Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1183/15.0JAPRT. P1.S1
Nº Convencional: 5ª SECÇÃO
Relator: HELENA MONIZ
Descritores: HOMICÍDIO
HOMICÍDIO QUALIFICADO
AMEAÇA AGRAVADA
USO E PORTE DE ARMA SOB EFEITO DE ÁLCOOL E SUBSTÂNCIAS ESTUPEFACIENTES OU PSICOTRÓPICAS
MEDIDA DA PENA
NULIDADE
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
CONCURSO DE INFRACÇÕES
CONCURSO DE INFRAÇÕES
COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
MATÉRIA DE FACTO
Data do Acordão: 04/06/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL PENAL – ACTOS PROCESSUAIS / TEMPO DOS ACTOS E ACELERAÇÃO DO PROCESSO / NULIDADES – JULGAMENTO / SENTENÇA – RECURSOS / RECURSOS ORDINÁRIOS / DECISÕES QUE NÃO ADMITEM RECURSO.
DIREITO PENAL – CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DO FACTO / ESCOLHA E MEDIDA DA PENA / PUNIÇÃO DO CONCURSO DE CRIMES – CRIMES EM ESPECIAL / CRIMES CONTRA AS PESSOAS / CRIMES CONTRA A VIDA / HOMICÍDIO QUALIFICADO.
Doutrina:
-Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, 2.ª Edição, Coimbra: Coimbra Editora, 2007, 13/ § 30, p. 362 ; Direito Penal 2, Parte Geral, Lições ao 5.º ano da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, p. 279 e ss. ; A consequências jurídicas do crime, p. 306 e ss.;
-Henriques Gaspar e outros, Coimbra: Almedina, 2.ª Edição, 2016, p. 1133;
-Oliveira Mendes, Comentário do Código de Processo Penal.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGOS 105.º, N.º 1, 120.º, N.º 1, 374.º, N.º 2, 379.º, N.º 1, ALÍNEA C) E 400.º, N.º 1, ALÍNEA F).
CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGOS 71.º, 77.º E 132.º, N.º 2.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 20-10-1998, PROCESSO N.º 97P1217, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 10-12-2009, RELATOR JUIZ CONSELHEIRO ISABEL PAIS MARTINS, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 07-01-2010, PROCESSO N.º 14/08.2PBOLH.E1.S1, IN WWW.DGSI.PT
- DE 11-11-2010, PROCESSO N.º 117/09.6JAGRD.C1.S1, IN WWW.STJ.PT;
- DE 24-03-2011, PROCESSO N.º 322/08.2TARGR.L1.S1, IN WWW.DGSI.PT.


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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL


- ACÓRDÃO N.º 269/2014, IN HTTP://WWW.TRIBUNALCONSTITUCIONAL.PT/TC/ACORDAOS/20140269.HTML).
Sumário :

I - Por força do disposto no art. 400.º, n.º 1, al. f), do CPP, fica prejudicada a análise de qualquer uma das questões invocadas e referentes ao crime de ameaça agravada, em que o arguido foi punido numa pena de prisão de 1 ano, e ao crime de uso e porte de arma sob efeito do álcool, em que foi punido numa pena de multa, cujas condenações foram integralmente confirmadas pela relação, porquanto o acórdão do Tribunal da Relação é nesta parte irrecorrível. II - Porque a decisão não admite recurso na parte respeitante aos crimes em que o arguido foi condenado em pena inferior a 8 anos de prisão, as nulidades invocadas teriam que ter sido alegadas perante o tribunal da Relação, nos termos do art. 120.º, n.º 1, do CPP, e no prazo estabelecido no art. 105.º, n.º 1, do CPP. III - Constituindo um crime de homicídio qualificado um crime em que o agente atua com uma culpa agravada, demonstrando frieza de ânimo ou reflexão sobre os meios empregados e tendo em conta o modo como o arguido atuou - desloca-se para o local do crime já munido de 2 armas (facto provado 2.10 e 2.14), bem como de uma garrafa de whisky (facto provado 2.15), espera por uma das vítimas (facto provado 2.18), dispara vários tiros contras as vítimas a uma curta distância (factos provados 2.21, 2.25, 2.30, 2.36, 2.37, 2.41, 2.43, 2.45), sendo que no caso dos ofendidos ..., ... e ..., nunca em distância superior a 2 metros (factos provados 2.113, 2.114, e 2.115), e tendo-se provado que o “arguido evidencia ausência de sensibilidade para os desejos, sentimentos, necessidades e sofrimento dos outros, sem experienciação de culpa e/ou remorso e falta de empatia pelas vítimas” (facto provado 2.116), que o “arguido demostra ausência de ressonância emocional compatível com as situações acima descritas, assim como ausência geral de preocupação pelas consequências negativas que as suas acções possam ter em terceiros” (facto provado 2.118) e ainda “denota ausência de remorsos, com argumentos de que as vítimas é que são as verdadeiras culpadas” (facto provado 2.119) - é demonstrativo da frieza, determinação, persistência do arguido na realização e conclusão dos atos lesivos da vida dos ofendidos, consideramos que estão preenchidos os elementos necessários para que se possa afirmar preenchida a qualificativa prevista na al. j), do art. 132.º, n.º 2, do CP. Pelo que, também neste ponto improcede o recurso do arguido. III - Tendo em conta o disposto no art. 71.º, do CP, e o disposto no art. 374.º, n.º 2, do CPP, se deveria ter apresentado uma fundamentação individual para cada uma das operações de determinação da pena concreta a aplicar a cada um dos crimes de homicídio, para que depois se fizesse, agora sim, uma análise global dos factos praticados pelo agente e da personalidade, nos termos do art. 77.º, do CP, para a determinação da pena única conjunta. Não se tendo procedido desta forma, consideramos, apenas nesta parte, o acórdão recorrido nulo, por força do disposto no art. 379.º, n.º 1, al. c), do CPP, pelo que deve ser suprida esta nulidade pelo Tribunal da Relação, isto é, deve ser suprida a nulidade do acórdão apenas na parte relativa à determinação das penas parcelares relativamente a cada um dos 4 (quatro) crimes de homicídio, e relativamente à pena única conjunta a aplicar ao concurso de crimes.
Decisão Texto Integral:

Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça:


I

Relatório


1.  Na Comarca do Porto (Tribunal de Vila do Conde— Inst. Central — ....ª Secção Criminal — ...), no âmbito do processo comum coletivo n.º 1183/15.JAPRT, foi julgado e condenado o arguido AA, pela prática, em concurso de crimes, de

-  um crime de ameaça agravada [arts.  153.º, n.º 1 e 155.º, n.º 1, al. a), ambos do Código Penal (CP)], na pessoa de BB, na pena de 1 ano de prisão;

- um crime de detenção de arma proibida [arts. 86.º, n.º 1, als. c) e d), por referência ao art. 2.º, n.º 1,  als.m), p), q), s), ae), aj), aq), ar), ax), e aad), e art. 3.º, n.ºs 1 e 2, al. e), n.º 5, al. e) e n.º 6, al. c), todos da Lei n.º 5/2006, de 23.02], na pena de 1 ano e 6 meses de prisão;

- um crime de uso e porte de arma sob efeito de álcool ((art. 88.º, n.º 1, da lei n.º 5/2006, de 23.02), na pena de multa de 180 dias à taxa diária de 10 euros;

- um crime de homicídio qualificado [arts. 131.º, 132.º, n.ºs 1 e 2, als. h), e j), todos do CP], na pessoa de CC, na pena de 15 anos de prisão;

- um crime de homicídio qualificado [arts. 131.º, 132.º, n.ºs 1 e 2, als. h), e j), todos do CP], na pessoa de DD, na pena de 16 anos de prisão;

- um crime de homicídio qualificado [arts. 131.º, 132.º, n.ºs 1 e 2, als. e), h), e j), todos do CP], na pessoa de EE, na pena de 17 anos de prisão;

- um crime de homicídio qualificado [arts. 131.º, 132.º, n.ºs 1 e 2, als. b), e), h), e j), todos do CP], na pessoa de BB, na pena de 19 anos de prisão;

Em cúmulo jurídico, foi o arguido condenado em 25 anos de prisão e em 180 dias de multa, à taxa diária de € 10,00.

2. Inconformado, o arguido interpôs recurso para o Tribunal da Relação do Porto que, por acórdão de 19.10.2016, julgou parcialmente provido o recurso, tendo eliminado dos factos provados os respeitantes ao crime de detenção de arma proibida em que havia sido condenado, e consequentemente absolveu o arguido deste crime e decidiu apenas manter a condenação nos restantes.

Assim vem o arguido condenado nos seguintes termos — pela prática:

-  um crime de ameaça agravada [arts.  153.º, n.º 1 e 155.º, n.º 1, al. a), ambos do Código Penal (CP)], na pessoa de BB, na pena de 1 ano de prisão;

- um crime de uso e porte de arma sob efeito de álcool ((art. 88.º, n.º 1, da lei n.º 5/2006, de 23.02), na pena de multa de 180 dias à taxa diária de 10 euros;

- um crime de homicídio qualificado [arts. 131.º, 132.º, n.ºs 1 e 2, als. h), e j), todos do CP], na pessoa de CC, na pena de 15 anos de prisão;

- um crime de homicídio qualificado [arts. 131.º, 132.º, n.ºs 1 e 2, als. h), e j), todos do CP], na pessoa de DD, na pena de 16 anos de prisão;

- um crime de homicídio qualificado [arts. 131.º, 132.º, n.ºs 1 e 2, als. e), h), e j), todos do CP], na pessoa de EE, na pena de 17 anos de prisão;

- um crime de homicídio qualificado [arts. 131.º, 132.º, n.ºs 1 e 2, als. b), e), h), e j), todos do CP], na pessoa de BB, na pena de 19 anos de prisão;

Em cúmulo jurídico, foi o arguido condenado na pena única de 25 anos de prisão e, em acumulação material, na pena de multa de 180 dias à taxa diária de € 10,00.

3. Ainda inconformado, veio agora o arguido recorrer deste último acórdão para o Supremo Tribunal de Justiça (cf. fls. 2224 e ss), tendo apresentado as seguintes conclusões:

«1.       Entende o recorrente, que, face à factualidade dada como provada em 1.ª e 2.ª instância, e ao Direito aplicável, a pena aplicada revela-se exagerada e desproporcional, violou normas jurídicas e fez uma interpretação incompleta e incorreta do direito, nos termos do artigo 412, n.º2, alínea a) e b), do CPP.

Em pormenor,

2.         O Tribunal recorrido violou normas jurídicas e fez uma interpretação consequentemente incorrecta de uma norma que deveria ter sido aplicada, nos termos do artigo 412, n.º 2, alínea a) e b) do CPP, na justa medida que condenou o recorrente à prática do crime de ameaça agravada, nos termos dos artigos 153.º, n.º1 e 155.º, n.º1 alínea a) do CP, com base no facto dado como provado no ponto 2.9 do douto acórdão.

3.         Diga-se, em abono da verdade que o recorrente não quis atemorizar BB, nem coarctar a liberdade pessoal, apenas demonstrar desagrado com o conflito, algo que não despoletou à BB qualquer medo, receio ou temor uma vez que continuou a manter contacto com o recorrente dentro dos parâmetros normais.

4.         A factualidade dada como provada e vertida no ponto 2.9 não é suficiente para o juízo conclusivo do ponto 2.64 dos factos provados, na justa medida que não se sabe em juízo o que aconteceu de facto em 04 de Abril, nem o contexto nessa data, nem o arguido confessou qualquer ameaça não se tendo produzido prova adicional sobre isso para além da mera transcrição das mensagens nos autos.

5.        Na verdade, o que existe é prova indirecta e só circunstancial, mesmo com as mensagens escritas enviadas a 04 de Abril de 2015, a Justiça deve procurar a verdade processual, isto é, a que resulta da legalidade e do valor objectivo dos meios de prova, pois a busca de qualquer outra "verdade" pode conduzir a um sério e irreparável erro judiciário.

6.         Porém, essa possibilidade está limitada aos casos em que a mesma seja voluntariamente consentida por quem tiver a disponibilidade ou o controlo desses dados – desde que o consentimento prestado fique, por qualquer forma, documentado – ou, nos casos de terrorismo, quando haja fundados indícios da prática iminente de crime que ponha em grave risco o vida ou a integridade de qualquer pessoa.

7.         Não existiu qualquer junção voluntária aos autos e a prova pericial às sms guardadas no telemóvel do recorrente e da vítima BB não dispensava a intervenção do Juiz de Instrução Criminal, pelo que estamos perante um caso de prova proibida.

8.         A intervenção do juiz é obrigatória, tal como dispõe os artigos 17.º, 16.º, n.º3 da Lei do Cibercrime (Lei n.º 109/2009, 15 de Setembro) e n.º 3, 2.º parte do artigo 179.º do CPP, para aferir a legalidade/licitude da junção aos autos do conteúdo sms's.

9.         A falta desta intervenção torna esta prova recolhida nos telemóveis nula, não podendo por isso ser utilizada, nos termos do artigo 126.º, n.º3,e 179.º ambos do CPP.

10.       Em suma o arguido deve ser absolvido do crime de ameaça agravada na pessoa BB, uma vez que foi utilizado um método proibido de prova, sendo nula e consequentemente não poderá ser utilizada, nos termos do artigo 126.º, n.3 do CPP.

Subsidiariamente, sem prescindir,

11.       Mesmo que assim não se entenda, a prova que foi junta aos presentes autos e que imputa o crime de ameaça agravada ao arguido, padece também de erro de julgamento na livre apreciação da prova, na justa medida que carece de fundamentos suficientes.

12.       O tribunal violou o disposto no artigo 153.º, n.º 1 e 155.º, n.º 1, alínea a), ambos do Código Penal, porque condenou o arguido com base em meras presunções quando, de facto e nos termos expostos, se não verificou o requisito concreto de receio pela vida da BB.

13.      À luz das regras da lógica e da experiência comum, da vivência e convivência da nossa sociedade, quem, a sério, receasse pela vida não denunciava a situação de estar sozinha e nunca lançaria desafio à comparência do arguido nesse mesmo momento da troca de mensagens.

14.       Em súmula, o douto acórdão presumiu um temor com base em critérios de um destinatário médio, quando na realidade a BB, em concreto e no dia das sms`s, demonstrou não ter esse temor, receio ou medo pela sua integridade física, nas mensagens trocadas com o arguido nessa noite de 04 de Abril, olvidando também o tribunal que o texto das mensagens é igualmente passível de diferentes interpretações igualmente plausíveis no cenário de um desentendimento entre cônjuges.

15.       A condenação do arguido no crime de ameaça agravada violou também o princípio in dubio pro reo porque, sendo o texto e atitudes de ambos os ex-cônjuges passíveis de várias dúvidas e interpretações, levou à condenação do arguido em vez da sua absolvição;

16.       O recorrente não se conforma, nem entende que o Tribunal aprecie e valore provas carreadas no processo em detrimento de outras, de forma a exclusivamente a prejudicar o recorrente.

17.      A decisão recorrida não obedece ao princípio da livre apreciação da prova, na justa medida que o processo lógico-dedutivo alcançando assenta numa convicção  meramente subjectiva, tendo por base  "um destinatário médio" (sic), não fazendo uma análise racional de acordo com todo o circunstancialismo fáctico concreto, quando existiam elementos objectivos que conduziam a uma correcta  procura pela verdade material.

18.       A decisão recorrida será nula, porque na condenação do arguido pelo crime de ameaça agravada na pessoa da BB, existiu uma flagrante violação ao princípio da livre apreciação da prova e também porque na decisão deveria conhecer as circunstâncias concretas e não se pronunciou, nos termos da alínea c), n.º1 do artigo  379.º, do CPP.

19.       Ou seja, a violação do princípio da livre apreciação da prova constitui um vício na decisão recorrida, na justa medida que existe um erro notório na apreciação da prova quanto ao crime de ameaça agravada na pessoa de BB, nos termos do n.º2, alínea c), do artigo 410.º, do CPP.

20.       Com efeito, o arguido deve ser absolvido do crime de ameaça agravada, por não preencher os pressupostos do crime de ameaça, nos termos do disposto no n.º1 do artigo 153.º, do CP.

De novo, subsidiariamente, e, sem prescindir,

21.       Caso V. Ex.as assim não o entendam, defende o recorrente que a escolha da espécie de pena prevista para o crime de ameaça agravado de acordo com o artigo 70.º do CP, deveria ter como critérios a adequação e suficiência da finalidade da pena, o que no caso não aconteceu...

22.       Tendo em conta o contexto em que os factos ocorreram, as pesadas penas de prisão efectiva de que foi objecto, a pena de multa é suficiente para acautelar, as necessidades de prevenção especial do recorrente, nos termos do disposto no artigo 70.º do CP.

23.       Face ao contexto, e à ausência do nexo de causalidade da troca de mensagens com o fatídico dia 28 de Abril de 2015, a até mesmo face ao temor e medo que não foram evidentes terem existido na vítima, a pena não privativa de liberdade mostra-se adequada e suficiente as finalidades preventivas de punição do recorrente.

24.       A pena de multa no crime de ameaça agravada satisfaz os fins da punição do recorrente, sendo excessivo a condenação pelo crime com pena privativa da liberdade, sendo certo que a vítima em momento algum demonstrou receio, medo ou temor pela vida com o envio das mensagens, como ainda "desafiou" o arguido com provocações, caso existisse medo, temor ou receio nunca o faria...

25.       Em razão que antecede deve ser absolvido o recorrente do crime de ameaça agravada, caso assim não se entenda, deve ser revista a pena aplicada e definida tendo igualmente presente as necessidades de prevenção.

26.       O arguido tem direito a que os factos sejam provados de acordo com os diferentes comportamentos, as diferentes condições em que ocorreram cada um dos quatro homicídios.

27.       Salvo o devido respeito, considera o recorrente que o Tribunal a quo não procedeu em função das exigências de prevenção, ou seja, atendendo “a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele”.

28.  Por outras palavras, o tribunal não procedeu à determinação da medida da pena em função da culpa do agente e das exigências de prevenção (geral e especial e com a aplicação das penas, a protecção de bens jurídicos e a reintegração social do agente, nos termos do artigo 71.º, n.º1 e artigo 40.º n.º 1, ambos do Código Penal.

