Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JSTJ00028597 | ||
Relator: | SA NOGUEIRA | ||
Descritores: | CULPA IN VIGILANDO RESPONSABILIDADE CIVIL PORTE DE ARMA MENOR LUCRO CESSANTE DANOS FUTUROS JUROS | ||
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Nº do Documento: | SJ199511020467833 | ||
Data do Acordão: | 11/02/1995 | ||
Votação: | MAIORIA COM 1 VOT VENC | ||
Referência de Publicação: | BMJ N451 ANO1995 PAG39 | ||
Tribunal Recurso: | T CIRC SETUBAL | ||
Processo no Tribunal Recurso: | 272/89 | ||
Data: | 06/30/1993 | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REC PENAL. | ||
Decisão: | PROVIDO PARCIAL. | ||
Área Temática: | DIR CIV - DIR RESP CIV. | ||
Legislação Nacional: | CP82 ARTIGO 19. CCIV66 ARTIGO 130 ARTIGO 491 ARTIGO 496 N1 ARTIGO 500 ARTIGO 503 ARTIGO 504 ARTIGO 505 ARTIGO 506 ARTIGO 507 ARTIGO 508 ARTIGO 509 ARTIGO 510. | ||
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Sumário : | I - Relativamente à prática de ilícitos criminais por menores de mais de 16 e menos de 18 anos, não se pode falar, em regra, de um dever especial de vigilância por parte de seus pais, nomeadamente o previsto no artigo 419 do Código Civil, por esses menores já não serem "naturalmente incapazes" quanto à prática e responsabilização pela comissão de actos criminosos. II - Por isso, não podem os pais, nesses casos, serem condenados no pagamento de qualquer indemnização a ofendido por crime cometido por filho menor com mais de 16 anos. III - Diferente é a situação face aos crimes involuntários praticados na condução de veículos automóveis, por os pais aí poderem ser responsabilizados como comitentes. IV - Responde pelo risco, nos termos do artigo 500 do Código Civil, o proprietário de uma arma que a empresta a menor. V - Essa responsabilidade não beneficia de qualquer limitação, por os preceitos dos artigos 503 a 510 apenas se aplicarem aos casos neles contemplados - veículos e instalações eléctricas e de gás. VI - Apenas são passíveis de tutela os danos de natureza não patrimonial sofridos pelo próprio ofendido, por serem direitos de carácter estritamente pessoal. VII - Relativamente a danos patrimoniais cujo valor se encontre determinado no momento da dedução do pedido de indemnização, o lesado pode optar: a) - por formular o pedido do seu montante, acrescido de juros desde a data da sua produção; b) - formular esse pedido com referência à contagem dos juros desde a data da citação do responsável civil; c) - com substituição do pedido de juros por um pedido de actualização monetária. VIII - Relativamente aos danos não patrimoniais os juros apenas são contados desde a data da sua fixação, ou seja, desde a data da prolação da decisão em 1. instância. IX - Não são lucros cessantes (que apenas existem com a perda de ganho que seria inevitável) mas sim danos futuros, a diminuição da capacidade de ganho com que o ofendido ficou em virtude do crime. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na 2. Subsecção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça: No processo comum 272/89, da 2. Secção do Círculo de Setúbal, o arguido A, solteiro, distribuidor, filho de B e de C, nascido em 17 de Janeiro de 1972, no Montijo, residente em Palmela, que se encontrava acusado da comissão de um crime de ofensas corporais graves, do artigo 143, alíneas b) e c), do Código Penal, veio a ser condenado pela prática de um crime de ofensas corporais agravadas pelo resultado, dos artigos 145 n. 2 e 144 n. 2, com referência ao 143, alínea b), do mesmo Código, na pena de 2 anos de prisão, com a respectiva execução suspensa por 3 anos. Foram deduzidos pedidos cíveis de indemnização pelos pais do ofendido, como assistentes, e em nome daquele, contra o arguido, contra os pais deste, e contra o proprietário da arma utilizada, e os mesmos vieram a ser declarados parcialmente procedentes, e, em consequência, os demandados foram condenados no pagamento, aos pais do ofendido, de 491726 escudos e 50 centavos, de danos patrimoniais, e de 1000000 escudos (500000 escudos a cada um), de danos morais, e, ao menor ofendido, de 4000000 escudos, de