Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
426/15.5JAPRT
Nº Convencional: 3ª SECÇÃO
Relator: MANUEL AUGUSTO DE MATOS
Descritores: TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES
CORREIO DE DROGA
MEDIDA CONCRETA DA PENA
CULPA
ILICITUDE
PREVENÇÃO GERAL
PREVENÇÃO ESPECIAL
PRINCÍPIO DA ADEQUAÇÃO
Data do Acordão: 02/05/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Área Temática:
DIREITO PENAL - CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DO FACTO / PENAS / SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA DE PRISÃO / ESCOLHA E MEDIDA DA PENA - CRIME DE TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES / ATENUAÇÃO ESPECIAL DA PENA.
Doutrina:
- A. Lourenço Martins, Medida da Pena – Finalidades. Escolha, Coimbra Editora, 287.
- Figueiredo Dias, Direito Penal Português As Consequências Jurídicas do Crime, §465; Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas Do Crime, Editorial de Notícias, 227 e ss..
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGOS 432.º, N.º1, ALÍNEA C).
CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGOS 40.º, 50.º, N.º1, 71.º, N.ºS1 E 2, 72.º, N.ºS 1 E 2, AL. C).
D.L. N.º 15/93, DE 22-01: - ARTIGOS 21.º, N.º1, 31.º.
Referências Internacionais:

Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 20-02-2008, (PROCESSO N.º 295/08 – 3.ª);
-DE 16-01-2008 (PROCESSO N.º 4565/07-3.ª);
-DE 16-01-2008 (PROCESSO N.º 4728/07-3.ª);
-DE 31-01-2008 (PROCESSO N.º 4554/07-5.ª);
-DE 20-02-2008 (PROCESSO N.º 295/08-3.ª);
-DE 9-04-2008 (PROCESSO N.º 825/08-5.ª);
-DE 17-04-2008 (PROCESSO N.º 806/08-5.ª);
-DE 07-05-2008 (PROCESSO N.º 1409/08-3.ª);
-DE 08-05-2008 (PROCESSO N.º 1134/08-5.ª);
-DE 05-06-2008 (PROCESSO N.º 4569/07-5.ª);
-DE 05-06-2008 (PROCESSO N.º 1142/08-5.ª);
-DE 04-09-2008 (PROCESSO N.º 2378/08-5.ª);
-DE 11-09-2008 (PROCESSO N.º 2155708-5.ª);
-DE 16-09-2008 (PROCESSO N.º 2382/08-3.ª);
-DE 23-10-2008 (PROCESSO N.º 2813/08-5.ª);
-DE 14-05-2009 (PROCESSO N.º 46/08.0ADLSB.S1-3.ª);
-DE 18-06-2009 (PROCESSO N.º 368/08.0JELSB.S1-3.ª);
-DE 15-10-2009 (PROCESSO N.º 24/09.2JELSB.S1-5.ª);
-DE 10-02-2010 (PROCESSO N.º 217/09.2JELSB.S1-3.ª);
-DE 25-02-2010 (PROCESSO N.º 137/09.0JELSB.S1-5.ª);
-DE 11-03-2010 (PROCESSO N.º 100/09.1JELSB.L1.S1-5.ª);
-DE 25-03-2010 (PROCESSO N.º 312/09.8JELSB.S1-3.ª);
-DE 15-04-2010 (PROCESSO N.º 7/09.2ABPRT.P1.S1-3.ª);
-DE 09-06-2010 (PROCESSO N.º 449/09.3JELSB.S1-3.ª);
-DE 09-06-2010 (PROCESSO N.º 294/09.6JELSB.L1.S1 – 3.ª);
-DE 15-09-2010 (PROCESSO N.º 1977/09.6JAPRT.S1 – 3.ª);
-DE 13-01-2011 (PROCESSO N.º 369/09.1JELSB-3.ª);
-DE 16-03-2011 (PROC. 187/10.4JELSB.S1-5.ª);
-DE 29-06-2011 (PROCESSO N.º 1878/10.5JAPRT.S1-3.ª);
-DE 15-12-2011 (PROCESSO N.º 706/10.6PHLSB.S1);
-DE 02-05-2012 (PROCESSO N.º 132/11.0JELSB. S1-3.ª);
-DE 06-02-2013 (PROCESSO Nº 181/12.0JELSB.L1.S1);
-DE 15-01-2014 (PROCESSO N.º 10/13-3.ª SECÇÃO);
-DE 15-01-2014 (PROCESSO N.º 10/13.8JELSB.L1.S1-3.ª);
-DE 03-07-2014 (PROCESSO N.º 1081/11.7PAMGR.C1.S1);
-DE 15-10-2014 (PROCESSO N.º 553/13-3.ª SECÇÃO);
-DE 09-04-2015 (PROCESSO N.º 147/14-3.ª SECÇÃO);
-DE 27-05-2015 (PROCESSO N.º 445/12.3PBEVR.E1.S1);

DISPONÍVEL, COMO OS DEMAIS ACÓRDÃOS CITADOS SEM OUTRA INDICAÇÃO QUANTO À SUA FONTE, NAS BASES JURÍDICO-DOCUMENTAIS DO IGFEJ, EM WWW.DGSI.PT/JSTJ .

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ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL:

-N.º 426/91, DE 8 DE NOVEMBRO DE 1991, DOUTRINA REAFIRMADA NOS ACÓRDÃOS N.OS 10/99, DE 10 DE FEVEREIRO DE 1999, E 319/2012, DE 20 DE JUNHO DE 2012, TODOS ACESSÍVEIS NO SÍTIO INTERNET EM WWW.TRIBUNALCONSTITUCIONAL.PT/TC/ACORDAOS/ .
Sumário :

I - O arguido foi condenado, como autor material de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21.º, n.º 1, do DL 15/93, de 22-01, na pena de 5 anos e 6 meses de prisão, porquanto, a troco de contrapartida financeira, realizou um transporte de 2.919,812 g de cocaína, dissimulada no interior das estruturas rígidas de uma mala de mão e duas malas de porão, num voo provindo de São Paulo, Brasil, com destino a Lisboa, Portugal.
II - Não deve ser especialmente atenuada a pena aplicada ao recorrente, nos termos do art. 72.º, n.º 2, al. c), do CP e do art. 31.º do DL 15/93, de 22-01, se o elenco dos factos provados não aponta para a verificação de qualquer circunstância de valor especialmente atenuativo, constando tão somente que o recorrente se revela “intimidado face à sua situação jurídico-penal e de reclusão, não só pelos danos causados a si próprio, como à família”, não constando que tenha havido qualquer reparação dos danos causados pelo crime.
III - O STJ tem sublinhado que na fixação da pena nos crimes de tráfico de estupefacientes deve-se atender a fortes razões de prevenção geral impostas pela frequência desse fenómeno e das suas nefastas consequências para a comunidade.
IV - Sendo a culpa e a ilicitude muito acentuadas, e prementes as necessidades de prevenção geral, e inclusivamente de prevenção especial, a pena de 5 anos e 6 meses fixada pela 1.ª instância, não merece censura, considerando-se a mesma justa e adequada ao crime praticado.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

            I – RELATÓRIO

1. Nos autos de processo comum, com intervenção do Tribunal Colectivo, n.º 426/15.5JAPRT da Comarca do Porto – .... – Instância Central – ... Secção ... – J6, AA, ali identificado, actualmente detido no Estabelecimento Prisional do ..., foi submetido a julgamento e condenado, por acórdão proferido em 28 de Setembro de 2015, pela prática do crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1, com referência à Tabela I-B, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, na pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão.

