Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
327/08.3TBENT.E1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: ÁLVARO RODRIGUES
Descritores: PROCESSO DE PROMOÇÃO E PROTECÇÃO
JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA
RECURSO PARA O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 10/21/2010
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação: CJASTJ, ANO XVIII, TOMO III/2010, P. 142
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário :
I- Por expressa disposição legal, os processos de promoção e protecção são processos de jurisdição voluntária ( artº 100º da Lei nº 147/99, de 1 de Setembro).
II- Sendo assim, há que ter presente que, como dispõe o citado nº 2 do artº 1411º do CPC, nos processos de jurisdição voluntária, «das resoluções proferidas segundo critérios de conveniência ou oportunidade não é admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça».
III- Todavia, esta disposição legal deve ser interpretada com as devidas cautelas, pois, frequentemente os recursos interpostos não se cingem aos juízos de oportunidade ou de conveniência adoptados pelas Instâncias na decisão proferida, mas questionam também a aplicabilidade dos pressupostos normativos ou requisitos em que se fundamenta a mesma decisão, designadamente aspectos de conformidade constitucional ou supranacional de tais normativos, o que já é sindicável por este Tribunal.
Assim, judiciosamente se decidiu no Acórdão deste Supremo Tribunal de 20-01-2010 ( Relator, o Exmº Conselheiro Lopes do Rego).
IV- Relativamente à concreta conveniência do decretamento da medida de confiança a instituição com vista a futura adopção, este Supremo Tribunal não pode pronunciar-se, exactamente nos termos do disposto no artº 1411º, nº 2 do CPC, como se referiu em II deste sumário.
Decisão Texto Integral:

RELATÓRIO

O Digno Magistrado do Ministério Público, na comarca do Entroncamento, intentou o presente processo de Promoção e Protecção dos menores AA e BB, tendo requerido a aplicação, a título provisório, da medida de acolhimento em Instituição, uma vez que os menores se encontravam numa situação de perigo e que os respectivos progenitores nada fizeram para os remover.
Foram juntos aos autos relatórios das visitas domiciliárias efectuadas pelos Técnicos da Comissão de Protecção de Menores do Entroncamento e relatório do Centro Hospitalar Médio Tejo onde o menor BB se encontrava internado.
Por despacho judicial datado de 28/04/2008, foi decretada, a título provisório, a medida de acolhimento em Instituição, tendo os menores sido institucionalizados no dia 30/04/2008.
Foram elaborados e juntos aos autos relatórios sociais e foram ouvidos os progenitores e as demais testemunhas indicadas.
Foram realizadas perícias psicológicas ao progenitor do menor AA e à sua companheira.
Em sede de revisão da medida, por decisão de 03/12/2008, foi mantida a execução da medida aplicada por mais seis meses – cf. fls. 274 e 275.
Foi determinado o prosseguimento dos autos para debate judicial.
O Ministério Público veio produzir as alegações de fls. 372 e seguintes no sentido de requerer a colocação dos menores em Instituição com vista a futura adopção.
A progenitora CC não apresentou alegações nem veio arrolar testemunhas.
O progenitor DD veio alegar dizendo apenas que não concorda que o AA continue na Instituição uma vez que tem condições para o ter a residir consigo.
O progenitor EE veio alegar dizendo que dispõe de condições para ter consigo o menor e juntou documentos.

Efectuado o julgamento, foi proferido acórdão, em que se decidiu:
– Aplicar aos menores AA e BB a medida de promoção e protecção de confiança a instituição com vista a futura adopção, consignando-se que seria desejável o seu encaminhamento para uma adopção conjunta.

– Esta medida durará até ser decretada a adopção, não estando sujeita a revisão, nos termos do art.º 62.º-A da LPCJP.

– Nomear-se como curador provisório dos menores, até ser decretada a adopção, a Senhora Directora da Instituição em que se encontram acolhidos – art.º 167.º OTM ex vi do art.º 62.º-A LPCJP.

– Declarar-se a mãe dos menores CC e os pais de ambos os menores DD e EE inibidos do exercício do poder paternal – art.º 1978.º-A do Código Civil.

– Deverá ser respeitado o segredo da identidade relativo aos pais biológicos, de acordo com os artºs 1985.º do Código Civil e 173.º-B da OTM.

– Deverá ser solicitado à Segurança Social informação sobre os procedimentos em curso com vista à adopção, com uma periodicidade semestral, até ser instaurado o processo de adopção – art.º 62.º-A, n.º 3 da LPCJP.

Inconformados, interpuseram os progenitores do menor AA, CC e DD relativamente a este menor, e a dita CC, também mãe do menor BB, no que concerne a este filho, recursos de Apelação da decisão da 1ª Instância, para o Tribunal da Relação de Évora que, por sua vez, decidiu:

a)Anular parcialmente o julgamento, na parte que respeita ao menor AA, devendo o Tribunal “a quo” ordenar a produção dos meios de prova adequados a obter a informação supra referida;

b)Manter a medida provisória de acolhimento do menor AA em Instituição;

c)Determinar que o Tribunal “a quo” diligencie pela transferência do menor AA para Instituição da cidade de Lisboa, ou seus arredores, que permita visitas ao fim de semana, por forma a que seja facilitado o regime de visitas do pai ao menor;

d)Não apreciar, no mais, o recurso do pai do menor AA, por prejudicado;

e)Não apreciar, por prejudicado, o recurso da mãe dos menores no que respeita ao menor AA;

f)No mais pela improcedência do recurso da mãe dos menores, confirmando-se, no que respeita ao menor BB, a decisão sob recurso.

Novamente inconformada, CC veio interpor recurso de Revista para este Supremo Tribunal de Justiça, relativo à decisão respeitante ao menor BB que determinou a sua confiança a Instituição com vista a futura adopção, rematando as suas alegações com as seguintes:

CONCLUSÕES

A – A sentença reconhecida é nula, por não se ter pronunciado em favor do efeito suspensivo do recurso, imposto pela prudência nos casos de entrega virtual das crianças para adopção.

B- Esta nulidade vinda do despacho de relator [não foi notificado qualquer despacho à recorrente sobre a manutenção ou alteração do efeito de recurso], influi no desenvolvimento posterior da lide e, por isso, inquina o acórdão.

C- É todavia menos importante, porém sempre será possível encontrar o caminho da cessação dos danos psicológicos e educativos que o cumprimento imediato das decisões recorridas, até aqui tem já causado, segundo o que é o saber constituído acerca deste assunto.

