PI, a aqui Recorrente peticionou documento com conteúdo de listagem com extrato de conta completa onde constem todas as importâncias pagas/depositadas desde os anos de 2009 até à presente data de forma completa, verdadeira, clara, organizada e objetiva todas as importâncias, no contexto do contrato de locação financeira n.º .......37, bem como todos os recibos de quitação das rendas liquidadas e pagas no âmbito do mencionado contrato;

23. Fundamentando a necessidade da documentação com o facto de serem essenciais para verificar, comprovar, os pagamentos das rendas realizadas, a fim de instruir a sua contabilidade, de forma à Recorrente poder cumprir, de forma plena e precisa, os seus deveres fiscais, bem como todos os direitos que a ordem jurídica lhe confere;

24. A documentação peticionada no presente processo é necessária, fundamental para instruir a contabilidade, e para cumprir de forma plena as normas de Contabilidade, os deveres fiscais, no sentido de regularizar o caixa da empresa, os balanços, o inventário de forma a refletir na contabilidade o pagamento efetivo das rendas, através dos respetivos recibos de quitação.

25. Releva realçar o artigo 28.º da Contestação do Recorrido, onde, entendendo claramente o conteúdo e alcance do pedido, disse que a “listagem com extracto de conta completo com todas as importâncias pagas por conta do contrato, documento cuja junção a Autora solicita, inexiste enquanto”;

26. Tal documento tinha que existir enquanto tal nos termos da cláusula 10.º das “CONDIÇÕES PARTICULARES” do contrato de Locação financeira, do artigo 90.º -A do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras;

Quanto à Documentação com Conteúdo Listagem com Extrato de Conta Completo com Todas as Importâncias Pagas a Título do Contrato de Locação Financeira

27. A Recorrente tem direito à documentação peticionada, designadamente, nos termos do artigo 35.º, n.º 1, da CRP e da cláusula 14.ª, n.º 5, das “CONDIÇÕES GERAIS” do contrato de locação;

28. Por esse motivo, conforme os factos provados n.º 6 a 11.º, 13.º a 16.º e 18.º a 19.º, a Recorrente solicitou listagem com extrato de conta completo com todas as importâncias depositadas, pagas, no contexto do contrato de locação n.º .......37;

29. O Recorrido, durante mais de 10 anos, nunca remeteu a documentação solicitada, consubstanciando-se tal uma notória conduta extraprocessual de recusa;

30. Nos presentes autos, o Recorrido, na mesma medida, encontra-se a tentar esquivar ao fornecimento da documentação a todo o custo como bem se vê pela caução por si prestada, estando, assim, como uma conduta processual de recusa;

31. Pelo exposto, verifica-se o pressuposto consagrado no artigo 1045.º do CPC de o possuidor dos documentos não os querer facultar;

32. Não tendo o Recorrido um qualquer motivo para fundar esta inaceitável conduta de recusa de entrega da documentação peticionada, que, ainda vem dizer aos autos, que o referido documento não existe enquanto tal, quando tal era legal e contratualmente devido;

33. A circunstância de o Recorrido ter junto no processo n.º 472/15.9... extratos da conta de depósito à ordem n.º .........69 referentes ao período entre 2009 e 2014 (Cfr. factos provados 32.º e 33.º) não é motivo fundado para a não apresentação da documentação peticionada;

34. A Recorrente, como já referido e resulta da PI, pretende documento onde constem de forma verdadeira, organizada e completa todos os depósitos procedidos por si desde 2009 até à presente data no contexto do contrato de locação financeira n.º .......37;

35. O facto de o Recorrido ter juntado os extratos referentes aos anos de 2009 e 2014 não equivale ao que a Recorrente aqui peticiona;

36. A Recorrente quer, como qualquer outro cliente com uma conta aberta nos serviços do Recorrido, ter todas as suas importâncias por si pagas desde o início do contrato até à hodiernidade devidamente registadas e organizadas em documento que, usualmente, toma a forma, ou é popularmente conhecido, de listagem com extrato de conta completo, que o Recorrido diz que inexiste;

37. O invocado sigilo bancário pelo Recorrido é inoperativo, dado que o Recorrido dispõe de todos os meios humanos e tecnológicos para fornecer a documentação peticionada à Recorrente sem violar o sigilo bancário;

38. Assim, verifica-se o pressuposto consagrado no artigo 574.º, n.º 1, do CC de procedência da presente ação: que o requerido não tenha motivos fundados para se opor à apresentação dos documentos;

