Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
893/23.3T8FAR.E1.S1
Nº Convencional: 7.ª SECÇÃO
Relator: NUNO PINTO OLIVEIRA
Descritores: ATRASO NA RESTITUIÇÃO DA COISA
OBRIGAÇÃO DE RESTITUIÇÃO
ARRENDAMENTO PARA COMÉRCIO OU INDÚSTRIA
INDEMNIZAÇÃO
CULPA
DANO
RENDA
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
DUPLA CONFORME
FUNDAMENTAÇÃO ESSENCIALMENTE DIFERENTE
Data do Acordão: 01/16/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário :
A indemnização prevista no n.º 1 do artigo 1045.º do Código Civil não depende de culpa do locatário.
Decisão Texto Integral:

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA


Recorrente: EFIKAZSORTE – Mediação Imobiliária, Lda.

Recorridos: AA, BB e CC

I. — RELATÓRIO

1. AA, BB e CC propiuseram a presente acção declarativa contra EFIKAZSORTE – Mediação Imobiliária, Lda., DD e EE, pedindo:

I. — que se declare que são donas e legítimas proprietárias da fracção autónoma identificada nos autos, destinada a comércio;

II. — que se condene os Réus EFIKAZSORTE – Mediação Imobiliária, Lda., DD e EE a restituírem-na, livre e devoluta de pessoas e coisas

III. — que se condene sejam os Réus a pagarem um mínimo de 1.306,63 euros por cada mês em que detenham a aludida fracção, a contar do dia 01 de Agosto de 2021, inclusive, e até à data em que a restituição tenha lugar.

2. Os Réus contestaram, defendendo-se por excepção, e deduziram reconvenção:

I. — deduziram a excepção dilatória de ilegitimidade processual dos Réus DD e EE,

II. — deduziram reconvenção, pedindo que os Autores fossem condenados a pagar à Ré EFIKAZSORTE – Mediação Imobiliária, Lda. a quantia global de 9.582,01 euros.

3. Em audiência prévia, as partes transigiram, reconhecendo o direito de propriedade e, em consequência. o direito à restituição da fracção autónoma às Autoras AA, BB e CC.

4. A transacção foi homologada por sentença.

5. Em despacho saneador, foi admitido liminarmente o pedido reconvencional e julgada improcedente a excepção dilatória de ilegitimidade processual dos Réus DD e EE.

6. O Tribunal de 1.ª instância julgou parcialmente procedentes a acção e a reconvenção.

7. O dispositivo da sentença proferida pelo Tribunal de 1.º instância é do seguinte teor:

A. Julgar a acção parcialmente procedente, porque parcialmente provada e, por conseguinte, condeno os réus EFIKAZSORTE – Mediação Imobiliária, Lda.”, DD e EE, em regime de solidariedade, a pagarem às autoras AA, BB e CC a quantia de 25 000,00 € (vinte e cinco mil euros) pelo dano da privação de uso do locado;

B. Julgar o pedido reconvencional parcialmente procedente, por parcialmente provado e, por conseguinte, condeno as autoras/reconvindas AA, BB e CC a pagarem à sociedade/ré/reconvinte EFIKAZSORTE – Mediação Imobiliária, Lda.”, o valor global de 7 414,24 € (sete mil, quatrocentos e catorze euros e vinte e quatro cêntimos);

C. Absolvo ambas as partes do demais peticionado (incluindo os réus do pedido de condenação como litigantes de má fé).

8. Inconformados, Autoras e Réus interpuseram recurso de apelação.

9. O Tribunal da Relação:

I. — julgou totalmente improcedente o recurso interposto pelas Autoras;

II. — julgou parcialmente procedente o recurso interposto pelos Réus, absolvendo DD e EE.

10. O dispositivo do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação é do seguinte teor:

nega-se provimento ao recurso interposto pelas AA. e concede-se parcial provimento ao interposto pelos RR., pois determina-se a absolvição dos RR. DD e EE.

No mais, a sentença é confirmada.

Custas pelas AA. quanto ao seu recurso.

As do recurso dos RR., pela Ré sociedade.