D- A nulidade do acórdão radica gravemente, sim, em não se ter pronunciado expressivamente sobre os motivos ponderosos, para os afastar ou criticar, invocados pela recorrente e pelo pai do BB, no sentido de a criança ser entregue ou a ele ou à família paterna.

E- De qualquer modo, não havendo, na motivação do acórdão um verdadeiro discurso radicado sobre este aspecto de discussão da causa, também é certo que foi valorada negativamente a circunstância de a avó paterna de BB ter passado criminal que não por violências sobre pessoas.

F- Para além do mais, este subtema era proibido no acórdão: a informação não foi requisitada pelo Juiz da causa com fundamento em estrita necessidade de julgamento que pudesse libertar da confidencialidade o dado do cumprimento da pena.

G- É que não há necessidade nenhuma sequer para o bom julgamento da causa em encarar esse passado criminal da avó do BB, desde logo porque os efeitos civis da condenação não inibem do exercício do poder paternal ou equiparado, nem lhe conferem nota de infâmia.

H- O mero senso comum diz-nos não haver criminosos lombrosianos e só se justificar em casos limitadíssimos, e sempre durante algum tempo fixado na sentença, alguns efeitos civis das condenações penais.

I - Nem sequer é esse o caso, nem podia ser.

J- Por fim, em ordem ao suprimento da nulidade por carência de pronúncia do acórdão sobre o tema que verdadeiramente importa à causa, que é o de investigar e decidir sobre se algum segmento da família natural do menor pode acolher, guardar e educar, porque a matéria de facto acaba por não ser adversa ao pedido do pai e da família paterna, que reclamam BB, deve o S.T.J. proferir acórdão de deferimento, nesta perspectiva: a recorrente dá-lhe acolhimento e defenda-a por mor dos direitos de sangue.

K- A jurisprudência dominante tem sido no sentido de que o processo de promoção e protecção deve subordinar-se ao princípio da prevalência da família segundo o qual na promoção de direitos e protecção da criança e do jovem deve ser dada prevalência às medidas que o integram na sua família, sendo a adopção um meio adoptado sempre depois de esgotada a possibilidade de integração na família biológica e, muitas vezes, só mesmo depois de integração na família alargada - vide artº. 4°. f) g) e í da LPCJP, em consonância com a Convenção Europeia dos Direitos e Liberdades Fundamentais e na Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança de 20/11/1989.

L- Em face do exposto, uma aplicação da lei tal como foi feita na 1a. e 2a. Instâncias dos artigos 3/2, 4 a) a h), 34, 35-g, 114-1 LPC JEP e do artº. 1798-A CC, representa atribuir um conteúdo normativo ao sistema pontuado nestes incisos legais contraditório com o sistema constitucional dos artºs 12-1, 18, 36-5 e 6, 67-1 e 2, 68-1 e 2, 69-1 e 2 CRP.

Não foram apresentadas contra-alegações para o presente recurso.

O Exmº Procurador-Geral Adjunto, neste Supremo Tribunal, a quem os autos foram com vista, emitiu lúcido e douto Parecer no sentido da inadmissibilidade do presente recurso de Revista, em face do disposto no artº 1411º, nº 2 do CPC, pronunciando-se pela anulação do Acórdão de fls. 730/1, na parte em que não conheceu das arguidas nulidades, devendo as mesmas, se questões prévias a tanto não obstarem, ser apreciadas, nos termos da 1ª parte do nº 4 do artº 668º do CPC.

Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

FUNDAMENTOS

Das instâncias, vem dada, como provada, a seguinte factualidade:

