Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
17937/16.8T8LSB-F.E1-A.S1
Nº Convencional: 7.ª SECÇÃO
Relator: OLIVEIRA ABREU
Descritores: ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
MULTA
TRIPLO GRAU DE JURISDIÇÃO
DECISÃO INTERLOCUTÓRIA
RELAÇÃO PROCESSUAL
REJEIÇÃO DE RECURSO
RECLAMAÇÃO
Data do Acordão: 02/02/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECLAMAÇÃO - ARTº 643 CPC
Decisão: RECLAMAÇÃO INDEFERIDA
Sumário :
Estando em causa revista, cujo objeto contende sobre acórdão que não recai sobre a relação controvertida (se assim fosse consubstanciaria uma decisão materialmente final), antes tem por objeto questão processual (mas sem que tenha absolvido da instância os réus, pois, de outro modo seria decisão formalmente final equiparada à decisão materialmente final para efeitos do n.º 1 do art.º 671º do Código de Processo Civil), a par de que a Relação a conheceu enquanto intercorrência processual já conhecida em 1ª Instância, que a Doutrina e a Jurisprudência apelida de decisão interlocutória velha, é relevante convocar as regras adjetivas civis decorrente do art.º 671º n.º 2  do Código de Processo Civil para conhecer da respetiva admissibilidade.
Decisão Texto Integral:

Acordam em Conferência no Supremo Tribunal de Justiça



I. RELATÓRIO     

1. Vem a presente reclamação deduzida por AA do despacho do Mmº. Juiz Desembargador relator a quo que não admitiu o recurso de revista, consignando, a propósito, o seguinte:

“Reclamou o A. AA da decisão de não admissão do recurso interposto do despacho a determinar a liquidação da multa que lhe foi aplicada por litigância de má-fé. (art.º 643.º, n.º 1, CPC).

Apreciada a reclamação veio a mesma a ser indeferida por decisão singular do relator.

Requereu o A. que sobre a decisão singular que indeferiu a reclamação recaísse acórdão a ser proferido por esta Relação. (art.º 652.º, n.º 3, CPC)

Na sequência foi proferido acórdão por esta Relação que manteve a decisão reclamada nos seus precisos termos.

Em síntese, do acórdão da conferência constam os seguintes fundamentos:

“O despacho recorrido determina a liquidação da multa aplicada por litigância de má-fé. (Como se sabe os despachos de mero expediente são irrecorríveis (art.º 630º, n.º 1, CPC.

Como refere o Prof J.A. dos Reis, in CPC Anotado, vol. V, pag. 250 despachos de mero expediente são todos aqueles que nada decidem, quer quanto à forma do processo, quer quanto a direitos e obrigações dos litigantes.

A decisão condenatória em causa já transitou, pelo que este segmento do despacho recorrido (liquide), não regula os termos do processo e é inócuo do ponto de vista da regulação de qualquer direito adjectivo ou substantivo das partes ou de terceiros.

Isto vale por dizer que a decisão que interfere com o conflito de interesses em causa é a decisão de condenação por 'litigância de má-fé já transitada.

O despacho em causa mais não decide do que ordenar a realização de uma operação material com vista a liquidar o quantum da multa.

Pelo exposto acordam os Juízes da Secção Cível do Tribunal ela Relação de Évora em indeferir a reclamação.”

Inconformado, o Reclamante interpôs recurso de revista para o STJ do acórdão proferido em Conferência.

Cumpre apreciar da admissibilidade do recurso.

Como decidido no acórdão do STJ, de 10-11-2020, proc. n.º 2675/15.9T8LSB-SL1-AS1 “O incidente da reclamação prevista no artigo 643.º do CPC apresenta-se como um expediente de impugnação que versa sobre a não admissão de recurso e visa em exclusivo o efeito adjectivo-processual de modificação pelo tribunal ad quem do despacho de não admissão do recurso pelo tribunal a quo; uma vez proferido acórdão em Conferência, por efeito de nova reclamação da decisão do Relator que confirmara o despacho de l.ª instância de não admissão do recurso de apelação, de acordo com o previsto nos art.ºs 645.º, 4, 2.ª parte e 652.º, 3, CPC estamos perante decisão definitiva e insusceptível de qualquer outra impugnação”.