29.      É claro que, por "facilitismo de trabalho" o tribunal recorrido apreciou as questões a "granel" fazendo um julgamento de quatro homicídios sem considerar os diferentes comportamentos, motivações e condições concretas em que ocorreram cada um.

30.      Para além disso, na determinação da medida da pena relativamente aos quatro homicídios o Tribunal da Relação olvidou aspectos que deveriam ser determinantes na determinação da medida da pena e todo o circunstancialismo foi analisado no sentido de aplicar as penas, com a ideia que dificilmente sairia a pena única dos 25 anos de prisão, não fazendo uma correta individualização, violando as garantias de defesa do arguido, artigo 32.º, da CRP, inconstitucionalidade esta que fica aqui desde já expressamente alegada e invocada para todos os efeitos legais.

31.       O recorrente não se conforma, nem se pode conformar com a determinação da medida da pena relativamente ao homicídio de CC e de DD, na pena de prisão respectivamente 15 e 16 anos, porque excessivas, desproporcionadas e injustas.

32.       Ao agir da forma descrita na prática dos homicídios, o recorrente não tinha intenção de matar a CC e o DD, tendo feito os primeiros disparos sobre CC de forma acidental e com manifesta confusão quanto à identidade do visado DD.

33.      Na verdade, o recorrente entende que culpa e os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins e motivos que o determinam são muito distintos dos homicídios de CC e de DD, com a dos homicídios de EE e BB, em que o foi condenado respetivamente, nas penas de prisão de 17 e 18 anos.

34.      Por outras palavras, o recorrente não tinha intenção de matar CC e DD, sendo que os primeiros disparos às vítimas foram acidentais, fruto de um "desvaneio", de um estado de "desorientação" do recorrente e com manifesta confusão quanto à identidade do visado nos primeiros disparos que atingiram o DD.

35.       Face ao decido recorrido, resta ponderar se a medida da pena pelo homicídio de CC e de DD, não se deverá configurar apenas um homicídio simples, cuja moldura penal se situa entre os 8 e os 16 anos de prisão, de acordo com o disposto no artigo 131.º, do CP.

36.       Deveria o tribunal ter considerado que o recorrente, no momento do segundo disparo a CC, agiu por emoção violenta e compaixão com a vítima, que tinha sido atingida num primeiro momento acidentalmente e que este pensou que iria fatalmente falecer se esta fosse vive nesse momento.

37.     Mas se a CC já tivesse fenecido o comportamento do arguido importaria apenas profanação de cadáver sendo que o tribunal não tem provas suficientes de que esta estava, no momento dos disparos, viva ou morta para concluir como concluiu sem qualquer fundamentação.

38.       Não se compreende que a posição adoptada pelo Venerando Tribunal da Relação seja a total omissão nesta matéria, sob pena de violar o princípio da verdade material e as garantias do recorrente.

39.       A omissão pelo Tribunal deste circunstancialismo para além de ser violadora de princípios fundamentais, traduz um facto que o Tribunal deveria pronunciar-se  sobre essa questão a apreciar e não o fez, sendo este fundamento mais que evidente para a nulidade da sentença, nos termos da alínea c), n.º1 do artigo 379.º, do CPP.

40.      Se estivesse viva, as declarações do arguido são inequívocas e referem mesmo que a vítima CC estava “em sofrimento” em razão do primeiro disparo (efectuado acidentalmente no corredor) e, por isso, este não agiu dentro dos parâmetros legais mas munido de um forte sentimento emotivo de compaixão por uma pessoa que sempre o ajudou que gostava dele e vice-versa.

41.       O tribunal a quo deveria ter considerado que, no momento do segundo disparo a CC, o arguido agiu por compreensível emoção violenta e de compaixão, ou seja, o homicídio de CC nas circunstâncias supra referidas deve ser juridicamente enquadrado como um homicídio privilegiado, nos termos do artigo 133.º, do Código Penal, ou seja, numa pena de prisão não superior a cinco anos.

42.       O tribunal a quo não podia ter condenado o recorrente na pena de 15 anos pelo homicídio de CC quando o mesmo foi claramente involuntário, ao menos negligente (se o primeiro disparo, considerando toda a factualidade supra descrita, tiver sido causa necessária e directa da morte) ou de homicídio privilegiado se a razão da morte se dever ao segundo disparo.

43.       Existiu a violação do princípio da proporcionalidade no homicídio de CC tenha uma pena tão elevada, muito próxima do limite máximo do homicídio simples, e igualmente, uma pena muito próxima da aplicada ao homicídio de EE, que quanto a esta vítima existiu uma real e confessa intenção inequívoca de matar.

44.       Analisando ambas as penas aplicadas pelo homicídio de EE e de CC, distanciadas apenas por dois anos de prisão efectiva, matar com intenção ou matar com compaixão é para a justiça quase a mesma coisa;

45.       Por outro lado, o recorrente não agiu com a intenção de matar o DD, mas antes EE, intenção essa que foi devidamente valorada para efeito de culpa e de qualificação da pena pelo homicídio de EE.

46.       A manifesta confusão do recorrente quanto à identidade do visado DD, o tribunal deveria ter distinguido o dolo do arguido na modalidade de dolo eventual que, se todo, se não confunde com o dolo direito.

47.       Ou seja, neste homicídio e quanto aos primeiros disparos, o recorrente não agiu com a intenção de matar o DD mas antes EE.

48.       Este desiderato aponta-nos para uma grave situação de dolo eventual, isto é, o recorrente representou a realização de um facto que preencheu o tipo como consequência possível da sua conduta e actuou conformando-se com aquela realização.

49.       Analisando ambas as penas aplicadas pelo homicídio de EE e DD, distanciadas apenas por um ano de prisão efectiva, matar com intenção ou matar por engano é para a justiça quase a mesma coisa;

50.       A decisão recorrida versa sobre a intencionalidade e dolo directo dos quatro homicídios não fazendo qualquer distinção entre todos como já sobejamente se referiu, apesar de os factos apurados em juízo apontarem claramente diferente ponderação.

51.       E no que concerne aos segundos disparos, sem saber se, nesse momento o Renato era vivo ou era morto, o tribunal teria de ter optado pela classificação de homicídio privilegiado tal como se defendeu a propósito da vítima CC e cuja fundamentação, com as necessárias adaptações, por meras razões de economia processual, se dão aqui como integradas para todos os legais efeitos.

52.       Na verdade, uma dupla valoração da medida da pena do homicídio de DD, que no concurso de circunstâncias qualificativas determinantes, definidas pelo legislador, in casu a intencionalidade como agravante na qualificação do crime, quando na verdade a intencionalidade e premeditação na intenção de matar é apenas uma, o EE em que o facto foi devidamente atendido no homicídio deste.

53.       O acórdão recorrido não pode valorar a premeditação na intenção de matar por mais de 24 (vinte e quatro) horas no homicídio de DD e até mesmo de CC, porque na verdade a premeditação existiu apenas na pessoa de EE e de BB.

54.       Nesta situação estamos perante uma única circunstância qualitativa (premeditação, por entender que o arguido persistiu na intenção de matar por mais de vinte e quatro horas), que deve ter em conta o princípio da proibição da dupla valoração da culpa, sob pena de violação do princípio in bis in idem, na justa medida que o factor de ponderação das medidas das penas dos homicídios de DD e de Maria de Fátima, foram considerados na própria qualificação do crime de EE.

55.       Se, eventualmente, no momento dos segundos disparos, DD tivesse fenecido o problema seria sempre e só de eventual profanação de cadáver.

56.       Não existiu qualquer determinação a matar, frieza de ânimo ou reflexão sequer sobre os meios empregados no que a estas duas vítimas DD e CC, e por isso também se não verifica o requisito de agravamento previsto na alínea j), do artigo 132.º, do CP, ao contrário do decidido no douto acórdão.

57.       O recorrente sempre demonstrou um arrependimento sincero afirmando desde o início que estava arrependido e o que fez estava errado, foram atos realizados sob um estado emocional de descontrolo (fls. 503 dos presentes autos).

58.       O acórdão recorrido a não considerar o arrependimento sincero do recorrente, quer as demais circunstâncias atenuantes que resultaram a favor ou contra o recorrente, viola a disciplina dos artigos 71º, 72º, n.º 2 alínea c), do CP apresentando-se por isso viciada nos termos n.º, al.s a) e b), do artigo 412º do CPP.

59.       As penas privativas de liberdade pelos homicídios da CC e do DD são excessivas e desajustadas, na medida em que não visa a reinserção e reintegração do recorrente na sociedade, não tendo em consideração as circunstâncias previstas no disposto artigo 71.º, n.º2, do CP.

60.       Só que, ao não discernir, a diferença de cada uma destas mortes, as motivações, o contexto de determinação e factual subjacente, tratando tudo como mero homicídio tipo agravado, o tribunal lesou fatalmente os mais elementares direitos de defesa do arguido.

61.       O recorrente não pode ser condenado pela prática de vários crimes, a partir de premissas globais, sendo as molduras penais aplicadas  praticamente similares existindo diferentes entre si os circunstancialismos, dinâmicas e motivações do arguido relativamente a cada uma das vítimas.

62.       O arguido tem direito a que, em termos factuais, esta matéria seja tratada de forma singular e concreta relativamente a cada um dos crimes, sob pena de violação flagrante dos seus mais elementares direitos de defesa, na justa medida em que não individualizou cada um dos factos subjacentes a cada um dos crimes e os diferentes contornos e aspectos que esta ponderação exigiria nos diferentes casos.

63.       Esta omissão de apreciação factual em separado das questões atinentes ao artigo 71.º, n.os 1 e 2, do Código Penal realizada pelo acórdão ao não apreciar factualmente em separado cada um dos quatro crimes, é ela mesma geradora de nulidade que aqui, nos termos do disposto na alínea c), do n.º 1, do artigo 379.º, do Código de Processo Penal expressamente se arguiu.

64.       Aliás, qualquer diferente interpretação do âmbito desse artigo 71.º, n.os 1 e 2, do Código Penal, mormente a que resulta do acórdão sub judice, é inconstitucional por violação do disposto no artigo 32.º, da Constituição, inconstitucionalidade esta que fica aqui e desde já expressamente alegada e invocada para todos os legais efeitos.

65.       Da face ao exposto a determinação das medidas das penas nos homicídios de DD e de CC devem ser revistas.

66.       Entende o recorrente que, a pena única aplicada de 25 anos de prisão é excessiva, desproporcional e desajustada na situação concreta, atendendo às respetivas exigências de ressocialização e integração.

67.       A violação do artigo 71.º, n.º 1, radica, ainda, no facto de o tribunal não referir em momento algum do Acórdão as necessidades concretas de prevenção relativamente a estes crimes e a necessidade de equacionar uma pena que, atendendo à idade do arguido, lhe permita uma ressocialização que resulte da própria pena.

68.       A fixação da pena não foi parcimoniosa, a determinação da medida da pena deve ser fundamentada, nos termos do n.º1 do artigo 375.º, do CPP, porque apresenta-se insuficiente e até mesmo incompleta nos fundamentos que presidem a escolha e as medidas das sanções aplicadas muito similares, atendendo aos diferentes circunstancialismos supra mencionados.

69.       Mas grave e decisivo não é isso, grave é que o arguido haja sido condenado no cúmulo máximo admissível por lei, sem que o tribunal tenha fundamentado como assegura nesse cúmulo as exigências de ressocialização e integração do próprio arguido definidas no artigo 40.º, n.º 1, do Código Penal.

70.       A omissão de qualquer pronúncia do acórdão quanto à ressocialização e reintegração do arguido é igualmente geradora de nulidade que expressamente se arguiu ao abrigo do disposto na alínea c), do n.º 1, do artigo 379.º, do Código de Processo Penal, porque o tribunal teria que ter feito referência à ressocialização  do arguido, sobrepondo eventualmente sobre a mesma razões de prevenção geral  especial e julgando o máximo aplicado de 25 anos permitira também a reintegração do agente na sociedade.

71.  Assim, ao nada equacionar sobre a perspectiva da ressocialização e reintegração do arguido, o acórdão violou o disposto no artigo 40.º, n.º 1, do Código Penal.

72.       E foi especialmente exagerada e injusta no que aos crimes das vítimas CC e DD tendo as respectivas mortes acontecido nos circunstancialismos concretos supra definidos;.

73.       Na verdade, relativamente a CC foi aplicada uma pena de 15 anos praticamente igual ao máximo admitido por lei para situações de homicídio simples e a pena aplicada pelo homicídio de DD foi igual à pena máxima aplicável à situação de homicídio simples.

74.       Na determinação da medida da pena do homicídio de DD, existiu a violação à proibição da dupla valoração da medida da pena, no qual os factos que consubstanciaram o crime de homicídio qualificado não pode ser novamente valorado na qualificação da culpa para efeitos da medida da pena, como alude o n.º2 do artigo 71.º, do CP.

75.       Tendo presente a moldura penal, a matéria de facto dada como provada e as circunstâncias a que alude o art. 71.º e 72.º do CP, e a que é feita referência o douto acórdão condenatório, considera o recorrente sempre com o devido respeito, que a medida (concreta) da pena de prisão aplicada não é adequada, não é equilibrada, nem justa.

76.       As penas não são proporcionais nem adequadas a todos os circunstancialismos de facto e de direito inerentes a estes dois homicídios.

77.       Também o não são as penas aplicadas a propósito dos crimes de BB e EE porque a aplicação das penas deve ser sempre efectuada, em concreto, e ter presente nomeadamente a situação fática que emergirá de um cúmulo emergente, nomeadamente a situação das necessidades e direito de ressocialização e reintegração do arguido.

78.       Na determinação da medida concreta da pena, não foram atendidos de forma adequada as circunstâncias a favor do recorrente, tendo sido valoradas de forma muito mais significativa as circunstâncias que militam em seu desfavor.

79.       Ao condenar o arguido numa pena de 68 anos, que perfez no cúmulo a pena única 25 anos de prisão efectiva, a qual se afigura manifestamente excessiva e injustificável, violou, o douto Tribunal, as normas constantes do artigos 40.º, 71.º, n.º 1 e 2, ambos do CP.

80.       Em razão do que antecede devem ser revistas as penas aplicadas ao arguido por homicídio definidas tendo igualmente presentes as ditas necessidades do mesmo.

Sem prescindir,

81.       No douto acórdão a pena de multa foi aplicada de 180 (cento e oitenta) dias à taxa diária de 10,00€, que considerou a situação económica espelhada nos pontos 2.86 a 2.88 dos factos provados, perfazendo um total de 1.800,00€, nos termos do artigo 88.º da Lei 5/2006, de 23 de Fevereiro.

82.       A Lei 5/2006, de 23 de Fevereiro consagra no artigo 88.º que o uso ou portar arma com uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,2 g/l é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 360 dias.

83.       O artigo 47.º, n.º2 do Código Penal aponta uma visão com base em critérios de razoabilidade e exigibilidade da determinação da pena de multa.

84.       A verdade, a pena de multa terá que representar uma censura do facto e, ao mesmo tempo, uma garantia para a comunidade da validade e vigência da norma violada, não é menos certo que deverá ser assegurado ao recorrente o nível adequado às suas atuais condições socioeconómicas.

85.       Salvo o devido respeito, o Tribunal a quo violou a norma do artigo 47.º, n.º 2 do Código Penal e o artigo 71.º, n.º2 alínea d) do mesmo diploma com a aplicação do quantum diário de 10,00€, sendo manifestamente excessivo e incompatível com a situação actual e concreta do recorrente.

86.       O Tribunal da Relação defendeu que "(...) terá o arguido condições financeiras para suportar um quantitativo diário de 10€ (...)", "(...) que o arguido tem a exploração de armazéns e estufas, afigura-se ajustado o valor fixado, sendo certo que o valor mínimo legalmente admissível é atribuído a quem não tem qualquer tipo de rendimentos".

87.       Não é verdade, que o arguido tem condições financeiras para suportar um quantitativo diário de 10€ de sanção pecuniária, pelo crime de uso e porte de arma sob o efeito do álcool.

88.       No caso, o arguido recebeu as rendas da exploração de armazéns e estufas, até Março/Abril de 2015, deixando de auferir qualquer tipo de rendimento a partir do momento que se tornou detento, sendo que este facto objectivo resulta das próprias regras de funcionamento do EP;

89.       A pena de multa e como tal, tem sempre que representar um sacrifício para o condenado, mas a determinação da medida concreta da pena é feita em função das necessidades de prevenção e da culpa (art. 71º do C. Penal).

90.       Não há dúvidas que a violação das normas supra referidas com a aplicação da medida concreta da pena de multa, à razão diária de 10,00€ é excessiva por se revelar desproporcional e na mesma medida viola o princípio da igualdade, por não traduzir a circunstância concreta e actual das condições económicas do recorrente.

91.       De facto o tribunal a quo ao determinar a aplicação da pena de multa de 180 dias à taxa de 10,00€, não salvaguardou a reintegração do recorrente na sociedade, como determinam os artigos 71.º, n.º 1 e 40.º, n.º 1, ambos do Código Penal.

92.       Repare-se que, na fundamentação da decisão recorrida é contraditória, por uma lado afirma a possibilidade do arguido em cumprir a pena no quantum de 10€ e por outro, afirma que na situação em concreto deveria ser aplicável o limite mínimo.

93.       Em concreto, a pena de multa situando-se entre o mínimo e o máximo, deve ser individualizada no quantum necessário e suficiente para assegurar um sacrifício no cumprimento da pena de multa pelo arguido.

94.  Tendo o Tribunal recorrido todas as condições para reconhecer que o arguido não aufere qualquer rendimento, desde Abril de 2015, não se tendo pronunciado quanto a este facto é igualmente gerador de nulidade que expressamente se argui ao abrigo do disposto na alínea c), do n.º 1, do artigo 379.º, do Código de Processo Penal.

95.       A decisão em aplicar um pena de multa num quantum diário impossível de cumprir, de acordo com o artigo 40º, 47 e 71.º, todos do CP e os princípios ínsitos no artigo 18º, nº 2 da CRP, (princípios da necessidade da pena e da proporcionalidade ou da proibição do excesso) revelam uma violação a estes princípios fundamentais que tem como consequência a inconstitucionalidade, expressamente alegada e invocada para todos os legais efeitos.