11. Inconformada, a Ré EFIKAZSORTE – Mediação Imobiliária, Lda., interpôs recurso de revista.

12. Finalizou a sua alegação com as seguintes conclusões:

a) Ora, considerou o douto tribunal em fixar uma indemnização no montante de €25.000,00 a pagar pela recorrente pelos prejuízos provocados, considerando existir uma responsabilidade extracontratual, absolvendo os recorrentes EE e DD, por não figurarem do contrato de arrendamento nem existir qualquer relação contratual com os mesmos o que se concorda nesta parte.

b) Ora, o Tribunal a quo, aplicou de forma incorreta o art. 799.º CC, pois o ónus da prova da culpa incumbia às recorridas, o que não o fizeram.

c) A presunção pode sempre ser ilidida, o que foi feito pela recorrente, ao demonstrar que sempre tentou o contacto com as recorridas.

d) Além do mais o referido nexo causal é inexistente, pois entre o facto e o dano não existiu qualquer ato da recorrente que desse origem aos danos a que foi condenada.

e) Ora, a responsabilidade obrigacional pelos danos atribuída à recorrente é inócua e assente numa falta de atribuição de culpa jurídica que possa dar origem ao pagamento de tais danos pelo simples fato de não ter entregue a chaves, descurando-se a vontade de entregar a aludida chave e ter atuado nesse sentido, apesar das inúmeras desculpas da recorridas para não a receberem.

f) Não existindo nexo de causalidade e presunção da culpa da recorrente, não deve ser condenada na referida indemnização, pelo que o tribunal a quo incorreu uma vez mais em erro de julgamento na aplicação da lei substantiva, pois o art. 799.º do CC e a presunção em que assenta foi ilidida pela recorrente.

Pelo exposto, e pelo que mais que for doutamente suprido por V. Exas., deve conceder-se provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão proferida e, em consequência, absolva a recorrente da douta sentença de condenação.

Caso assim não se entenda deverá ter-se em consideração a redução e revisão da indemnização por danos patrimoniais a que a recorrente foi condenada, assim fazendo a costumada JUSTIÇA

14. Os Autores não contra-alegaram.

15. Como o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente (cf. artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cf. artigo 608.º, n.º 2, por remissão do artigo 663.º, n.º 2, do Código de Processo Civil), as questões a decidir, in casu, são as seguintes:

I. — se a responsabilidade da Ré, agora Recorrente, EFIKAZSORTE – Mediação Imobiliária, Lda., depende da culpa;

em caso de resposta afirmativa,

II. — se deve aplicar-se ao caso sub judice a presunção de culpa do artigo 799.º do Código Civil,

em caso de resposta afirmativa,

III. — se a presunção de culpa, foi ilidida pela Ré, agora Recorrente, EFIKAZSORTE – Mediação Imobiliária, Lda.;

e, concluindo-se pela responsabilidade da Ré,

IV. — se a indemnização fixada — 25.000 euros — deve ser reduzida.

II. — FUNDAMENTAÇÃO

OS FACTOS

16. O acórdão recorrido deu como provados os factos seguintes:

1. Através de documento escrito, datado de 11/7/2018, a autora AA e o seu falecido marido, FF (na qualidade primeiros outorgantes) cederam de arrendamento à ré “Efikazsorte – Mediação Imobiliária, Ldª.” (na qualidade de segunda outorgante, devidamente representada no acto, pela sua sócia gerente DD) a fracção autónoma designada pela letra B”, correspondente ao rés de chão esquerdo, (loja) do prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal denominado Edifício ...B”, sito na Rua da ..., que se encontra inscrito na matriz predial sob o artº. ..17 – Fracção B” e descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº .57/......24-B, com destino ao exercício da actividade imobiliária.

2. De acordo com os pontos 1.º e 3.º da clausula 5.ª do referido acordo, entre as partes foi estipulado o pagamento da renda mensal no valor de 1 300,00 € (mil e trezentos euros), a ser paga através da conta bancária com o IBAN – PT.. .... .... .... .... .... 8, cuja titular é a autora AA, sendo a renda do primeiro mês a relativa ao mês de Agosto de 2018.