Pelo exposto decide-se não admitir o recurso.”

2. O Réu/AA interpôs recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, aduzindo as seguintes conclusões:

“1. O acórdão recorrido indeferiu a reclamação apresentada sobre a não admissão do recurso interposto do despacho a determinar a liquidação da multa por litigância de má-fé.

2. A decisão recorrida considerou que, uma vez que a decisão condenatória transitou em julgado, o despacho que ordena a liquidação da multa é de mero expediente e por isso irrecorrível.

3. O Recorrente considera que o despacho recorrido possui caráter decisório, na medida em que determina que o Tribunal liquide a multa por litigância de má-fé num determinado momento em que se verificou o trânsito em julgado de uma decisão, mas em que havia pressupostos por analisar necessários a que essa condenação se concretizasse.

4. O Recorrente nunca litigou de má-fé e não se encontram preenchidos os pressupostos previstos no artigo 542º nº 2 do CPC.

5. O Recorrente não está a pôr em causa a realidade imutável nem a autoridade do trânsito em julgado da decisão. Contudo, considera legítimo que o Tribunal se pronuncie sobre as questões que coloca por entender que existe uma lacuna na não apreciação das mesmas.

6. Ao expressar um entendimento suscetível de merecer, ou não, discordância, não pode o despacho que ordena a liquidação ser qualificado como despacho de mero expediente.

7. A ordenada liquidação é um ato que acarreta severos danos ao Reclamante, porquanto a condenação em multa provocou a retirada de apoio judiciário, essencial para que o Reclamante tenha o acesso à Justiça constitucionalmente consagrado.

8. A decisão de não admissão de recurso do despacho que manda liquidar a multa por litigância de má-fé num momento em que se considera transitada em julgado uma decisão que o Reclamante entende que não cumpre os requisitos legais contraria o disposto no artigo 20º nsº 1 e 4 e 202º da Constituição da República Portuguesa.

9. Qualquer decisão judicial que altere o disposto no texto legal apenas pode ser tomada se explanar a respetiva fundamentação, pois de outro modo verifica-se inconstitucionalidade, por referência aos artigos 2º, 147º, 161º, c), 202º, nº 1 e 2, e 20º, nºs. 1, 2 e 5 da Constituição da República Portuguesa.

10. Daqui se conclui que o despacho que manda liquidar a multa por litigância de má-fé é recorrível, pelo que o recurso interposto deve ser admitido.

Termos em que o presente recurso deve ser julgado procedente e deve o acórdão recorrido ser revogado e a reclamação ser deferida.”

3. Sustenta o Reclamante/Réu/AA que deve ser concedido provimento à presente reclamação e ser admitido o recurso de revista, enunciando as seguintes conclusões:

“1. A matéria que está em discussão é que, uma vez que a decisão condenatória transitou em julgado, foi considerado que o despacho que ordena a liquidação da multa é de mero expediente e por isso irrecorrível.

2. O Reclamante considera que o despacho recorrido possui caráter decisório, na medida em que determina que o Tribunal liquide a multa por litigância de má-fé num determinado momento em que se verificou o trânsito em julgado de uma decisão, mas em que havia pressupostos por analisar necessários a que essa condenação se concretizasse.

3. O Reclamante nunca litigou de má-fé e não se encontram preenchidos os pressupostos previstos no artigo 542º nº 2 do CPC.

4. O Reclamante não está a pôr em causa a realidade imutável nem a autoridade do trânsito em julgado da decisão. Contudo, considera legítimo que o Tribunal se pronuncie sobre as questões que coloca por entender que existe uma lacuna na não apreciação das mesmas.

5. Ao expressar um entendimento suscetível de merecer, ou não, discordância, não pode o despacho que ordena a liquidação ser qualificado como despacho de mero expediente.