2. Inconformado, interpôs o arguido recurso para o Tribunal da Relação do Porto, formulando as seguintes:

«CONCLUSÕES:

A - A nosso ver o Tribunal a quo fez errónea interpretação e consequente violação da lei, designadamente no que tange às normas atinentes à determinação do quantum da pena, não tomando em consideração, na determinação da pena aplicada:

- as condições pessoais do Arguido e as motivações para a prática do crime;

- a falta de antecedentes criminais do arguido;

- a idade do arguido;

- o teor integral do relatório social junto aos autos.

B - A nosso ver, o Tribunal a quo violou assim, por incorrecta interpretação, as seguintes normas:

- artigos 70º, 71º e 72 º do Código Penal;

- artigos 40º, 50º e 52º do Código Penal.

C – Por outro lado, não considerou provados factos constantes do relatório social junto aos autos essenciais para a determinação da pena aplicável;

D – Nem fez a atenuação da pena a que alude o artigo 72º do Código Penal.

Termos em que deve a douta decisão recorrida ser revogada e provido o recurso:

a)  Serem considerados como provados os factos constantes do relatório social, designadamente:

“AA terá beneficiado de um ambiente afectivo e condições de socialização ajustadas à aquisição e interiorização de regras e valores normativos junto da família de origem, o que lhe permitiu adquirir as competências académicas, ainda não terminadas e profissionais.

Mostra-se intimidado relativamente à sua situação jurídica e consciente dos danos acusados, sendo que o seu trajecto prisional adaptado revela capacidade de adequação a normativos e à supervisão de instituições da administração da justiça penal;

Em meio livre beneficiará de adequadas condições de suporte habitacional, familiar e afectivo, junto do grupo familiar de origem.

Possui perspectivas de retomar a conclusão da sua formação académica superior.

Pelo exposto, indicia-se que AA dispõe de factores de protecção capazes de potenciar e retomar um trajecto de vida que até à ocorrência dos factos em presença ter-se-á revelado normativo e socialmente inserido, percepcionando-se ainda que deste confronto com o sistema de administração da justiça penal terá resultado a aquisição de ganhos de maturidade que o consciencializam para a imperatividade do ordenamento jurídico vigente”.

b) Nos termos do artigo 72º do Código Penal ser a pena aplicada especialmente atenuada; e, em consequência

c) Revogada a pena de 5 anos e 6 meses aplicada pelo Tribunal a quo e substituída por uma pena próxima do limite mínimo e sempre inferior a cinco anos;

d) Ser a referida pena suspensa na sua execução, mesmo que mediante a imposição de deveres ou regras de conduta ao arguido ou acompanhada do regime de prova. [[1]]».

3. O Ministério Público na 1.ª instância respondeu ao recurso, pugnando pela improcedência do recurso. Formula as seguintes:


«CONCLUSÕES:

1. O arguido AA foi condenado pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p e p. pelos artigos 21º, n 1, com referência à Tabela I-B, do DL n. 15/93 de 22/01, na pena 5 anos e 6 meses de prisão.

2. O arguido alega que a decisão recorrida viola o disposto nos artigos 40º, 50º, 52º, 70º, 71º a 72, todos do Código Penal, porquanto na determinação da pena aplicada o colectivo não tomou em consideração as suas condições pessoais, incluindo idade e o facto de ser trabalhador estudante universitário; de estar inserido num ambiente afectivo com condições de socialização ajustadas à aquisição e interiorização de regras e valores; a ausência de antecedentes criminais; a confissão integral e sem reservas e demais circunstâncias pessoais descritas no relatório social, nomeadamente de que em meio livre beneficiará de adequadas condições de suporte habitacional, familiar e afectivo junto do grupo familiar de origem e que projecta concluir a sua formação académica superior.


3. Não assiste razão ao recorrente, pois a decisão recorrida analisou todos os elementos acima referidos e considerados relevantes para a boa decisão da causa e cuja apreciação se impunha.

4. Não enferma o acórdão recorrido de qualquer vício ou nulidade.

5. O recorrente ignorou por completo o facto de ter transportado 2.919,812 gramas de cocaína, com um grau de pureza de 90,6%, correspondente a 13227 doses médias individuais de S. Paulo, Brasil até ao Porto, Portugal, local onde, caso não tivesse sido detido, entregaria o produto que depois de vendido seria distribuído.

6. A natureza, quantidade e qualidade do produto justificaria por si só uma pena muito mais gravosa.

7. A confissão resulta duma detenção em flagrante delito e não duma atitude de arrependimento e vontade de pôr fim a uma actividade ilícita que havia iniciado em São Paulo.

8. As exigências de prevenção especial e geral são muito elevadas e é premente, que através da concreta medida da pena se possa dissuadir as pessoas, jovens ou não de fazerem o transporte de droga.


9. A redução da pena e a suspensão da execução da mesma seria atentatória da estratégica nacional e internacional de combate a este tipo de crime e não serviria os imperativos de prevenção geral.

10. A pena aplicada mostra-se pois adequada e justa e em harmonia com os dispositivos legais aplicáveis.» [[2]].

4. Por decisão proferida no Tribunal da Relação do Porto, determinou-se a remessa dos autos ao Supremo tribunal de Justiça, por ser o competente para o conhecimento do recurso, «[a]tento o objecto do recurso – medida da pena – e a condenação do recorrente em 5 anos e 6 meses de prisão».

5. Neste Supremo Tribunal, a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta apôs o seu «Visto», consignando «nada a acrescentar ao entendimento defendido pelo Ministério Público [da 1.ª instância]», pelo que não foi dado cumprimento ao disposto no n.º 2 do artigo 417.º do Código de Processo Penal, doravante CPP.