perda da capacidade de ganho, e de 3000000 escudos, de danos morais e, em qualquer caso, no dos respectivos juros legais. A arma usada pelo arguido foi declarada perdida a favor do Estado. Inconformados, recorrem para este Supremo Tribunal, com o benefício do apoio judiciário, o arguido e seus pais, demandados cíveis, a defenderem que a indemnização deve ser reduzida para 3550000 escudos (250000 escudos de despesas de assistência e transporte, 600000 escudos para os pais do ofendido, a título de danos morais, e 2700000 escudos para este - por danos morais), sem juros, por tais importâncias estarem actualizadas com referência à data da decisão recorrida, e com relegação para execução de sentença da liquidação dos lucros cessantes determinados pela diminuição da capacidade física do lesado. Nas respectivas contra-motivações, o Excelentíssimo Magistrado do Ministério Público, o menor ofendido e seus pais, defenderam a manutenção do decidido. Foram corridos os devidos vistos e procedeu-se ao julgamento com observância do adequado formalismo. A matéria de facto que o colectivo deu como definitivamente provada é a seguinte: 1) Em 10 de Julho de 1988, pelas 19 horas, o arguido estava a brincar com um computador, com os menores D(nascido em 6 de Julho de 1981) e E (então com 11 anos), na garagem da residência destes, no Pinhal Novo. A mãe desses menores, F, disse ao E para desligar o computador, em virtude de este se encontrar a funcionar havia já um certo tempo, e o E desligou-o, então, quando o arguido o estava a utilizar. O arguido não gostou de que o computador tivesse sido desligado e, em seguida, pegou na carabina de pressão de ar da marca Nórica, modelo 80-G, n. 160976, de calibre 4,5 milímetros, com alça e mira telescópica, que estava em seu poder havia dois dias, e que lhe havia sido emprestada pelo seu proprietário, G, id. a folha 17, abriu-a, introduziu-lhe um bago de chumbo, e, a cerca de dois metros do D, apontou-a a este e efectuou um disparo. O chumbo disparado foi atingir o olho esquerdo do D, o qual logo deitou muito sangue e caiu no colo do irmão José, que se encontrava à sua retaguarda. Com essa actuação, o arguido provocou no D atrofia no globo ocular esquerdo, com perda definitiva e completa da visão do mesmo olho, o que lhe motivou doença por 175 dias, com perigo para a vida, e necessidade de passar a usar uma prótese. O arguido sabia que não podia utilizar dessa forma a referida arma. Ao disparar o tiro em direcção ao D, o arguido sabia que colocava em perigo a vida e a integridade física deste, mas, mesmo assim, disparou e conformou-se com a criação desse perigo. O arguido agiu de forma livre e conscientemente, sabedor de que a sua conduta não era permitida. Logo após o sucedido, o arguido tentou socorrer o D, chamou os bombeiros, e acompanhou-o ao Hospital do Montijo. Na véspera dos factos, o arguido, depois de ter feito disparos nos quintais sobre pássaros, apontou a arma ao ouvido do ofendido e de outros menores, e efectuou disparos de simples pressão de ar, enquanto dizia que era só a fingir e para assustar. Tinha, na data dos factos, 16 anos, e tem tido bom comportamento, anterior e posteriormente. Vive com os pais, e começou a trabalhar, pouco antes do julgamento, como distribuir, por conta da firma Socar, com o vencimento mensal de 60000 escudos. Revela-se uma pessoa dotada de personalidade calma e não conflituosa, sem problemas de relacionamento com outros jovens da sua idade ou mais novos, e tem vindo a prestar serviço, em regime de voluntariado, aos Bombeiros Voluntários de Pinhal Novo. 2) O ofendido D foi sempre uma criança saudável, sem quaisquer limitações físicas ou psíquicas, tinha passado para o segundo ano escolar, brincava e praticava desporto, como a natação, com outras crianças da sua idade, e, além da perda definitiva e completa da visão do olho esquerdo, ficou com um projéctil de chumbo na cabeça, e teve de suportar sofrimentos físicos e morais, e de passar algum tempo fechado num quarto escuro, em situação de desespero e de sofrimento. Com essa mutilação e suas consequências, o D ficou definitivamente diminuído, tanto no aspecto físico e estético, como no neuro-psíquico, pela introdução e permanência do projéctil de chumbo no interior da caixa craniana de consequências indeterminadas, e fixado na região da fissura orbitária superior esquerda. 