1.º Os menores AA e BB, nasceram, respectivamente, a 6/12/2004 e 19/03/2008, sendo filhos de CC e de, respectivamente, DD e EE.
2.º À data da abertura do presente processo, verificada em 24/04/2008, os menores viviam com a mãe na Rua Prof. ............, nº .., ......Esq., no Entroncamento.
3.º A casa onde viviam era composta por cozinha, casa de banho, sala e dois quartos.
4.º Na mesma casa viviam também a irmã da mãe dos menores, FF o companheiro desta e três filhos de ambos de 4 anos, 2 anos e 3 meses de idade;
5.º Essa casa encontrava-se sempre com as janelas e estores fechados, não permitindo a renovação do ar, encontrava-se sempre desarrumada, havia roupa empilhada por todo o lado, e com notória falta de higiene.
6.º Nem a mãe dos menores, nem a sua irmã, nem o companheiro desta exerciam qualquer actividade formativa ou profissional.
7.º A mãe dos menores não tinha qualquer rendimento, sobrevivendo com a ajuda de familiares, designadamente dos familiares do companheiro da irmã.
8.º A mãe dos menores não confeccionava comida adequada à idade do filho AA, continuando a alimentá-lo essencialmente de papas.
9.º A mãe do menor não cumpria minimamente com os horários das refeições, sendo frequentes as situações em que os menores passavam os períodos da manhã sem serem alimentados, porque a mesma ainda se encontrava a dormir.
10.º Em virtude dessa falta de cuidados o BB foi internado no Hospital de Torres Novas em 15/04/2008 com o diagnóstico de má progressão ponderal e infecção urinária.
11.º Durante o período do seu internamento, que se manteve até ao dia 30/04/2008, a mãe apenas o visitou nos dias 17/04/2008, 19/04/2008 e 21/04/2008, sendo que nos dois primeiros dias esteve na sua companhia 20 e 35 minutos, respectivamente, e no último dia apenas compareceu após convocatória do Serviço Social do Hospital.
12.º A mãe dos menores e os demais adultos residentes na casa eram referenciados como consumidores de substâncias estupefacientes;
13.º Havia também notícia de que outros indivíduos associados a tais práticas frequentavam e pernoitavam na casa, suspeitando-se que consumiam estupefacientes dentro da casa e quando os menores aí se encontravam.
14.º A mãe dos menores não demonstrou até à presente data ter qualquer projecto para a sua vida, não tendo concluído a escolaridade obrigatória, nem nunca tendo trabalhado.
15.º Aquando do nascimento do primeiro filho, a progenitora foi, com a sua concordância, colocada numa instituição para mães solteiras, tendo porém abandonado tal instituição.
16.º Com base nestes factos e com fundamento na circunstância de o pai do menor AA nada ter feito até então para eliminar os perigos a que o mesmo estava exposto, por não ter assumido qualquer papel na guarda, sustento e educação do filho e de, do mesmo modo, por o pai do menor BB nada ter feito até então para eliminar os perigos a que o mesmo estava exposto, e por não terem assumido qualquer papel na guarda, sustento e educação dos respectivos filhos, em 28/04/2008 foi proferida decisão que aplicou, a título provisório, pelo período de 6 meses, em favor dos menores a medida de acolhimento em instituição – cf. fls. 31 a 38.
17.º Em sede de revisão da medida, por decisão de 3/12/2008, foi mantida a execução da medida aplicada por mais seis meses – cf. fls. 274 e 275.
18.º Os menores encontram-se acolhidos no C.......r da Praia do Ribatejo desde 30/04/2008.
Quanto à mãe dos menores, CC
19.º A progenitora CC tem 19 anos de idade.
20.º A progenitora admitiu consumos de haxixe e heroína prévios e coincidentes com o período de tempo em que os filhos viveram consigo, alguns realizados na casa onde todos residiam, inclusivamente quando estava grávida.
21.º Após o acolhimento dos filhos compareceu a consulta na unidade de tratamento de Abrantes e já realizou análises e exames médicos tendo em vista posterior internamento nas Taipas para desintoxicação, não existindo, no entanto, garantias da sua parte de que o mesmo se irá concretizar.
22.º Nunca lhe foi conhecido modo de vida, designadamente hábitos de trabalho e actualmente também não exerce qualquer actividade formativa ou profissional conhecidas.
23.º Iniciou em Julho de 2008 a frequência de um curso de jardinagem, espaços verdes e equivalência ao 6º ano, mas apenas frequentou a primeira semana de aulas, abandonando sem justificação a formação.
24.º Sobrevive actualmente da ajuda económica da mãe, no valor de 50 € por semana.
25.º Após a institucionalização dos menores, a progenitora foi residir sozinha para uma casa arrendada pela mãe, composta por cozinha, casa de banho e dois quartos, um deles afecto a arrecadação, sendo a renda da casa e todas as despesas de água e luz suportadas pela sua mãe.
26.º Neste momento, é desconhecida a residência da progenitora, sabendo-se que residirá algures na cidade de Lisboa.
27.º A progenitora não cumpriu o acordado com os técnicos de serviço social que a acompanham, faltou às entrevistas designadas, não diligenciou por requerer a prestação de rendimento social de inserção, assim como, não diligenciou pela frequência de novos cursos de formação.
28.º Demonstra presentemente ter um vínculo afectivo muito ténue com os filhos.
29.º Desde o início do acolhimento institucional dos filhos, verificado a 30/04/2008, até 28/01/2009 a mãe efectuou 28 visitas aos mesmos (3 visitas durante o mês de Maio; 2 visitas durante o mês de Junho; 4 durante o mês de Julho; 2 visitas durante o mês de Agosto; 4 visitas durante o mês de Setembro; 6 visitas durante o mês de Outubro; 4 visitas durante o mês de Novembro; 2 visitas durante o mês de Dezembro; 1 visita durante o mês de Janeiro de 2009) e contactou-os telefonicamente 5 vezes (2 em Maio, 2 em Junho e 1 em Julho).
30.º Durante o mesmo período de tempo, a mãe dos menores marcou 18 visitas, às quais não chegou a comparecer (3 durante o mês de Maio; 1 durante o mês de Julho; 3 durante o mês de Outubro; 7 durante o mês de Novembro; 1 durante o mês de Dezembro e 3 durante o mês de Janeiro).
31.º Desde o mês de Fevereiro de 2009, inclusive, até ao dia 07/05/2009, data da primeira sessão do debate judicial, a mãe efectuou 6 visitas aos menores (3 visitas durante o mês de Fevereiro, tendo duas delas ocorrido na companhia dos tios maternos dos menores; 1 visita durante o mês de Março; 1 visita durante o mês de Abril), tendo efectuado um único contacto telefónico para marcar uma visita para o dia da primeira sessão do debate judicial.
32.º Nas visitas que fez aos filhos manifestou dificuldade em gerir a sua atenção relativamente aos mesmos, dando mais atenção ao BB, assim como, revelou pouca desenvoltura na prestação dos cuidados básicos a este menor, como dar o biberão, mudar a fralda e trocar de roupa.
33.º Em todas as visitas a progenitora fez perguntas acerca do comportamento do AA no C.....e Jardim-de-infância, e acerca do bem-estar geral de ambas as crianças.
34.º Nas visitas a mãe mostrava-se carinhosa e afectuosa com os dois filhos.
35.º O AA fica contente com a visita da mãe e quando esta falta este fica triste.
36.º Na altura da despedida o AA costuma ficar calmo e apesar de dizer à mãe que gostava de ir para casa com ela, não chora nem faz birra.
Quanto ao pai do menor AA, DD
37.º Por acordo homologado por sentença de 1.03.2007, proferida no processo 110/07.3TMLSB do 1º Juízo de Família e Menores de Lisboa, o menor AA ficou a residir com cada um dos pais em semanas alternadas.
38.º Sucede, porém, que o menor AA passou a residir com a mãe.
39.º O pai, ciente da situação em que o mesmo se encontrava na companhia da mãe, ou seja, dos perigos a que estava exposto, concretamente conhecedor do modo de vida da mãe, da falta de hábitos de trabalho e da sua ligação aos estupefacientes, e bem assim, que o mesmo se passava com as pessoas em cuja casa e companhia ela e o menor viviam, nada fez no ano que precedeu o seu acolhimento institucional para remover tais perigos ou afastar o filho dessa situação, não contribuiu regularmente para o seu sustento, nem o visitou com regularidade.
40.º O seu agregado familiar é composto por ele, a companheira, um filho menor desta e um filho menor do casal.
41.º Vivem em casa arrendada que possui uma sala, dois quartos, sala de estar, cozinha e casa de banho, pela qual pagam presentemente a renda mensal de € 67.
42.º A casa encontra-se limpa e organizada e possui o mobiliário e equipamento básico necessário.
43.º Trabalha na “Securitas, SA”, auferindo mensalmente 612,45 € e a companheira na firma “AC Santos”, auferindo mensalmente 266,25 €, a que acrescem 200€/mês provenientes de trabalhos de limpeza que realiza fora do horário de trabalho.
44.º Tem um dos quartos preparado para acolher o filho, incluiu-o no seu processo de utente e inscreveu-o para o ano lectivo 2008/09 no equipamento de infância da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa.
45.º O pai e a companheira aparentam ter recursos e disponibilidade para acolher o AA tendo por diversas vezes verbalizado essa vontade.
46.º Até aos três meses de idade do AA o pai esteve com ele quase todas as semanas e pagava € 150 por mês a título de pensão de alimentos, tendo deixado então de pagar alegando que a mãe gastava o dinheiro em proveito próprio e passou a entregar-lhe géneros alimentícios e fraldas para o menor, o que também deixou de fazer.
47.º Em Setembro de 2006, a CC pediu ao pai do AA para este ir morar para casa daquele por não ter onde viver nem como o sustentar, tendo o menor integrado o agregado familiar do pai desde aquela data até ao mês de Março de 2007.
48.º Quando o menor integrou o agregado familiar do pai não trazia quaisquer rotinas, quer no que respeita à alimentação, quer no que respeita ao sono.
49.º Durante esse período o pai e a companheira chegaram a desferir algumas palmadas no rabo do AA, com o objectivo de o fazer cumprir as regras e rotinas da casa.
50.º Porém, desde o início do acolhimento institucional do filho (30/04/2008) até 28/01/2009 DD visitou o filho AA apenas 4 vezes (2 visitas durante o mês de Maio; 1 visita durante o mês de Junho; 1 durante o mês de Outubro) e contactou-o telefonicamente 64 vezes (12 em Maio, 9 em Junho, 8 em Julho, 7 em Agosto, 7 em Setembro, 12 em Outubro, 4 em Novembro, 3 em Dezembro e 2 em Janeiro de 2009).
51.º Desde o mês de Fevereiro de 2009, inclusive, até ao dia 07/05/2009, data da primeira sessão do debate judicial, o pai DD não efectuou qualquer visita ao menor, tendo efectuado 7 telefonemas ao filho (1 durante o mês de Fevereiro; 4 durante o mês de Março e 2 durante o mês de Abril).
52.º O pai justificou perante as Técnicas da Segurança Social e perante a Directora da instituição que não visitou o filho mais vezes por razões de ordem económica e em razão do seu horário de trabalho, uma vez que trabalha por turnos.
53.º O progenitor do menor AA dispunha de apoio social que lhe assegurava as viagens entre Lisboa, onde reside, e o Entroncamento, de forma gratuita, para efectivar as visitas ao filho.
54.º Nas duas primeiras visitas realizadas pelo pai do AA, este não reagiu bem à sua presença, nem à da sua companheira, rejeitando o contacto físico e mostrando medo e tristeza, quer relativamente à figura do pai, quer à da companheira deste.
55.º Nas duas visitas posteriores a postura do AA já foi diferente e ele acabou por estar nas visitas na companhia do pai e da companheira, com quem jogou à bola e pintou desenhos.
56.º Nessas visitas foi visível a falta de laços afectivos entre o AA, o seu pai e a companheira deste, revelando o menor pouco à vontade para estar sozinho com eles.
57.º Na perícia psicológica efectuada a GG, companheira de DD, e cujo relatório se dá por integralmente reproduzido, transcreve-se o seguinte:
Quanto às competências parentais, apesar de se ter apurado capacidade na prestação de cuidados e protecção e ao nível da responsividade, que se prende com a expressão afectiva e envolvimento emocional, apurou-se igualmente a existência de algumas atitudes de maior rigidez, controlo e ameaça negativa, que estão associadas a um padrão mais autoritário, a par de algumas práticas parentais inadequadas e punitivas, que embora envolvam violência física considerada aceitável na nossa sociedade, comprometem de alguma forma as competências parentais.”.
58.º Mais se acrescenta no mesmo relatório que “Em relação à forma como interagem enquanto família, parece-nos que GG assume um papel de liderança não só em relação às questões conjugais, mas também em relação às parentais. Assim, embora pudesse haver por parte do progenitor de AA algum interesse em acolhê-lo, a iniciativa para a concretização dessa decisão é sem dúvida de GG, pelo que sem o seu consentimento o progenitor nunca teria provavelmente diligenciado nesse sentido.
59.º Na perícia psicológica efectuada DD, pai do menor AA, cujo relatório se dá por integralmente reproduzido, transcreve-se, entre o mais, o seguinte:
Quanto às características de personalidade, destaca-se a passividade, o perfeccionismo, rigidez, ambivalência, desconfiança, tensão e susceptibilidade às exigências e críticas, Revela igualmente características ansiosas e depressivas que tendem a ser somatizadas ou expressas sob a forma de apatia, tensão ou desespero. Apurámos também a existência de uma certa ambivalência entre o desejo de afirmação autónoma e um certo conformismo e submissão, que nos remete para um conflito independência/dependência. A expressão afectiva e emocional tende a ser contida.”.
60.º Mais se conclui no relatório relativo ao pai DD que “Em relação às competências parentais, apesar de sobressaírem as práticas parentais positivas e não se ter apurado a existência de atitudes ou crenças disfuncionais em relação à punição física, demonstra passividade e ausência de sacrifício pessoal. Por outro lado, embora exerça algum controlo e repressão sobre os filhos, não se afigura como invasor do seu espaço.
61.º Os factos descritos em 50.º e 51.º são sublinhados no relatório de perícia psicológica a que o progenitor do AA e a sua companheira foram sujeitos, aí se concluindo que “ (…) apesar de nas entrevistas o menor ter sido referenciado de forma afectiva e carinhosa por ambos (pai e GG), esta expressão parece não ter eco no plano relacional, na medida em que quer os contactos telefónicos (…), quer as visitas efectuadas ao menor (…) para além de serem manifestamente reduzidos, atendendo à elevada disponibilidade evidenciada nas entrevistas, revelam ainda ausência de continuidade como seria esperado e desejável não só para assegurar as necessidades de segurança emocional do menor (a previsibilidade é um elemento essencial para as crianças), mas também para o estabelecimento e consolidação de uma relação afectiva entre o menor e o pai e companheira, tendo em conta que pretendem a sua guarda. Neste sentido, coloca-se a questão da motivação para a guarda do menor. Estarão o progenitor e a companheira realmente motivados para acolherem o menor quando em cerca de 8 meses realizaram apenas 4 visitas e efectuaram uma média de 8 chamadas telefónicas por mês? Também não nos podemos esquecer de que no passado o progenitor evidenciou uma postura de grande passividade perante a situação de negligência de que o filho era vítima, nunca se tendo verdadeiramente esforçado para contrariar essa situação e proteger o menor. Neste sentido, parece-nos que apesar do casal verbalizar a sua pretensão em obter a guarda do menor, não existe uma verdadeira motivação para a assegurar.” – cf. fls. 321 e 322, 339 e 340.
Quanto ao pai do menor BB
62.º Vive em casa arrendada, composta por uma sala, um quarto, uma cozinha e uma casa de banho.
63.º A casa evidencia desorganização e pouca higiene.
64.º É a sua mãe quem lhe limpa a casa, lava a roupa e confecciona parte da alimentação.
65.º Exerce a profissão de pescador em conjunto com o pai, declara um rendimento mensal de 575 € e não faz descontos para a segurança social.
66.º Não tem projectos concretos e definidos que permitam a sustentabilidade de uma família, revela imaturidade e pouca autonomia na gestão da sua vida, estando ainda muito dependente dos seus progenitores.
67.º Desde o início do acolhimento institucional do filho até ao dia 07/05/2009 visitou-o apenas 7 vezes (1 visita durante o mês de Junho; 1 visita durante o mês de Agosto; 1 visita durante o mês de Novembro; 2 visitas durante o mês de Dezembro; 1 visita durante o mês de Fevereiro e 1 visita durante o mês de Março).
68.º O pai do menor BB conta com o apoio dos pais para acompanhar o desenvolvimento e educação do menor BB, sendo que em caso de integração do menor BB no agregado do pai, os seus cuidados básicos serão assegurados pela avó materna.
Quanto aos avós paternos do menor BB, HH e II
69.º A avó à data da abertura do processo apenas havia visto o neto um única vez e o avô viu-o pela primeira vez no dia em que prestou declarações nos autos, em 25/06/2008.
70.º Integram o seu agregado familiar além deles dois, JJ, KK e BB , filho de ambos.
71.º A avó é acompanhada pelos serviços sociais da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa desde 26.08.2002.
72.º Esteve presa por tráfico de droga, tendo saído em liberdade no ano de 2002.
73.º Os filhos JJ e KK também já estiveram presos pela prática do mesmo ilícito.
74.º Já no decurso do presente processo os avós reconciliaram-se e voltaram a coabitar.
75.º Vivem em casa arrendada, composta por sala, três quartos, cozinha e casa de banho, com condições de habitabilidade, higiene e salubridade.
76.º A avó efectua serviços de limpeza em casas particulares e aufere em média 125 € mensais, o avô é pescador por conta própria e aufere em média 575 € mensais, o tio JJ trabalha como electricista e aufere 637,25 € mensais, o tio KK é toxicodependente e o tio BB trabalha, desconhecendo os avós maternos em quê e onde.
77.º O avô trabalha ainda como vigilante para a entidade patronal V..... – Segurança privada, S.A., auferindo mensalmente a quantia de cerca de € 650.
78.º Nenhum dos elementos do agregado teve qualquer relacionamento com o menor ou contribuiu para o seu sustento.
79.º Trata-se de uma família com um percurso de vida marcado por rupturas, desorganização e ligação a comportamentos ilícitos e que evidencia dificuldades na adesão e cumprimento dos planos de intervenção definidos com os técnicos do serviço social que os acompanham.
80.º Demonstram pouca capacidade para avaliar a sua situação e condições de vida e para lidar com as exigências que podem advir da integração do menor no seu agregado.
81.º Desde o início do acolhimento institucional do neto até ao dia 07/05/2009, data da primeira sessão do debate judicial a avó apenas o visitou uma única vez e o avô 5 vezes (ambos os avós 1 visita durante o mês de Junho; o avô 1 visita durante o mês de Novembro; o avô 1 visita durante o mês de Dezembro; o avô 1 visita durante o mês de Fevereiro, na companhia do pai do menor e 1 visita durante o mês de Março, na companhia do pai do menor).
Quanto à bisavó paterna do menor BB,LL
82.º Tem 86 anos de idade.
83.º Vive em casa térrea com duas assoalhadas de pequenas dimensões, composta por sala, quarto e cozinha, sendo a casa de banho no exterior.
84.º É viúva e sobrevive de uma pensão no valor de 236,47 €.
85.º Só no decurso do presente processo teve conhecimento da existência deste bisneto.
86.º Apresenta algumas limitações nas suas capacidades motoras associadas à sua idade avançada.
87.º A própria afirma não ter capacidade para apoiar na guarda e sustento do bisneto.
88.º Não reúne condições nem capacidades para assegurar a satisfação das necessidades do bisneto.
Quanto à bisavó materna, MM e tios-avós maternos dos menores,LL e NN
89.º A bisavó é reformada e aufere 782 €/mês de reforma.
90.º Vive em casa arrendada, composta por cinco assoalhadas.
91.º O agregado familiar da tia LL é constituído por ela, o marido e três filhos menores.
92.º A tia encontra-se desempregada, auferindo subsídio de desemprego no valor de 271 €/mês e o marido é empreiteiro de construção civil por conta própria, auferindo rendimento não inferior ao salário mínimo nacional.
93.º O agregado familiar do tio NN é composto por ele, a mulher e um filho menor.
94.º O tio é controlador de tráfego na “Carris”, auferindo 1000 €/mês e a mulher dele é caixeira nas “OGFE”, auferindo 600 €/mês.
95.º Os tios manifestaram-se indisponíveis para acolher os menores em suas casas, disponibilizando-se, no entanto, a prestar apoio económico em situações pontuais.
96.º Desde o início do acolhimento institucional dos bisnetos até 07/05/2009, data da primeira sessão do debate judicial a bisavó materna apenas os visitou 8 vezes (4 visitas durante o mês de Julho; 1 durante o mês de Agosto; 1 visita durante o mês de Outubro; 1 visita durante o mês de Novembro e 1 visita durante o mês de Abril).
97.º A tia-avó materna visitou-os 4 vezes (2 visitas durante o mês de Julho; 1 durante o mês de Agosto; 1 visita durante o mês de Outubro) e contactou-os duas vezes pelo telefone (um telefonema em Agosto e outro em Setembro).
98.º Ademais, nada fez para remover o perigo a que os bisnetos estavam expostos anteriormente ao seu acolhimento institucional, pois, não os acolheu, não auxiliou a mãe dos mesmos, sua neta, nos cuidados a prestar-lhes, nem ajudou por qualquer forma no seu sustento.
99.º O menor AA é uma criança saudável e meiga.
100.º O menor AA sabe que o menor BB é seu irmão e pergunta por ele diversas vezes.
101.º O menor AA nunca verbalizou vontade de ir residir com o pai.
102.º De acordo com as regras instituídas na Instituição C.......ar, situado na P........o, onde os menores se encontram institucionalizados, não são permitidas visitas, nem dos progenitores, aos fins-de-semana.
Como se disse anteriormente, o Exmº Magistrado do Ministério Público neste Supremo Tribunal, estribando-se no disposto no artº 1411º, nº 2 do CPC, pronunciou-se no sentido de que da decisão do Tribunal da Relação, nos termos em que foi proferida, não é admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.
Antes do mais, importa ter em consideração que, por expressa disposição legal, os processos de promoção e protecção são processos de jurisdição voluntária ( artº 100º da Lei nº 147/99, de 1 de Setembro).
Sendo assim, há que ter presente que, como dispõe o citado nº 2 do artº 1411º do CPC, nos processos de jurisdição voluntária, «das resoluções proferidas segundo critérios de conveniência ou oportunidade não é admissível recurso para o Supremo Tribunal de Revista».
Todavia, esta disposição legal deve ser interpretada com as devidas cautelas, pois, frequentemente os recursos interpostos não se cingem aos juízos de oportunidade ou de conveniência adoptados pelas Instâncias na decisão proferida, mas questionam também a aplicabilidade dos pressupostos normativos ou requisitos em que se fundamenta a mesma decisão.
Assim, judiciosamente se decidiu no Acórdão deste Supremo Tribunal de 20-01-2010 ( Relator, o Exmº Conselheiro Lopes do Rego), assim sumariado na parte que ora interessa:
«A intervenção do STJ nos processos configuráveis como de jurisdição voluntária cinge-se à apreciação dos critérios normativos de estrita legalidade subjacentes à decisão, de modo a verificar se se encontram preenchidos os pressupostos ou requisitos legalmente exigidos para o decretamento de certa medida ou providência, em aspectos que se não esgotem na formulação de um juízo prudencial ou casuístico, iluminado por considerações de conveniência ou oportunidade a propósito do caso concreto».
O mesmo aresto, ao longo do seu texto desenvolve esta posição, transcrevendo-se, para melhor elucidação, a breve passagem que se segue:
«O Supremo Tribunal de Justiça, enquanto tribunal especialmente encarregado de controlar a aplicação da lei, substantiva (cfr. n.° 2 do artigo 722° do Código de Processo Civil, na redacção aplicável) ou adjectiva (cfr. artigo 755° do mesmo diploma), não pode, nos recursos interpostos em processos de jurisdição voluntária, apreciar medidas tomadas segundo critérios de conveniência e oportunidade, ao abrigo do disposto no artigo 1410° do Código de Processo Civil. Com efeito, a escolha das soluções mais convenientes está intimamente ligada à apreciação da situação de facto em que os interessados se encontram; não tendo o Supremo Tribunal de Justiça o poder de controlar a decisão sobre tal situação (cfr. artigos 729° e 722° do Código de Processo Civil, na redacção aplicável), a lei restringiu a admissibilidade de recurso até à Relação.
A verdade, todavia, é que esta limitação não implica a total exclusão da intervenção do Supremo Tribunal de Justiça nestes recursos; apenas a confina à apreciação das decisões recorridas enquanto aplicam a lei estrita. É, nomeadamente, o que se verifica, quer quanto à verificação dos pressupostos, processuais ou substantivos, do poder de escolher a medida a adoptar, quer quanto ao respeito do fim com que esse poder foi atribuído».
Mais adiante, ponderou-se no mesmo aresto:
«Tratando-se de pressupostos legais imperativamente fixados para que o juiz possa ponderar da conveniência e da oportunidade de decretar a medida que lhe foi requerida, cabe no âmbito dos poderes do Supremo Tribunal de Justiça e, portanto, deste recurso, a apreciação da respectiva verificação; é, pois, admissível o recurso mas com o âmbito assim delineado» (Pº 701/06.0TBETR.P1.S1, disponível in www.dgsi.pt).
Situação análoga à verificada nos autos em que foi proferida tal decisão, se verifica no presente processo.