96.       A fixação do "quantum" diário da pena de multa de cento e oitenta dias à taxa diária de 10,00€, deve ser revogado e substituído atendendo à situação pessoal, económica e social, deverá a taxa diária ser fixada no limite mínimo, em 5,00€ (cinco euros), pois dessa forma ainda assim se poderá promover a reintegração (e familiar) do recorrente, e, bem assim, acautelar as finalidades da punição, pois constituirá sobejamente um sacrifício real para o recorrente e não uma situação que resulta na  impossibilidade no cumprimento.

97.  Não pode haver justiça com tantas incongruências e a decisão sub judice terá necessariamente que ser reapreciada.

TERMOS EM QUE, e nos mais que vossas Excelências doutamente superiormente suprirão, deve o presente recurso ser julgado procedente e, consequentemente, revogar-se a decisão recorrida e substituir-se a mesma por outra que absolva o arguido do crime de  ameaça agravada, julgue da forma diferente os pontos e factos elencados supra, colmate as deficiências apontadas, julgue verificadas as arguidas nulidades e inconstitucionalidades, reduza o montante da pena aplicada ao arguido e realize novo cúmulo, tudo conforme melhor exposto nas conclusões supra e nos termos aí expostos.»

4. O recurso foi admitido por despacho de 07.12.2016 (cf. fls. 2272).

5. O Procurador-Geral Adjunto no Tribunal da Relação do Porto respondeu, tendo concluído que “o recurso do arguido, com exceção da parte em que pugna pela fixação em cinco euros da taxa diária da pena de 180 dias de multa em que foi condenado, deve ser julgado como não provido” (cf. fls. 2280); alega que as transcrições dos SMS foram realizadas a partir das mensagens que constavam do telemóvel da ofendida BB, isto para além de referir que o arguido assinou uma declaração de dispensa do sigilo das telecomunicações e que consta dos autos a fls. 263; considerou ainda que a impugnação da matéria de facto não pode ser conhecida pelo STJ por ausência de poderes de cognição; defende ainda a manutenção da pena de prisão quanto ao crime de ameaça agravada, e quanto aos diversos crimes de homicídio; entende ainda que há uma apreciação individual relativamente a cada pena aplicada e não uma apreciação “a granel” como alega o arguido;  reafirma a atuação do arguido a título de dolo direto, mesmo em relação aos homicídios contra DD e CC; todavia, entende que, em relação à pena de multa aplicada pela prática de um crime de detenção de arma em estado de embriaguez, “[a]tendendo a que o arguido se encontra preventivamente preso desde 23/4/2015, não repugna ao M.P. que a taxa diária da multa em que foi condenado seja fixada em cinco euros, assim procedendo, nesta parte, o presente recurso”.

6. Uma vez subidos os autos, a Senhora Procuradora-Geral Adjunta no Supremo Tribunal de Justiça proferiu o parecer considerando que “só as questões de direito sobre os 4 crimes de homicídio qualificado é que são susceptíveis de recurso”, dado que no restante o acórdão é irrecorrível por força do disposto nos arts. 432.º, n.º 1, al. b) e 400.º, n.º 1, als. e) e f), ambos do Código de Processo Penal (CPP). Quanto à parte recorrível, apresentou parecer nos seguintes termos:

«2 - Depois desta irrecorribilidade ficará para ser apreciado no recurso do arguido/recorrente os crimes de homicídio qualificado, a medida das penas parcelares e a pena única que embora tenham sido mantidas em recurso, são superiores a 8 anos de prisão não lhe sendo por isso aplicável o disposto na al. f) do nº 1 do art. 400º do CPP.

2.1. O arguido AA foi condenado por autoria de 4 crimes de homicídio dois deles qualificados apenas com as circunstâncias previstas no art. 132º nº 2 nas alíneas h) “praticar o facto… ou  utilizar meio particularmente perigoso ou que se traduza na prática de crime de perigo comum” e alínea j) “agir com frieza de ânimo, com reflexão sobre os meios empregados ou ter persistido na intenção de matar por mais de 24 horas” (sendo vítimas a CC e DD).

 Os outros dois homicídios que envolveram as vítimas BB e EE e além destas duas circunstâncias qualificativas também foi considerado provado a circunstância da alínea e) da mesma disposição legal em ser determinada por avidez, pelo prazer de matar ou por qualquer motivo torpe ou fútil e relativamente à vítima BB também a circunstância da alínea b) foi considerada preenchida – “praticou o facto contra a pessoa … com quem o agente mantinha ou tinha mantido uma relação análoga à dos cônjuges … ou contra progenitor de descendente ¬¬¬¬comum em 1º grau.

2.2. O arguido/recorrente aceita as agravações dos dois crimes de homicídio que tiveram como vítimas a ex companheira e o pai desta mas já não aos outros dois homicídios.

 No entanto o Supremo Tribunal de Justiça relativamente a estes dois crimes só poderá “averiguar” se da matéria de facto provada resultam circunstâncias que poderão ser consideradas de especial censurabilidade por preencherem estes mesmos requisitos ou se muito eventualmente esta mesma matéria de facto contém algum dos vícios p. no nº 2 do art. 410º do CPP que poderá ser apreciada oficiosamente (art. 434º do CPP).

Começaremos pois por tentar concluir quais são os crimes de homicídio que resultam da matéria de facto provada.

3 - Homicídio – simples e/ou homicídio qualificado.

Como já temos vindo a considerar e defender as circunstâncias enumeradas como exemplo padrão no nº 2 do art. 132º do CP não sendo elementos do tipo do crime de homicídio, mas sim da culpa, não funcionam, automaticamente, como de especial censurabilidade ou perversidade, devendo a sua determinação ser indispensável em cada caso concreto para que a sanção pelo crime de homicídio ultrapasse a moldura do p. no art.131º do CP.          

Seguindo a doutrina e a jurisprudência, nomeadamente, Figueiredo Dias, in comentário Conimbricense, fls. 26 e segs. e acórdão do STJ, entre muitos o de 15/03/2007, p. 340/07, o crime base é o homicídio simples, p. no art. 131º conforme está determinado na lei e o homicídio qualificado é uma forma agravada do homicídio simples, não se podendo considerar o contrário, isto é que o homicídio simples é a uma atenuação do agravado.

A agravação da culpa no dizer de Figueiredo Dias é em todos os casos suportada por uma correspondente agravação do conteúdo do ilícito caindo a “especial censurabilidade” nas condutas em que o especial juízo de culpa se fundamenta na refração ao nível da atitude do agente, de formas de realização do facto especialmente desvaliosas e a “especial perversidade” terá de cair naqueles casos em que o especial juízo de culpa se fundamenta diretamente na documentação, no facto de qualidades da personalidade do agente especialmente desvaliosas (anotação art. 132º, Comentário Conimbricense, T.1, fls. 29).

O crime de homicídio, não poderá ser qualificado só porque os factos provados, sem mais, possam fazer supor que estão preenchidos um ou mais dos exemplos padrão do nº 2 do art. 132º, sem que o homicídio seja qualificado só por isso.

Para que a qualificação se verifique terá de ocorrer uma “imagem global do facto agravado” (neste sentido o Ac. do STJ de 8/10/2011. p. 88/09.9, 5ª sec. e toda a jurisprudência e doutrina aqui referidos).

3.1 O arguido/recorrente começa por não apresentar qualquer fundamento válido que resulte da matéria de facto provada para tentar sustentar que não estava determinado a matar a CC quando disparou contra ela a 1ª vez, embora de

Por isso não se percebe porque insiste em suscitar dúvidas sobre a intenção de matar, não só quanto à vítima CC como também quanto à vítima DD.

 Relativamente a esta vítima (Renato) mesmo que “pensasse que o mesmo poderia ser  o EE” o que não está provado nem pode resultar dos factos, sempre teve tal intenção de matar a pessoa que se afastava dele já de costas. E de qualquer modo já sabia quem era quando pela 2ª vez disparou contra o mesmo DD estatelado no chão novamente com intenção de matar.

O arguido/recorrente não põe em causa os factos mas apenas circunstâncias qualificativas, parecendo-nos que apenas pretende defender uma interpretação redutora da sua actuação para diminuir a sua ilicitude ou culpa e poder obter outras penas, quanto a estes dois dos crimes de homicídio.

 3.2. Homicídios qualificados.

De toda a matéria de facto provada, segundo nos parece resultam as circunstâncias e os factos que determinaram não só o crime de homicídio como também a especial censurabilidade e perversidade do arguido, na pessoa de CC (mãe da ex-companheira) e DD (filho da mesma vítima BB.

 Nos dois crimes que o arguido impugna (vítimas CC e DD) as circunstâncias p. nas als. h) e j) do nº 2 do art. 132º do CP, mostrar-se-ão preenchidas .

   3.2.1 - Basta uma circunstância susceptível de revelar censurabilidade ou perversidade do arguido AA, para o homicídio ser qualificado, conforme é jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça.

Havendo mais circunstâncias que se possam considerar que revelam especial censurabilidade, então deverão funcionar como agravantes para ter em conta na medida da pena.

No caso concreto poder-se-á escolher uma das circunstâncias como resultantes dos factos provados quando o arguido depois de sair da casa da lenha onde tinha forçado a entrada para disparar o revólver 6 vezes na cabeça e cara da vítima EE causando-lhe a morte, volta a passar pela casa e pelo café e sucessivamente disparou contra as vítimas que encontrava com sinais de vida – primeiro a BB, depois a CC, e por fim o DD, tudo friamente e para se assegurar que deixavam de viver, disparando dois tiros em cada uma das vítimas ( apenas na cabeça).

Não podemos deixar de considerar que esta sua actuação calma, demonstra a sua frieza no utilizar o revólver que já tinha obrigado o filho a devolver, municiando-o depois de ir esvaziando o tambor com os disparos sucessivos.

Os crimes de homicídio de que foram vítimas CC e DD foram cometidos pelo arguido AA revelando especial censurabilidade ou perversidade ( art.s 131º e 132º nºs 1 e 2 j) do CP)       

    4. O arguido AA linearmente, questiona a medida das penas aplicadas pela autoria dos crimes dos homicídios qualificados (arts. 131º, 132º nº 1 e 2) quando apenas tenta defender que não cometeu  com intenção de matar em dois dos crimes de homicídio.

     Só por mera cautela diremos que tendo o arguido AA cometido quatro crimes de homicídio qualificado em que a medida das penas parcelar foram encontradas entre os 12 e os 25 anos de prisão, não nos parece que se verifiquem fundamentos para as mesmas poderem vir a ser alteradas.

     A determinação da medida da pena, nos termos do art. 71º, nº 1, do Código Penal “far-se-á em função da culpa do agente, tendo ainda em conta as exigências de prevenção futuros crimes”, mas dentro dos limites definidos na lei.  

       E ainda dentro destes critérios para determinação das penas concretas a aplicar ao arguido AA, poder-se-á dizer que a pena deverá ser sempre “utilitária” tal como impõe a Constituição no seu art. 18º.

       4.1. A jurisprudência do Supremo Tribunal tem-se orientado quase unanimemente no sentido de relativamente à culpa, para além de suporte axiológico-normativo de toda e qualquer repressão penal, compete-lhe, estabelecer o limite inultrapassável da medida da pena a aplicar. A prevenção geral negativa ou intimidatória surgirá como uma consequência de todo este procedimento.

 Bastando uma das circunstâncias qualificativas para estabelecer o mínimo e o médium da pena aplicada pelo homicídio (ser descendente da vítima), todas as outras terão de funcionar com agravantes, como já referimos.

E no encontro da medida das penas, terão de ser tidas em consideração todas as circunstâncias que não fazendo parte do crime de homicídio, depuseram a favor ( e contra ) do arguido – a sua personalidade em que se insere e o comportamento anterior, conforme estabelece o nº 2 do art. 71º do CP ( entre muitos o Ac. do STJ se 23/11/11. p. 508/10.0JAFUN.S1).

E ainda dentro dos critérios referidos para a determinação das penas concretas a aplicar ao arguido AA também se pode dizer que a pena deverá ser sempre “utilitária” tal como impõe  o artº 18º  da Constituição

    A dimensão e a gravidade do comportamento do arguido, o grau da ilicitude, o dolo directo, as medidas de prevenção geral relativas às exigências comunitárias, a ausência de arrependimento, embora sem antecedentes criminais, a não aceitação do cometimento de dois dos crimes e a tentativa de justificação mantêm-se segundo nos parece, como elementos justos e adequados na condenação em 15, 16, 17 e 19 anos de prisão do arguido AA, sem que sejam violados os princípios constitucionais.

5 – Pena única

O arguido AA foi condenado na pena única de 25 anos de prisão e 180 dias de multa, à taxa diária de 10.00€ que resultou das condenações nas penas de prisão de 15 anos, 16 anos, 17 anos e 19 anos, por cada um dos crimes de homicídio qualificado, 1ano de prisão (crime de ameaça) e pena de multa.

 Nos termos do art. 77º nº 2 a pena aplicável tem o limite mínimo de 19 anos de prisão e o limite máximo de 25 anos de prisão (a soma é de 68 anos de prisão) e na medida da pena única foram/têm de ser considerados em conjunto os factos e a personalidade do arguido AA.

 A imagem global dos factos ilícitos que resultaram na morte de 4 cidadãos e todos de responsabilidade do arguido AA que se mostrou completamente desvaliosa e de gravidade extrema, porque lhes tirou a vida continuando a demonstrar insensibilidade perante o resultado da sua actuação na morte da mãe, avós e meio irmão dos seus dois filhos, não são susceptíveis de encontrar outra medida da pena única.

 A fixação da medida da pena única, tal como a lei estabelece não se determina apenas com a soma de todas as penas que foi condenado, mas como já referimos na dimensão global do comportamento delituoso do arguido AA.

 Tendo em conta que o limite máximo aplicável é de 25 anos de prisão, não nos parece que possa em qualquer hipótese ser alterada, devido à dimensão, número e gravidade dos crimes cometidos e também o arguido/recorrente não invocar qualquer fundamento válido que o possa favorecer.
Assim e por tudo isto parece-nos que o recurso interposto pelo arguido AA deverá ser rejeitado não só quando impugna dois crimes e penas parcelares como quando versa matéria de facto (arts. 432º nº 1 b) e c), 400º 1 f) e 420º nº 1 a) CPP) e julgado improcedente quanto a todas as outras questões de direito, sobre os crimes de homicídio por ser manifesta a sua improcedência.»
7. Ao abrigo do disposto no art. 417.º, n.º 2, do CPP, foi este parecer notificado ao arguido que respondeu afirmando, em súmula, a recorribilidade quanto aos crimes punidos com pena de multa e com pena de prisão de 1 ano, afirmando que nos termos do art. 400.º, n.º 1, al. f). do CPP, são recorríveis os acórdãos condenatórios em pena de prisão superior a 8 anos «”mesmo em caso de concurso de infracções” ainda que cada uma delas não exceda a pena abstrata de 8 anos, se o cúmulo jurídico correspondente exceder também a pena de prisão de 8 anos, será nesse caso admissível o recurso» e acrescentando: «O problema sub judice tem origem na expressão “mesmo em caso de concurso de infracções” usada nas alíneas e) e f) do n.º 2 do art. 400.º do CPP, uma vez que tem sido defendido na doutrina que as penas concretas dos crimes em concurso, quer às molduras penais abstractas dos diversos crimes em concurso, quer à moldura penal abstracta mais severa”. Reitera ainda, em súmula, o entendimento de que a determinação das penas foi “a granel”, e porque não houve uma análise individualizada entende, agora, que existe uma omissão de pronúncia, o que terá como consequência a nulidade do acórdão recorrido, nos termos do art. 379.º, n.º 1, al. c), do CPP. Também reafirma que o homicídio na pessoa de CC foi praticado sob emoção violenta, e que houve confusão quanto à identidade da pessoa no que respeita ao homicídio de DD.
8. Colhidos os vistos em simultâneo, e não tendo sido requerida a audiência de discussão e julgamento, o processo foi presente à conferência para decisão.


II

Fundamentação

A. Matéria de facto

Na decisão recorrida, são dados como provados os seguintes factos:

«2.1.Entre data não apurada do ano de 1995 e meados de Setembro de 2013, o arguido AA viveu em união de facto com BB, filha de CC e de EE, de cujo relacionamento nasceram dois filhos, FF e GG, com 16 e 10 anos de idade.

2.2.        À data do início da relação, quer o arguido AA, quer BB tinham, do respectivo casamento anterior, aquele uma filha e aquela um filho, residente com os avós maternos, de nome DD

2.3.        Em Setembro de 2013, BB decidiu pôr termo à relação referida em 2.1., e passou a viver com os pais, na casa dos mesmos, sita na Rua ..., constituída por uma zona de café e outra de habitação, juntamente com os seus três filhos.

2.4.        Entre Abril/Maio de 2014, o arguido iniciou uma relação amorosa com HH, com quem passou a viver, no mês seguinte, na residência  dela, sita na Rua ....

2.5.        Por sua vez, BB viveu com os três filhos na casa dos pais até Agosto de 2014, altura em que se mudou para um apartamento arrendado, mantendo-se os filhos a viver com os avós.

2.6.        Desde a separação que se geraram diversas discussões entre o arguido e BB e EE, a propósito de questões patrimoniais.

2.7.   Em virtude de tais desavenças, em data não concretamente apurada do início de 2015, o arguido dirigiu-se ao café da família, denominado "Café ...", sito na morada acima referida onde, após mais uma discussão a propósito dos bens, disse a EE, na presença de DD, que não ia entrar nos armazéns, porque eram dele.

2.8.       Por sua vez, em Março de 2015, porque BB pediu ao arguido que lhe disponibilizasse um dos armazéns que o mesmo possuía instalados num terreno, para aí abrir uma empresa de cogumelos com o seu companheiro, o mesmo dirigiu-se-lhe dizendo "jamais permitirei que metas nos armazéns um marroquino, casado com sete mulheres, com filhos nelas todas, num terreno que é meu, teu e dos nossos filhos".

2.9.        No dia 04 de Abril de 2015, através do seu telemóvel com o número ..., o arguido enviou para o telemóvel de BB com o número ..., três mensagens escritas comunicando-lhe que iria buscar todos os bens que lhe pertenciam, a que se seguiram, para além de outras, as seguintes:

Às 22:34:09 - "Ainda vos relo a todos e ponho vos em bucados a todos nao tenhas duvidas fraca". Às 22:34:59 - "Vai começar so agora tudo vais conhecer me so agora".