3) Os pais do D suportaram e suportam profundo sofrimento com o sucedido a este seu filho, e gastaram a quantia global de 491726 escudos em despesas relacionadas com tratamentos, assistências, e transportes do filho. 4) O arguido e os pais sempre se interessaram pela situação do D, visitaram-no, e procederam ao pagamento da conta do Hospital em que esteve internado. São pessoas de modesta condição social e económica. A mãe é doméstica, e o pai electricista naval. 5) Os pais do ofendido são pessoas de condição modesta e remediados, proprietários de um táxi, que exploram através da prestação de serviços de táxi. E não foi dado como provado que: - O arguido não tivesse ficado zangado pelo facto de o computador ter sido desligado; - tivesse sido o arguido a desligar o computador; - o arguido se tivesse aprestado para abandonar a casa logo que o computador foi desligado; - o D, quando o arguido ia a sair, o tivesse chamado para voltarem a brincar no dia seguinte; - o arguido se tivesse voltado para responder ao chamamento do D; - o disparo se tivesse efectuado em virtude de o arguido ter inadvertidamente puxado o gatilho da arma; - o arguido demonstrasse prazer especial em se fazer acompanhar da arma e evidenciasse a sua capacidade de precisão, e considerasse o uso da arma como um índice de promoção social; - o arguido entrasse na casa do ofendido com liberdade, anteriormente adquirida pela habitual frequência, antes da compra da casa pelos pais do ofendido; - o arguido nunca antes tivesse manuseado qualquer arma do mesmo tipo ou qualquer outra. Os recorrentes limitaram os recursos à matéria de indemnização fixada, pelo que se não apreciará o que respeita ao aspecto criminal da conduta do arguido. Os recorrentes, como oportunamente se frisou, pretendem que: 1) - a indemnização deve ser reduzida para 3550000 escudos (850000 escudos para os pais do ofendido e 2700000 escudos para este); 2) - não sejam devidos juros; 3) - seja relegada para execução de sentença da liquidação dos lucros cessantes determinados pela diminuição da capacidade física do lesado. Por isso, os problemas suscitados pela matéria em recurso encontram-se relacionados com os seguintes aspectos: a) - Possibilidade de responsabilização dos demandados pais do arguido pelo pagamento de indemnizações; b) - Possibilidade de responsabilização do demandado Sérgio Taia, na sua qualidade de dono da arma utilizada pelo arguido; c) - Possibilidade de, em situações de responsabilidade pelo risco, diversas da que advém da produção de acidentes de viação sem culpa, haver ou não limitação dos montantes da indemnização; d) - Determinação de haver ou não direito a indemnização a favor dos pais do ofendido quanto a danos de natureza não patrimonial; e) - Determinação dos montantes dos danos indemnizáveis; f) - Determinação de haver ou não lugar a juros, e, no caso afirmativo, sobre que valores e desde quando; g) - Possibilidade ou não de ser relegada para execução de sentença a determinação dos lucros cessantes determinados pela diminuição da capacidade física do lesado. Passemos a considerá-los separadamente. A) - A POSSIBILIDADE DE RESPONSABILIZAÇÃO DOS PAIS DO ARGUIDO: O arguido era criminalmente imputável à data da prática dos factos, visto já haver feito os 16 anos (artigo 19 do Código Penal), embora ainda não tivesse atingido a maioridade civil (artigo 130 do Código Civil). O artigo 491 deste último diploma estatui que as pessoas que, por lei ou negócio jurídico, forem obrigadas a vigiar outras por virtude da incapacidade natural destas, são responsáveis pelos danos que elas causem a terceiro, salvo se mostrarem que cumpriram o seu dever de vigilância ou que os danos se teriam produzido ainda que o tivessem cumprido. No processo 42842, de que foi relator o dos presentes autos, foi já apreciada uma situação bastante semelhante à deste caso, e nele acabou