Com efeito, a Recorrente, para além de se insurgir contra a decisão da 2ª Instância que confirmou a aplicação, ao menor BB, da decisão da 1ª Instância que aplicou a medida de confiança a instituição com vista a futura adopção, levanta a questão da aplicação do disposto no artº 1978º-A ( por manifesto lapso escreveu 1798º-A) do Código Civil, e dos vários outros preceitos da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo ( Lei 147/99, de 1 de Setembro) «tal como foi feita pelas Instâncias» que indica na conclusão L das suas alegações no presente recurso, ou seja da verificação e de interpretação de tais normativos legais.
Igualmente, considera que a aplicação destes normativos, da forma como foi efectuada, « representa atribuir um conteúdo normativo ao sistema pontuado nestes incisos legais contraditório com o sistema constitucional dos artºs 12-1, 18, 36-5 e 6, 67-1e 2, 68-1e2, 69-1e2 da CRP», como consta da mesma conclusão.
Para além desses aspectos, a Recorrente argui nulidade do Acórdão recorrido, como se colhe das conclusões A, B, D e J, além da supra referida.
Relativamente à concreta conveniência do decretamento da medida de confiança a instituição com vista a futura adopção, este Supremo Tribunal não pode pronunciar-se, exactamente nos termos do disposto no artº 1411º, nº 2 do CPC, como é consabido.