3. E, no ponto 4.º da mesma clausula consta:

“Na data da assinatura do presente contrato o Segundo Outorgante entrega ao Primeiro Outorgante a quantia de 7 800,00 € (sete mil e oitocentos euros), equivalente a 6 meses de renda, a título de caução e garantia das boas intenções de pagamento.” aceite

4. E, no ponto 5.º, da mesma clausula consta:

“O valor referido no ponto 4.º da presente clausula será devolvido no final do contrato ao Segundo Outorgante, desde que as rendas sejam pagas até ao final do presente contrato e no acto de entrega do imóvel o mesmo se encontre em bom estado de conservação” aceite

5. E, no ponto 1.º da clausula 6.ª do mesmo acordo consta:

O Primeiro Outorgante é responsável pela reparação do vidro exterior.”

6. A quantia aludida em 3. foi paga através de cheque, em data anterior a 11/7/2018 e depositado na conta bancária da autora AA e marido, com o IBAN PT.....................68 logo em 29/06/2018 e devido à ré “Efikazsorte – Mediação Imobiliária, Ldª.” querer garantir, e mesmo antes da assinatura do acordo referido supra, que a autora AA e seu falecido marido lhe arrendariam a fracção em causa.

7. A ré/sociedade pagou as rendas relativas aos seis primeiros meses de renda.

8. Em Fevereiro de 2019, a ré Efikazsorte começou a pagar à autora AA e marido a renda mensal devida, através de transferências bancárias para a conta com o IBAN PT.....................68, e tendo pago:

i. Em 08/02/2019 a renda de Fevereiro de 2019, (1300,00 € - 325,00 € retenção =) 975,00 € (novecentos e setenta e cinco euros);

ii. Em 08/03/2019 a renda de Março de 2019, 975,00 € (novecentos e setenta e cinco euros);

iii. Em 05/04/2019 a renda de Abril de 2019, 975,00 € (novecentos e setenta e cinco euros);

iv. Em 06/05/2019 a renda de Maio de 2019, 975,00 € (novecentos e setenta e cinco euros), após retenção;

v. Em 05/06/2019 a renda de Junho de 2019, 975,00 € (novecentos e setenta e cinco euros), após retenção;

vi. Em 04/07/2019 a renda de Julho de 2019, 975,00 € (novecentos e setenta e cinco euros), após retenção;

vii. Em 07/08/2019 a renda de Agosto de 2019, 975,00 € (novecentos e setenta e cinco euros), após retenção;

viii. Em 03/09/2019 a renda de Setembro de 2019, 975,00 € (novecentos e setenta e cinco euros), após retenção;

ix. Em 08/10/2019 a renda de Outubro de 2019, 975,00 € (novecentos e setenta e cinco euros), após retenção;

x. Em 05/11/2019 a renda de Novembro de 2019, 975,00 € (novecentos e setenta e cinco euros), após retenção;

xi. Em 04/12/2019 a renda de Dezembro de 2019, 975,00 € (novecentos e setenta e cinco euros), após retenção;

xii. Em 07/01/2020 a renda de Janeiro de 2020, 981,63 € (novecentos e oitenta e um euros e sessenta e três cêntimos), após retenção, sendo que, a renda mensal foi aumentada a partir de Janeiro inclusive de 2020;

xiii. Em 05/02/2020 a renda de Fevereiro de 2020, 979,97 € (novecentos e setenta e nove e noventa e sete cêntimos), após retenção;

xiv. Em 06/03/2020 a renda de Março de 2020, 975,00 € (novecentos e setenta e cinco euros), após retenção;

xv. Em 15/04/2020, e referente a parte da renda do mês de Abril de 2020, 500,00 € (quinhentos euros), sendo-lhe perdoada pelos senhorios a restante parte da renda do mês de Abril de 2020, devido ao Covid

xvi. Em 06/05/2020, e referente a parte da renda do mês de Maio de 2020, 480,00 € (quatrocentos e oitenta euros), perdoando os senhorios a restante parte da renda do mês de Maio de 2020 devido ao Covid

xvii. Em 02/06/2020 a renda de Junho de 2020, 986,00 € (novecentos e oitenta e seis euros), após retenção;

xviii. Em 02/07/2020 a renda de Julho de 2020, 979,00 € (novecentos e setenta e nove euros), após retenção;