Às 22:35:57 - "O melhor bem ai".

Às 22:36:32 - "Eu ja nao tenho mais nada a perder".

Às 22:37:19 - "Agora só quero vingança pelo que fizeste vais pagar caro".

Às 22:38:21 - "O destino cada um procura o como tu tais a procurar o melhor também ja nao fazes falta a ninguém és lixo".

Às 22:40:50 - "Vais ser feliz noutra vida que já lá devias estar à muito fraca mãe que és wue dizes muito mal do pai aos filhos, és muito fraca ordinária".

Às 22:41 :13 - "Não mereces estar neste mundo à muito".

Às 22:43:26 - "Tu e as putas das tuas amigas prostitutas que ainda lhes vou tirar o pescoço a ela também como quem come um bife ou bebe um wiski na boa".

2.10.     O arguido tinha na sua posse várias armas, entre as quais uma pistola de marca "PIETRO BERETTA", calibre "6.35mm", com o n.º de série "DAA257571" e um revólver de marca "SMITH WESSON", calibre ".32 HRMagnum", com o n.º de série "CUE1498",

2.11.     O arguido era titular da Licença de Tiro Desportivo n.º 50523/2013, emitida a 30/10/2015 e válida até 30/10/2018, e da Licença para Uso e Porte de Arma de Classe B1 n.º 50523/2013, emitida a 16/10/2013 e válida até 16/10/2018.

2.12.     Ao início da tarde de 27 de Abril de 2015, o arguido tomou conhecimento que fora elaborado um auto de notícia em virtude de ameaças pelo mesmo proferidas.

2.13.     Então, a fim de tirar satisfações de BB e a convencer a retirar a queixa, o arguido telefonou à BB

2.14.     No dia 28 de Abril de 2015, pelas 07h30, o arguido levantou-se, muniu-se das armas indicadas em 2.10., colocou no revólver seis munições de calibre ".32" e na pistola oito munições de calibre ".25" e guardou-as numa bolsa de cintura juntamente com mais cerca de dez a quinze munições de calibre .32".

2.15.     O arguido levou ainda consigo uma garrafa de whisky de marca "GRANTS", de 70cl e uma caixa contendo quarenta e seis munições de calibre ".32" e uma munição de  calibre ".25".

2.16.     Após, o arguido deslocou-se no automóvel de marca "Mercedes", com a matrícula ..., de sua propriedade, para a referida morada onde chegou algum tempo antes das 09:00 h.

2.17.     Sabendo que BB levava a filha de ambos à escola, pelas 09:00 h, o arguido estacionou num descampado próximo, a aguardar que a ex-companheira regressasse.

2.18.     Enquanto aguardava, o arguido ingeriu cerca de meia garrafa de whisky.

2.19.     Cerca das 09:00 h, o arguido deslocou-se no veículo para a referida habitação, estacionou-o próximo da entrada da mesma, saiu da viatura e dirigiu-se a BB, que se encontrava a ler o jornal, sentada numa cadeira da primeira mesa de café, do lado esquerdo da porta de entrada do estabelecimento, tendo por referência a vista da rua.

2.20.     Nesse momento, o arguido iniciou com a mesma uma discussão a propósito da alegada queixa-crime contra si apresentada.

2.21.     No decurso da contenda verbal, o arguido aproximou-se da ex-companheira e sem que esta pudesse prevê-lo ou evitá-lo, abriu a bolsa de cintura, empunhou o revólver e efectuou três disparos na direcção de BB, dois dos quais a atingiram na região frontal da cabeça, um na metade direita da testa e outro ao nível da pálpebra superior esquerda, tendo o restante trespassado as costas de uma cadeira e atingido o painel de madeira que revestia a parede.

2.22.     De seguida, empunhando essa mesma arma, o arguido dirigiu-se para o interior da habitação pela porta de entrada existente do lado esquerdo do café, que, nesse instante, foi aberta pelo seu filho FF, que se dirigia para o exterior por ter ouvido os disparos.

2.23.    Indiferente aos pedidos de FF para não fazer mal a ninguém, e  já no corredor da habitação, o arguido dirigiu-se ao quarto de II à procura deste.

2.24.     Quando se encontrava já a meio do corredor, o arguido foi atirado ao chão pelo seu filho FF e pelo "enteado" DD, que tentaram desarmá-lo, ao que o arguido se opôs, esbracejando e afastando-os com a mão livre.

2.25.     Uma vez deitado no chão, com a cabeça virada para a cozinha, o arguido apercebeu-se que CC saía desse local e, naquela posição, apontou-lhe o revólver  que ainda mantinha empunhado, e efectuou dois disparos na direcção da mesma.

2.26.     Um desses disparos atingiu CC na zona do abdómen, tendo o outro atingido o canto de parede existente entre o quarto e a porta da casa de banho.

2.27.     Entrementes, FF conseguiu retirar o revólver ao arguido, fugindo na posse do mesmo pelas escadas interiores de acesso à garagem e, desta, para o exterior da habitação.

2.28.     Uma vez liberto, o arguido saiu para o exterior.

2.29.     Uma vez no passeio em frente à entrada da residência, o arguido viu o DD de costas, em fuga, a subir os degraus do pátio do café para entrar neste.

2.30.     Nesse instante, apontou-lhe a referida pistola e efectuou quatro disparos na sua direcção, acabando dois deles por atingir DD nas costas.

2.31.     Em seguida, o arguido lembrou-se que na zona da garagem existia um anexo para guardar lenha, e cogitou que EE ali se tinha escondido.

2.32.     O arguido dirigiu-se ao seu filho FF que estava, em choque, no passeio do lado oposto à casa, segurando na mão essa arma e exigiu-lha, ao que aquele obedeceu, voltando a entrar na habitação, à procura do "ex-sogro".

 2.33.    Uma vez junto à porta de entrada da arrecadação da lenha existente na zona da garagem, que se encontrava batida, o arguido desferiu um pontapé na mesma.

2.34.     Porque a porta não se abriu, o arguido teve a certeza que EE ali se encontrava escondido, atrás da mesma, a travá-la, e efectuou um disparo através dela que, contudo, não o atingiu.

2.35.     O arguido empurrou a porta com toda a sua força, abriu-a e passou para o interior daquela dependência.

2.36.     Uma vez do lado de dentro da "casa da lenha", ao deparar-se com EE aninhado atrás da porta, o arguido aproximou o revólver da cabeça daquele e efectuou dois disparos na direcção da região parietal da cabeça.

2.37.     Após, o arguido apontou o revólver ao lado esquerdo da face do "ex-sogro" e disparou duas vezes.

2.38.     O arguido retirou do tambor do revólver cinco cápsulas de projécteis já deflagrados, deitando-as ao chão, remuniciou-o com projécteis intactos que tirou da bolsa de cintura e, apontando novamente o revólver à zona da orelha esquerda de EE, disparou duas vezes.

2.39.     O arguido saiu depois da arrecadação da lenha.

2.40.     A dado passo o arguido deparou-se com BB do corredor do 1º andar da casa, munida, na sua mão direita, do telemóvel com o qual tentava telefonar para o número ... gravado, no aparelho, em nome de "Cabo ...", e emitindo alguns gemidos.

2.41.     Apercebendo-se que a mesma se mantinha com vida, o arguido abeirou-se dela, aproximou o revólver da região temporal esquerda e desferiu dois disparos na direcção da orelha.

2.42.     A dado passo, o arguido viu caída no patamar de acesso ao café e a gemer, CC.

2.43.     Porque esta ainda se mexia, o arguido aproximou o revólver da mesma e disparou dois tiros, um na direcção da bochecha direita e outro na direcção da testa, acertando-lhe.

2.44.     A dado passo, o arguido entrou no café, onde DD se encontrava caído, de barriga para baixo, no corredor existente entre as mesas e o balcão.

2.45.     Aproximou-se do mesmo, apontou-lhe o revólver à zona da orelha esquerda e efectuou dois disparos.

2.46.     O arguido abandonou o local, conduzindo a sua viatura com destino a Espanha, tendo circulado até Vila Nova de Cerveira, onde entrou na autoestrada "A3" em direcção a esse país.

2.47.     Porque entretanto as autoridades policiais haviam já sido alertadas para o sucedido e em face da notícia de que o arguido se encontraria em fuga, foi montado um dispositivo operacional em todas as artérias de acesso a Espanha nos concelhos de Valença, Vila Nova de Cerveira, Monção e Melgaço.

2.48.    Assim, quando circulava pela referida autoestrada, o arguido foi perseguido pela Brigada de Trânsito da GNR de Viana do Castelo.

2.49.     Na sequência da perseguição, cerca das 10:00 h do dia 28 de Abril de 2015, ao km 110,500 do sentido Portugal/Espanha da A3, o arguido acabou por embater nos veículos de matrícula "..." e "...", que circulavam nesse itinerário principal, originando danos que impediram que o seu veículo continuasse a circular pelos seus próprios meios.

2.50.     Por essa razão, o arguido saiu do "Mercedes" naquele local, onde foi imediatamente interceptado pelos militares da GNR que o perseguiam.

2.51.     Na sequência da sua intercepção, o arguido foi submetido ao exame de pesquisa de álcool no aparelho "DRAGER", modelo "MODELO 7110 MKIII P", apresentando uma TAS de 1,51 g/I à qual, por aplicação da margem de erro máximo legalmente permitido, corresponde a TAS de 1,389g/1.

2.52.     Efectuada revista ao arguido, foram-lhe apreendidas as seguintes peças de vestuário que usava, no dia em causa:

Um (1) par de calças de fato de treino, sem qualquer marca, de cor azul, com listas brancas verticais em ambas as pernas, que apresentam diversas manchas de vestígios supostamente hemáticos na zona das pernas e bolsos laterais;

Um (1) par de sapatilhas de marca "NIKE", tamanho "43", de cor azul e branca, que possuem extensas manchas de vestígios supostamente hemáticos, na parte superior e solas;

Uma (1) camisola de marca "FACIES, SA", tamanho "L" de cor azul e gola vermelha, com a inscrição "Ibersol" a linha branca, na parte frontal, que possui vestígios aparentemente hemáticos na zona do punho  direito.

2.53.     Efectuada revista ao local da imobilização do veículo, foram apreendidos, entre os demais indicados nos autos de apreensão, cujo teor damos por integralmente reproduzido, os seguintes objectos:

O veículo de marca "MERCEDES", modelo "S400", com a matrícula espanhola "9799 DGR" e respectiva chave;

Uma (1) bolsa de cintura de cor verde e preta da marca "SPORT", contendo, no seu interior: Um (1) revólver preto da marca "S&W", sem número de série visível;

Uma (1) pistola de cor cinza com punho preto da marca "PIETRO BERETTA" com o n.º "U2DAA257571 ", de calibre 6.35mm;

Um (1) porta-cartões castanho contendo, no seu interior, os seguintes documentos: carta de condução espanhola com o número ..., cartão de cidadão n.º ..., um cartão de empresa, um cartão de licença para uso e porte de arma com o n.º ..., um cartão-livrete de manifesto de arma n.º ... em nome de AA.

2.54.     Efectuada inspecção judiciária ao veículo de matrícula "...", no mesmo dia, cerca das 14:00h, foram apreendidos, para além dos demais indicados no auto de apreensão, cujo teor damos por integralmente reproduzido, os seguintes objectos encontrados no seu interior:

Uma (1) caixa de munições de calibre ".32 S&W Long", marca ".Prvi Partizan Ammunition" contendo trinta e oito (38) munições de calibre ".32 S&W LPPU", oito (8) munições de calibre ".32 H&R Mag FC" e uma

(1)         munição de calibre ".25 Auto PPU", perfazendo quarenta e sete (47) munições, encontrada na mala do automóvel;

Um (1) coldre em pele, de cor castanha, sem marca, encontrado na mala do carro;

Um (1) coldre de material sintético, de cor preta, com a marca "DINGO", encontrado na mala do veículo;

Um (1) casaco de tecido, de marca "PUMA", tamanho "XL", encontrado aos pés do lugar do pendura; Uma (1)  garrafa de  whisky de  marca  "GRANTS" de 12  anos,  de 70cl,  contendo  certa de metade da capacidade desse fluído, encontrada aos pés do lugar do pendura;

Um (1) telemóvel de marca "NOKIA", modelo "6210", de cor preta, com o IMEI ..., com o cartão SIM inserido da operadora "UZO", com a inscrição "...", encontrado acoplado no suporte próprio, na consola central.

2.55.     No decurso da inspecção judiciária à habitação e imediações onde ocorreram os factos, realizada nesse dia 28 de Abril de 2015, pelas 10:30h, foram recolhidos os seguintes vestígios nos locais indicados:

No exterior, mais precisamente na rua e passeio, sensivelmente em frente à entrada comum de acesso à residência e ao café: um projéctil (com ogiva blindada) de arma de fogo que, apesar do seu estado deformado, aparenta ser de calibre 6,35mm (marcador alfabético A); quatro cápsulas de projéctil de arma de fogo de calibre ".25 AUTO" (marcadores alfabéticos B, C, O, E);

Na rampa de acesso à garagem: quatro cápsulas de projéctil de arma de fogo de calibre ".25 AUTO" (marcadores alfabéticos F, G, H, I);

Na arrecadação para lenha, junto ao cadáver de EE: cinco cápsulas de projéctil de arma de fogo de calibre "32 H&R MAG FC" (marcador alfabético J);

Sobre a soleira e a um canto da porta da arrecadação para lenha: um fragmento de projétil de provável calibre" .32" (marcador alfabético K);

Do outro lado da porta relativamente à posição em que se encontrava o cadáver de EE: uma cápsula de projéctil de calibre "32 H&R MAG FC" (marcador alfabético L); Marcas de sola de calçado impressas com sangue no revestimento cerâmico que reveste o chão do corredor de acesso à arrecadação para lenha, com origem/sentido de marcha a partir da pequena porta metálica (marcador alfabético M);

No corredor da residência, junto à porta de acesso à sala: duas munições não deflagradas de arma de fogo de calibre "32 H&R MAG FC" (marcador alfabético N); um fragmento de projéctil de provável calibre ".32" (marcador alfabético O); três cápsulas de projéctil "32 H&R MAG FC" (marcador alfabético p); Marcas de sola de calçado impressas com sangue no revestimento cerâmico que reveste o chão, com origem/sentido de marcha da porta do café até ao corredor da residência direccional idade para o interior desta (marcador alfabético Q);

Sobre o forro do casaco, do lado direito, de BB, um projéctil de provável calibre  ".32" (marcador alfabético R);

À direita do cadáver de CC, um projéctil (com ogiva blindada) de arma de fogo que aparenta ser de calibre "6,35mm" (marcador alfabético s);

Próximo ao cadáver de DD, cinco cápsulas de projéctil de arma de fogo "32 H&R MAG FC" (marcador alfabético T);

Do interior do painel de madeira da parede posterior do café, um projéctil (com ogiva blindada) que  nele ficou alojado, que aparenta ser de calibre "6,35mm" (marcador alfabético U).

2.56.    Em sede dessa mesma inspecção judiciária, foram os corpos das vítimas encontrados, nas seguintes circunstâncias:

EE encontrava-se com o tronco encostado à face interna da porta metálica de acesso à arrecadação da lenha, numa posição próxima à de sentado, apoiado sobre o seu lado direito, trajando apenas camisola interior caveada e uns boxers. Apresentava os membros superiores flectidos, membro inferior direito esticado e membro inferior esquerdo flectido. Os pés encontravam-se parcialmente enterrados na gravilha, num aparente movimento de tracção. Iniciado exame preliminar ao hábito externo do cadáver, pelas 13:00h, ao nível dos sinais tardios apresentava-se frio ao toque, a rigidez cadavérica ainda não se tinha instalado e os livores, embora ainda não fixos, estavam comoatíveos com a posição em que foi encontrado.

BB encontrava-se prostrado no chão do corredor, à entrada do hall, em posição de decúbito dorsal, com os membros inferiores esticados, membro superior direito esticado ao longo do corpo e membro superior esquerdo flectido ao nível da cabeça. Apresentava-se integralmente vestido, estando a indumentária perfeitamente alinhada, não apresentando quaisquer danos ou rasgões, nem indícios de luta. Iniciado exame preliminar ao hábito externo do cadáver, pelas 14:10, ao nível dos sinais tardios apresentava-se frio ao toque, em rigidez assimétrica e incompleta, estando os livores em fixação e compatíveis com a posição em que foi encontrado.

CC encontrava-se em posição de decúbito dorsal, com os membros inferiores esticados, membro superior esquerdo perpendicular ao corpo e membro superior direito sensivelmente esticado ao longo do corpo. Apresentava-se integralmente vestido, estando a indumentária perfeitamente alinhada, não apresentando quaisquer danos ou rasgões, nem indícios de luta, faltando apenas o chinelo correspondente ao pé esquerdo. Os óculos encontravam-se postos e alinhados. Iniciado exame preliminar ao hábito externo do cadáver, pelas 14:40, ao nível dos sinais tardios apresentava-se morno ao toque, sem rigidez e os livores em fixação, compatíveis com a posição em que foi encontrado.

DD encontrava-se no interior do café, no corredor existente entre as mesas, à esquerda, e o balcão, à direita, em decúbito dorsal (na sequência de manobras de tentativa de reanimação/suporte básico da vida por parte INEM), com os membros inferiores esticados, membro superior direito esticado para cima e membro superior esquerdo flectido para cima, apenas trajando uns boxers de cor vermelha e uma t-shirt. Iniciado exame preliminar ao hábito externo do cadáver, pelas 15:00, ao nível dos sinais tardios apresentava-se frio ao toque, rigidez assimétrica incompleta (membro superior direito sem rigidez) e livores em fixação, compatíveis com a posição em que foi encontrado. Na boca havia-se formado "cogumelo de espuma".

2.57.     E, nesse local, foram ainda apreendidos os seguintes objectos:

-              Oito (8) cápsulas deflagradas de calibre ".25";

-              Catorze (14) cápsulas deflagradas de calibre ".32”;

-              Duas (2) munições não deflagradas de calibre ".32";

-              Três (3) fragmentos de projéctil;

-              Três (3) projécteis;

-              Um (1) telemóvel de marca "LG", de cor branca, com o IMEI ..., contendo o cartão  n.º ...;

-              Um (1) par de sapatilhas de ginástica, de cor branca, tamanho 38.