6. Não tendo sido requerida audiência de julgamento, o recurso é apreciado em conferência, nos termos dos artigos 411.º, n.º 5, e 419.º, n.º 3, alínea c), do CPP.

7. Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir.

II – COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

De acordo com o disposto no artigo 432.º, n.º 1, alínea c), do CPP, recorre-se para o Supremo Tribunal de Justiça de acórdãos finais proferidos pelo tribunal do júri ou pelo tribunal colectivo que apliquem pena de prisão superior a 5 anos, visando exclusivamente o reexame da matéria de direito.

No caso presente, o recurso vem interposto de acórdão final proferido pelo tribunal colectivo que aplicou ao recorrente a pena de 5 anos e 6 meses de prisão.

O recorrente não questiona a matéria de facto, circunscrevendo o recurso que interpôs exclusivamente ao reexame da matéria de direito já que pugna pela atenuação especial da pena e consequente redução da mesma e, por fim, pela suspensão da sua execução.

Nestes termos, considera-se correcta a decisão do Ex.mo Juiz Desembargador do Tribunal da Relação do Porto em determinar a remessa dos autos ao Supremo Tribunal de Justiça já que, efectivamente, lhe pertence, nos termos da disposição legal acima citada, a competência para o conhecimento e decisão deste recurso, o que se declara.

III - FUNDAMENTAÇÃO

1. Matéria de facto

O Tribunal Colectivo deu como assente a seguinte matéria de facto:


a) Factos provados

«1. No dia 21/02/2015, às 8h45, o arguido, desembarcou no aeroporto Francisco Sá Carneiro, Maia, no voo ...., proveniente de ....

2. Nessa altura o arguido trazia consigo uma mala de mão e duas malas de porão, que foram apreendidas, contendo no seu interior, dissimulado no interior das respectivas estruturas rígidas, cocaína que ali havia sido colocada.

3. A cocaína referida no número 2. tinha o peso líquido total de 2.919,812 gramas, um grau de pureza de 90,6% e, nos termos da tabela anexa à Portaria nº 94/96, de 26 de Março, corresponderia a 13227 doses médias individuais.

4. O arguido trazia ainda consigo:

- 1 telemóvel de marca “Apple”;

- 1 máquina fotográfica Samsung;

- um par de óculos de sol,

- €900,00 (novecentos euros);

- 200 reais

- 3 malas, 1 marca Gladiador e 2 marca Lansay,

objectos estes que lhe que lhe foram apreendidos.

5. Os €900,00 referidos no número 4. dos factos provados foram entregues ao arguido, pela pessoa que encarregou o arguido do transporte do estupefaciente.

6. O arguido iria usar o telemóvel referido no número 4. dos factos provados para contactos no âmbito do transporte e entrega do produto estupefaciente.

7. Pelo transporte do produto estupefaciente, o arguido receberia 40.000,00 reais pelo transporte do produto estupefaciente.

8. O arguido, no momento indicado no número 1., agiu da maneira descrita, de modo livre, deliberado e consciente de que transportava produto estupefaciente (droga).

9. O arguido conhecia, em abstracto, as características, natureza e efeitos da substância cocaína.

10. O arguido, no momento indicado no número 1., sabia que transportava produto estupefaciente e sabia igualmente que a detenção e transporte de produtos estupefacientes é proibido e punido por lei.

11. O arguido, em julgamento, confessou os factos presentes nos números 1., 2. e 4. a 10. dos factos provados.

Mais se provou que:

12. O arguido AA é filho único, tendo o seu processo de desenvolvimento deconido no contexto do agregado familiar de origem, com dinâmica equilibrada e funcional e com ambos os pais dedicados e atentos ao seu acompanhamento educativo.

13. A situação económica do agregado, embora modesta, assente no trabalho por conta de outrem dos pais, foi sempre suficiente para assegura[r] a salvaguarda das necessidades quotidianas e para proporcionar ao arguido o acesso ao sistema escolar, dimensão valorizada pelos seus progenitores.

14. Iniciou o seu percurso académico com 6 anos de idade, sem registar problemas de adaptação e na interação com os diversos interlocutores da comunidade educativa, concluindo o equivalente ao nosso 12º ano de escolaridade com cerca de 18 anos de idade.

15. Aos 16 anos de idade trabalhou em regime de pary-time numa empresa de ''telemarkting" e aos 18 anos de idade que começou a trabalhar a tempo inteiro na loja de bicicletas de um tio, onde permaneceu até aos 20 anos de idade.

16. Nessa altura, por volta de 2012, ingressou na universidade na sua cidade de ..., no curso de fisioterapia, preservando todavia a ocupação profissional acima referida.

17. Em 2013 o seu tio vendeu o estabelecimento tendo então o arguido logrado a obtenção de um lugar como vendedor na Volkswagen, ocupação que uma vez mais Ihe permitia gerir com os estudos.

18. Em Fevereiro de 2015 o arguido coabitava apenas com a progenitora, uma vez que os pais optaram pela separação em 2013, embora mantendo um relacionamento cordato e continuando o arguido a interagir regularmente com o mesmo.

19. Vivia na dependência económica dos pais, ambos atualmente reformados, dado que, com a entrada no estágio académico, ter deixado de poder conciliar os estudos com o trabalho, opção que mereceu o apoio dos progenitores.

20. Todavia, esta dependência financeira dos progenitores causava-lhe desconforto, já que desde a fase final da adolescência que estava habituado à autonomia económica.

21. O seu quotidiano era assim gerido em torno do investimento na sua formação académica, convívio com a família e integrando grupo de pares constituído na faculdade.

22. Presentemente, os projectos de vida do arguido passam pelo regresso ao seu país de origem, reintegrando o agregado familiar constituído pela mãe, tendo o o apoio afectivo e material dos pais, e pelo retomar do curso superior que frequentava.

23. O arguido AA desde que deu entrada no Estabelecimento Prisional tem mantido um comportamento conforme às regras vigentes na instituição prisional, mantendo atividade de cariz laboral na enfermaria.

24. O arguido revela-se intimidado face à sua situação jurídico-penal e de reclusão, não só pelos danos causados a si próprio, como à família.

25. Tem capacidade para perceber o carácter ilícito dos factos pelos quais está acusado, bem como os danos que este tipo de criminalidade produz quer ao nível individual quer sobre o todo social, pelo que, em sentido genérico, aceita que haja lugar a uma reação penal.

26. O arguido não tem antecedentes criminais.


*

            b) Factos não provados

           1. O arguido sabia que o produto estupefaciente que transportava, naquele caso, era o produto cocaína, sabendo igualmente qual o peso e o grau de pureza da cocaína.