Quanto ao aspecto normativo da aplicabilidade dos dispositivos legais referidos, o Supremo Tribunal de Justiça pode e deve apreciar a questão condensada na falada conclusão L (interpretação inadequada da legislação indicada e dos preceitos constitucionais).
Antes, porém, por razões de ordem metodológica, cumpre apreciar se se verifica a invocada nulidade no Acórdão ora em recurso.
Todavia, em primeiro lugar, cumpre dizer que ao Supremo Tribunal não cabe emitir pronúncia sobre nulidades ou irregularidades das decisões da 1ª Instância, nem de eventuais nulidades cometidas pelos Relatores no Tribunal da Relação, como parece pretender a Recorrente na conclusão A das suas alegações onde se refere a « a sentença reconhecida».
Cremos, todavia, ter-se tratado de mero lapso de escrita, pretendendo, antes, referir-se ao Acórdão recorrido e não à expressão utilizada naquela conclusão.
As nulidades das sentenças ou acórdãos são as que decorrem do próprio texto de tais decisões e estão taxativamente enumeradas no artº 668º do CPC.
Entre estes contam-se o de omissão de pronúncia sobre questões que devesse apreciar, como ressalta da alínea d) do referido inciso legal.
Ora como é de primeira evidência, não tinha o douto Acórdão que se pronunciar sobre o efeito atribuído ao recurso, pois sobre este recaiu o despacho do Exmº Relator – fls. 666 do 4º volume – que confirmou o fixado pela Exmª Juiz da 1ª instância no seu douto despacho de fls. 656 (efeito meramente devolutivo).
Não há dúvida de que vinha pedida a fixação de efeito suspensivo ao recurso interposto e sobre este pedido foi proferido o aludido despacho da 1ª Instância.
Desta forma, cabendo ao Exmº Relator do Tribunal da Relação conhecer de tal efeito, o mesmo limitou-se a confirmá-lo nos termos anteriormente decididos no tribunal «a quo».
A Recorrente não reclamou de tal decisão para a Conferência.
Daí que, quando a Recorrente pediu a «aclaração» do Acórdão, ora recorrido, no mesmo requerimento arguindo nulidade por omissão de pronúncia, aquele Tribunal superior tenha decidido que « as nulidades por omissão de um acto que a Lei prescreve ( despacho do Relator sobre o efeito de recurso) devem ser arguidas perante o próprio Relator e não perante o colectivos dos Juízes que proferiu o Acórdão em apreço, pelo que a questão não pode ser apreciada por este colectivo ( artºs 201º e 206º, ambos do CPC)».
Quanto a este ponto, nada mais temos a acrescentar.
Foram arguidas também no referido requerimento, nulidades do Acórdão «porquanto a Relação não se pronunciou sobre as conclusões C a J das alegações do recurso interposto pelo recorrente, em relação ao menor BB, nomeadamente».
A Relação, no acórdão de fls. 730, entendeu que «no que respeita a tais nulidades, dado que o mesmo admite recurso de Revista só podem ser arguidas no recurso a interpor dessa decisão, não podendo ser arguidas perante este Tribunal da Relação ( nº4 do artº 668º do CPC, ex-vi do artº 716º do CPC)».
Na verdade, ao STJ apenas cumpre, em sede de recurso de revista, decidir das eventuais nulidades do Acórdão da Relação e não das cometidas pelo Exmº Relator naquele Tribunal de 2ª Instância, como é por demais sabido.
Quanto àquelas que são invocadas, sempre diremos que não tem razão a Recorrente.
Com efeito, as conclusões C a J da alegação da recorrente na Apelação, como se colhe da referida peça – fls.629 e 630 do 3º volume deste processo – não constituem questões, mas argumentos a tentar rebater os fundamentos da decisão recorrida.