6. A ordenada liquidação é um ato que acarreta severos danos ao Reclamante, porquanto a condenação em multa provocou a retirada de apoio judiciário, essencial para que o Reclamante tenha o acesso à Justiça constitucionalmente consagrado.

7. Além do mais, o Reclamante foi confrontado com uma decisão que integra a sua conduta nos requisitos da litigância de má-fé, o que se revelou como uma decisão surpresa, tanto mais que o Recorrente tinha consciência de que não praticou qualquer ato de má-fé processual. Nestes termos, a consequência deveria ser a anulação da decisão condenatória, nos termos do art.º 615 nº1 al d) do CPC.

8. O invocado artigo 652º, nº 3 do CPC invocado no despacho reclamado prevê a reclamação para a conferência, mas, no entender do Reclamante, não é impedimento da interposição de recurso.

9. A decisão de não admissão de recurso do despacho que manda liquidar a multa por litigância de má-fé num momento em que se considera transitada em julgado uma decisão que o Reclamante entende que não cumpre os requisitos legais contraria o disposto no artigo 20º nºs 1 e 4 e 202º da Constituição da República Portuguesa.

10. Qualquer decisão judicial que altere o disposto no texto legal apenas pode ser tomada se explanar a respetiva fundamentação, pois de outro modo verifica-se inconstitucionalidade, por referência aos artigos 2º, 147º, 161º, c), 202º, nº 1 e 2, e 20º, nºs. 1, 2 e 5 da Constituição da República Portuguesa.

11. Daqui se conclui que o despacho que manda liquidar a multa por litigância de má-fé é recorrível, pelo que o recurso interposto deve ser admitido.

Termos em que a presente reclamação deve ser deferida e deve ser admitido o recurso interposto.”

4. Este Tribunal ad quem proferiu decisão singular, em cujo dispositivo consignou: “Termos em que se decide manter o despacho reclamado.”

5. Notificados os litigantes da aludida decisão singular, o Reclamante/Autor/AA mostrou o seu inconformismo, tendo reclamado para a Conferência, nos termos do disposto nos artºs. 652º n.º 3 do Código de Processo Civil, sustentando:

“O Reclamante considera-se prejudicado pela supra referida decisão, atendendo a que o que está na base da impugnação em causa é o despacho que determina a liquidação da multa aplicada por litigância de má-fé, ou seja, matéria que acarreta graves consequências e que deveria ter recebido diverso enquadramento legal.

Entendeu a decisão singular supra referida que estamos perante um despacho de mero expediente por nada decidir e que por isso será irrecorrível, nos termos do artigo 630.º, n.º 1 do CPC e conclui que “o acórdão sob escrutínio encerra, pois, decisão que não recai sobre a relação controvertida (...)”

Contudo, considera o Reclamante que o entendimento a adotar deveria ser o constante na decisão, já transitada em julgado, com a Refª ...72 proferida no Processo de Reclamação 206/14.5... pela ... Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora. Na origem deste procedimento esteve a pronúncia por parte do Reclamante ao ser notificado da guia para pagamento de multa por litigância de má-fé.

O despacho que recaiu sobre essa pronúncia decidiu não apreciar os fundamentos do Reclamante por se tratar de condenação como litigante de má-fé já transitada em julgado.

O Reclamante interpôs recurso que não foi admitido, tendo sido interposta reclamação, a qual foi deferida com os seguintes fundamentos: “Estando em causa uma decisão proferida depois da decisão final, afigura-se admitir ela recurso por via do disposto

no art. 644.º n.º 2 al. g) do CPC. Não obstante se trate de despacho que não apreciou o requerimento formulado, ainda assim configura uma decisão, alicerçada nos fundamentos nela exarados.

Impõe-se, assim, admitir o recurso interposto, recurso que é de apelação, a subir em separado, com efeito meramente devolutivo – arts. 644.º n.º 2 al. g), 645.º n.º 2 e 647.º n.º 1 do CPC.”

Logo, é este entendimento e este texto legislativo que deverá ser cumprido no caso em apreço.