           2. Todos os objetos indicados no número 4. dos factos provados eram ou foram destinados a estabelecer os contactos necessários à aquisição, transporte e entrega da cocaína.

            3. O arguido transportou o produto estupefaciente de forma a poder custear o curso universitário.»

2. Apreciação

2.1. Atenuação especial da pena

Atendo-nos às questões que constam das conclusões da motivação do recurso, pretende o recorrente que, «nos termos do artigo 72.º do Código Penal, [deve] ser a pena aplicada especialmente atenuada».

De acordo com o n.º 1 do artigo 72.º do Código Penal, o tribunal atenua especialmente a pena, para além dos casos expressamente previstos na lei, quando existirem circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime, ou contemporâneas dele, que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena.

O n.º 2 do mesmo preceito, enuncia, a título exemplificativo, diversas circunstâncias que podem assumir esse carácter atenuativo.

O recorrente parece invocar, como circunstância especialmente atenuativa o «arrependimento» que, segundo a sua motivação, «é manifesto na posição de colaboração do arguido com a justiça, na postura porocessual perante o Tribunal, no procurar reparar o mal feito, colaborando no benefício de todos os reclusos do Estabelecimento Prisional, ao aplicar os conhecimentos que tem na área médica, resultante da sua frequência universitária do curso de fisioterapia, no trabalho desenvolvido na Enfermaria».

Nos termos da alínea c) do n.º 2 do citado artigo 72.º do Código Penal, é considerada circunstância de valor especialmente atenuativo, para os efeitos do n.º 1 do mesmo preceito, «ter havido actos demonstrativos de arrependimento sincero do agente. Nomeadamente a reparação, até onde lhe era possível, dos danos causados».

O elenco dos factos provados não aponta para a verificação de tal circunstância, cnstando tão somente que o recorrente se revela «intimidado face à sua situação jurídico-penal e de reclusão, não só pelos danos causados a si próprio, como à família» (facto 24). Não consta que tenha havido qualquer reparação dos danos causados pelo crime. O comportamento que tem mantido no estabelecimento prisional, mantendo actividade de cariz laboral na enfermaria (n.º 23 dos factos provados), não se integra na figura da reparação dos danos causados prevista no citado preceito, não assumindo relevo bastante para justificar a pretendida atenuação especial da pena.

Cumprirá ainda referir que, de acordo com a factualidade assente, não ocorrem circunstâncias que, ao abrigo do regime especial previsto no artigo 31.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, poderiam justificar a atenuação especial da pena.

Como se considera no acórdão deste Supremo Tribunal, de 16-03-2011 (Proc. 187/10.4JELSB.S1-5.ª)[3]:

Sobre a atenuação especial da pena, vem este Supremo entendendo que funciona como uma válvula de segurança do sistema, no caso de se verificar uma acentuada diminuição da ilicitude, ou da culpa, ou da necessidade da pena. A diminuição da culpa ou das exigências de prevenção só poderá considerar-se relevante para tal efeito, isto é, só poderá ter-se como acentuada quando a imagem global do facto, resultante da actuação das circunstâncias atenuantes se apresente com uma gravidade tão diminuída que possa razoavelmente supor-se que o legislador não pensou em hipóteses tais quando estatuiu os limites normais da moldura cabida ao tipo de facto respectivo. Mas, como nota Figueiredo Dias (Direito Penal Português As Consequências Jurídicas do Crime §465), não deve esquecer-se que a solução de consagrar legislativamente a referida “cláusula geral de atenuação especial” como válvula de segurança, dificilmente se pode ter como apropriada para um Código Penal, como o nosso, moderno e impregnado pelo princípio da humanização e dotado de molduras penais suficientemente amplas, sendo, pois, uma solução antiquada e vocacionada apenas para acudir a situações extraordinárias ou excepcionais. 

O que, por outras palavras, significa que a atenuação especial só em casos extraordinários ou excepcionais pode ter lugar. Para a generalidade dos casos, para os casos “normais”, “vulgares” ou “comuns”, “lá estão as molduras penais normais, com os seus limites máximo e mínimo próprios” (Autor e ob. cit., §454).»

No caso em apreço, não se verificam quaisquer circunstâncias que impliquem uma acentuada diminuição da ilicitude, ou da culpa, ou da necessidade da pena, não existindo qualquer fundamento para a pretendida atenuação especial da pena, pretensão que, assim, se desatende.

2.2. Determinação da medida da pena

2.2.1. De acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 71.º do Código Penal, a medida da pena é determinada, dentro dos limites definidos na lei, em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, sendo que, em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa, conforme prescreve o artigo 40.º, n.º 2, do mesmo Código.

Na determinação concreta da pena há que atender às circunstâncias do facto, que deponham a favor ou contra o agente, nomeadamente à ilicitude, e a outros factores ligados à execução do crime, à personalidade do agente, e à sua conduta anterior e posterior ao crime (artigo 71.º, n.º 2, do Código Penal).

Sobre a determinação da pena, em razão da culpa do agente e das exigências de prevenção, lê-se no acórdão deste Supremo Tribunal, de acórdão de 15 de Dezembro de 2011, proferido no processo n.º 706/10.6PHLSB.S1, convocado, mais recentemente no acórdão de 27 de Maio de 2015 (proc. n.º 445/12.3PBEVR.E1.S1):

«Ao elemento prevenção, no sentido de prevenção geral positiva ou de integração, vai-se buscar o objectivo de tutela dos bens jurídicos, erigido como finalidade primeira da aplicação de qualquer pena, na esteira de opções hoje prevalecentes a nível de política criminal e plasmadas na lei, mas sem esquecer também a vertente da prevenção especial ou de socialização, ou, segundo os termos legais: a reintegração do agente na sociedade (art. 40.º n.º 1 do CP).

Ao elemento culpa, enquanto traduzindo a vertente pessoal do crime, a marca, documentada no facto, da singular personalidade do agente (com a sua autonomia volitiva e a sua radical liberdade de fazer opções e de escolher determinados caminhos) pede-se que imponha um limite às exigências, porventura expansivas em demasia, de prevenção geral, sob pena de o condenado servir de instrumento a tais exigências.

Neste sentido é que se diz que a medida da tutela dos bens jurídicos, como finalidade primeira da aplicação da pena, é referenciada por um ponto óptimo, consentido pela culpa, e por um ponto mínimo que ainda seja suportável pela necessidade comunitária de afirmar a validade da norma ou a valência dos bens jurídicos violados com a prática do crime. Entre esses limites devem satisfazer-se, quanto possível, as necessidades de prevenção especial positiva ou de socialização (Cf. FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas Do Crime, Editorial de Notícias, pp. 227 e ss.).