Ora como é sabido, os recursos destinam-se a apreciar e a decidir das questões levantadas e não a tentar demonstrar que os argumentos esgrimidos são improcedentes.
Deste modo, só constituem nulidades da sentença/acórdão, nos termos da alínea d) do artº 668º nº1 do CPC, as omissões de pronúncia sobre questões que o Tribunal devesse apreciar ou, no caso de excesso de pronúncia, o conhecimento de questões de que não podia tomar conhecimento.
Como se decidiu, entre tantas outras decisões idênticas, no Acórdão deste Supremo Tribunal de 19.12.2002: «o julgador não tem que apreciar todas as razões jurídicas produzidas pelas partes, se bem que não se encontre dispensado de resolver todas as questões por elas suscitadas» (Revista 1722/102-6ª Sumários,11/2002).
Note-se que, mesmo tratando-se de questões, no sentido técnico do termo – o que não ocorreu no caso vertente – só haverá nulidade por omissão de pronúncia, se o tribunal deixar de se pronunciar sobre questões que não tenham ficado prejudicadas pela solução dada a outras, como decorre do disposto no nº 2 in limine do artº 660º do CPC.
Sendo assim, de nenhuma nulidade padece o doutro acórdão recorrido, ao não ter apreciado as conclusões C a J da alegação da Recorrente, pelo que improcedem linearmente as faladas conclusões A, B, D e J.