O Reclamante considera que, não sendo cumprido o texto do legislador, deve o Tribunal fundamentar essa alteração ao sentido do espírito da lei, pois, de outra forma, haverá inconstitucionalidade.

A colisão com o espírito normativo viola o disposto nos Artigos 2º, 147º, 161º, c), 202º, nº 1 e 2, e 20º, nºs. 1, 2 e 5 da Constituição da República Portuguesa.

Termos em que a presente matéria deve ser apresentada à conferência e ser proferido acórdão sobre a mesma.”


II. FUNDAMENTAÇÃO


O Reclamante/Autor/AA ao impetrar que seja proferido acórdão que revogue a decisão singular reclamada e se admita o recurso de revista, não aduz, a nosso ver, argumentação que encerre virtualidade bastante que infirme a decisão singular proferida.

Ao invés, distinguimos da reclamada decisão singular razões para que se sustente a bondade de tal decisão, permitindo-nos, a propósito, respigar o que então foi consignado:

“1. A previsão expressa dos tribunais de recurso na Lei Fundamental, leva-nos a reconhecer estar vedado ao legislador suprimir, sem mais, em todo e qualquer caso, a prerrogativa ao recurso, admitindo-se, todavia, que o mesmo estabeleça regras/normas sobre a existência dos recursos e a recorribilidade das decisões.

A este propósito o Tribunal Constitucional sustenta que “Na verdade, este Tribunal tem entendido, e continua a entender, com A. Ribeiro Mendes (Direito Processual Civil, III - Recursos, AAFDL, Lisboa, 1982, p. 126), que, impondo a Constituição uma hierarquia dos tribunais judiciais (com o Supremo Tribunal de Justiça no topo, sem prejuízo da competência própria do Tribunal Constitucional - artigo 210º), terá de admitir-se que “o legislador ordinário não poderá suprimir em bloco os tribunais de recurso e os próprios recursos” (cfr. a este propósito, Acórdãos nº 31/87, Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 9, pág. 463, e nº 340/90, id., vol. 17, pág. 349). Como a Lei Fundamental prevê expressamente os tribunais de recurso, pode concluir-se que o legislador está impedido de eliminar pura e simplesmente a faculdade de recorrer em todo e qualquer caso, ou de a inviabilizar na prática. Já não está, porém, impedido de regular, com larga margem de liberdade, a existência dos recursos e a recorribilidade das decisões (…)”. (Acórdão n.º 159/2019 de 13 de março de 2019).

Na Doutrina, sustenta Rui Pinto, in, Notas ao Código de Processo Civil, Coimbra, 2015, páginas 174-175, “se o objeto de recurso de apelação é irrestrito, apenas com especificidades quanto à oportunidade da sua dedução (cf. art. 644º), já o objeto do recurso de revista é tipificado pela lei (…). Nesta perspectiva, o direito ao recurso é essencialmente garantido pelo regime do recurso de apelação, ficando reservada para a revista uma função de estabilização e uniformização na aplicação do direito (…).”

Também Abrantes Geraldes, in, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2017, páginas 335-336, salienta que “com o CPC de 2013 se encontra consolidada a ideia de que o triplo grau de jurisdição em matéria cível não constitui garantia generalizada. Ainda que ao legislador ordinário esteja vedada a possibilidade de eliminar em absoluto a admissibilidade do recurso de revista para o Supremo (…), ou de elevar o valor da alçada da relação a um nível irrazoável e desproporcionado que tornasse o recurso de revista praticamente inatingível na grande maioria dos casos, não existem obstáculos à previsão de determinados condicionalismos a tal recurso. Aliás, (…) o Tribunal Constitucional vem uniformemente entendendo que as normas que, em concreto, restringem o recurso para o Supremo não estão feridas de inconstitucionalidade. O mesmo se poderá dizer das regras que limitam o recurso de decisões intercalares (…).”

Assim, a lei processual civil estabelece regras quanto à admissibilidade e formalidades próprias de cada recurso, reconhecendo-se que a admissibilidade dum recurso depende do preenchimento cumulativo de três requisitos fundamentais, quais sejam, a legitimidade de quem recorre, ser a decisão proferida recorrível e ser o recurso interposto dentro do prazo legalmente estabelecido para o efeito.