Quer isto dizer que as exigências de prevenção traçam, entre aqueles limites óptimo e mínimo, uma submoldura que se inscreve na moldura abstracta correspondente ao tipo legal de crime e que é definida a partir das circunstâncias relevantes para tal efeito e encontrando na culpa uma função limitadora do máximo de pena. Entre tais limites é que vão actuar, justamente, as necessidades de prevenção especial positiva ou de socialização, cabendo a esta determinar em último termo a medida da pena, evitando, em toda a extensão possível (...) a quebra da inserção social do agente e dando azo à sua reintegração na sociedade (FIGUEIREDO DIAS, ob. cit., p. 231).

Ora, os factores a que a lei manda atender para a determinação concreta da pena são os que vêm indicados no referido n.º 2 do art. 71.º do CP e (visto que tal enumeração não é exaustiva) outros que sejam relevantes do ponto de vista da prevenção e da culpa, mas que não façam parte do tipo legal de crime, sob pena de infracção do princípio da proibição da dupla valoração.»

Conforme se salienta no acórdão deste Supremo Tribunal, de 3 de Julho de 2014 (proc. n.º 1081/11.7PAMGR.C1.S1), «a defesa da ordem jurídico-penal, tal como é interiorizada pela consciência colectiva (prevenção geral positiva ou de integração), é a finalidade primeira, que se prossegue, no quadro da moldura penal abstracta, entre o mínimo, em concreto, imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada, e o máximo, que a culpa do agente consente; entre estes limites, satisfazem-se quando possível, as necessidades de prevenção especial positiva ou de socialização».

2.2.2. O Supremo Tribunal de Justiça tem sublinhado que na fixação da pena nos crimes de tráfico de estupefacientes deve-se atender a fortes razões de prevenção geral impostas pela frequência desse fenómeno e das suas nefastas consequências para a comunidade. De facto, estamos perante um crime de perigo abstracto e pluriofensivo que põe em causa, como se lê no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 426/91, de 8 de Novembro de 1991[4], uma pluralidade de bens jurídicos: «a vida, a integridade física e a liberdade dos virtuais consumidores de estupefacientes», afectando, «a vida em sociedade, na medida em que dificulta a inserção social dos consumidores e possui comprovados efeitos criminógenos», protegendo, enfim, «uma multiplicidade de bens jurídicos, designadamente de carácter pessoal – embora todos eles possam ser reconduzidos a um mais geral: a saúde pública».

Ao crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, corresponde uma moldura penal de 4 a 12 anos de prisão.

2.2.3. O Tribunal Colectivo condenou o arguido-recorrente em 5 anos e 6 meses de prisão, fundamentando esta decisão nos seguintes termos:

«Quanto à determinação da medida da pena concreta a aplicar ao arguido, atento o disposto no artº 71º, nº 1 do Cód. Penal, deve o Tribunal atender à culpa do agente e às exigências de prevenção.

Efectivamente, a pena, em caso algum, poderá, como prescreve o artº 40º, nº 2, do Código Penal, ultrapassar a medida da culpa do agente, limite abaixo do qual as considerações de prevenção deverão determinar a medida concreta da pena.

Assim, no que respeita ao grau de ilicitude, é elevado, considerando o peso da cocaína apreendida (2.919,812 gramas), o grau de pureza (90,6%) e o número de doses médias diárias (13227 doses médias individuais) – cfr. número 3. dos factos provados;

A intensidade do dolo é a mais elevada, tendo o arguido atuado com dolo directo.

Valoriza-se a favor do arguido a confissão do arguido, que confessou todos os factos que poderia confessar (cfr. número 11. dos factos provados).

No entanto, esta confissão não poderá ser muito valorizada, até porque, perante as circunstâncias, mesmo que o arguido não confessasse, a prova não seria muito afectada, perante as conclusões que se retirariam do facto do arguido ter sido detectado com o produto estupefaciente.

Valoriza-se contra o arguido a motivação que esteve na origem do tráfico: o arguido pretender a autonomia financeira (cfr. número 20. dos factos provados). Não se trata aqui de dificuldades financeiras agudizadas por um episódio qualquer.

O cidadão comum tenta atingir a autonomia financeira através do trabalho ou através do acesso lícito a doações de terceiros. Mas outros há que tentam atingir essa autonomia através da prática de ilícitos. O arguido integra-se nesta segunda categoria.

Tem-se em consideração, favoravelmente, a juventude do arguido, que à data dos factos tinha 22 anos.

As exigências de prevenção especial são elevadas, atendendo ao próprio crime que está em causa e à natureza da personalidade do próprio arguido. Predispor-se a correr os riscos inerentes ao tráfico internacional só pode demonstrar uma adesão consciente e segura de uma conduta antijurídica. Não é um crime praticado no âmbito das relações sociais normais do arguido (não foi um crime praticado numa empresa em que o arguido trabalhava; nem por má influência e a acompanhar os seus pares, etc.). Para mais, o arguido não é proveniente de uma origem familiar não estruturada, em que os valores de respeito pela lei e pelo Direito não tenham sido devidamente assegurados (cfr. números 12. e 13. dos factos provados).

As exigências de prevenção geral são também muito elevadas.

Como refere o STJ[5] “Os «correios de droga» são uma peça fundamental no tráfico de estupefacientes concorrendo, de modo directo, para a sua disseminação, não merecendo um tratamento penal de favor. De facto, torna-se mais difícil a sua detenção e apreensão, não se deixando contra motivar pelas consequência perniciosas do seu ato, demonstrando arrojo, audácia e dolo intenso, insensibilidade e ganância, porquanto, a troco de uma compensação, se dispõem a fazer o transporte da droga até ao local da sua entrega, apesar de saberem da ilegalidade desse transporte”.

Necessita a sociedade de uma reacção penal adequada a desincentivar esta conduta.»

2.2.4. Concorda-se com esta fundamentação que, indiscutivelmente, se nos afigura juridicamente correcta.

Conforme factos provados, o arguido-recorrente desembarcou no aeroporto Francisco Sá Carneiro, Maia, no voo ..., proveniente de ..., trazendo consigo uma mala de mão e duas malas de porão, que foram apreendidas, contendo no seu interior, dissimulado no interior das respectivas estruturas rígidas, cocaína que ali havia sido colocada que tinha o peso liquido total de 2.919,812 gramas, um grau de pureza de 90,6% e, nos termos da tabela anexa à Portaria nº 94/96, de 26 de Março, corresponderia a 13227 doses médias individuais.