xix. Em 11/08/2020 a renda de Agosto de 2020, 986,00 € novecentos e oitenta e seis euros), após retenção;

xx. Em 10/09/2020 a renda de Setembro de 2020, 987,00 € (novecentos e oitenta e sete euros), após retenção;

xxi. Em 09/10/2020 a renda de Outubro de 2020, 987,00 € (novecentos e oitenta e sete euros), após retenção;

xxii. Em 10/11/2020 a renda de Novembro de 2020, 987,00 € (novecentos e oitenta e sete euros), após retenção;

xxiii. Em 08/12/2020 a renda de Dezembro de 2020, 987,00 € (novecentos e oitenta e sete euros), após retenção;

xxiv. Em 08/01/2021 a renda de Janeiro de 2021, 987,00 € (novecentos e oitenta e sete euros), após retenção;

xxv. Em 09/02/2021 a renda de Fevereiro de 2021, 987,00 € (novecentos e oitenta e sete euros), após retenção;

xxvi. Em 05/03/2021 a renda de Março de 2021, 987,00 € novecentos e oitenta e sete euros), após retenção;

xxvii. Em 12/04/2021 a renda de Abril de 2021, 987,00 € (novecentos e oitenta e sete euros), após retenção;

xxviii. Em 11/05/2021 a renda de Maio de 2021, 987,00 € (novecentos e oitenta e sete euros), após retenção;

xxix. Em 03/06/2021 a renda de Junho de 2021, 987,00 € (novecentos e oitenta e sete euros), após retenção.

9. A partir de Janeiro de 2020 inclusive, a renda foi sendo aumentada para o montante mensal de 1306,63 € (mil, trezentos e seis euros e sessenta e três cêntimos).

10. Em meados de Junho de 2021, a ré “Efikazsorte – Mediação Imobiliária, Ldª.” deduziu oposição à renovação do dito acordo, pelo que este terminou em 31/07/2021.

11. Em 31/7/2021 encontrava-se em dívida o montante de 979,97 € (novecentos e setenta e nove euros e noventa e sete cêntimos);

12. Foi emitida factura n.º FCC 1/3667, em nome da ré/sociedade, datada de 16/07/2018, no valor de 594,21 € (quinhentos e noventa e quatro euros e vinte e um cêntimo), relativa à instalação do vidro das traseiras da loja;

13. A colocação do referido vidro foi solicitada ao senhorio FF, e autorizada pelo mesmo;

14. Muito embora, a factura em causa não lhe tenha sido apresentada.

15. As autoras aceitam pagar o valor referido em 12.

16. Em meados de Maio de 2019, a montra da loja arrendada surgiu partida.

17. Chegado o dia 31/07/2021 a ré “Efikazsorte – Mediação Imobiliária, Ldª.” retirou as suas coisas de dentro da loja, deixando o espaço livre (ressalvando o toldo da loja que ainda se encontra lá colocado),

18. Com efeito, a ré “Efikazsorte – Mediação Imobiliária, Lda.” retirou parte da publicidade que mantinha na loja, mas não retirou o painel publicitário superior;

19. Mudando-se para outro imóvel no qual instalou o seu estabelecimento, onde tem todos os seus pertences e equipamentos, onde os seus funcionários laboram, onde os seus clientes se deslocam.

20. (Não obstante), desde 01/08/2021 inclusive e até 22/09/2023 (data da realização da audiência prévia) a ré Efikazsorte – Mediação Imobiliária, Lda., vem ocupando a fracção autónoma em causa, sem qualquer autorização ou consentimento dos autores, aí mantendo a sua sede social e recebendo correspondência.

21. Em Agosto de 2021, a ré Efikazsorte – Mediação Imobiliária, Lda. colocou na montra do arrendado vários avisos com a seguinte informação Caros clientes, amigos e conhecidos informamos que iremos abrir a nossa nova Imobiliária no próximo dia 01/09/2021 na Rua .... Continuamos disponíveis para o ajudar, pelo que pode contactar-nos para o: +... ... ... .98 ...”