Dito isto, é tempo de conhecer das apontadas violações da lei constitucional e ordinária, cuja matéria alegatória se mostra condensada nas conclusões K e L das alegações da Recorrente, dizendo que «uma aplicação da lei tal como foi feita na 1a. e 2a. Instâncias dos artigos 3/2, 4 a) a h), 34, 35-g, 114-1 LPC JEP e do artº. 1798-A CC, representa atribuir um conteúdo normativo ao sistema pontuado nestes incisos legais contraditório com o sistema constitucional dos artºs 12-1, 18, 36-5 e 6, 67-1 e 2, 68-1 e 2, 69-1 e 2 CRP».

Não tem razão, ressalvado o devido respeito!

Pelo contrário, como se colhe da leitura atenta do Acórdão recorrido, tanto o Tribunal da 1ª Instância, como o Tribunal da Relação, fizeram ambos uma aplicação criteriosa dos normativos indicados, tendo em pauta os adequados parâmetros constitucionais e da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança, assinada em 1989.
Com efeito, dispõe o artº 36ª, nº 6 da Constituição da República Portuguesa:
«Os filhos não podem ser separados dos pais, salvo quando estes não cumpram os seus deveres fundamentais e sempre mediante decisão judicial» (sublinhado nosso).

Por sua vez, o artº 69º da nossa Lei Fundamental estatui nos seus nºs 1 e 2:

«1- As crianças têm direito à protecção da sociedade e do Estado, com vista ao seu desenvolvimento integral, especialmente contra todas as formas de abandono, de descriminação e de opressão e contra o exercício abusivo da autoridade na família e nas demais instituições.
2- O Estado assegura especial protecção às crianças órfãs, abandonadas ou por qualquer forma privadas de um ambiente familiar normal.».

Finalmente, o artº 3º da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança, de 20/11/1989 dispõe taxativamente:
artigo 3.°
1 — Todas as decisões relativas a crianças, adoptadas por instituições públicas ou privadas de protecção social, por tribunais, autoridades admi­nistrativas ou órgãos legislativos, terão primacialmente em conta o interesse superior da criança.