Pelo transporte do produto estupefaciente, o arguido receberia 40.000,00 reais.

O arguido, no momento indicado no número 1., agiu da maneira descrita, de modo livre, deliberado e consciente de que transportava produto estupefaciente (droga).

O arguido conhecia, em abstracto, as características, natureza e efeitos da substância cocaína.

O arguido, no momento indicado no número 1., sabia que transportava produto estupefaciente e sabia igualmente que a detenção e transporte de produtos estupefacientes são proibidos e punidos por lei.

2.2.5. A actuação descrita revela a figura muito conhecida do «correio de droga» que este Supremo Tribunal tem tratado com assinalável frequência.

O Conselheiro A. LOURENÇO MARTINS lembra, a propósito, que o Supremo Tribunal de Justiça «tem de algum modo autonomizado a figura do “correio de droga”: umas vezes, para salientar o seu contributo nefasto para a proliferação do tráfico através da segmentação de vias e rotas, diminuindo a probabilidade de detecção, ao mesmo tempo que possibilita, como elo essencial, que as redes organizadas exerçam o comércio inter-continentes e ampliem os seus tentáculos globais; outras vezes, valorizando no sentido da diminuição da pena, a circunstância de se estar perante “meros correios”, afinal o elo mais fraco da cadeia e aquele que mais se expõe em benefício dos grandes traficantes, que actuam na sombra e bastas vezes não chegam a ser descobertos»[6].

Como se refere no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 15-01-2014 (Proc. n.º 10/13.8JELSB.L1.S1-3.ª): 

«I - O transporte intercontinental de droga por via aérea, a cargo de pessoas contratadas para o efeito, que viajam como vulgares passageiros de avião e que levam a droga disfarçada na bagagem, na roupa ou mesmo no interior do próprio corpo, não permite a passagem de grandes quantidades de estupefacientes, mas, em compensação, possibilita a rápida introdução dos estupefacientes nos mercados de consumo.

II - Os correios de droga, muito embora não sejam os donos do produto que transportam e estejam normalmente desligados do circuito comercial dos estupefacientes, constituem uma peça importante, porventura cada vez mais importante, para fazer a conexão entre a produção e o consumo, sem a qual não existe negócio.»

De mencionar também o acórdão de 15-09-2010, proferido no processo n.º 1977/09.6JAPRT.S1 – 3.ª Secção, relatado, tal como o acórdão citado na decisão recorrida, pelo Ex.mo Conselheiro Adjunto, onde se afirma que este Supremo Tribunal encara o «correio de droga» como «também altamente responsável pela difusão de estupefacientes, e como tal peça fundamental no tráfico de estupefacientes, um seu comparticipante, desempenhando ali um papel fundamental, a justificar punição vigorosa, contradistinguindo-se do “dominus negotii“ por este se esconder, sendo o “correio” a sua face visível, sujeitando-se aos riscos do tráfico, a troco de uma compensação pecuniária pelo transporte, umas por vezes por pura ganância outras por razões de sobrevivência».

De facto, não é possível ignorar o papel essencial desempenhado pelos “correios” na conformação dos circuitos de tráfico, permitindo a disseminação de um produto que produz as consequências mais nocivas em termos sociais[7].

2.2.6. Deparamo-nos aqui com mais um caso de “correios de droga”, cujo número não pára de crescer nos últimos anos. As exigências de prevenção geral são, por isso, elevadas e prementes.

Na situação agora em apreço, o grau de ilicitude é muito elevado e o dolo com que o arguido actuou foi directo e intenso.

A motivação para a prática do crime foi a angariação de dinheiro (40.000,00 reais), por lhe causar «desconforto» o facto de se encontrar na dependência dos seus progenitores. Trata-se de um motivo sem qualquer relevo e que não merece ser considerado, não assumindo qualquer valor atenuativo como bem se entendeu na decisão recorrida.

As exigências de prevenção geral neste tipo de delito são muito elevadas e prementes, tendo em conta o bem jurídico violado com o crime e as consequências muito gravosas que decorrem para a comunidade com as actividades de tráfico de estupefacientes, muito em particular, quando o tráfico tem por objecto, como sucede no caso presente, cocaína, caracterizada como «droga dura» e altamente viciante.

Convocando, de novo, a opinião de A. LOURENÇO MARTINS, na graduação da sanção a aplicar nas situações de tráfico levado cabo por «correios de droga», pode atender-se às quantidades de estupefaciente transportadas, tentando-se «obter a justiça relativa entre os casos. No fundo, porém, a graduação assenta nos factores que relevam da ilicitude e da culpabilidade, com um peso atinente maior da prevenção especial sobre a prevenção geral, evitando que estes arguidos sejam transformados em “bodes expiatórios”, sem embargo de se atender ao contributo que prestam na difusão da droga, quase sempre movidos pelo móbil da ganância e do dinheiro fácil»[8].

O Supremo Tribunal de Justiça não tem deixado, no entanto, como adverte o autor citado, «de enumerar e sopesar as circunstâncias concretas mais salientes de conformação da medida da pena, tal como aliás em outros casos».

2.2.7. Na determinação da medida concreta da pena deverá, pois, atender-se aos padrões sancionatórios deste Supremo Tribunal para situações de idêntica ou próxima intensidade, considerando-se, desde logo, as quantidades de droga transportadas, assim se visando a já referida «justiça relativa entre os casos», garantindo-se ainda uma jurisprudência consistente e equitativa.

No acórdão de 02-05-2012, proferido no processo n.º 132/11.0JELSB. S1-3.ª Secção, relatado pelo Ex.mo Conselheiro Raul Borges, referenciam-se os «padrões sancionatórios vigentes neste Supremo Tribunal» para os «correios de droga», com a indicação de uma extensa lista de acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça.