39. E, por último, dos elementos dos autos resulta ainda o 3.º e último pressuposto de procedência da ação: o interesse juridicamente atendível e a necessidade da Recorrente com a entrega da documentação;

40. A Recorrente necessita de verificar, comprovar, o pagamento das rendas realizadas para instruir a sua contabilidade, cumprir, precisa e plenamente, os seus deveres fiscais, bem como todos os direitos que a ordem jurídica lhe confere;

41. As partes do processo protagonizaram uma série de processos, o que é demonstrativo da manifesta divergência que têm quanto ao pagamento das importâncias por conta do Contrato de Locação Financeira Imobiliário;

42. A Recorrente, sete dias anteriormente à notificação do acórdão recorrido, em 18/01/2024, foi sujeito passivo de um processo de notificação judicial avulsa, onde lhe é exigido que pague uma quantia de 116.673,78 € a título de rendas não pagas entre 25/08/2014 e 25/09/2023 (Cfr. Doc. n.º 1);

43. Notificação Judicial Avulsa que se junta nos termos do artigo 680.º do CPC;

44. Cuja dedução pelo Recorrido se afigura num abuso de direito, para cumprir os seus ilegítimos interesses não se esquiva de enviar uma imensidão de documentação, mas para entregar a documentação que a Recorrente aqui exige, e tem pleno direito, que o Recorrido diz que não existe enquanto tal;

45. Tal notificação judicial avulsa, intentada pelo Recorrido, é perentória e demonstrativa da pertinência e da real utilidade da ação intentada pela Recorrente;

46. A Recorrente, com a ação, não busca um facilitismo, comodidade, ou uma estratégia clássica, visa, sim, ter direito de acesso a documento que um qualquer cliente tem quando em relação com uma instituição bancária, resultante da lei e do contrato, para conferir todos os pagamentos que fez e a conduta do Recorrido;

47. Um qualquer cliente bancário tem a expectativa que os seus dados sejam tratados na forma de uma tabela geral plurianual (listagem) contendo datas, valores e descritivos;

48. A Recorrente era titular da conta de depósito à ordem n.º .........69, sucedeu que, por indicação do Recorrido, a Recorrente passou a depositar as importâncias devidas na conta geral n.º .....22;

49. A Recorrente sempre considerou que o Recorrido imputava os depósitos feitos pela Recorrente na conta geral a uma conta por si titulada que estivesse devidamente individualizada;

50. Pelo teor da Notificação Judicial Avulsa (cfr. Doc. n.º 1) o Recorrido estava a imputar os depósitos da Recorrente ao pagamento de uma indemnização pela ilegal resolução contratual operada pelo Recorrido, atestada no processo n.º 472/15.9...;

51. A Recorrente pretende a listagem com extrato de conta completo com todos os depósitos efetuados a título do contrato, visto que tal documento não existe, fazendo fé nas palavras do Recorrido, tal documento terá que ser criado de uma forma organizada contendo todas as datas, valores e descritivos;

52. Só assim consegue a Recorrente verificar e comprovar os seus valores comparando-os com os do Recorrido, e daí a necessidade com a presente ação (cfr. artigo 1045.º do CPC);

53. Como resulta do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, processo n.º 26/08.6TBVCD.P1.S1, de 07/10/2020, Relator Azevedo Ramos (https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/46d4d3e9caf b82c3802577b500456062): “I –O titular de uma conta bancária, para aceder às informações sobre os seus movimentos ou obter um qualquer extracto bancário, não necessita, para além de comprovar que é titular da conta, de demonstrar um qualquer interesse concreto na obtenção de informações.

II –O direito à informação e, designadamente, o direito à obtenção de informações documentadas sobre os movimentos bancários resulta directamente da lei e do contrato bancário celebrado com vista à abertura da conta. (…)”;

54. É manifesto que a Recorrente tem um interesse concreto na obtenção dos documentos que aqui peticiona;

55. Preenchendo-se, assim, o 3.º pressuposto que depende a procedência da ação disposto no artigo 574.º, n.º 1, do CC: o documento com conteúdo de listagem com extrato de conta completo com todas as quantias pagas por conta do contrato de locação financeira n.º .......37;

56. Assim, com o devido respeito, entendemos que se verificam os pressupostos da ação, sendo desnecessária o retorno dos autos à fase de pré-saneamento para fins de esclarecimentos, estando, assim, viciada de erro de julgamento o acórdão recorrido;