22. Informação que, à data da contestação, ainda se encontrava lá visível.

23. Entre a ré DD e a autora foram mantidas conversas pessoais no sentido de se fazer a entrega das chaves do arrendado, desde que a autora fizesse a devolução do montante de 7.800,00 € (sete mil e oitocentos euros), bem como o pagamento das despesas alegadamente suportadas pela ré e que, no entender desta, eram da responsabilidade dos senhorios.

24. A autora AA, atenta a doença do seu marido, ficou transtornada com os pedidos que os réus lhe fizeram e disse a estes que iria debruçar-se sobre o assunto e que voltariam a falar.

25. Desde meados de Agosto de 2021 as autoras pediram por diversas vezes aos réus para que estes lhes entregassem a dita fracção autónoma.

26. Em 24/08/2021 foi remetida missiva aos autores onde se pode ler:

“(…) a minha cliente pretende entregar-lhes as chaves da Loja no próximo dia 31.08.2021 contra:

a) A devolução de parta da caução prestada aquando da celebração do contrato, após o desconto da última renda devida - € 6 493,37 – 7 800,00 (caução inicial) – valor da renda relativa ao mês de Julho de 2021 (€ 1306,63) – conforme Clausula Quinta n.º 4 e n.º 5 do mencionado contrato;

b) Reembolso da quantia de € 745,00 relativa à reparação do vidro exterior (conforme clausula Sexta n.º 1, do mencionado contrato – cf. Facturas que se anexam à presente carta.

c) Reembolso da quantia de € 221,40 relativa à reparação do toldo exterior - cf. Factura que se anexa à presente carta

Em face do exposto, ficarei assim a aguardar o envio de comprovativo da transferência bancária (…) até ao próximo dia 30.08.2021, bem como a indicação de hora e local para a entrega das chaves da Loja no próximo dia 31.08.2021.” – fls. 45

27. A ré “Efikazsorte – Mediação Imobiliária, Lda.” procedeu à rescisão do contrato de electricidade com a EDP Comercial.

28. Em 9/10/2018, a ré “Efikazsorte – Mediação Imobiliária, Lda.” solicitou a denúncia do contrato de fornecimento de água com o Município de ..., e a baixa viria a ser efectuada em 19/08/2021.

29. E é susceptível de ser tomado de arrendamento a todo o momento e a todo o tempo para fins comerciais por renda mensal nunca inferior a 1.000,00 € (mil euros).

O DIREITO

17. A questão da admissibilidade do recurso é uma questão prévia.

18. A Ré, agora Recorrente, EFIKAZSORTE – Mediação Imobiliária, Lda., pretende impugnar a condenação no pagamento de 25000 euros, pelo uso ou pela privação do uso do locado.

19. Ora, a decisão proferida pelo Tribunal de 1.ª instância foi confirmada, por unanimidade, pelo Tribunal da Relação.

20. O artigo 671.º, n.º 3, do Código de Processo Civil é do seguinte teor:

“Sem prejuízo dos casos em que o recurso é sempre admissível, não é admitida revista do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1.ª instância, salvo nos casos previstos no artigo seguinte”.

21. Embora a decisão proferida pelo Tribunal de 1.º instância tenha sido confirmada, por unanimidade, pelo Tribunal da Relação, a fundamentação das duas decisões é essencialmente diferente:

— Enquanto na 1.ª instância se qualificou a responsabilidade como extracontratual, na Relação qualificou-se a responsabilidade da Ré, agora Recorrente, EFIKAZSORTE – Mediação Imobiliária, Lda., como uma responsabilidade contratual.

— Enquanto na 1.º instância se aplicou o regime geral da responsabilidade pelo dano da privação de uso, na Relação aplicou-se o regime da responsabilidade especial do locatário pela não restituição da coisa locada do artigo 1045.º do Código Civil.

22. Entendendo-se — como deve entender-se — que a fundamentação das duas decisões é essencialmente diferente, entrar-se-á na apreciação das questões suscitadas pela Ré, agora Recorrente, EFIKAZSORTE – Mediação Imobiliária, Lda.

23. A primeira questão consiste em averiguar se a responsabilidade da Ré, agora Recorrente, EFIKAZSORTE – Mediação Imobiliária, Lda., depende da culpa.