2.58.     Por sua vez, no mesmo dia 28 de Abril de 2015, o arguido consentiu na realização de busca à sua residência, sita na Rua ..., na sequência da qual foram apreendidos, para além dos demais indicados  no auto de apreensão de fls. 216-220, cujo teor damos por integralmente reproduzido, os seguintes objectos, encontrados no interior de um cofre metálico:

a)           Uma (1) carabina de marca "WALTHER", modelo "G22", calibre ".22 LR", com o n.º de série "WP003266", com cadeado de gatilho e acompanhada do respectivo livrete n.º N92768, em nome de AA;

b)           Uma (1) espingarda caçadeira de marca "PIETRO BERETTA", calibre "12 GAUGE", com o n.º de série "C36902B", com cadeado de gatilho e acompanhada do respectivo livrete n.º C369028, em nome de AA;

c)           Uma (1) espingarda caçadeira de marca "RANGER", calibre "12 GAUGE", com o n.º de série "A6897", com cadeado de gatilho e acompanhada do respectivo livrete n.º L 18128, em nome de AA;

d)           Um (1) revólver de marca "TAURUS", modelo "ULTRA-L1TE", calibre ".22 MAGNUM", com o  n.º de série "WJ31300", municiado com oito (8) munições do mesmo calibre, e acompanhado do respectivo livrete n.º N91464, em nome de AA;

e)           Quatro (4) caixas de munições de calibre "12 GAUGE" carregadas com chumbo miúdo, contendo, cada caixa, vinte e cinco (25) munições;

f)            Uma (1) caixa de munições de calibre "12 GAUGE" contendo vinte e cinco (25) munições;

g)           Uma (1) caixa de munições de calibre "12 GAUGE" carregadas com "ZAGALOTE", contendo   oito

(8) munições;

h)           Duas (2) caixas de munições de calibre ".22 LR" contendo cinquenta (50) munições cada;

i)            Uma (1) caixa de munições de calibre ".22 MAGNUM" contendo cinquenta (50) munições;

j)            Duas (2) caixas de munições de calibre ".22 LR" contendo cinquenta (50) munições cada;

k)           Uma (1) caixa de munições de calibre ".22 LR" contendo vinte e três (23) munições;

l)            Uma (1) caixa de munições de calibre ".22 LR" contendo trinta e quatro (34) munições;

m)         Uma (1) navalha de ponta e mola, com cabo preto e lâmina metálica;

n)           Um (1) livrete de manifesto de arma de fogo, relativo a uma arma de marca "PIETRO BERETTA", de calibre "6,35mm BROWNING", com o n.º de série DAA257571;

o)           Uma (1) licença de uso e porte de arma de fogo em nome de AA com o número ..., válida, para os tipos B 1, até 16/10/2018 e, para tiro desportivo, até 04/11/2013.

2.59.     Em sede de exame directo  às armas e  munições apreendidas,    descritas  em 2.10.  e 2.54., 2.55. e 2.59., e respectiva perícia de balística concluiu-se que se tratava de:

i.             Uma (1) carabina, com cano estriado, de origem alemã, de marca "WALTHER", modelo "G22", de calibre ".22LR", com o n.º de série "WP003266", a qual é uma arma longa, sistema semiautomático,  de percussão anelar, com cano de alma estriada com 51cm de comprimento, e comprimento total de 74cm.

Tem coronha e fuste em baquelite de cor preta e possui sistema de municiamento por intermédio de dois carregadores destacáveis, com capacidade para dez (10) munições de calibre ".22LR" cada um.

Encontra-se em razoável estado de conservação, apresenta boas condições mecânicas e está em condições para disparar.

Trata-se de uma arma de "classe C".

ii.            Uma (1) espingarda caçadeira, de origem italiana, de marca "PIETRO BERETTA", calibre "12 GAUGE", com o n.º de série "C36902B", a qual é uma espingarda de dois canos sobrepostos, de  alma lisa, de tiro a tiro e percussão central.

Os canos medem 75cm de comprimento, tendo a arma o comprimento total de 115cm. Apresenta coronha e fuste em madeira e caixa dos mecanismos e canos em aço.

Encontra-se em razoável estado de conservação e aparenta estar em condições de funcionamento e  capaz de disparar.

Trata-se de uma arma da "classe D".

iii.        Uma (1) espingarda caçadeira, de origem italiana, de marca "ROTA LUCIANO", modelo "RANGER", calibre "12 GAUGE", com o número de série "A6897", a qual é uma espingarda de dois canos paralelos, de alma lisa, de tiro a tiro e percussão central.

Os canos medem 71 cm de comprimento, tendo a arma o comprimento total de 115cm. Apresenta coronha e fuste em madeira e caixa dos mecanismos e canos em aço.

Encontra-se em razoável estado de conservação, embora com sinais de desgaste e alguma oxidação, e aparenta estar em condições de funcionamento e capaz de disparar.

Trata-se de uma arma da "classe D".

iv. Um (1) revólver, de origem brasileira, de marca "TAURUS", modelo "ULTRA- L1TE", calibre ".22 MAGNUM", com o número de série "WJ31300", tratando-se de uma arma curta - revólver, medindo aproximadamente 17x12x4cm, de percussão anelar, sistema de funcionamento semiautomático, sistema de disparo por acção simples/acção dupla, com alimentação por tambor com capacidade para oito munições, dotada de cano estriado medindo cerca de 5,3cm de comprimento.

Encontra-se em muito razoável estado de conservação e apresenta condições mecânicas para disparar. É uma arma da "classe C".

v.            Uma (1) pistola semiautomática, de origem italiana mas fabricada nos EUA, da marca "PIETRO BERETTA", modelo "950BS", com o n.º de série "DAA257571", de calibre "6,35 Browning" (correspondendo, na nomenclatura anglo-americana, ao calibre ".25 ACP" ou ".25 AUTO"), dotada de carregador próprio, destacável, com capacidade para oito (8) munições, estando vazio.

Trata-se de uma arma original, sem vestígios de alterações, medindo cerca de 12x8,5x2cm (arma curta), dotada de cano estriado com cerca de 6cm de comprimento, funcionando por percussão central por meio de percutor interno e com sistema de disparo por acção simples exclusiva. Possui acabamento oxidado de cor cinza, tem platinas em baquelite de cor preta.

Encontra-se em regular estado de conservação, limpeza e lubrificação e apresenta todas as condições mecânicas e funcionais para disparar.

É uma arma da "classe B1".

vi.          Um (1) revólver, de origem americana, de marca "SMITH & WESSON", modelo "431 PD (AIRWEIGHT)", calibre ".32 HARRINGTON & RICHARDSON MAGNUM", com o n.º de série "CUE1498".

Tem um cano de 1,8" polegadas, cerca de 48mm, estriado, e tambor dotado de seis câmaras.

Trata-se de uma arma construída em liga leve, medindo aproximadamente 15,7x10,5x3,3cm (arma curta), é de percussão central indirecta, por meio de cão externo e percutor interno, e dispara por movimento duplo (acção simples e dupla).

O tambor, apesar de ser destinado a munições de calibre ".32 Harrington & Richardson Magnum" permite a introdução e utilização de munições de calibre ".32 Smith & Wesson Long", não sendo necessário qualquer redimensionamento das câmaras, visto serem de calibre dimensionalmente compatível.

Encontra-se em bom estado de conservação, limpeza e lubrificação e apresenta condições mecânicas para disparar.

É uma arma da "classe B1".

vii.   Oito (8) munições de arma de fogo de calibre ".22 MAGNUM", de percussão anelar, em aparente bom estado de conservação, indiciando conter todos os componentes e em condições de serem imediatamente disparadas em armas de fogo de calibre compatível.

Munições adequadas para a arma examinada em iv..

viii.        Cento e vinte e cinco (125) munições de arma de fogo - cartucho carregado - de calibre "12 GAUGE", aparentemente carregados com chumbo miúdo/chumbo de caça, em aparente bom estado de conservação, indiciando conter todos os componentes e em condições de serem imediatamente disparadas em armas de fogo de calibre compatível.

Munições adequadas para as armas examinadas em ii. e iii..

ix.           Oito (8) munições de arma de fogo - cartucho carregado zagalotes - de calibre "12 GAUGE", em aparente bom estado de conservação, indiciando conter todos os componentes e em condições de serem imediatamente disparadas em armas de fogo de calibre compatível.

Munições adequadas para as armas examinadas em ii. e iii..

x.            Duzentas e vinte e três (223) munições de arma de fogo, de calibre ".22 LR", de percussão anelar, em aparente bom estado de conservação, indiciando conter todos os componentes e em condições de serem imediatamente disparadas em armas de fogo de calibre compatível.

Munições adequadas para a arma examinada em i. e iv.

xi.           Oitenta e quatro (84) munições de arma de fogo de calibre ".22 MAGNUM", de percussão anelar, em aparente bom estado de conservação, indiciando conter todos os componentes e em condições de serem imediatamente disparadas em armas de fogo de calibre compatível.

Munições adequadas para a arma examinada em iv.

xii.         Trinta e oito (38) munições de arma de fogo de calibre ".32 S&W LONG", em aparente bom estado de conservação, indiciando conter todos os componentes e em condições de serem imediatamente disparadas em armas de fogo de calibre compatível.

Munições adequadas para a arma examinada em vi.

xiii.        Uma (1) munição de arma de fogo de calibre "6,35mm Browning", de percussão central, em aparente bom estado de conservação, indiciando conter todos os componentes e em condições de serem imediatamente disparadas em armas de fogo de calibre compatível.

Munições adequadas para a arma examinada em v..

xiv.        Uma (1) faca de abertura automática ou de ponta e mola, sem marca visível, com o comprimento total, quando aberta, de cerca de 19cm, tendo cabo em plástico de cor preta com cerca de 11 cm e lâmina corto- perfurante, metálica, com a gravação "ST AINLESS STEEL", de um só gume, pontiaguda, com cerca de 8cm de comprimento por 2cm de largura, na zona mais larga, e 2mm de espessura.

Possui dispositivo de abertura automática da lâmina - ponta e mola - bem como dispositivo de fixação da lâmina

Apresenta-se em mau estado de conservação e funcionamento. É uma arma da "classe A".

2.60.     Em sede de autópsia médico-legal aos cadáveres das vítimas, e ao nível do hábito externo, observaram-se, para além de outras, as seguintes lesões:

a.          BB

Cabeça:

i)  Solução de continuidade de forma triangular, com componente lateral  medindo  3,9cm, componente medial medindo 3,Ocm e componente inferior medindo 3,3cm, com orla de contusão excêntrica, com maior largura de 0,6cm na componente inferior; localiza-se na metade direita da região frontal, abaixo da linha de inserção do cabelo, distando 3,7cm da extremidade lateral da sobrancelha direita e 4,5cm do epicanto medial do olho direito; lesão compatível com orifício de entrada de projéctil de arma de fogo de cano curto [lesão 1 - projéctil 1].

ii)    Solução de continuidade de forma estrelada, com área central com 1,4cm de diâmetro da qual partem quatro ramos: um supero-medial com 2,3cm, um superolateral com 3,4 cm, um infero-Iateral com 2,0 cm e outro infero-medial com 2,0 cm, com orla de contusão excêntrica de maior largura de 0,4 cm na região superior; localizada na linha média da pálpebra superior esquerda e está associada a equimose periorbitária de  cor arroxeada; lesão compatível com orifício de entrada de projéctil de arma de fogo de cano curto [lesão 2 - projéctil 2].

 iii)  Solução de continuidade de forma estrelada, com área central com 0,8 cm de diâmetro da qual partem três ramos: um antero-lateral esquerdo com 2,0 cm, um lateral direito com 1,3 cm e um posterior com 1,9 cm, sem orla de contusão mas localizado em área de cabelo; localizada na linha média da região parietal distando 11 cm da extremidade lateral da sobrancelha esquerda e 14cm da região do tragus do pavilhão auricular  esquerdo; lesão compatível com orifício de entrada de projéctil de arma de fogo de cano curto [lesão 3 - projéctil 3].

iv)   Solução de continuidade arredondada, com 0,7 cm de diâmetro, localizada imediatamente abaixo da zona de inserção do pavilhão auricular esquerdo, com tatuagem circundante em área de 9 por 8,7cm de afastamento maior da solução de continuidade nos quadrantes infero-Iaterais; lesão compatível com orifício de entrada de projéctil de arma de fogo de cano curto [lesão 4 - projéctil 4].

b.           CC

Cabeça:

i)   Solução de continuidade arredondada, de bordos irregulares, com 0,6 por 1 cm de maiores dimensões, os quais são infiltrados de sangue, com orla de contusão concêntrica com 2,5cm de diâmetro e tatuagem concêntrica com 2,5cm de diâmetro, localizada na região frontal à esquerda da linha média, distando 4,5cm do epicanto interno do olho esquerdo e 6,5cm do epicanto externo do olho esquerdo, seguido de trajecto penetrante na caixa craniana, compatível com orifício de entrada de projéctil de arma de fogo de cano curto [projéctil a)].

ii)     Solução de continuidade arredondada, de bordos irregulares, com 0,5 cm de maior eixo, os quais são infiltrados de sangue, com orla de contusão concêntrica com 3,5cm de diâmetro e tatuagem concêntrica com 7,5cm de maior eixo, localizada no andar inferior da face, externamente à comissura labial direita, distando 3cm da mesma e 5 do orifício nasal direito, compatível com orifício de entrada de projéctil de arma de fogo de cano curto [projéctil b)].

Tórax:

iii)         Equimose arroxeada, de bordos mal definitos, com 5 por 6cm de maiores dimensões, localizada no terço inferior da parede posterior do hemitorax direito.

Abdómen:

iv)   Solução de continuidade elíptica, de orientação supero-interna, localizada no hipocôndrio  esquerdo, de bordos irregulares, com 0,6 por o,5cm de maiores dimensões, os quais são infiltrados de sangue, com orla de contusão excêntrica com 1,2 por o,5cm de maiores dimensões, sendo maior nos quadrantes externos, e tatuagem concêntrica com 2,9 por 2cm de maiores dimensões, sendo maior nos quadrantes internos, distando 13cm do umbigo e 22cm do mamilo esquerdo, compatível com orifício de entrada de projéctil de arma de fogo de cano curto [projéctil c)].

c.            EE

Cabeça:

i)       Na linha média da região frontal, distando 4cm do epicanto medial do olho esquerdo, solução de continuidade de forma irregular (orifício), com bordos infiltrados de sangue, medindo 1 por 1 cm de maiores dimensões, rodeada por uma orla de contusão excêntrica com maior largura nos quadrantes direitos: no quadrante superior medindo 1,5cm de largura e no quadrante inferior medindo 1,2cm. A área lesionai ocupada pela solução de continuidade e orla de contusão mede 3 por 3cm de maiores dimensões e é compatível com orifício de saída de projéctil de arma de fogo de cano curto [orifício 1].

ii)  Na região bucinadora esquerda, distando 4cm da comissura labial esquerda, 7,4cm do epicanto lateral do olho esquerdo e 5cm do trago da orelha esquerda, solução de continuidade de forma arredondada (orifício), com bordos infiltrados de sangue, medindo 0,8 cm de diâmetro, rodeada por uma orla de contusão excêntrica, com maior largura nos quadrantes superiores, onde mede 0,2 cm. A solução de continuidade e orla de contusão apresentam-se rodeadas por "tatuagem" ocupando uma área cutânea global medindo 7,5 cm por 6 cm  de maiores dimensões, sinal de disparo a curta distância. É compatível com orifício de entrada de projéctil de arma de fogo de cano curto e é seguida de trajecto penetrante [orifício 2].

iii)   Na região fronto-temporal esquerda, distando 5,3cm do trago da orelha esquerda, solução de continuidade de forma arredondada (orifício), com bordos infiltrados de sangue, medindo O,5cm de diâmetro, rodeada por uma orla de contusão excêntrica, com maior largura nos quadrantes posteriores, onde mede O,2cm.  É compatível com orifício de entrada de projéctil de arma de fogo de cano curto e é seguida de trajecto penetrante na caixa craniana [orifício 3].

iv)         Na região fronto-temporal esquerda, distando 3,3cm do trago da orelha esquerda e 1,9cm da solução de continuidade previamente descrita, localizada anterior e inferiormente a esta, solução de continuidade de forma ovalada (orifício), com bordos infiltrados de sangue, medindo 0,4 por O,6cm de maiores dimensões, rodeada por uma orla de contusão excêntrica, com maior largura nos quadrantes posteriores, onde mede O,3cm.  É compatível com orifício de entrada de projéctil de arma de fogo de cano curto e é seguida de trajecto  penetrante na caixa craniana [orifício 4].

Os orifícios 3 e 4 encontram-se, cada um rodeados por "tatuagem" que se sobrepõe parcialmente, perfazendo uma área global medindo 7,5cm por 6cm de maiores dimensões, sinal de disparo a curta distância.

v)   Na região parietal direita, solução de continuidade de forma arredondada (orifício), com bordos infiltrados de sangue, medindo O,5cm de diâmetro, rodeada por uma orla de contusão excêntrica, com maior largura nos quadrantes anteriores, onde mede 0,1 cm. É compatível com orifício de entrada de projéctil de disparo de arma de fogo de cano curto e é seguida de trajecto penetrante na caixa craniana [orifício 5].

vi)  Na região parietal esquerda, solução de continuidade de forma arredondada (orifício), com bordos infiltrados de sangue, medindo 0,5 cm de diâmetro, rodeada por uma orla de contusão excêntrica, com maior largura nos quadrantes anteriores, onde mede 0,1 cm. É compatível com orifício de entrada de projéctil de disparo de arma de fogo de cano curto e é seguida de trajecto penetrante na caixa craniana [orifício 6].

Os orifícios 5 e 6 distam entre si 1,4cm e localizam-se no mesmo plano coronal.