57. Os factos essenciais da ação já estão plenamente apurados e resultam manifestamente das peças processuais e prova carreada, consubstanciando-se este retorno, que implica uma ampla (desnecessária) atividade das partes, numa violação do princípio do inquisitório que foi colocado em segundo plano em prole do princípio do dispositivo, em completa desconformidade com a teleologia subjacente aos processos de jurisdição voluntária;

58. O acórdão recorrido, na mesma medida, e por tudo o exposto, não salvaguardou o interesse fundamental da descoberta da verdade material e da defesa dos direitos da Recorrente que resultam, diretamente, da CRP e de regulamentação Europeia;

59. Violando, assim, o acórdão recorrido os artigos 130.º, 987.º, 1045.º e 1046.º do CPC e artigos 573.º, 574.º e 575.º do CC, estando ferido, portanto, de erro de julgamento;

60. O acórdão recorrido está ferido de erro de julgamento por violação do artigo 35.º da CRP, da sua cláusula 14.ª, n.º 5, do artigo 90.º -A do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, o artigo 79.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 298/92, o Regulamento (EU) 2016/679 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de Abril de 2026, o artigo 20.º e 21.º da Lei n.º 59/2019, o artigo 8.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, o artigo 24.º e 25.º do Regime Geral de Proteção de Dados do Parlamento Europeu e Conselho o artigo 25.º, n.º, 1, do Código de conduta do Recorrido, que asseveram o direito da Recorrente aos documentos que aqui peticiona, direito esse violado pela decisão recorrida;

61. Destarte, deve o acórdão recorrido, ferido de erro de julgamento, ser revogado e substituído por um com conteúdo idêntico ao proferido pelo Tribunal de 1.ª Instância;

Quanto aos Recibos de Quitação

62. A Recorrente discorda do entendimento perfilhado pela 2.ª Instância que improcedeu manifestamente o segundo pedido constante na Petição Inicial;

63. Como resulta dos artigos 33.º, 34.º e do pedido da PI a Recorrente refere expressamente os recibos de quitação, só o fazendo porque o Recorrido, a partir do 2º ano de vigência do contrato de locação financeira, até á presente data não remeteu qualquer recibo, conforme é obrigado pelo artigo 787.º do CC e pelo contrato;

64. Pelo que existe, efetivamente, uma realidade invocada na Petição Inicial;

65. A jurisdição voluntária implica que o Tribunal deva adotar em cada caso a solução que julgue mais conveniente e oportuna, havendo uma especial preponderância do princípio do inquisitório, da equidade e da livre modificabilidade das resoluções;

66. O acórdão recorrido invés de lograr pela conveniência e oportunidade da resolução a adotar, preferiu critérios de legalidade estrita que se prendem com o formalismo próprio de invocação de factos no processo, designadamente consagrado no artigo 5.º, n.º 1, do CPC;

67. Conforme Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, processo n.º 945/13.8T2AMD-A.L.Q.S1,Relator Tomé Gomes, de 25/05/2017

(https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/30252fe057e 81108025812c002ee631?OpenDocument):

“Com efeito, na esfera da tutela de jurisdição voluntária, em que se protegem interesses de raiz privada mas, além disso, com relevo social e alcance de interesse público, são, por isso, conferidos ao tribunal poderes amplos de investigação de factos e de provas (art.º 986.º, n.º 2, do CPC), bem como maior latitude na determinação da medida adequada ao caso (art.º 987.º do CPC), em derrogação das barreiras limitativas do ónus alegatório e da vinculação temática ao efeito jurídico especificamente formulado, estabelecidas no âmbito dos processos de natureza contenciosa nos termos dos artigos 5.º, n.º 1, 260.º (quanto ao pedido e causa de pedir) e 609.º, n.º 1, do CPC”.

68. E por essa preferência do acórdão recorrido não tutelou e salvaguardou o interesse fundamental da Recorrente em ter acesso aos recibos de quitação, interesse esse que resulta, designadamente, diretamente do contrato de locação financeira;

69. Assim, errou de julgamento o acórdão recorrido, por violação do artigo 987.º do CPC, pois decidiu segundo critérios de legalidade estrita ao improceder o segundo pedido da PI, devendo, pelo exposto, o acórdão recorrido ser revogado e substituído com decisão de igual conteúdo com a proferida pela 1.ª Instância.