por se concluir que a "culpa in vigilando" contemplada no transcrito artigo 491 só se verifica quando as pessoas encarregues da vigilância de um incapaz, nomeadamente os pais deste, não tenham cumprido o adequado dever de vigilância que sobre eles impende (o que não ocorria na situação concreta aí examinada), embora se aceitasse que existia um dever de vigilância dos mesmos relativamente a actos ilícitos criminais dos aludidos menores de mais de 16 mas menos de 18 anos, como se pode comprovar pela nota que a final vai transcrita (Nota 1). Um exame mais desenvolvido do problema leva-nos, no entanto, à conclusão de que devem ser revistas as premissas do raciocínio que admite a responsabilização dos pais do menor de mais de 16 mas menos de 18 anos, não interditado nem em vias de interdição por anomalia mental, por actos criminosos por este praticados. Na verdade, e quanto a menores nessas situações, deve-se entender que o mencionado artigo 491 não tem qualquer aplicação, uma vez que os menores dessa idade já não são "naturalmente incapazes" quanto à prática de e quanto à responsabilização pela comissão de actos criminosos, uma vez que a legislação específica que regula estes últimos, o Código Penal, lhes atribui imputabilidade (isto é, e por outras palavras, capacidade plena para a sua prática), e que tais menores ficam sujeitos à legislação comum (a legislação punitiva especial para jovens adultos - os menores entre 16 e 21 anos - só tem aplicação, como é sabido, se o Tribunal entender, pelo exame do caso e da personalidade daquele, que da sua aplicação pode resultar vantagem para a reinserção social do jovem delinquente). Desta forma, e quanto à prática de ilícitos criminais por jovens adultos, não se pode falar, em regra, de um dever especial de vigilância dos pais sobre os mesmos e na aplicabilidade do aludido artigo 491, ou em culpa dos progenitores por falta de vigilância daqueles, já que o comando deste só englobará normalmente os actos de natureza não criminal relativamente aos quais se mantém a "natural incapacidade" dos referidos menores. Situação diferente da agora prevista será, como parece evidente, a que resulta da prática de ilícitos negligentes no exercício da condução de viatura pertencente a qualquer dos pais, por menores jovens adultos, em virtude de, nesses casos, a responsabilização dos progenitores do menor vir a ser fundada, não na omissão do dever de vigilância, mas nas regras especiais que, em termos de direito estradal, regulam a responsabilidade do comitente pelos actos do comissário. Daí que os demandados, pais do arguido, não possam ser condenados no pagamento de qualquer indemnização com base nesse artigo. Por outro lado, e mesmo que se adoptasse o entendimento contrário, também a solução seria a mesma, em virtude de, tal como ocorreu no acórdão a cuja transcrição parcial se procedeu, se não ter feito a demonstração de culpa dos mesmos demandados na produção do crime cometido pelo arguido. B) - A POSSIBILIDADE DE RESPONSABILIZAÇÃO DO DONO DA ARMA: O demandado G, dono da carabina usada pelo arguido e que a havia emprestado a este, não recorreu da decisão, mas o recurso interposto pelo arguido e pelos pais deste aproveita-lhe, não só em relação à matéria dos montantes indemnizatórios, com em relação aos problemas de ilegitimidade, em virtude de, em processo penal, haver lugar à apreciação desta última ainda nesta fase dos autos. A responsabilização, pelo uso que vier a ser feito, do proprietário de uma arma de tiro de pressão de ar que a entrega a um menor de 16 anos, é possível ao abrigo da teoria do risco, uma vez que, embora a responsabilidade desta natureza seja de natureza excepcional e não possa ser estendida a hipóteses não consideradas na lei, a situação em causa se deve considerar abrangida pelo artigo 500 do Código Civil (o empréstimo da arma, para treinar, para experimentar, para caçar pássaros, ou para outra qualquer finalidade, implica uma comissão, e coloca o menor, automaticamente, na posição de comissário do dono da dita arma, pelo que este último é responsável pelos prejuízos que o menor cause nessa