24. O artigo 1045.º, sob a epígrafe Indemnização pelo atraso na restituição da coisa, é do seguinte teor.

1. — Se a coisa locada não for restituída, por qualquer causa, logo que finde o contrato, o locatário é obrigado, a título de indemnização, a pagar até ao momento da restituição a renda ou aluguer que as partes tenham estipulado, excepto se houver fundamento para consignar em depósito a coisa devida.

2. — Logo, porém, que o locatário se constitua em mora, a indemnização é elevada ao dobro.

25. Entre os pontos mais ou menos consensuais está o de que deve distinguir-se consoante a causa do não cumprimento da obrigação de restituição da coisa locada:

“Se se trata de causa imputável ao inquilino, esta constitui-se em mora (artigo 804.º, n.º 2) e a lei obriga-o a pagar o dobro da renda até ao momento da restituição. É a hipótese referida no n.º 2 do artigo 1045.º.

Se se trata de causa relativa à pessoa do senhorio, há fundamento para a consignação em depósito do prédio arrendado (artigo 841.º, n.º 1). É o caso previsto na parte final do n.º 1 do artigo 1045.º. O inquilino não deve ao senhorio, neste caso, qualquer indemnização pelo atraso na restituição do prédio.

Finalmente, se a não restituição do prédio no termo do contrato se deve a qualquer outra causa, aplica-se a solução da 1ª parte do n.º 1 do artigo 1045.º. O locatário é obrigado a continuar a pagar a renda convencionada, a título de indemnização, até ao momento da restituição do prédio” 1 2.

26. O acórdão recorrido considerou que deveria aplicar-se ao caso sub judice o n.º 2 do artigo 1045.º do Código Civil:

— A obrigação de restituição da coisa locada é uma obrigação a prazo ou a termo e, dentro das obrigações a prazo ou a termo, é uma obrigação a prazo ou termo certo [cf. artigo 805.º, n.º 2, alínea a), do Código Civil];

— a obrigação de restituição não foi cumprida no momento devido 3,

— a causa de a obrigação não ter sido cumprida no momento devido deve presumir-se imputável ao locatário [cf. artigo 799.º do Código Civil].

Ora, não tendo sido ilidida a presunção do artigo 799.º do Código civil, devia aplicar-se o regime da mora [artigo 804.º, n.º 2, em ligação com o artigo 1045.º, n.º 2, do Código Civil].

27. Em todo o caso, o acórdão recorrido considerou que, ainda que não devesse aplicar-se o n.º 2, sempre deveria aplicar-se o n.º 1 do artigo 1045.º do Código Civil.

28. Ora, a indemnização fixada na sentença era inferior á indemnização devida por aplicação do n.º 1 do artigo 1045.º — logo, a questão da culpa do locatário seria de todo em todo irrelevante.

29. Os termos em que está redigida a fundamentação do acórdão recorrido são elucidativos:

“porque a indemnização fixada na sentença – € 25.000,00 – [se situa] até em parâmetro inferior ao que seria devido por força do artigo 1045.º n.º 1 do Código Civil, resta manter tal indemnização, tanto mais que as AA. não recorrem dessa parte da sentença”.

30. A primeira questão suscitada— averiguar se a responsabilidade da Ré, agora Recorrente, EFIKAZSORTE – Mediação Imobiliária, Lda., depende da culpa — consiste, em substância, em averiguar se deve ou não aplicar-se o artigo 1045.º do Código Civil.

31. A resposta só pode ser afirmativa — ainda que haja alguma semelhança entre o caso especial previsto no artigo 1045.º do Código Civil e os princípios e as regras gerais sobre o dano da privação de uso 4, a norma especial do artigo 1045.º tem precedência ou prioridade sobre as normas gerais.

32. A indemnização fixada — de 250000 euros —sempre seria devida por aplicação do n.º 1 do artigo 1045.º do Código Civil; como sempre fosse devida por aplicação do n.º 1, sempre seria devida independentemente de culpa do locatário.

33. Em consequência da aplicação do artigo 1045.º do Código Civil, a responsabilidade da Ré, agora Recorrente, EFIKAZSORTE – Mediação Imobiliária, Lda., não depende de culpa 5.