Nestes termos e nos mais de Direito que V. Ex.ªs doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao presente recurso de revista, revogando-se o acórdão recorrido e decidir-se no sentido das alegações e conclusões e sentença proferida pelo Tribunal de 1.ª Instância com o que se fará inteira justiça.

O recorrido apresentou contra-alegações onde entende dever ser integralmente confirmado o acórdão recorrido.


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I.2 – Questão prévia - admissibilidade do recurso

Destinos Aliciantes, S.A., instaurou a presente acção para apresentação de coisas ou documentos, com processo especial de jurisdição voluntária, contra Banco Comercial Português, S.A., formulando os seguintes pedidos:

A) O Requerido seja citado e intimado a apresentar neste tribunal a documentação/informação documentada/listagem com extracto de conta completo com todas as importâncias pagas/depósitos, designadamente de rendas, que a Requerente efectuou, referentes aos anos de 2009 até à presente data, no contexto do contrato de locação financeira n.º .......37, de uma forma completa, verdadeira, clara, organizada e objectiva, em data, dia e hora a ser designada pelo tribunal;

B) O Requerido seja citado e intimado a apresentar neste tribunal todos os recibos de quitação de rendas liquidadas e pagas no âmbito do contrato de leasing n.º .......37, de uma forma completa, verdadeira, clara, organizada e objectiva, em data, dia e hora a ser designada pelo tribunal;

C) Seja fixada uma sanção pecuniária compulsória a pagar pelo Requerido, de valor não inferior a 4.500,00 € por cada dia de atraso no cumprimento pontual e completo do requerido em A) e em B);

Em fundamento da sua pretensão alegou que solicitou por diversas vezes ao réu as listagens e extractos, mas que aquele, até hoje, não lhos disponibilizou, sendo certo que tais documentos (listagem com extracto de conta completo e os recibos de quitação) são indefectíveis, necessários, para verificar, comprovar, os pagamentos das rendas realizadas, a fim de instruir a sua contabilidade, de forma a que a autora possa cumprir, de forma plena e precisa, os seus deveres fiscais, bem como todos os direitos que a ordem jurídica lhe confere.

O Tribunal da Relação conheceu do pedido B, e, quanto aos demais pedidos determinou o prosseguimento dos autos para averiguações diversas.

Torna-se claro que, em face do disposto no art.º 671.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, apenas a decisão proferida relativamente ao pedido B pode ser eventualmente objecto de revista, pois, apenas ela põe termo ao processo no que a tal pedido diz respeito.

Por estar em causa um processo de jurisdição voluntária, quanto à admissibilidade da revista, no caso concreto, impõe-se ainda averiguar se estamos ou não perante uma decisão proferida segundo critério de legalidade, única situação em que, nestes processos o art.º 988.º, n.º 2 do Código de Processo Civil admite a revista.

A decisão recorrida, que considera este pedido manifestamente improcedente tem a seguinte fundamentação:

No seu articulado inicial, a autora nunca alega que pediu ao réu “todos os recibos de quitação de rendas liquidadas e pagas no âmbito do contrato de leasing n.º .......37”, tendo este negado aceder a esse pedido. Alega, sim, que pediu ao réu uma “listagem com extrato de conta” (sic). Também nunca afirma que tais “recibos de quitação de rendas liquidadas” não lhe foram entregues no momento do pagamento nem que, como será normal, os extratos bancários periodicamente remetidos ao cliente não compreendiam a declaração (registo do movimento) de liquidação da prestação (renda) satisfeita.

Em suma, o segundo pedido formulado é manifestamente improcedente. Resta acrescentar que, considerando a exaustividade da alegação e a junção de todos os documentos que revelam as interpelações escritas efetuadas, não podemos concluir que as alegações (articulados) da autora são insuficientes ou imprecisas. Como lapidarmente se afirma no sumário do Ac. do TRC de 09-05-2000, proc. n.º 102/00, “Não há lugar a convite ao aperfeiçoamento quando o que é insuficiente não é a alegação, mas a realidade alegada. O mecanismo do art. 508.º, n.º 3 [atual 590.º, n.º 4], destina-se a suprir a insuficiência da alegação, não a insuficiência da realidade”.