qualidade. Desta forma, aquele demandado responde pelo risco, nos termos do mencionado artigo 500 do Código Civil. C) - EXISTÊNCIA OU NÃO DE LIMITAÇÃO DA RESPONSABILIDADE DO DONO DA ARMA: Os limites indemnizatórios fixados pela lei para diversas situações de responsabilidade pelo risco (artigos 503 a 510 do Código Civil) só têm aplicação aos casos específicos a que tais artigos se referem, como resulta da simples leitura das respectivas disposições (veículos de circulação terrestre, com inclusão dos comboios, e instalações de energia eléctrica ou de gás), do que resulta que, na situação concreta dos autos, não existe qualquer limite legal quanto ao montante da indemnização que deva ser arbitrada. É de notar, todavia, ao abrigo das regras da unidade do direito e da aplicação uniforme da justiça, que se deverão ter em atenção os referidos valores, especialmente no que respeita à fixação de indemnizações por danos de natureza não patrimonial, para se evitarem situações de injustiça relativa quanto a casos em que se verifique a produção de um resultado semelhante e que sejam regidas pelas regras da responsabilidade pelo risco. D) - DETERMINAÇÃO DA EXISTÊNCIA DO DIREITO A INDEMNIZAÇÃO POR PARTE DOS PAIS DO OFENDIDO: De acordo com a nossa jurisprudência uniforme, só são passíveis de indemnização os danos da natureza não patrimonial sofridos pelo lesado, bem como os sofridos pelos seus especiais herdeiros indicados na específica disposição do artigo 496 do Código Civil, mas, neste caso, apenas quando do acto ilícito tenha resultado a morte do lesado. E isso porque se tem entendido que o preceito do n. 1 do dito artigo ("Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito") deve ser interpretado no sentido de que, por razões de segurança e de uniformidade de aplicação do sistema jurídico, só merecem a tutela do direito os danos não patrimoniais sofridos pelo próprio ofendido, dado que é este o titular dos direitos e interesses de natureza não patrimonial (isto é, de carácter estritamente pessoal). Nessa medida, os pais do menor ofendido não podem reclamar e muito menos receber importâncias a título de indemnização por danos não patrimoniais próprios, pelo que é incorrecta e não permitida pela lei a atribuição aos mesmos de uma indemnização de 500000 escudos a cada um, a título de danos não patrimoniais (angústia e sofrimento com a doença do filho). Não se põe em dúvida que tiveram essas angústia e sofrimento, mas o que sucede é que, como se indicou, as mesmas, no nosso sistema jurídico, só permitem a fixação de uma indemnização nos casos em que a angústia e sofrimento tenham sido sofridos pelo próprio lesado ou naqueles em que o demandante seja herdeiro específico deste, se o mesmo tiver falecido em consequência do acto ilícito gerador da obrigação de indemnizar. Por isso, haverá que, afinal proceder à correspondente alteração do decidido. E) - DETERMINAÇÃO DOS MONTANTES DOS DANOS INDEMNIZÁVEIS Como se frisou, o acórdão condenou os demandados no pagamento, aos pais do ofendido, de 491726 escudos e 50 centavos, de danos patrimoniais, e de 1000000 escudos (500000 escudos a cada um), de danos morais, e, ao menor ofendido, de 4000000 escudos, de perda da capacidade de ganho, e de 3000000 escudos, de danos morais, e, em qualquer caso, no dos respectivos juros legais. Os recorrentes, por seu lado, vieram defender que a indemnização deve ser reduzida para 3550000 escudos (250000 escudos de despesas de assistência e transporte, 600000 escudos para os pais do ofendido, a título de danos morais, e 2700000 escudos para este - por danos não patrimoniais), sem juros, por tais importâncias estarem actualizadas com referência à data da decisão recorrida. Quanto a este aspecto, não se pode olvidar que os pais do ofendido gastaram a quantia global de 491726 escudos em despesas relacionadas com tratamentos, assistências, e transportes do filho. Por isso, e contrariamente ao pretendido pelo recorrente, o valor dos prejuízos materiais directamente suportados pelos demandantes pais do ofendido, é desse montante e não do de 250000 escudos. Neste ponto, por conseguinte, não