2. No caso que nos ocupa está reconhecida a tempestividade e legitimidade do Reclamante/Réu/AA uma vez que a interposição do recurso obedeceu ao prazo legalmente estabelecido, e a decisão de que recorre lhe foi desfavorável, encontrando-se, pois, a dissensão quanto a ser a decisão proferida recorrível.

3. Estando em causa, como está, a admissibilidade da revista, cujo objeto contende, aliás, referenciado pelo Reclamante/Réu/AA, sobre um acórdão proferido posteriormente à decisão singular que não admitiu a reclamação de não admissão do recurso de apelação, importa reconhecer que os acórdãos proferidos pela Relação podem encerrar decisões que são material ou processualmente finais, a par daqueloutros que apreciam decisões que, não tendo recaído sobre a relação controvertida, recai unicamente sobre a relação processual.

4. Assim, e para o que aqui interessa (conhecimento da admissibilidade da revista), impõe-se distinguir, por um lado, se o acórdão de que se recorre de revista, conheceu do mérito da causa ou teve por objeto questão processual que absolveu da instância os réus, enquanto decisão formalmente final para efeitos do n.º 1 do art.º 671º do Código de Processo Civil, por outro lado, se o acórdão sob escrutínio apreciou decisão interlocutória da instância, necessariamente não decidida nos termos finais a que se refere o mencionado art.º 671º n.º 1 do Código Processo Civil, e, dentro desta decisão interlocutória da instância, precisar se está em causa a ponderação de uma intercorrência processual conhecida em 1ª Instância, ou se apreciou decisão interlocutória da própria Relação, anotando-se que no primeiro caso, a Relação conheceu de uma questão que já fora julgada pela 1ª Instância, enquanto que no segundo caso conheceu de uma questão nova naquele processo, o que, de resto, a Doutrina e a Jurisprudência apelidam de decisão interlocutória velha e decisão interlocutória nova, respetivamente. 

5. Revertendo ao caso sub iudice, e como já adiantamos, o acórdão recorrido sufragou a decisão singular de não admissibilidade da apelação que por sua vez havia confirmado a decisão da 1ª Instância, cujo dispositivo, se enuncia novamente: “Pelo exposto acordam os Juízes da Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora em indeferir a reclamação.”

Para alcançar a solução que conduziu à inadmissibilidade da apelação, sustentou o acórdão recorrido, com utilidade, que: “Reclamou o A. AA da decisão de não admissão do recurso interposto do despacho a determinar a liquidação da multa que lhe foi aplicada por litigância de má-fé. (art.º 643.º, n.º 1, CPC).

Alegou em síntese que foi proferido despacho que determina que se proceda à liquidação da multa aplicada por litigância de má-fé.

O ora reclamante interpôs recurso do mencionado despacho.

Ali invoca que a condenação como litigante de má-fé não cumpre os requisitos previstos na lei e assenta numa inconstitucionalidade.

O despacho ora reclamado não admitiu o recurso com fundamento em que o despacho recorrido é de mero expediente.

O despacho recorrido possui carácter decisório, na medida em que determina que o tribunal liquide a multa por litigância de má-fé.

A ordenada liquidação é um acto que acarreta danos ao reclamante, porquanto a condenação em multa provocou a retirada de apoio judiciário, essencial para que o reclamante tenha acesso à justiça constitucionalmente consagrado.      

Apreciada a reclamação veio a mesma a ser indeferida por decisão singular do relator.

Requer agora que sobre a decisão singular que indeferiu a reclamação recaia acórdão a ser proferido por esta Relação. (art.º 652.º, n.º 3, CPC)

Cumpre apreciar e decidir.

O despacho recorrido determina a liquidação da multa aplicada por litigância de má-fé.

Como se sabe os despachos de mero expediente são irrecorríveis (art.º 630.º, n.º 1, CPC. Como refere o Prof J.A. dos Reis, in CPC Anotado, vol. V, pag. 250 despachos de mero expediente são todos aqueles que nada decidem, quer quanto à forma do processo, quer quanto a direitos e obrigações dos litigantes.