De tais arestos, seleccionamos os que se reportam a casos em que a quantidade do produto estupefaciente transportado se aproxima do valor do produto apreendido nestes autos. Assim:

Acórdão de 16-01-2008 (processo n.º 4565/07-3.ª): uma arguida de nacionalidade coreana desembarca no aeroporto de Lisboa, proveniente da Guiné Bissau, trazendo consigo no interior de uma mala, cocaína com o peso líquido de 3051,977 gramas – aplicada pena de 5 anos de prisão e não de 7 de prisão, como decidiram as instâncias, mas afastada a suspensão;

Acórdão de 16-01-2008 (processo n.º 4728/07-3.ª): holandês desembarca no aeroporto Sá Carneiro, proveniente do Rio de Janeiro, e com destino à Holanda, trazendo 2986, 305 gramas de cocaína - 5 anos e 6 meses de prisão;

Acórdão de 31-01-2008 (processo n.º 4554/07-5.ª): arguido desembarca no aeroporto Sá Carneiro, proveniente de São Paulo, transportando cocaína, com o peso líquido de 1988,604, gramas, pretendendo viajar até Itália, onde iria entregar o produto – pena de 5 anos e 3 meses de prisão;

Acórdão de 20-02-2008 (processo n.º 295/08-3.ª): transporte de 2.185,33 gramas de cocaína; procedência Caracas; detecção no aeroporto Sá Carneiro (Maia); destino Bruxelas; 1.ª instância - 6 anos de prisão; STJ - 5 anos, afastando-se a suspensão;

Acórdão de 9-04-2008 (processo n.º 825/08-5.ª): espanhol transportando do Brasil, por Portugal, com destino a Espanha, 1.387,852 gramas de cocaína, transformada em 140 botões cosidos em 6 casacos – mantida a pena de 5 anos de prisão e afastada a suspensão da execução;

Acórdão de 17-04-2008 (processo n.º 806/08-5.ª): caso de transporte por holandês, da Venezuela com destino a Holanda, desembarcado no Aeroporto de Lisboa, transportando na mala de mão 21 cabides com 1.427, 380 gramas de cocaína - confirmada a pena de 5 anos de prisão efectiva aplicada pela Relação, em vez da pena de 5 anos, suspensa na execução decretada pela 1.ª instância;

Acórdão de 07-05-2008 (processo n.º 1409/08-3.ª): transporte de Buenos Aires e após, de Madrid em autocarro, com destino a Lisboa, de 47 embalagens de cocaína, com o peso líquido de 2.357,638 gramas - mantida a pena de 5 anos e 3 meses de prisão;

Acórdão de 08-05-2008 (processo n.º 1134/08-5.ª): cidadã cabo-verdiana desembarca na gare do Oriente, em Lisboa, proveniente do Senegal – via Madrid, trazendo cocaína, com o peso líquido de 2.975,070 gramas – na 1.ª instância foi aplicada a pena de 5 anos de prisão, suspensa na execução, com regime de prova, suspensão revogada no Tribunal da Relação e ora aplicada pena de 4 anos de prisão efectiva;     

Acórdão de 05-06-2008 (processo n.º 4569/07-5.ª): cidadão venezuelano desembarca no Aeroporto de Lisboa, proveniente de Caracas e com destino a Madrid, trazendo duas placas, contendo, respectivamente, 3kg e 797,170 gramas de cocaína – aplicada a pena de 5 anos e 6 meses de prisão;

Acórdão de 05-06-2008 (processo n.º 1142/08-5.ª): cidadão venezuelano desembarca no Aeroporto de Lisboa, proveniente de Caracas e com destino a Madrid, trazendo consigo, dentro do organismo, 55 embalagens contendo cocaína, com o peso total de 384,677 gramas – aplicada e confirmada a pena de 5 anos e 6 meses de prisão;

Acórdão de 04-09-2008 (processo n.º 2378/08-5.ª): transporte da América Latina de 211,630 gramas de cocaína – mantida a pena de 5 anos e 3 meses de prisão fixada na 1.ª instância;

Acórdão de 11-09-2008 (processo n.º 2155708-5.ª): arguida detida no Aeroporto de Lisboa procedente do Brasil, tendo como destino final Espanha, que transportava numa mochila várias embalagens de cocaína, com o peso líquido de 3.114, 777 gramas – mantida a pena de 5 anos e 3 meses de prisão fixada na 1.ª instância;

Acórdão de 16-09-2008 (processo n.º 2382/08-3.ª): cidadão venezuelano desembarca no Aeroporto de Lisboa, proveniente de Caracas e com destino a Amesterdão, transportando no interior do organismo, 114 invólucros, em forma de bolota, contendo cocaína, com o peso líquido total de 1.705,634 gramas – confirmada pena de 5 anos de prisão aplicada pela Relação;

Acórdão de 23-10-2008 (processo n.º 2813/08-5.ª): cidadã malaia desembarca no Aeroporto da Maia, proveniente do Rio de Janeiro, transportando 3.962, 06 gramas de cocaína – reduzida para 5 anos e 6 meses de prisão a pena de 6 anos;

Acórdão de 14-05-2009 (processo n.º 46/08.0ADLSB.S1-3.ª): transporte por arguido de nacionalidade espanhola, desembarcado no Aeroporto de Lisboa, proveniente de Rio de Janeiro, no interior de mala de porão, de 17 embalagens próprias para cosméticos, contendo cocaína, com o peso líquido de 3.968, 17 gramas – confirmada a pena de 5 anos e 6 meses de prisão;

Acórdão de 18-06-2009 (processo n.º 368/08.0JELSB.S1-3.ª): arguido português, desembarcado no Aeroporto de Lisboa, proveniente de Dakar, trazendo consigo, dissimuladas junto ao corpo duas embalagens, contendo cocaína, com o peso líquido de 2.931,285 gramas – confirmada a pena de 5 anos e 6 meses de prisão;

Acórdão de 15-10-2009 (processo n.º 24/09.2JELSB.S1-5.ª): transporte vindo do exterior da comunidade de 2507,870 gramas de cocaína dissimulada em cinta calção – confirmada pena de 5 anos e 6 meses de prisão; 

Acórdão de 10-02-2010 (processo n.º  217/09.2JELSB.S1-3.ª): adequada a pena de 4 anos e 9 meses de prisão a arguido de nacionalidade brasileira, desembarcado no aeroporto de Lisboa, proveniente de São Paulo – Brasil, trazendo consigo no interior de uma mala, cocaína, com o peso líquido total de 2907,562 gramas; 

Acórdão de 25-02-2010 (processo n.º 137/09.0JELSB.S1-5.ª): arguido de nacionalidade portuguesa, residente na Holanda, desembarcado no Aeroporto de Lisboa, proveniente de Salvador, Brasil, e em trânsito para Amesterdão, transportando numa mala de porão 3.116,400 gramas de cocaína – reduzida a pena de 5 anos e 6 meses para 5 anos de prisão, tida por suficiente, mas necessária;

Acórdão de 11-03-2010 (processo n.º 100/09.1JELSB.L1.S1-5.ª): arguido de nacionalidade brasileira, solteiro, com 4 filhos e sem antecedentes criminais que, no âmbito de um transporte como correio de droga, desembarcou no Aeroporto de Lisboa, proveniente de Brasília, e com destino a Amsterdão, transportando no organismo 96 embalagens de cocaína, com o peso líquido de 846, 462 g.: tida por suficiente a pena de 4 anos de prisão, e não a de 5 anos e 6 meses, imposta na 1.ª instância;