pode proceder o recurso. No que respeita aos prejuízos de ordem não patrimonial (que, repete-se, são exclusivamente devidos ao menor D), o valor de 3000000 escudos achado pela primeira instância, e referido como foi à data da prolação do acórdão, mostra-se perfeitamente adequado para compensar uma lesão de que resulta a perda da visão de um olho para um menor de 7 anos e que, por isso, sofreu fortes dores e angústia (sofrimentos físicos e morais) como bem se referiu no mesmo acórdão. Não deve, por isso, ser o mesmo reduzido com o que também nessa parte não procede o recurso. F) - HAVER OU NÃO LUGAR AO PAGAMENTO DE JUROS A jurisprudência tem-se dividido quanto à solução do problema da determinação do momento a partir do qual serão devidos juros moratórios em consequência da prática de actos ilícitos de natureza criminal, mas parece estar a fixar-se nos seguintes moldes: Relativamente a danos materiais cujo valor se encontre determinado no momento da dedução do pedido indemnizatório, o lesado pode optar por uma de três atitudes - formular o pedido do seu montante, acrescido dos juros desde a data da produção dos mesmos, quanto ao autor do acto criminoso; formulá-lo, mas referência com a contagem dos juros desde a data da citação do simples responsável civil; formulá-lo, mas com substituição do pedido de juros por um pedido de actualização monetária em função das taxas de inflação. E, quanto à indemnização por danos não patrimoniais, como a fixação destes é sempre referida à data da sua determinação, isto é, à da prolação da decisão em primeira instância, quaisquer juros que sejam devidos só poderão ser contados da data da correspondente fixação pelo Tribunal. Nesta conformidade, os juros serão devidos desde a notificação para a contestação do pedido, no que concerne à importância devida a título de danos patrimoniais, e desde a data da decisão da primeira instância quanto aos restantes. G) ADMISSIBILIDADE DA RELEGAÇÃO PARA EXECUÇÃO DE SENTENÇA DA DETERMINAÇÃO DO VALOR DOS LUCROS CESSANTES RESULTANTES DA PERDA DA CAPACIDADE DE GANHO DO OFENDIDO O acórdão recorrido considerou que o menor D, em consequência do tiro, viu fortemente diminuída a sua futura capacidade de ganho, e que esse facto correspondia à figura de "lucros cessantes", cujo valor indemnizatório deveria ser encontrado com base em critérios de equidade, com base no ensinamento do prof. Vaz Serra, in R.L.J. 108, 224. Em harmonia com essa posição, fixou o correspondente valor em 4000000 escudos, com base na tese de que o ofendido D se viu fortemente diminuído na sua capacidade futura de trabalho e de opção de vida, bem como na de aquisição posterior de conhecimentos. É preciso frisar, no entanto, que se não configura como correcto o enquadramento desta realidade na figura dos lucros cessantes, uma vez que esta, como já foi frisado no processo 41775, de que também foi relator o do presente, tal figura respeita apenas a situações em que se verifica uma perda de valores monetários cujo ganho teria sido inevitável, por estarem em via de concretização, se não tivesse ocorrido a situação de impossibilidade da sua verificação em consequência de um crime de que é vítima o lesado, como se vê pela transcrição, a final, da parte do acórdão em causa em que se discutiu o problema (Nota 2). No caso concreto, não se deve falar, pois, em lucros cessantes, mas em "danos futuros" (na terminologia do mencionado acórdão), os quais, na situação dos autos, têm "uma natureza de danos equiparados a prejuízos não patrimoniais (ainda que em vários casos possuam uma base de natureza patrimonial), porque o tratamento legal que lhes é dado, no caso de morte do lesado, com referência às regras de prestação e fixação de alimentos a quem deles necessite ou que a eles tenha direito (determinação de forma equitativa, através do recurso ao prudente arbítrio do legislador), corresponder às características de um julgamento de direito, elaborado a partir de conceitos de justiça e de equidade, e não de um julgamento meramente de facto, efectuado a partir de dados concretos provados ou não provados". Ora, uma vez que