34. Em consequência da resposta à primeira questão, ficam prejudicadas a segunda e a terceira:

II. — se deve aplicar-se ao caso sub judice a presunção de culpa do artigo 799.º do Código Civil,

III. — se a presunção de culpa, foi ilidida pela Ré, agora Recorrente, EFIKAZSORTE – Mediação Imobiliária, Lda..

35. A quarta questão suscutada pela Ré, agora Recorrente, EFIKAZSORTE – Mediação Imobiliária, Lda. — consiste em determinar se a indemnização fixada — 25.000 euros — deve ser reduzida.

36. A resposta só pode ser negativa — ainda que devesse aplicar-se o critério do n.º 1 do artigo 1045.º do Código Civil, a indemnização devida seria superior à indemnização fixada.

37. Os critérios considerados pelo Tribunal de 1.ª instância e pelo Tribunal da Relação foram diferentes — o Tribunal de 1.ª instância aplicou ao caso o critério da equidade, atendendo ao valor potencial da renda do imóvel; o Tribunal da Relação aplicou ao caso os critérios dos n.ºs 1 e 2 do artigo 1045.º do Código Civil, atendendo ao valor real da renda convencionada entre as Autoras e a Ré.

38. Entre os dois critérios — do n.º 2 e do n.º 1 do artigo 1045.º do Código Civil —, atender-se-á tão-só ao segundo — ao critério do n.º 1 do artigo 1045.º —: ainda que o não cumprimento temporário da obrigação de restituição não lhe fosse imputável, sempre a Ré, agora Recorrente, EFIKAZSORTE – Mediação Imobiliária, Lda. teria de pagar a renda convencionada até ao momento da restituição da coisa locada.

39. Ora, o critério do n.º 1 do artigo 1045.º do Código Civil explica-se pela ideia de prolongamento de facto do contrato, ou seja, de projecção do pretérito para o presente da respectiva situação contratual” 6 — apesar de extinto o contrato, a renda continua a ser o referencial de equilíbrio entre as prestações” 7 e, em consequência, o justo valor do lucro cessante derivado da indisponibilidade da coisa locada” 8.

40. Em concreto, não se encontra nenhuma razão para não aplicar o critério legal.

III. — DECISÃO

Face ao exposto, nega-se provimento ao recurso e confirma-se o acórdão recorrido.

Custas pela Recorrente: EFIKAZSORTE – Mediação Imobiliária, Lda.

Lisboa, 16 de Janeiro de 2025

Nuno Manuel Pinto Oliveira (relator)

António Barateiro Martins

José Maria Ferreira Lopes

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1. Francisco Manuel Pereira Coelho, Arrendamento (reimpressão), Faculdade de Direito da Universidade do Porto, Porto, 2016, págs. 121-122.

2. Em termos em tudo semelhantes, vide, na jurisprudância, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 2 de Março de 2006 — processo n.º 06B514 —, de 12 de Junho de 2012 — processo n.º 14/06.7TBCMG.G1.S1 —, de 20 de Novembro de 2012 — processo n.º 1587/11.8TBCSC.L1.S1 — ou de 12 de Dezembro de 2023 — processo n.º 7895/20.0T8LSB.L1.S1.

3. Cf. factos dados como provados sob os n.ºs 10-11, 20 e 23-26.

4. Como decorre, p. ex., do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20 de Janeiro de 2022 — processo n.º 6816/18.4T8GMR.G1.S1.

5. O facto de o não cumprimento da obrigação de restituição da coisa locada ser, ou não, imputável ao locatário só relevará para determinar os efeitos da responsabilidade — se a indemnização deverá fixar-se de acordo com o n.º 1 ou com o n.º 2 do artigo 1045.º do Código Civil.

6. Expressão do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2 de Março de 2006 — processo n.º 06B514.

7. Expressão do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30 de Maio de 2005 — processo n.º 05A3757.

8. Expressão do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30 de Maio de 2005 — processo n.º 05A3757 —, retomada, com algumas adaptações ou modificações, nos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 2 de Março de 2006 — processo n.º 06B514 — e de de 12 de Dezembro de 2023 — processo n.º 7895/20.0T8LSB.L1.S1.