Acórdão de 25-03-2010 (processo n.º 312/09.8JELSB.S1-3.ª): caso de transporte por cidadão brasileiro de 2.891,19 gramas de cocaína, proveniente de Caracas, e desembarcado no Aeroporto de Lisboa – confirmada a pena de 5 anos e 2 meses de prisão;

Acórdão de 15-04-2010 (processo n.º 7/09.2ABPRT.P1.S1-3.ª): transporte de cocaína com o peso líquido de 1.690,83 gramas, feita por arguido de nacionalidade canadiana, que desembarcou no Aeroporto Sá Carneiro, proveniente de São Paulo, Brasil, em trânsito para a Holanda – tida por suficiente, mas necessária, a pena de 5 anos de prisão, ao invés da de 6 anos de prisão imposta na 1.ª instância;    

Acórdão de 09-06-2010 (processo n.º 294/09.6JELSB.L1.S1 – 3.ª): transporte de cocaína, com o peso líquido de 3.415 gramas, do Brasil para Portugal – aplicada a pena de 4 anos e 6 meses de prisão, e não a pena de 5 anos e 6 meses fixada em primeira instância;

Acórdão de 13-01-2011 (processo n.º 369/09.1JELSB-3.ª): cidadão brasileiro transporta, com o peso líquido de 2.633,394 gramas de cocaína de São Salvador para Lisboa – reduzida para 4 anos e 6 meses de prisão a pena da 1.ª instância de 5 anos e 6 meses, mas afastando a suspensão da execução da pena;

Acórdão de 29-06-2011 (processo n.º 1878/10.5JAPRT.S1-3.ª): cidadão brasileiro, desembarcado em 14-11-2010, no Aeroporto Sá Carneiro, Maia, transportando de Salvador/Brasil, com destino a Barcelona, 2.121, 819 gramas de cocaína – reduzida a pena de 5 anos e 6 meses para 5 anos de prisão;

Neste acórdão de 02-05-2012 foi aplicada a pena de 4 anos e 10 meses de prisão, em substituição da pena de 5 anos e 6 meses de prisão fixada na 1.ª instância, pelo transporte da Venezuela de 2996,5 g de cocaína. 

No acórdão de 20-02-2008, proferido no processo n.º 295/08 – 3.ª Secção, estando em causa o transporte de 2185,33 g de cocaína, foi aplicada a pena de 5 anos de prisão.

No acórdão de 15-10-2014 (processo n.º 553/13-3.ª Secção), estando em causa o transporte de 2132,809 g de cocaína, foram aplicados 4 anos e 8 meses de prisão, em substituição da pena de 5 anos e 6 meses de prisão.

No acórdão de 15-01-2014 (processo n.º 10/13-3.ª Secção), estando em causa o transporte de 200,572 g de cocaína, foi aplicada a pena 5 anos de prisão.

O acórdão de 09-04-2015 (processo n.º 147/14-3.ª Secção) enumera também uma série de decisões deste Supremo Tribunal em que, embora estivesse em causa o transporte de quantidades bem inferiores à que foi apreendida nestes autos, se fixou uma pena próxima da que foi aplicada no acórdão recorrido.

Assim, «no acórdão de 16 de maio de 2002, processo n.º 1258/02, estando em causa 749 gramas de cocaína, a pena de 4 (quatro) anos e 5 (cinco) meses de prisão fixada pelas instâncias foi confirmada; no acórdão de 21 de Setembro de 2006, processo n.º 2818/06, estando em causa 795 gramas de cocaína, foi confirmada a pena de 5 (cinco) anos de prisão; no acórdão de 7 de Fevereiro de 2007, processo n.º 22/07, estando em causa 861 gramas de cocaína, foi confirmada a pena de 5 (cinco) anos de prisão; no acórdão de 13 de Setembro de 2007, processo n.º 2311/07, estando em causa 790 gramas de cocaína, foi confirmada a pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão; no acórdão de 20 de Março de 2008, processo n.º 305/2008, estando em causa 707 gramas de cocaína, foi reduzida a pena de 5 (cinco) anos para 4 (quatro) anos e 3 (três) meses de prisão; e no acórdão de 11 de Março de 2010, processo n.º 100/2009, estando em causa 846 gramas de cocaína, a pena foi reduzida de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses para 4 (quatro) anos de prisão».

No citado acórdão de 09-04-2015, foi fixada a pena de 4 anos e 6 meses de prisão, estando em causa o transporte de cocaína com o peso líquido de 795 gramas.

3. Tudo ponderado, tendo em atenção os padrões jurisprudenciais utilizados neste Supremo Tribunal em matéria de correios de droga, atendendo ao limite definido pela culpa intensa do arguido, ao elevado grau de ilicitude da sua conduta, e às fortes exigências de prevenção geral que se fazem sentir, sendo elevadas também as exigências de prevenção especial, não nos merece censura a pena de 5 anos e 6 meses de prisão fixada pelo Tribunal recorrido, pena que se considera justa e adequada ao crime praticado.

O recurso não merece, pois, provimento.

Tendo em consideração a pena fixada e o disposto no artigo 50.º, n.º 1, do Código Penal, fica prejudicada a questão da suspensão da execução da pena.

IV – DECISÃO

Termos em que acordam os Juízes da 3.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido AA, mantendo-se na íntegra o acórdão recorrido.

Custas pelo recorrente, fixando-se em 5 UCs a taxa de justiça.

Supremo Tribunal de Justiça, 3 de Fevereiro de 2016

(Texto elaborado e revisto pelo relator – artigo 94.º, n.º 2, do CPP).


Os Juízes Conselheiros

MANUEL AUGUSTO DE MATOS

ARMINDO MONTEIRO


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[1]             Destacado, como no original.
[2]             Destacado no original.
[3]             Disponível, como os demais acórdãos que se citarem sem outra indicação quanto à sua fonte, nas Bases Jurídico-Documentais do IGFEJ, em www.dgsi.pt/jstj.
[4]             Doutrina reafirmada nos acórdãos n.os 10/99, de 10 de Fevereiro de 1999, e 319/2012, de 20 de Junho de 2012, todos acessíveis no sítio Internet em www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/.
[5]           Acórdão datado de 06/02/2013, processo nº 181/12.0JELSB.L1.S1, integralmente disponível no sítio www.dgsi.pt.
[6]             Medida da Pena – Finalidades. Escolha, Coimbra Editora, p. 287.
[7]             V. acórdão do STJ de 09-06-2010 (449/09.3JELSB.S1-3.ª).
[8]     Ob. e loc. cits.