Ambos encontram-se rodeados por "tatuagem", que se sobrepõe parcialmente, ocupando uma área cutânea global medindo 7cm por 6cm por 6,5cm de maiores dimensões, sinal de disparo a curta distância.

d.            DD

Cabeça:

i)            Equimose periorbitária bilateral de coloração arroxeada com edema marcado dos tecidos moles adjacentes de maior predomínio à esquerda.

ii)  Solução de continuidade arredondada, de bordos irregulares, ligeiramente invertidos e infiltrados de sangue, com 0,8 cm de diâmetro, localizada na região temporal esquerda, com orla de contusão concêntrica de 1 cm de comprimento e com uma área de depósito de nuvem de resíduos adjacente com 1 por 0,5 cm de maiores dimensões. Dista do pavilhão auricular esquerdo 3cm, do ângulo externo do olho esquerdo 13cm e da glabela 16,5cm e é compatível com orifício de entrada de projéctil de arma de fogo de cano curto [orifício A].

iii)         Solução de continuidade ovalada, de bordos irregulares e ligeiramente evertidos, com infiltração sanguínea, com 1,5 por 1 ,2cm de maiores dimensões, localizada na região temporal direita, ligeiramente anterior ao pavilhão auricular, com equimose de coloração avermelhada ao nível dos quadrantes posteriores da mesma, medindo 1 ,5cm de comprimento. Dista do pavilhão auricular esquerdo 1 cm, do ângulo externo do olho direito 6cm e da linha média 13,5cm, e é compatível com orifício de saída de projéctil de arma de fogo de cano curto. Observa-se ainda no interior desta solução de continuidade um objecto metálico, compatível com projéctil de arma de fogo de cano curto [ofício B].

Tórax:

iv)    Solução de continuidade com forma arredondada, com bordos irregulares e infiltrados de sangue, com 0,5cm de diâmetro, localizada no terço inferior da metade esquerda do dorso, apresentando uma orla de contusão concêntrica de 0,2cm de comprimento. Esta solução de continuidade dista da linha média 3cm, do bordo inferior da omoplata 10cm e da crista ilíaca posterior esquerda 25cm e é compatível com orifício de entrada de projéctil de arma de fogo de cano curto [orifício C].

ii) Solução de continuidade com forma arredondada, com bordos irregulares e infiltrados de sangue, com 0,5cm de diâmetro, localizada também no terço inferior da metade esquerda do dorso, apresentando uma orla de contusão excêntrica de 0,2cm de maior comprimento no quadrante inferior. Esta solução de continuidade dista da linha média 8,5cm, do bordo inferior da omoplata 5cm e da crista ilíaca posterior esquerda 26cm e é compatível com orifício de entrada de projéctil de arma de fogo de cano curto [orifício D].

As soluções de continuidade C e D distam entre si 5cm. Membro superior direito:

i)   Quatro escoriações lineares localizadas na face posterior do terço superior do antebraço com    0,2cm, 0,7 cm, 0,8 cm e 1 cm de comprimento. Escoriação arredondada localizada na face dorsal da articulação interfalângica do 1 ° dedo com 0,2 cm de diâmetro. Escoriação linear localizada na face dorsal da articulação interfalângica proximal do 2° dedo com 0,3 cm de comprimento. Escoriação irregular localizada na face dorsal da articulação interfalângica distal do 4° dedo com 0,7 cm por 0,5 cm de maiores dimensões.

Membro inferior direito:

i) Equimose rosada localizada na face anterior do joelho com 1,2 por 1 cm de maiores dimensões. Equimose rosada na face anterior do terço superior da perna com3 por 1,2cm de maiores dimensões.

Membro inferior esquerdo:

i) Equimose rosada localizada na face anterior do joelho com 3,5 por 3cm de maiores dimensões.  Quatro equimoses rosadas localizadas na face anterior do terço superior da perna, três com 1,5 por 1,5 cm e outra com 1,5 por 1 cm de maiores dimensões.

2.61.     As descritas lesões traumáticas crânio-meningo-encefálicas de BB e EE, crânio-meningo-encefálicas e toraco-abdominais de CC, e crânio- meningo-encefálicas e torácicas de DD foram a causa necessária e direta da respectiva morte.

2.62.     O arguido tinha, manifestadas em seu nome, as armas examinadas nos pontos i., ii., iii. e iv. do artigo 2.59. mas não era nem é titular de qualquer licença de uso e porte ou detenção das mesmas. — este último segmento passou a contar dos factos não provados por força do acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 19.10.2016.

2.63.     O arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo ser a sua conduta ilícito penalmente punível e, ainda assim, não se absteve de a adoptar.

2.64.     O arguido quis atemorizar BB, mediante a ameaça de crime contra a vida, ciente de que se tratava de crime punível com pena de prisão superior a três anos, e sabendo que, dessa forma, lhe coarctava a liberdade pessoal, o que conseguiu.

2.65.  Tencionou o arguido pôr termo à vida de BB, EE, CC e DD, o que logrou alcançar.

2.66.   O arguido agiu ciente de que havia mantido, com BB, uma relação análoga à de cônjuges.

2.67.     O arguido tencionou cometer o facto descrito em 2.65. mediante a utilização de armas que sabia tratarem-se de objectos particularmente perigosos,

2.68.     sempre ciente que tais circunstâncias conferiam, à sua conduta, especial censurabilidade, o que, ainda assim, não o impediu de actuar.

2.69.     O arguido quis ter em seu poder as armas indicadas nos pontos 2.58., als. a) a l), conhecendo as características e classe das mesmas, bem sabendo que não era titular de qualquer licença de uso e porte ou detenção que o habilitasse a detê-las, designadamente de que a licença que possuía, da classe B e B1 não o habilitava a possuir, deter ou usar tais armas, e estando ciente que a mera detenção, nessas circunstâncias, era proibida e punida por lei como crime, o que, ainda assim, não o inibiu de agir. — passou a contar dos factos não provados por força do acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 19.10.2016.

2.70.     O arguido sabia ainda que praticava os factos descritos após ter ingerido bebidas alcoólicas em quantidade suficiente para apresentar uma taxa de alcoolemia superior a 1,2g/L, e que a mera detenção, bem como a utilização de armas nessas condições, em si mesma, constituía crime.

Antecedentes criminais:

2.71.     O arguido não tem antecedentes criminais.

Relativamente às condições sócio-económicas do arguido

2.72.     O arguido AA nasceu em ..., integrado num agregado familiar de condição socioeconómica modesta, constituído pelos pais e prole de três, a qual regressou da então colónia portuguesa contava o arguido cerca de 2 anos de idade, tendo-se fixado no Cacém.

2.73.     O seu processo de desenvolvimento psicossocial decorreu num ambiente familiar referenciado pelo distanciamento afectivo dos progenitores relativamente aos filhos no exercício das suas funções parentais, e entre o casal, sendo que ao seu progenitor eram atribuídas características de impulsividade e agressividade no relacionamento  interpessoal, que não exclusivas da dinâmica intrafamiliar.

2.74.     Tinha o arguido cerca de 9 anos de idade quando o progenitor assassinou a progenitora, crime antecedido de outro homicídio de um vizinho, acontecimento que motivou à época, em 1980, o acolhimento do arguido e seus irmãos pelos avós maternos, residentes na freguesia da .... Com o pai o arguido não voltou a estabelecer contacto.

2.75.     Apesar da experiência traumática vivenciada pelos menores, o processo de desenvolvimento do arguido decorreu aparentemente de acordo com padrões tidos como normais, suportado por um enquadramento familiar proporcionado pelos avós e família alargada referido como vinculativo e equilibrado no plano afectivo e capaz na transmissão das normas e regras de conduta comumente aceites.

2.76.     Não existe registo de acompanhamento clínico especializado no período posterior ao acontecimento supra referido, nem referências a comportamentos desajustados ao nível da interacção pessoal nas diversas instâncias de socialização como sejam a família, a escola ou os grupos de pares em que se inseria.

2.77.     O arguido concluiu o 6° ano de escolaridade, sem retenções, altura em que devido à falta de motivação para continuar os estudos, assim como à condição económica modesta do agregado, optou por se iniciar com 13 anos de idade no mercado laboral como aprendiz de topógrafo, actividade que desenvolveu durante 2 anos concomitantemente com o trabalho aos fins-de-semana num restaurante no Parque de Campismo da .... Em 1986, tinha aproximadamente 16 anos de idade, emigrou com o irmão mais velho para França, tendo sido acolhido por uns tios matemos. Permaneceu até 1995 naquele país, num trajecto descrito como adaptado, exercendo de forma regular actividade profissional na construção civil, vindo a especializar-se na colocação de perfis de gesso, assumindo a sua cota parte para economia doméstica. Geria os seus tempos livres em torno do convívio intrafamiliar e com amigos nos cafés existentes na área de residência.

2.78.Aos 21 anos de idade, durante a sua experiência de emigração em França, contraiu matrimónio com uma jovem, filha de emigrantes portugueses. Porém, ao fim de 3 anos optaram por se divorciar por alegadas incompatibilidades. Desta relação possui uma filha actualmente com cerca de 21 anos de idade, com quem não mantém contacto.

2.79. Regressou a Portugal pelos 25 anos de idade, estabeleceu-se por conta própria na área dos perfis em gesso em sociedade com uma das vítimas nos autos, BB, com quem iniciou relação marital em 1995, e que já conhecia do tempo em que ambos frequentaram a escola primária, relacionamento que, alegadamente por associação ao ambiente familiar por si vivenciado durante a infância e ao crime perpetrado pelo seu progenitor, nunca terá sido do agrado do pai da ex-companheira.

2.80.     Durante a constância da relação marital, que perdurou cerca de 18 anos e da qual resultaram dois filhos, o casal terá mantido uma dinâmica descrita como afectiva e funcional até período próximo da ruptura conjugal. Numa primeira fase a situação económica do agregado evoluiu significativamente, fruto do sucesso da empresa em que eram sócios e consequente adopção de um estilo de vida com alguns sinais exteriores de riqueza.

2.81.     O arguido privilegiava o convívio com grupo de amigos, directa e indirectamente relacionados com a sua actividade empresarial, frequentando restaurantes e outros locais de diversão, mantendo com a família rotinas que prevaleciam desde há vários anos, muito centradas em deslocações à praia no verão e convívios com outros familiares aos fins-de- semana.

2.82.     Caracterizado em diferentes contextos sócio residenciais onde decorreu o seu percurso de vida como um indivíduo sociável, calmo e trabalhador, não lhe eram atribuídos comportamentos aditivos, estilos de vida de risco ou condutas antissociais.

2.83.     Assim, quando em 2008 o casal é constituído arguido por um crime de burla qualificada, praticado em 2007 no exercício da sua actividade empresarial, antes já haviam requerido e sido declarada judicialmente a insolvência da sociedade, o mesmo constituiu uma surpresa e preocupação para a família e amigos. Na comunidade, apesar do conhecimento generalizado do processo, face ao constrangimento evidenciado pelo arguido, a questão não era abordada.

2.84.     No período posterior, o impacto imediato advindo da insolvência da sociedade verificou-se principalmente ao nível económico e das condições de vida do agregado, a partir daí modestas, uma vez que o arguido experimentou dificuldades para exercer regularmente a sua actividade profissional, ainda que registando deslocações a França para trabalhar na construção civil, a título precário e por curtos períodos de tempo.

2.85.     O arguido refere que a instabilidade económica então vivenciada era para si constrangedora, uma vez que se assumia como responsável principal na gestão e salvaguarda do quotidiano familiar.

2.86.     Contudo, ainda que o arguido tenha posteriormente melhorado a situação económica, mantendo por conta própria o trabalho na colocação de gessos e procurando rentabilizar os armazéns/estufas, a dinâmica conjugal a partir de então ter-se-á deteriorado progressivamente, com distanciamento afectivo e diminuição da comunicação entre o casal, responsabilidade que o arguido atribui à então companheira.

2.87.     À data dos factos, o casal encontrava-se separado. Todavia, o arguido assume que durante algum tempo manteve a expectativa de retomarem a vida em comum, mesmo quando aquela estabeleceu novo relacionamento afectivo com coabitação, e ele próprio já ter estabelecido a relação com a actual companheira, JJ

2.88.     Refere que progressivamente foi interiorizando o carácter definitivo do termo da relação marital com a vítima, e investindo no novo relacionamento afectivo com JJ com quem passou a residir a partir de Março de 2014 na morada daquela sita na Rua .... Integravam ainda o agregado dois filhos daquela com 24 e 15 anos de idade. A dinâmica conjugal era, segundo ambos, equilibrada, muito embora a companheira refira que tinha consciência da vinculação que o arguido ainda tinha à vítima ....

2.89.     A vinculação à vítima ... que o próprio assumia, a existência de filhos menores em comum, sendo que segundo o arguido era-lhe dificultado o convívio com a filha, e de património que durante vários anos geriram em conjunto, no caso os terrenos e estufas edificadas donde eram retirados proventos com as rendas, considerando o arguido que estava  a ser economicamente lesado, terão estado na origem do incremento da conflituosidade entre ambos, e entre o arguido e o pai da ex-companheira, nos meses anteriores aos factos, embora com este a interacção tenha sido sempre distante e pouco amistosa, facto este conhecido no meio socio residencial onde ocorreram os factos.

2.90.     Relativamente ao arguido, apesar dos factos pelos quais está acusado merecerem forte censura, o mesmo ainda mantém alguns amigos na freguesia, que não evidenciam qualquer hostilização quanto a um seu hipotético retorno à localidade, caracterizando-o como trabalhador e sempre disponível para ajudar os amigos.

2.91.     Os vizinhos mais próximos da residência das vítimas não manifestaram disponibilidade para abordar questões relativas ao relacionamento entre o arguido e aquelas.

2.92.     Na comunidade de residência da actual companheira, onde o arguido vivia à data dos factos há cerca de um ano, o mesmo não mantinha relações de vizinhança, sendo desconhecido o seu modo de vida.

2.93.     Os projectos de vida do arguido estão a longo prazo condicionados pela definição da sua actual situação jurídico-penal. Contudo, é sua intenção preservar o relacionamento conjugal com a actual companheira, a quem reconhece dedicação e afecto, consubstanciada no apoio material, emocional e afectivo que aquela lhe proporciona, bem como nas visitas regulares ao estabelecimento prisional e no facto daquela assumir o desejo  de retomarem a coabitação, independentemente da decisão que vier a ser proferida.

2.94.     A companheira, actualmente com 44 anos de idade, encontra-se desempregada, usufruindo de subsídio de desemprego, ocupando parte do dia a auxiliar a filha numa loja de vestuário que aquela explora.

2.95.     A família de origem do arguido, designadamente a sua irmã e cunhado que têm os seus filhos a cargo, assim como o seu irmão que se mantém emigrado em França, manifestam disponibilidade para lhe prestar o apoio necessário quer nesta fase, quer quando em liberdade, visitando-o os primeiros regularmente no estabelecimento prisional acompanhados da descendente do arguido.

2.96.     O arguido deu entrada no Estabelecimento Prisional do ... em 29.04.2015 à ordem dos presentes autos. O arguido tem adoptado uma conduta em conformidade com as regras vigentes na instituição e estabelece uma interacção cordata com os diversos interlocutores intervenientes no sistema prisional, embora protagonizando um quotidiano reservado, em que evita a convivência massiva característica do meio prisional, centrando-se nas visitas regulares dos seus familiares.

2.97.     No plano familiar, o suporte de elementos do seu agregado familiar de origem, assim como da actual companheira revela-se preservado, encarando com estupefacção o sucedido já que não lhe atribuem características agressivas.

2.98.     Os descendentes do arguido permanecem a cargo dos tios paternos, sendo acompanhados pela CPCJ. A menor frequenta consultas de psicologia, visita regularmente o pai, já o irmão apenas o fez uma vez e não manifesta vontade, por ora, em repeti-lo.

2.99.     O arguido mantém consultas regulares de psicologia e psiquiatria junto dos serviços clínicos do estabelecimento prisional, intervenção que decorre do impacto emocional associado à natureza do crime pelo qual está acusado, e ao sentimento de vergonha social e consciência que possui dos danos que esta situação acarreta para o conjunto da sua família, principalmente irreparáveis para os seus filhos.

2.100.   Relativamente à natureza dos factos pelos quais está acusado, verbaliza identificar a sua gravidade, censurabilidade e as respectivas consequências jurídico-penais. Contudo, recorre a racionalizações que considera poderem explicar condutas como as que integram a acusação, em contexto de ruptura familiar e económica, estas geradoras de instabilidade pessoal.

2.101.   O processo de desenvolvimento de AA decorreu em agregado caracterizado por dinâmica relacional empobrecida no plano afectivo.

2.102.   Ainda na infância, foi confrontado com a perda da figura materna, na sequência de crime de homicídio praticado pelo seu pai, com o qual não mantém contacto desde então.

2.103.   Junto dos seus avós matemos e outros elementos da família alargada, encontrou um suporte estruturado e vinculativo, que lhe permitiu prosseguir um processo de crescimento adaptado nas diversas instâncias de interacção com sejam a família, a escola, os grupos de pares ou o mundo do trabalho.

2.104.   Neste sentido, desde jovem protagonizou um percurso de vida investido no trabalho, de forma empenhada, prosseguindo objectivos de sucesso pessoal e empresarial e de capacidade económica.

2.105.   Contudo, a declaração judicial de insolvência da sociedade, com reflexos na sua auto-estima e condições económicas do seu agregado familiar constituído, traduziram-se em instabilidade pessoal, ampliada posteriormente com a progressiva deterioração da relação marital com a vítima BB, que culminou com separação e percepção do mesmo de que estaria a ser lesado do ponto de vista patrimonial.

2.106.   O seu discurso apresenta dissonâncias entre o reconhecimento em sentido abstracto da ilicitude e gravidade do crime em presença e a forma como considera que em determinadas circunstâncias, geradoras de instabilidade pessoal, factos análogos aos constantes da acusação podem ocorrer.

Da contestação

2.107.   O arguido, por diversas vezes, tentou alcançar acordo com as vítimas BB e EE de forma a dirimir a situação patrimonial do casal em conflito.

2.108.   A inexistência de tal acordo gerou no seio familiar um grande mau estar e sucessivas e crescentes discussões verbais, de parte a parte, relacionadas com a titularidade dos terrenos.

2.109.  O  arguido,  por  diversas  vezes,  frequentava  o  “Café  ...”,   cuja

exploração estava a cargo de DD.

