Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 4.ª SECÇÃO | ||
Relator: | JÚLIO GOMES | ||
Descritores: | REVISTA EXCECIONAL JUSTA CAUSA DE DESPEDIMENTO | ||
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Data do Acordão: | 05/22/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA EXCEPCIONAL | ||
Decisão: | ADMITIDA A REVISTA EXCECIONAL | ||
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Sumário : |
São questões relevantes e sobre as quais é efetivamente necessário que este Tribunal se pronuncie para uma melhor aplicação do direito, questões como a de determinar quais as consequências do desentranhamento unilateral pelo empregador de um documento que constava da resposta à nota de culpa, mas também sobre a noção de justa causa quando existe um código de ética na empresa, se a referência a esse código permite considerar como justa causa um comportamento que não causa qualquer prejuízo ao empregador (pelo menos ao nível patrimonial), o ónus da prova quanto à existência ao tempo da infração do referido código, bem como o grau de conhecimento que é exigível a um empregador para decidir da aplicação, ou não, de uma sanção disciplinar. | ||
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Decisão Texto Integral: | Processo n.º 13176/21.4T8LSB.L2.S3 Acordam na Formação prevista no artigo 672.º n.º 3 do Código do Processo Civil junto da Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça, AA, Autora da presente ação especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, em que é Ré Mota-Engil, Engenharia e Construção, S.A., veio interpor recurso de revista ao abrigo do artigo 671.º n.º 1 do Código de Processo Civil (doravante designado por CPC), mas também revista excecional ao abrigo do disposto no artigo 672.º, n.º 1, alíneas a), b) e c) do CPC (questão com relevância jurídica, interesse de particular relevância social e contradição de acórdãos1) do acórdão do Tribunal da Relação de 20.12.2023. Arguiu ainda a nulidade do acórdão por omissão de pronúncia. A Ré contra-alegou, invocando a inadmissibilidade do recurso por extemporâneo e por falta de sucumbência. Por despacho de 19.03.2024, o Relator neste Supremo Tribunal de Justiça admitiu a revista nos termos gerais quanto à nulidade, à retificação dos factos assentes e à exceção de caducidade e determinou a remessa do processo à Formação para apreciação dos invocados requisitos específicos de admissibilidade da revista excecional quanto ao remanescente. No recurso de revista excecional a Recorrente coloca as seguintes questões: - Invoca a invalidade do procedimento disciplinar, e a violação do direito de defesa da Autora, “por obliteração e supressão de parte da documentação junta pela A. com a sua resposta à nota de culpa que apresentou junto da R., com consequências ao nível do seu direito de audiência e defesa da A”. Defende que nesse caso não há simplesmente uma recusa em realizar diligências probatórias, o que poderia conduzir á irregularidade do despedimento, mas algo de diverso: “[n]um caso estão em causa diligencias probatórias e noutro está em causa a própria resposta do trabalhador, o seu teor e conteúdo e os documentos para onde esta remete que, sendo suprimidos ou obliterados pelo empregador da resposta à nota de culpa, sem notificação do trabalhador, correspondem a uma amputação da resposta à nota de culpa e do direito de defesa do trabalhador que extravasa em muito o direito de o empregador recusar a prática de diligencias probatórias requeridas pelo trabalhador”. Sublinha que o procedimento disciplinar deve ser junto aos autos na íntegra, o que não terá sucedido. - Invoca que não teria existido, em rigor, qualquer infração disciplinar e que, mesmo que porventura fosse o caso, tal sanção seria desproporcionada. Na sua Conclusão 12 a Recorrente afirma o seguinte: “A sanção disciplinar de despedimento sem indemnização aplicada à A., face à conduta concreta da A., antiguidade da mesma superior a 30 anos e ausência da prática de infrações disciplinares registadas anteriormente, é manifestamente desproporcional e desadequada, face ao contexto concreto da relação laboral da A”. Em matéria de justa causa de despedimento, o Acórdão recorrido afirma o seguinte: “Apesar disso sempre se dirá, ainda que de forma muito sumária, que em face dos factos provados bem decidiu a sentença quando considerou existir justa causa para a apelada proceder ao despedimento da apelante; note-se que não está em causa que a conduta da apelante tenha produzido um qualquer prejuízo económico ou estritamente financeiro para a apelada, pois que em todo o caso esta se dispôs a suportar a renda de casa para aquela habitar; está em causa, sim, a violação do Capítulo III do Código de Ética e Conduta Empresarial, em vigor em cada uma das empresas do Grupo Mota-Engil desde 2015 (factos provados 37 e 45) pois que os factos provados relevantes (maxime os 11 a 15, 21 a 25 e 39 a 44) mostram, ad nauseam usque, que em completa derrogação do conflito de interesses tutelados (no Capítulo III daquele Código de Conduta e no mais que adiante se referirá) escondeu da apelada que estava a propor que arrendasse um apartamento para dispor para a sua habitação e do seu agregado familiar à sua própria filha, com a qual foi para lá viver e partilhava a conta bancária na qual era depositado o valor da renda, mas sem a informar de que a proprietária (15 dias antes do arrendamento…) e depois senhoria era a própria filha; ou seja, por um lado a apelada disponibiliza-lhe o apartamento para nele viver e (presumivelmente) ainda lhe pagava (pelo menos…) metade da renda (já que a conta bancária era conjunta com a proprietária). São factos que, para além de culposos (ao menos presumivelmente), consubstanciam grave violação do dever de lealdade a que estava obrigada para com a apelada e causa para o seu despedimento, uma vez que não seria mais razoavelmente exigir-lhe manter a relação laboral (art.os 343.º, n.º 1, 350.º, n.os 1 e 2 e 344.º, n.º 1 do Código Civil e 128.º, n.º 1, alínea f) e 351.º, n.os 1 do Código do Trabalho)” (negritos no original). De todo o exposto resulta que a Recorrente coloca questões de grande complexidade e sobre as quais é efetivamente necessário que este Tribunal se pronuncie para uma melhor aplicação do direito. Questões como a de determinar quais as consequências do desentranhamento unilateral pelo empregador de um documento que constava da resposta à nota de culpa, mas também sobre a noção de justa causa quando existe um código de ética na empresa e se a referência a esse código permite considerar como justa causa um comportamento que não causa qualquer prejuízo ao empregador (pelo menos ao nível patrimonial), o ónus da prova quanto à existência ao tempo da infração do referido código, bem como o grau de conhecimento que é exigível a um empregador para decidir da aplicação, ou não, de uma sanção disciplinar. Estando preenchida a alínea a) do n.º 1 do artigo 672.º, fica prejudicada a questão de saber se também estarão preenchidas as outras alíneas do mesmo número. Decisão: Admite-se a presente revista excecional. Custas a decidir a final. Lisboa, 22 de maio de 2024 Júlio Gomes (Relator) Mário Belo Morgado Ramalho Pinto
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1. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16.06.2016, proferido no processo n.º 3008/14.5TTLSB.L1.S1. A Autora indicou ainda o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13.07.2023, proferido no processo nº 380/19.4T8OLH-D.E1.S1. Contudo, este acórdão refere-se à questão da retificação de lapsos materiais, questão que será apreciada na revista nos termos gerais.↩︎ |