A decisão condenatória em causa já transitou, pelo que este segmento do despacho recorrido (liquide), não regula os termos do processo e é inócuo do ponto de vista da regulação de qualquer direito adjectivo ou substantivo das partes ou de terceiros.

Isto vale por dizer que a decisão que interfere com o conflito de interesses em causa é a decisão de condenação por litigância de má-fé já transitada.

O despacho em causa mais não decide do que ordenar a realização de uma operação material com vista a liquidar o quantum da multa.”

O acórdão sob escrutínio encerra, pois, decisão que não recai sobre a relação controvertida (se assim fosse consubstanciaria uma decisão materialmente final), tem por objeto questão processual (mas sem que tenha absolvido da instância os réus, pois, de outro modo seria decisão formalmente final equiparada à decisão materialmente final para efeitos do n.º 1 do art.º 671º do Código de Processo Civil), sendo que a Relação a conheceu enquanto intercorrência processual já conhecida em 1ª Instância, que a Doutrina e a Jurisprudência apelida de decisão interlocutória velha, sendo, por isso, relevante, e sem reservas o afirmamos, convocar as regras adjetivas civis decorrente do art.º 671º n.º 2  do Código de Processo Civil.

6. Estatui o direito adjetivo civil, salvaguardando o princípio dimanado da Lei Fundamental, que lhe permite regular, com larga margem de liberdade, a existência dos recursos e a recorribilidade das decisões, condições gerais quanto à admissibilidade e formalidades próprias de cada recurso, nomeadamente, aquelas que respeitam às decisões que comportam revista.

Assim, textua o art.º 671º do Código de Processo Civil:

“2 - Os acórdãos da Relação que apreciem decisões interlocutórias que recaiam unicamente sobre a relação processual só podem ser objeto de revista:

a) Nos casos em que o recurso é sempre admissível;

b) Quando estejam em contradição com outro, já transitado em julgado, proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, salvo se tiver sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme.”

7. Enunciados em termos breves os pressupostos substanciais de admissibilidade do recurso do acórdão que apreciou uma decisão interlocutória que recaiu unicamente sobre a relação processual, confirmatória da decisão da 1ª Instância, importa afirmar que a interposta revista não quadra com quaisquer dos pressupostos exarados nas citadas alíneas a) e b) do n.º 2 do art.º 671º do Código de Processo Civil, tão pouco invocados pelo Reclamante/Réu/AA.

Torna-se apodítico, pois, concluir pela não admissibilidade da interposta revista, atendendo à enunciada regra de que não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão do Tribunal da Relação que conheceu de decisões intercalares, sendo o respetivo limite recursório a Relação, sem prejuízo das situações de exceção decorrentes do mencionado art.º 671º n.º 2 do Código de Processo Civil, que, de resto, como já adiantamos, não foram invocadas pelo Reclamante/Réu/AA.

8. Pelo exposto, impõe-se afirmar que está vedado ao Supremo Tribunal de Justiça o conhecimento do objeto da revista, por inadmissibilidade, conforme discreteado.”

A decisão singular encerra um discurso inteligível, importando, outrossim, o reconhecimento e acolhimento do respetivo enquadramento jurídico, ao declarar a não admissibilidade da revista, em termos gerais, sendo despiciendo qualquer reforço argumentativo para sustentar a solução alcançada, devendo manter-se, por isso, a decisão singular, ora reclamada.


III. DECISÃO

Decidindo, em Conferência, os Juízes que constituem este Tribunal:

1. Acordam em julgar improcedente o reclamado pedido de revogação da decisão singular, que não admitiu o recurso, mantendo-a na íntegra.

2. Custas pelo Reclamante/Autor/AA.

Notifique.


Lisboa, Supremo Tribunal de Justiça, 2 de fevereiro de 2023  


Oliveira Abreu (Relator)

Nuno Pinto Oliveira

Ferreira Lopes