2.110.   O arguido negou junto do Cabo ... a prática dos factos referidos em 2.12..

2.111.   Em virtude do descrito em 2.14., e após o arguido ter abandonado o Posto da GNR, o arguido procurou a vítima BB junto à escola que a filha menor de ambos frequenta, com vista a resolverem os problemas pacificamente e fazerem um acordo de forma a que a queixa-crime fosse retirada.

2.112.   A vítima BB não quis falar com o arguido e abandonou o local.

Mais se provou

2.113.   O disparo efectuado pelo arguido sobre a vítima BB que atingiu a zona anatómica referida no ponto 2.60., a. iv) foi a uma distância não concretamente apurada, mas nunca superior a dois metros.

2.114.   Os disparos efectuados pelo arguido sobre a vítima CC que atingiu a zona anatómica referida no ponto 2.60., b. i), ii) e iv) foram-no a uma distância não concretamente apurada, mas nunca superior a dois metros.

2.115.   Os disparos efectuados pelo arguido sobre a vítima EE que atingiu a zona anatómica referida no ponto 2.60., c. ii), iii), iv), v) e vi) foram-no a uma distância não concretamente apurada, mas nunca superior a dois metros.

2.116.   O arguido evidencia ausência de sensibilidade para os desejos, sentimentos, necessidades e sofrimento dos outros, sem experienciação de culpa/e ou remorso e falta de empatia pelas vítimas.

2.117.   O arguido evidencia ainda ser realista e racional, narcisista egocêntrico patológico, com necessidade de se colocar sempre em primeiro lugar.

2.118.   O arguido demonstra ausência de ressonância emocional compatível com as situações acima descritas, assim como ausência geral de preocupação pelas consequências negativas que as suas acções possam ter em terceiros.

2.119.   O arguido denota ausência de remorsos, com argumentos de que as vítimas é que são as verdadeiras culpadas.»


B. Matéria de direito

1. Em súmula, são as seguintes as questões colocadas na interposição do recurso apresentada pelo arguido:

a) quanto ao crime de ameaça agravada em que o arguido foi condenado numa pena de 1 ano de prisão, confirmada pelo Tribunal da Relação do Porto:

- nulidade da prova, por força do disposto nos arts. 126.º, n.º 2 e 179.º, ambos do CPP, por ser obrigatória a intervenção do juiz na recolha desta prova nos termos dos arts. 16.º, n.º 3 e 17, da Lei n.º 109/2009, de 15.09 e do art. 179.º, n.º 3, 2.ª parte, do CPP — transcrição de SMS guardadas no telemóvel da ofendida e transcritas sem consentimento do arguido ou da ofendida;

- violação do princípio da livre apreciação da prova, violação do princípio in dubio pro reo e erro notório na apreciação da prova, nos termos do art. 410.º, n.º 2, al. c), do CPP, dado que o arguido entende que as mensagens apresentadas não são de molde a determinar o receio ou medo que o tribunal considerou, e porque não se tendo pronunciado sobre as circunstâncias concretas da prática do crime, existiria também uma nulidade da decisão com base no disposto no art. 379.º, n.º 1, al. c), do CPP;

- a pena a aplicar deveria ter sido uma pena de multa, sendo excessiva a aplicada;

b) quanto ao crime de detenção de arma sob efeito do álcool

- entende que a pena aplicada viola o princípio da adequação e da proporcionalidade pois considera que o montante diário atribuído a cada dia de multa é excessivo — devia ter sido de apenas 5 euros —, tendo em conta a situação económica do arguido;

c) quanto aos crimes de homicídio:

- omissão de pronúncia e nulidade do acórdão nos termos do art. 379.º, n.º 1, al. c), do CPP, por nada se ter referido, na matéria de facto provada, quanto a saber se nos segundos disparos contra DD e CC estes ainda estavam ou não vivos;

- não houve intenção de matar nos primeiros tiros disparados contra DD e Maria de Fátima, nem verificada a qualificativa constante do art. 132.º, n.º 2, al. j), do CP;

- houve erro quanto à pessoa no caso do homicídio de DD;

- o homicídio de CC deve ser considerado como um homicídio negligente e punido, nos termos do art. 137.º, n.º 2, do CP, com uma pena não superior a 3 anos;

- penas excessivas no caso da condenação pelos crimes de homicídio nas pessoas de DD e CC;

- inexistência de uma análise individual no que respeita à determinação das penas concretas de cada um dos crimes de homicídio praticados;

c) quanto à pena única aplicada, considera-a excessiva, desproporcional e desajustada.

2. Nos termos do art. 432.º, n.º 1, al. b), do CPP, são recorríveis para o Supremo Tribunal de Justiça as decisões cuja recorribilidade não esteja vedada por força do disposto no art. 400.º, do CPP. Ora, segundo o disposto no art. 400.º´, n.º 1, al. f), do CPP, na redação em vigor e cujas últimas alterações foram introduzidas, neste dispositivo, pela Lei n.º 20/2013, de 21.02, “Não é admissível recurso: (...) f) De acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1.ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos”.

O que nos leva desde já a salientar que, contrariamente ao alegado pelo arguido na resposta apresentada, após a notificação ao abrigo do disposto no art. 417.º, n.º 2, do CPP, já não existe qualquer expressão, como a referida, “mesmo em caso de concurso de infracções”, nem sequer o critério é agora o da pena abstrata, mas sim o da pena concreta. Na verdade, o arguido parece estar a referir-se à redação do art. 400.º, n.º 1, al. f), do CPP (” De acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1.ª instância, em processo por crime a que seja aplicável pena de prisão não superior a oito anos, mesmo em caso de concurso de infracções”), introduzida pela Lei n.º 59/98, de 25.08, em vigor até 2007, altura em que foi alterada pela Lei n.º 48/2007, de 29.08. Todavia, não é esta a versão em vigor.

De acordo com a redação atual, e em vigor, do art. 400.º, n.º 1, al. f), do CPP, apenas são recorríveis as decisões que, confirmando acórdão de 1.ª instância, condenem o arguido em pena de prisão superior a 8 anos de prisão.

Pelo que, e como vem sendo jurisprudência desta instância, em caso de concurso de crimes, e havendo dupla conforme, o Supremo Tribunal de Justiça não pode conhecer de tudo o referente aos crimes parcelares punidos com pena de prisão inferior a 8 anos, apenas podendo conhecer do respeitante aos crimes que concretamente tenham sido punidos com pena de prisão superior a 8 anos, e do respeitante ao concurso de crimes (para além, de poder conhecer oficiosamente dos vícios previstos nos art. 410.º, n.º 2, do CPP, quando a partir do texto da decisão sejam evidentes).

Neste sentido se tem pronunciado este Tribunal, como por exemplo, e entre muitos outros, no acórdão de 24.03.2011, no processo n.º 322/08.2TARGR.L1.S1 (consultável aqui: http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/2efc55609a9f3132802578d5005357ca?OpenDocument) e no acórdão de 11.11.2010, no processo n.º 117/09.6JAGRD.C1.S1 (consultável o sumário aqui: http://www.stj.pt/ficheiros/jurisp-sumarios/criminal/criminal2010.pdf).

Aliás, em sentido idêntico se tem pronunciado o Tribunal Constitucional que, no acórdão n.º 186/2013, entendeu “não julgar inconstitucional a norma constante da alínea f), do n.º 1, do art. 400.º, do Código de Processo penal, na interpretação de que havendo uma pena única superior a 8 anos, não pode ser objeto de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça a matéria decisória referente aos crimes e penas parcelares inferiores a 8 anos de prisão” (e isto mesmo foi já entendido perante a redação do CPP dada pela Lei n.º 20/2013 — assim, no acórdão n.º 269/2014 — acessível aqui: http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20140269.html). Isto sem referir jurisprudência anterior do mesmo tribunal, como o acórdão n.º 649/2009, onde se concluiu que não ser inconstitucional o art. 400.º, n.º 1 al. f) do CPP interpretado no sentido de que “no caso de concurso de infrações tendo a Relação confirmado, em recurso, decisão de 1.ª instância que aplicou pena de prisão parcelar não superior a 8 anos, essa parte não é recorrível para o STJ” nos termos daquele dispositivo. Acrescentando:

 «Quer dizer: o direito ao recurso para o Supremo Tribunal de Justiça só poderia considerar-se violado se, por via da cisão, ao Supremo Tribunal de Justiça nada restasse, a final, para apreciar, no recurso perante este tribunal interposto e admitido.

Tal, porém, não sucede. É possível ao Supremo Tribunal de Justiça apreciar a matéria do cúmulo jurídico e as questões relativas à pena única aplicada, sem concomitante apreciação das questões relativas às penas parcelares, como o demonstra o regime do artigo 78º do Código Penal: decorre, na verdade, deste preceito que é possível aplicar uma pena única tendo já transitado em julgado a decisão respeitante à pena parcelar, o que, em virtude do caso julgado desta decisão, inviabiliza a reapreciação das questões relativas a esta pena parcelar aquando da ponderação daquele cúmulo.» (consultável aqui: http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20090649.html ).

Tendo em conta o exposto, fica prejudicada a análise de qualquer uma das questões invocadas e referentes ao crime de ameaça agravada, em que o arguido foi punido numa pena de prisão de 1 ano, e ao crime de uso e porte de arma sob efeito do álcool, em que foi punido numa pena de multa, cujas condenações foram integralmente confirmadas pela Relação. Na verdade, o acórdão do Tribunal da Relação do Porto é nesta parte irrecorrível. E porque assim é, ou seja, porque a decisão não admite recurso na parte respeitante aos crimes em que o arguido foi condenado em pena inferior a 8 anos de prisão, as nulidades invocadas teriam que ter sido alegadas perante o tribunal da Relação, nos termos do art. 120.º, n.º 1, do CPP, e no prazo estabelecido no art. 105.º, n.º 1, do CPP (neste sentido Oliveira Mendes, Comentário do Código de Processo Penal, Henriques Gaspar e outros, Coimbra: Almedina, 2.ª ed., 2016, art. 379/ nota 4, p. 1133).

Analisemos, agora, as questões colocadas relativamente à parte da decisão recorrível a relativa aos crimes de homicídio e ao concurso de crimes.

3.1. O arguido começa por alegar que não há elementos de prova necessários para que se saiba se os segundos disparos realizados contra CC e DD o foram quando estes ainda estavam vivos ou não. Ora, não só isto já constituiu fundamento da interposição de recurso dirigido ao Tribunal da Relação do Porto, pretendendo com estas alegações considerar que os segundos disparos consubstanciariam um crime de homicídio privilegiado e um crime de profanação de cadáver, respetivamente, como se trata de matéria de facto fora dos poderes de cognição deste tribunal, nos termos do art. 434.º, do CPP.  

Na verdade, o Tribunal da Relação analisou de forma exaustiva a impugnação da matéria de facto constante em 2.25, 2.29, 2.40, 2.42, 2.44, tendo concluído que não assistia razão ao recorrente. 

Consideramos, pois, que não só não cabe a este tribunal conhecer de matéria de facto, como nem sequer se verifica qualquer insuficiência de prova para a decisão a tomar, tendo em conta toda a fundamentação apresentada pelo tribunal a quo, nesta matéria, pelo que improcede, pois, neste ponto, o recurso interposto.

3.2. Veio ainda alegar que não havia qualquer intenção de matar DD dado que, ao disparar, o fez convencido de que estava a disparar contra EE, ou seja, teria confundido o ofendido DD com o outro ofendido EE. Porém, também aqui improcede esta alegação.

Não só se trata, novamente, de impugnação de matéria de facto provada (factos provados 2.65 e 2.68) para o que não tem este tribunal poderes de cognição (nos termos do art. 434.º, do CPP), como já expressamente foi argumentado no acórdão de 1.ª instância e transcrito no acórdão agora recorrido, tendo o tribunal a quo aderido à fundamentação, que o erro sobre a pessoa quando existe identidade do objeto, isto é, quando se confunde uma pessoa contra outra pessoa, é irrelevante, e portanto não exclui o dolo nos termos do art. 16.º, n.º 1, do CP , devendo o agente ser punido com dolo em relação à conduta praticada (assim Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, 2.ª ed., Coimbra: Coimbra Editora, 2007, 13/ § 30, p. 362).

3.3. Entende ainda o recorrente que o homicídio contra CC devia ser entendido como sendo um crime de homicídio negligente. Mas, também aqui, não tem qualquer razão o recorrente. Na verdade, foi dado como provado que “[t]encionou o arguido pôr termo à vida de BB, EE, CC e DD, o que logrou alcançar” (facto provado 2.65). Estando, pois, dado como provado o dolo do arguido, não se oferece qualquer possibilidade de poder qualificar os factos praticados como o tendo sido a título de negligência.

3.4. Refere ainda que relativamente ao homicídio na pessoa de CC não está preenchida a qualificativa do art. 132.º, n.º 2, al. j), do CP. Porém, mais uma vez não assiste razão ao recorrente.

Na verdade, começa por dizer que não poderá considerar-se preenchida a qualificativa, pois entende que o tribunal “não pode valorar a premeditação na intenção de matar por mais de 24 (vinte e quatro) horas no homicídio de DD e até mesmo de CC porque na verdade a premeditação existiu apenas na pessoa de EE e de BB” (conclusão 53). Mas verificamos que o determinante da censurabilidade do comportamento do agente deve-se à utilização das armas, dado que constitui facto provado o seguinte: “2.67.            O arguido tencionou cometer o facto descrito em 2.65. mediante a utilização de armas que sabia tratarem-se de objectos particularmente perigosos, 2.68.            sempre ciente que tais circunstâncias conferiam, à sua conduta, especial censurabilidade, o que, ainda assim, não o impediu de actuar.” Além disto, aquando da fundamentação o tribunal de 1.ª instância, secundado pelo Tribunal da Relação do Porto, afirmou-se que “sobre cada uma das vítimas  BB, EE, CC e DD o arguido agiu com uma especial censurabilidade e perversidade, pois que actuou com uma manifesta reflexão sobre os meios empregues (muniu-se de duas armas, devidamente carregadas e com respectivas munições que lhe possibilitariam fazer, como possibilitou, um número de disparos para além daquele que os respectivos tambor e carregador permitiam), tendo ainda actuado sem qualquer hesitação e rebate de consciência aquando do primeiro tiro disparado sobre a primeira das vítimas/ou sobre cada uma das vítimas, revelando-se persistente  e inabalável na sua intenção de matar cada um e todos os identificados EE, DD, BB e CC” (cf. p. 73 do acórdão recorrido).

Ora, constituindo um crime de homicídio qualificado um crime em que o agente atua com uma culpa agravada, demonstrando frieza de ânimo ou reflexão sobre os meios empregados e tendo em conta o modo como o arguido atuou  — desloca-se para o local do crime já munido de 2 armas (facto provado 2.10 e 2.14), bem como de uma garrafa de whisky (facto provado 2.15), espera por uma das vítimas (facto provado 2.18), dispara vários tiros contras as vítimas a uma curta distância (factos provados 2.21, 2.25, 2.30, 2.36, 2.37, 2.41, 2.43, 2.45), sendo que no caso dos ofendidos BB, CC e EE, nunca em distância superior a 2 metros (factos provados 2.113, 2.114, e 2.115),  e tendo-se provado que o “arguido evidencia ausência de sensibilidade para os desejos, sentimentos, necessidades e sofrimento dos outros, sem experienciação de culpa e/ou remorso e falta de empatia pelas vítimas” (facto provado 2.116), que o “arguido demostra ausência de ressonância emocional compatível com as situações acima descritas, assim como ausência geral de preocupação pelas consequências negativas que as suas acções possam ter em terceiros” (facto provado 2.118) e ainda “denota ausência de remorsos, com argumentos de que as vítimas é que são as verdadeiras culpadas” (facto provado 2.119) — que é demonstrativo da  frieza, determinação, persistência do arguido na realização e conclusão dos atos lesivos da vida dos ofendidos, consideramos que estão preenchidos os elementos necessários para que se possa afirmar preenchida a qualificativa prevista na al. j), do art. 132.º, n.º 2, do CP. Pelo que, também neste ponto improcede o recurso do arguido.

4.1. Alega o recorrente que, aquando da determinação das penas parcelares relativamente a cada crime de homicídio, não se procedeu à sua fixação relativamente a cada uma individualmente considerada, tendo em conta cada conduta homicida analisada individualmente, e aferindo em relação a cada comportamento o nível da culpa e as exigências de prevenção geral e especial, mas pelo contrário tudo foi analisado conjuntamente para depois atribuir concretamente uma pena.

Na verdade, aquando da determinação da medida da pena, o Tribunal da Relação do Porto fez sua a argumentação da 1.ª instância, tendo transcrito a decisão na parte seguinte:

«Dispõe o artigo 40º do Código Penal que a aplicação de uma pena visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.

Por outro lado, o artigo 71º, n.º 1, do mesmo diploma, estabelece que a determinação da medida da pena é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, sendo que a culpa constitui o limite máximo e inultrapassável da pena, a qual será determinada tendo em conta considerações extraídas da prevenção especial, dentro de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite mínimo é constituído pelo ponto comunitariamente suportável da medida de tutela dos bens jurídicos (Figueiredo Dias in “Direito Penal 2 - Parte Geral”; “Lições ao 5º ano da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, pág. 279 e segs.)

Continua a citada disposição legal que para a determinação da medida concerta da pena ter-se-á em conta ainda todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor ou contra ele (n.º 2), considerando nomeadamente o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, a intensidade do dolo, as condições pessoais do agente, a conduta anterior e posterior ao facto, etc.

Mas antes de prosseguirmos impõe-se questionar se se verificam quaisquer circunstâncias atenuantes especiais a ter em consideração.