Ora, é justamente em conformidade com estes textos constitucionais e supranacional, e em plena consonância com os valores e princípios deles emanados, que a Relação proferiu a seguinte decisão que, pelo seu indiscutível relevo para a decisão da presente questão, impõe-se hic et nunc transcrever:

«Pese embora a Recorrente demonstre afecto para com os seus filhos, nomeadamente quando os visita na Instituição de acolhimento, demonstrou, desde o nascimento dos mesmos, um completo desapego às mínimas regras exigíveis para os ter a seu cargo, desde a falta de cuidados de higiene, passando pela desregrada alimentação dos menores e terminando na falta de atenção aos cuidados médicos que os menores necessitam.
Acresce a sua perniciosa ligação ao consumo de estupefacientes.
Em suma, um descalabro!
Quanto aos familiares da mãe do menor, não se vislumbra, como bem referiu o Tribunal “a quo”, qualquer possibilidade do menor BB lhes ser entregue, tal o distanciamento que os mesmos mostraram ao longo do tempo para com o menor.
Quanto ao pai do menor BB, que aliás nem interpôs recurso da sentença em apreço, apesar de ter apresentado alegações nos termos do art.º 114º da LPCJP, é manifesta a sua incapacidade para tomar a responsabilidade de ter o menor a seu cargo, o que é revelado pelos factos descritos sob os art.º 62º a 66º.
Acresce que a sua família, no mínimo complexa, dada a relação de alguns dos seus elementos com o mundo da droga, nas diversas vertentes (a avó paterna e os tios paternos do menor estiveram presos por tráfico de estupefacientes), não demonstrou ao longo do tempo qualquer relação próxima com o menor BB, nem contribuiu para o seu sustento.
Concluindo, nem os pais do menor BB, nem a sua família mais próxima, mostram ter capacidade para levar a bom porto esse grande desafio que é fazê-lo crescer segundo os padrões normais da nossa sociedade.
Acrescentaremos apenas, a propósito das alegações da Recorrente, que se é verdade que, desde que seja possível, os menores devem crescer com os seus pais, ou com a sua família biológica, por ser essa a lei natural da nossa sociedade, o parâmetro chave para aferir da possibilidade de concretização desse princípio é o do superior interesse do menor em crescer de forma harmoniosa e feliz.
É o menor que tem o direito de reclamar da sua família que o faça crescer dessa forma.
Não sendo possível, deve o Estado encontrar a melhor solução para que se respeitem esses direitos do menor.
Estando perante um caso em que os pais do menor BB e a sua família natural não têm capacidade para assegurar o seu correcto desenvolvimento, deve o Estado tomar adequadas medidas, sendo a adequada à situação do menor BB a decretada pelo Tribunal “a quo”».

É de sublinhar que também a 1ª Instância não descuidou estes aspectos de harmonia jurídico-constitucional da decisão tomada – agora confirmada pela Relação no que tange ao menor BB – com os parâmetros da Lei Fundamental em vigor, ao escrever, com base na factualidade provada e depois de descrever a situação de cada um dos progenitores e dos parentes mais próximos, que:
«Conclui-se, pois, não estarem reunidas as condições necessárias para o menor BB integrar o agregado do pai, uma vez que este não demonstrou ter adquirido as competências parentais necessárias para dele cuidar, nem nos permite aventar a possibilidade de que com a ajuda e o apoio dos profissionais competentes, venha a adquirir em tempo útil tais competências parentais e sentido de responsabilidade.
No que respeita aos familiares maternos e paternos que, em algum momento, foram indicados e ouvidos ao longo deste processo, não dispõem de condições, quer em razão da idade, quer em razão das suas condições de vida, para acolherem os menores e proporcionar-lhes segurança, bem-estar e um crescimento saudável, razão pela qual, sem necessidade de mais considerações, se afasta, também, desde já, tal possibilidade.
Por tais razões, concluímos que também em relação ao menor BB, a adopção é o único caminho que responde aos interesses deste menor. Até porque o tempo de criança, que corre muito depressa, não pode ser mais protelado, na espera vã, da melhoria das condições indispensáveis de vida dos pais. Se tomássemos outra opção, no sentido de protelar esta decisão, ficaria, a nosso ver, irremediavelmente comprometida a integração das crianças numa família, nomeadamente através da adopção, pois, entretanto, passaria o tempo considerado útil para a sua melhor concretização».

Resta dizer que em relação à aplicação do artº 1978º-A do Código Civil não consideramos que tal preceito esteja eivado de inconstitucionalidade, pois o mesmo visa acautelar exactamente o superior interesse da criança (the best interest of the child, expressão consagrada nos textos internacionais e supranacionais), e decidindo os Tribunais confiar a criança a uma instituição com vista à adopção, há que adoptar medidas cautelares no sentido de proteger a criança de eventuais vicissitudes que a continuação do exercício do pátrio poder ( actualmente designado como «responsabilidade parental», justamente para erradicar a velha e anquilosada concepção da autorictas parental, decorrente da « patria potestas» dos recuados tempos, configurando-o com um poder-funcional ou poder-dever), pode acarretar para o cumprimento da medida.
Estão portanto verificados os pressupostos legais para o decretamento da medida a que se refere o artº 35º, nº 1, alínea a) da LPCJEP (introduzida pela Lei 31/2003 de 22 de Agosto) e bem assim das demais normas legais indicadas pela Recorrente que, pelas mesmas razões, também não se vislumbram como inconstitucionais.

Cremos serem despiciendas mais palavras para se aquilatar da total claudicação das conclusões K e L da alegação da Recorrente, o que conduz à negação da Revista.

Quanto à conveniência de a factualidade apurada e definitivamente fixada pelas Instâncias impor a decisão concreta adoptada, dela não se conhece pelas razões supracitadas, em face do disposto no artºs 100º da Lei nº 147/99, de 1 de Setembro ( Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo) e nº 2 do artº 1411º do CPC.

DECISÃO

Face a tudo quanto exposto fica, acordam os Juízes deste Supremo Tribunal de Justiça em negar a revista.

Sem custas ( artº 4º/1, alínea i) do Regulamento das Custas Processuais).

Processado e revisto pelo Relator.


Lisboa e Supremo Tribunal de Justiça, 21 de Outubro de 2010


Álvaro Rodrigues (Relator)
Teixeira Ribeiro
Bettencourt de Faria