Assim, por não terem sido utilizados na decisão meros critérios de oportunidade a revista é nessa medida admissível, sendo inadmissível quanto a todos os demais pedidos recursivos formulados tendo em conta que não houve conhecimento de mérito nem as respectivas decisões colocaram termo ao processo, antes o mandando prosseguir para mais averiguações e retornando o processo à fase imediatamente subsequente à fase de articulados.


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I.3 – O objecto do recurso

Tendo em consideração o teor das conclusões das alegações de recurso e o conteúdo da decisão recorrida, cumpre apreciar a seguinte questão:

I. Intimação para apresentar neste tribunal todos os recibos de quitação de rendas liquidadas e pagas no âmbito do contrato de leasing n.º .......37.


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I.4 - Os factos

Os factos a ter em conta na presente decisão são o texto da petição inicial junta aos autos em 28 de Setembro de 2022 – ref.ª Citius ......97 -.

II – Fundamentação

I. Recibos de quitação

Tal como mencionado pela decisão recorrida, verifica-se que na petição inicial quanto aos recibos de quitação se alega exclusivamente o seguinte:

“33.º

A Requerente, de igual forma, vem, no presente processo, requerer que o Requerido seja citado e intimado a apresentar todos os recibos de quitação das rendas liquidadas e pagas no âmbito do contrato de locação financeira n.º .......37.

34.º

Tais documentos (listagem com extrato de conta completo e os Recibos de quitação) são indefetíveis, necessários, para verificar, comprovar, os pagamentos das rendas realizadas, a fim de instruir a sua contabilidade, de forma a que a aqui Requerente possa cumprir, de forma plena e precisa, os seus deveres fiscais, bem como todos os direitos que a ordem jurídica lhe confere.

35.º

Pelo exposto, encontram-se preenchidos os requisitos da presente ação, constantes nos artigos 1045.º a 1047.º do Código do Processo Civil, bem como nos artigos 573.º a 575.º do Código Civil.”

Nos termos do disposto no art.º 1045.º do Código de Processo Civil “Aquele que, nos termos e para os efeitos dos artigos 574.º e 575.º do Código Civil, pretenda a apresentação de coisas ou documentos que o possuidor ou detentor lhe não queira facultar justifica a necessidade da diligência e requer a citação do recusante para os apresentar no dia, hora e local que o juiz designar.”.

Bem analisando este artigo a autora quanto aos demais documentos de que solicita a apresentação indica que eles estão em poder do recorrido, que lhe solicitou, até repetidamente, a sua apresentação, vindo ele ao longo do tempo a recusar fazê-lo. Nesse caso estavam em causa extractos bancários, e listagens organizadas pelo banco recorrido. Os recibos de quitação das prestações pagas sendo embora documentos emitidos pelo recorrido são documentos que devem estar na posse da recorrente, por lhe terem por ele sido oportunamente entregues. Talvez a recorrente pudesse usar deste meio processual no caso de ter extraviado os ditos recibos de quitação, que lhe terão sido oportunamente entregues pelo recorrido, mas tendo de solicitar apenas uma cópia ou 2.ª via dos mesmos. Não há dois recibos de quitação da mesma quantia paga, um na posse da recorrente e outro na posse do recorrido, haverá, eventualmente na posse deste uma cópia daqueles. Mas é pressuposto que o banco seja o possuidor ou detentor dos ditos recibos, e, não é, pois não foi alegado que os haja ilicitamente subtraído à recorrente, ou mesmo que os não haja emitido, sendo que neste caso, também não faria sentido apresentar o que não existia, não sendo este o meio próprio para obter os efeitos jurídicos de documentos de quitação que porventura devessem ter sido emitidos e entregues, e, não hajam sido.

Cremos, pois, que se compreende bem porque nada disse a requerente sobre os recibos de quitação, uma vez que tudo indica que aproveitou apenas a oportunidade para pedir a apresentação de mais uns documentos, por facilidade de organização da sua contabilidade, sem que tenha, em face dos dados constantes dos autos qualquer direito de exigir a respectiva apresentação.

Mostra-se, pois suficientemente fundamentada a decisão recorrida em conformidade com a lei e até com os usos dos negócios, a determinar a sua completa confirmação.


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III – Deliberação

Pelo exposto acorda-se em negar a revista e confirmar o acórdão recorrido quanto ao pedido de apresentação dos recibos de quitação.

Custas pela recorrente.


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Lisboa, 04 de Julho de 2024

Ana Paula Lobo (relatora)

Fernando Baptista de Oliveira

Emídio Francisco Santos