Por força da disciplina prevista no artigo 73º, n.º 1 do CP, e para além dos casos expressamente previstos na lei, o tribunal atenua especialmente a pena sempre que existam circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime, ou contemporâneas dele que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto ou a culpa do agente ou a necessidade da pena. E no n.º 2 do citado preceito legal, enumera o legislador, exemplificativamente, várias circunstâncias que permitam aquela atenuação especial. E “exemplificativamente” significa que outras situações, que não as ali descritas, podem e devem ser tomadas em consideração, desde que possuam o efeito requerido de diminuir, por forma acentuada, a culpa do agente ou as exigências de prevenção, significando igualmente que tais circunstâncias não têm o efeito automático de atenuar especialmente a pena, mas só possuirão tal condão se e na medida em que desencadeiem o efeito apontado. Assim, a diminuição da culpa ou das exigências de prevenção só poderá, por seu lado, considerar-se acentuada quando a imagem global do facto, resultante da actuação da(s) circunstância(s) atenuante(s) se apresente com uma gravidade tão diminuída que possa razoavelmente supor-se que o legislador não pensou em hipóteses tais quando estatuiu os limites normais da moldura cabida ao tipo de facto respectivo. Em síntese: a atenuação especial só em casos extraordinários ou excepcionais pode ter lugar, pois que para a generalidade dos casos, para os casos “normais” lá estão as molduras penais normais, com os seus limites mínimos e máximos próprios. (neste sentido vide Prof. Figueiredo Dias, in “A consequências jurídicas do crime”, pág. 306 e ss.).

No mesmo sentido vem a jurisprudência do STJ decidindo: o mecanismo da atenuação especial da pena é uma excepção que só se justifica quando o facto se apresenta com a gravidade tão diminuída que o legislador, se a previsse, também diminuiria a moldura penal (cfr. Ac. STJ de 20.10.1998, Proc. n.º 97P1217, n.º convencional JSTJ00034447, sendo Relator Juiz Conselheiro Nunes da Cruz; Ac. STJ de 07.01.2010, Proc. n.º 14/08.2PBOLH.E1.S1, sendo Relator Juiz Conselheiro Manuel Braz; Ac. STJ de 10.12.2009, sendo relator Juiz Conselheiro Isabel Pais Martins, todos in www.dgsi.pt ).

Vejamos então.

Entendemos que as declarações do arguido prestadas em sede de audiência de discussão não traduzem uma integral confissão dos factos passível de ser considerada pelo tribunal para efeitos de ponderação da mesma na operação de determinação da medida concreta da pena da qual agora cuidamos, nem tão pouco o por si declarado, que teve lugar finda a produção de toda a prova, foi determinante para o apuramento dos factos, atentos todos os demais meios de prova coligidos nos autos e apresentados em sede de julgamento.

Por outro lado, somos de opinião que o arguido não demonstrou qualquer arrependimento pela prática dos factos objecto dos presentes autos. Com efeito, e como já repetidas vezes referimos, pese embora tenha o arguido verbalizado sentir-se arrependido, o certo é que tal não se mostra evidenciado em comportamentos concretos.

Na verdade, cumpre-nos salientar o que já acima ficou dito no item “Motivação da convicção do tribunal”:

- a linguagem utilizada pelo arguido quando, em audiência, se dirigiu às vítimas CC e DD, para justificar o “tiro de misericórdia” que desferiu sobre estas;

- a expressão que utilizou para justificar ter ido novamente à procura da vítima BB e o seu espanto por não a ter encontrado no interior no café onde foi por si inicialmente baleada;

- a ausência de qualquer embargo na voz ao longo das declarações que prestou, não evidenciando qualquer hesitação no relato que fez dos factos;

- a repetição da ideia de que foi a BB quem o confrontou e provocou todo o processo conducente aos factos;

- a insistência na ideia de que se sentia ameaçado pelo EE, porque este tinha uma caçadeira;

- por fim, e em resumo, o arguido insistiu sempre na ideia de ter sido o próprio a vítima da má vontade dos demais para a resolução dos conflitos que se faziam sentir,

fez neste colectivo de juízes a forte convicção de que o arguido não se mostra intrinsecamente arrependido, não sendo ainda capaz de ter um juízo crítico sobre as suas condutas, justificando-se e desculpabilizando-se sempre, demonstrando total indiferença pelo resultado que alcançou com a sua conduta: quatro mortes, um dela da mãe dos seus filhos e outra de um jovem na flor da idade com quem o arguido não tinha, até então, manifestado quaisquer confrontos/conflitos, ao invés.

Por tudo isto, não há que proceder a qualquer atenuação especial da pena ao abrigo do citado artigo 73º, n.º 1 do CPP, pois que enfraquecida não se mostra a culpa do arguido, nem se encontram diminuídas as exigências de prevenção especial e geral, não merecendo assim o arguido um tratamento diferenciado da generalidade e normalidade dos casos, em vista dos quais foi estabelecida uma moldura penal “normal”.

Também na operação da determinação concreta da pena, dentro da moldura penal abstracta supra referida, não há que valorar tal parcial confissão, pois que outros e numerosos meios de prova foram determinantes para o apuramento dos factos, e não aquelas declarações prestadas pelo arguido.

O grau de ilicitude, isto é, o sentido de desvalor jurídico-penal revelado pelo comportamento do arguido, é acentuado pois este foi num crescendo de conduta ilícita, violadora de bens jurídicos alheios, começando por ameaçar a vítima BB, culminando numa “matança” que incluiu não apenas aquela, como os pais e filho daquela.

O modo de execução dos factos ilícitos revelou uma actuação bastante censurável, uma vez que o arguido numa só noite não se coibiu de enviar vários sms à vítima BB, com o teor acima descrito, e no dia 28.04.2015 surpreendeu as quatro vítimas a uma hora prematura, três delas no remanso do seu lar (por onde entrou inopinadamente).

Quanto às armas apreendidas na residência do arguido estas estavam em condições de funcionamento e devidamente acompanhadas das respectivas munições, isto é, aptas para ser usadas pelo arguido (ou por outra pessoa que às mesmas acedesse), a qualquer momento e em qualquer circunstância.

O grau de violação dos deveres impostos ao agente é elevado, pois que sendo titular de licença de uso e porte de arma, o que exigiu uma prévia frequência de formação para o efeito e consequente aprovação no exame final, não se coibiu de violar uma das regras de segurança básicas aquando do manuseamento de armas de fogo –ingeriu voluntariamente bebidas alcoólicas, apresentando uma TAS superior ao mínimo legal permitido – 1,2 g/l.

Por outro lado, tendo tido o arguido relações de proximidade com as vítimas EE, CC e DD, em virtude da relação de união de facto que manteve por mais de 10 anos com a vítima BB, respectivamente filha e mãe daqueles, impunha-se-lhe outro comportamento no que se reporta ao dia 28.04.2015, bem como no que tange ao dia 04.04.2015 por referência à vítima BB. Sempre lhe seria exigido um outro comportamento, caso pretendesse esclarecer/resolver as questões de natureza patrimonial pendentes.

Quanto à gravidade das consequências das suas condutas, é elevadíssima:

- provocaram na BB (ou sempre seriam aptas a provocar nesta) sentimentos de insegurança e limitação da sua liberdade no período temporal que antecedeu a sua morte;

- provocaram a orfandade maternal dos dois filhos comuns que o arguido teve com a vítima BB, ambos menores de idade;

- provocaram a morte de mais três pessoas, sendo uma delas, o Renato, um jovem na flor da idade, o qual, segundo todos os testemunhos colhidos, era considerado e bem tratado pelo arguido.

Temos ainda que quanto à intenção criminosa do arguido, no cometimento de cada um e de todos os crimes pelos quais vai condenado, este agiu com dolo directo, sendo a intensidade do dolo elevada, uma vez que o arguido quis os resultados como fim das suas condutas. (...)

- ponderando o elevado número de vítimas mortais que o arguido causou, as concretas circunstâncias em que os quatro crimes de homicídio foram cometidos, mostram-se elevadas tanto as exigências de prevenção especial (prevenir o cometimento, pelo arguido, de novos crimes ou de crimes da mesma natureza do dos autos) como as de prevenção geral (repor a confiança da comunidade na consagração do bem “vida” com um bem protegido pela lei penal).

Ponderando então que a culpa do arguido é elevadíssima, que as necessidades de prevenção especial se mostram, também elas elevadas – atento o concreto circunstancialismo que antecedeu e rodeou os factos objecto dos presentes autos -, sendo igualmente acentuadíssimas as exigências de prevenção geral - tendo em conta o número elevado de crimes da mesma natureza que os dos autos que são cometidos na nossa sociedade num contexto de desentendimentos “familiares”, considera-se adequado aplicar ao arguido as seguintes penas: (...)

- pena de 15 (quinze) anos de prisão para o cometimento do crime de homicídio qualificado cometido na pessoa de CC;

- pena de 16 (dezasseis) anos de prisão para o cometimento do crime de homicídio qualificado cometido na pessoa de DD;

- pena de 17 (dezassete) anos de prisão para o cometimento do crime de homicídio qualificado cometido na pessoa de EE;

- pena de 19 (dezanove) anos de prisão para o cometimento do crime de homicídio qualificado cometido na pessoa de BB.»

Após esta transcrição, o tribunal a quo apresentou a seguinte argumentação para fundamentar a manutenção das penas aplicadas:

«Ora, da leitura atenta da motivação do Tribunal na fixação das penas concretas ao arguido, pelo cometimento de 4 crimes de homicídio, não se nos afigura assistir qualquer razão recorrente quanto aos vícios que alega existirem.

Na verdade o Tribunal ponderou a culpa do recorrente, tendo-o feio com recurso ao disposto no artigo 712 do C. penal, encontrando para cada um dos homicídios uma pena concreta individualizada, sendo diferentes as penas aplicadas em função das diferentes vítimas.

Não se tratou, como afirmou o recorrente, de uma apreciação desmotivada e sem qualquer cuidado de individualização, tratando o caso "a granel" — tipo mata 4—", antes pelo contrário, procurou encontrar na conduta do arguido razões que lhe permitiram individualizar as penas.

Ora, a insistência do arguido quanto às suas intenções nos homicídios da CC e do DD, insistência esta que cobre todo o recurso que aprecia, como já vimos não tem qualquer justificação jurídica diferenciadora, tendo resultado da conduta do arguido a efectiva morte dos mesmos, morte essa em tudo semelhante à que vieram as outras vítimas a conhecer.

Não é possível alicerçar qualquer tese de erro sobre a identidade da vítima que tenha como consequência a alteração do juízo de censurabilidade e de culpa do agente.

A gravidade da conduta do recorrente e as pesadas medidas punitivas abstractamente aplicáveis, e a limitação da privação da liberdade a 25 anos, distorce forçosamente a apreciação milimétrica da culpa, sendo o grau de exigência sobre a apreciação diferente, como bem se compreenderá.

Temos assim, e com o devido respeito pela posição do recorrente, que as penas concretas fixadas para cada um dos crimes de homicídio cometidos pelo mesmo, estão ajustadas à sua culpa, às necessidades de prevenção especial e geral e as necessidades de reinserção social do arguido, ainda que, e como bem salientou, não sejam por ora uma preocupação fundamental, pois a pena única resultante do cúmulo jurídico, muito dificilmente sairia dos 25 anos de prisão.

Também não se nos afigura qualquer nulidade resultante de omissão na fundamentação, sendo clara, inequívoca e suficiente a mesma.

Assim, e porque nenhuma censura se nos oferece fazer às penas parcelares e à pena única encontrada, haverá o recurso de improceder nesta parte.»

Na verdade, verifica-se que nem o tribunal de 1.ª instância, nem o Tribunal da Relação apresentam uma fundamentação individual para cada uma das penas aplicadas aos quatros homicídios praticados. O que nos impede não só de apreciar os fundamentos que presidiram à determinação das penas concretas atribuídas parcelarmente a cada crime de homicídio, nomeadamente, quanto aos crimes de homicídio nas pessoas de DD e CC, como igualmente nos impede de analisar a fundamentação (que não existe) quanto à determinação da pena única conjunta.

Consideramos que, tendo em conta o disposto no art. 71.º, do CP, e o disposto no art. 374.º, n.º 2, do CPP, se deveria ter apresentado uma fundamentação individual para cada uma das operações de determinação da pena concreta a aplicar a cada um dos crimes de homicídio, para que depois se fizesse, então sim, uma análise global dos factos praticados pelo agente e da personalidade, nos termos do art. 77.º, do CP, para a determinação da pena única conjunta.

Não se tendo procedido desta forma, consideramos, apenas nesta parte, o acórdão recorrido nulo, por força do disposto no art. 379.º, n.º 1, al. c), do CPP, pelo que deve ser suprida esta nulidade pelo Tribunal da Relação do Porto, isto é, deve ser suprida a nulidade do acórdão apenas na parte relativa à determinação das penas parcelares relativamente a cada um dos 4 (quatro) crimes de homicídio, e relativamente à pena única conjunta a aplicar ao concurso de crimes.

4.2. Deve ainda salientar-se que, nos termos do art. 86.º, n.º 3, da Lei n.º 5/2006, de 23.02, “as penas aplicáveis a crimes cometidos com arma são agravadas de um terço nos seus limites mínimo e máximo, excepto se o porte ou uso de arma for elemento do respectivo tipo de crime ou a lei já previr agravação mais elevada para o crime, em função do uso ou porte de arma”.

Comecemos por salientar que a qualificação jurídica dos factos é de conhecimento oficioso.

No sentido da admissibilidade do conhecimento oficioso no respeitante à qualificação jurídica já se pronunciou este tribunal em acórdão de fixação de jurisprudência n.º 4/95, de 7 de junho (DR, I série-A, de 06.07.1995, p. 4298). 

Questionando-se sobre se “o Supremo Tribunal de Justiça poderá ou não alterar oficiosamente a qualificação jurídico-penal dos factos recolhidos na instância recorrida e sobre os quais esta erigiu a decisão que, uma vez proferida, subiu em recurso à instância superior” (acórdão cit., p. 4298-9), entendeu que o que “está em debate é a admissibilidade ou não da qualificação jurídica dos factos feita na instância em caso de recurso, quando a mesma qualificação não esteja em debate, ou seja, não constitua objecto de impugnação” (acórdão cit., p. 4299), e concluiu, e fixou jurisprudência, no sentido de que

“O tribunal superior pode, em recurso, alterar oficiosamente a qualificação jurídico-penal efetuada pelo tribunal recorrido, mesmo que para crime mais grave, sem prejuízo, porém, da proibição da reformatio in pejus”.

 Assim sendo, segundo a Lei n.º 5/2006, de 23.02, nos termos do art. 86.º é punida a prática de crime com utilização de arma; nos termos do n.º 3 (“As penas aplicáveis a crimes cometidos com arma são agravadas de um terço nos seus limites mínimo e máximo, excepto se o porte ou uso de arma for elemento do respectivo tipo de crime ou a lei já previr agravação mais elevada para o crime, em função do uso ou porte de arma.”), as penas dos crimes praticados (com armas) são agravadas de um terço nos seus limites mínimos e máximos das respetivas molduras penais, “excepto se o porte ou uso de arma for elemento do respectivo tipo de crime ou a lei já previr agravação mais elevada para o crime, em função do uso ou porte de arma”.

E, nos termos no art. 86.º, n.º 4, da Lei n.º 5/2006, entende-se que “Para os efeitos previstos no número anterior, considera-se que o crime é cometido com arma quando qualquer comparticipante traga, no momento do crime, arma aparente ou oculta prevista nas alíneas a) a d) do n.º 1, mesmo que se encontre autorizado ou dentro das condições legais ou prescrições da autoridade competente.” (itálico nosso) Ou seja, a partir do n.º 4 do art. 86.º verificamos que a agravação prevista no número anterior (n.º 3) ocorrerá sempre que não haja agravação para o crime em função do uso e porte de arma, e a agravação aqui prevista (na Lei n.º 5/2006) ocorrerá, quer se trate de uso e porte de arma proibida ou quer se trate de arma não proibida.

Assim sendo, e tendo em conta que o arguido cometeu o crime utilizando arma, ainda que tivesse licença de uso e porte de arma, cabe determinara a pena tendo em conta estes dispositivos, pis estamos perante um crime de homicídio qualificado agravado pela sua prática com arma de fogo.

Ora, dado que a determinação de cada pena concreta relativa a cada um dos crimes de homicídio não foi analisada individualmente, e porque da fundamentação do acórdão não se percebe sequer de que moldura penal abstrata partiu o julgador para a determinação de cada uma das penas, deverá ter-se este ponto em consideração, sem, todavia, violar o princípio da proibição da reformatio in pejus, nos termos do art. 409.º, do CPP.


III

Conclusão


Nos termos expostos, acordam em conferência na secção criminal do Supremo Tribunal de Justiça em conceder provimento parcial ao recurso interposto por AA, e em decidir:

a) rejeitar o recurso, por irrecorribilidade, quanto aos crimes de ameaça agravada [arts. 153.º, n.º 1 e 155.º, n.º 1, al. a), ambos do Código Penal (CP)], na pessoa de BB, e de uso e porte de arma sob efeito de álcool (art. 88.º, n.º 1, da lei n.º 5/2006, de 23.02), confirmando nessa parte o acórdão recorrido;

b) confirmar o acórdão recorrido na parte que conclui que o arguido cometeu um crime de homicídio qualificado [arts. 131.º, 132.º, n.ºs 1 e 2, als. h), e j), todos do CP], na pessoa de CC, um crime de homicídio qualificado [arts. 131.º, 132.º, n.ºs 1 e 2, als. h), e j), todos do CP], na pessoa de DD, um crime de homicídio qualificado [arts. 131.º, 132.º, n.ºs 1 e 2, als. e), h), e j), todos do CP], na pessoa de EE e um crime de homicídio qualificado [arts. 131.º, 132.º, n.ºs 1 e 2, als. b), e), h), e j), todos do CP], na pessoa de BB;

c) notificar o arguido, nos termos dos n.ºs 1 e 3, do art.º 358.º, do CPP, da alteração da qualificação jurídica dos crimes de homicídio qualificado referidos anteriormente pelo art.º 86.º, n.º 3, da Lei n.º 5/2006, de 23.02;

d) declarar parcialmente nulo o acórdão recorrido, nos termos do art. 379.º, n.º 1, al. c), do CPP, apenas quanto à determinação, não individualizada, de cada uma das penas parcelares relativamente a cada um dos 4 (quatro) crimes de homicídio qualificado, e relativamente à pena única conjunta a aplicar ao concurso de crimes, sem prejuízo de se observar a proibição da “reformatio in pejus” (art.º 409.º do CPP);

e) manter no mais o acórdão recorrido.

Por o recurso ter obtido provimento não são devidas custas, de harmonia com o disposto no art. 513.º, n.º 1, do CPP.

Supremo Tribunal de Justiça, 6 de abril de 2017


Os juízes conselheiros,

(Helena Moniz)

(Nuno Gomes da Silva)