a sua natureza é a indicada, bem andou o colectivo em proceder à sua fixação com recurso a critérios de equidade, o qual é, de resto, o único possível dentro do adoptado enquadramento, por corresponder a uma determinação jurídica do valor dos danos. E, precisamente porque a sua determinação não respeita a um julgamento de matéria de facto, devia igualmente o seu montante ser fixado, como foi, pela decisão em recurso, sem se tornar possível que o respectivo apuramento se processasse em execução de sentença. Nesta parte, também, por conseguinte, improcede o recurso. Vejamos, por isso, se se mostra ou não correcta a respectiva fixação. A referida importância corresponde a um capital que, ao juro tendencial de 8 porcento preconizado pela Comunidade Europeia, se traduz num rendimento mensal de pouco mais de 26000 escudos, o qual, no momento actual se configura como o mínimo adequado para, como se disse no acórdão impugnado, se compensar economicamente o ofendido D pelo prejuízo moral de se ter visto fortemente diminuído na sua capacidade futura de trabalho e de opção de vida, bem como na de aquisição posterior de conhecimentos. Nestes termos, em função do exposto, concedem parcial provimento ao recurso interposto da matéria cível, pelo que absolvem os recorrentes pais do arguido de qualquer obrigação de indemnizar, e absolvem o arguido da de indemnizar os pais do menor D quanto aos danos de natureza não patrimonial (500000 escudos a cada um) que se tinha considerado terem sofrido, absolvição esta (última) que se estende igualmente ao demandado G. No mais, confirmam a decisão em causa, com a apontada rectificação de enquadramento da indemnização pela perda da capacidade futura e incerta de ganho do menor ofendido. Custas pelo recorrente A e pelos recorridos assistentes, pais do menor D, na proporção de 92,5 porcento para o primeiro e de 7,5 porcento para os segundos, e com a taxa reduzida, em harmonia com o Código das Custas Judiciais, sem se esquecer que o primeiro litiga com apoio judiciário. Lisboa, 2 de Novembro de 1995. Sá Nogueira, Costa Pereira, Sousa Guedes (vencido, nos termos da declaração de voto que junto). Sá Pereira. ------------------------------------------------------- (1.) Este art. 419 tem de ser conjugado com os artigos 122, 123, 1878 n. 1, e 1881 n. 1 do mesmo diploma, segundo os quais: são menores as pessoas de menos de 18 anos; os menores carecem de capacidade para o exercício dos direitos; e compete aos pais, no interesse dos filhos, velar pela segurança e saúde destes, dirigir a sua educação, e representá-los, o que compreende o exercício de todos os direitos e o cumprimento de todas as obrigações do filho. Da conjugação destes preceitos resulta que os pais, na medida em que lhes compete velar pela segurança e dirigir a educação dos filhos menores, têm um dever legal de vigilância sobre estes. Verifica-se, assim, o primeiro dos requisitos daquele artigo 491, uma vez que o arguido tinha pouco mais de 16 anos de idade quando os factos ocorreram. Em consequência, há que analisar o sentido e alcance desse mesmo artigo, quando estabelece a responsabilidade dos obrigados à vigilância pelos danos causados pelos vigiados, excepto quando demonstrarem, ou que o dever de vigilância foi cumprido, ou que o evento se teria produzido de qualquer maneira, ainda que tivessem cumprido tal dever. O artigo em causa está integrado na Subsecção da responsabilidade por factos ilícitos e não na da responsabilidade pelo risco, pelo que se encontra sujeito à disciplina dos primeiros e não à dos segundos. Significa isso que a responsabilidade que recai sobre os pais e encarregados da vigilância sobre os menores se funda na culpa, resultante de, nessa vigilância, terem descurado os deveres próprios do exercício de tal função. Esta culpa, porque de natureza civil, é apreciada em harmonia com o artigo 487 n. 2 do Código Civil, isto é, e na falta de outro critério, pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso, embora, na situação especial da "culpa in vigilando", haver que ter igualmente em atenção, recair sobre o eventual responsável a obrigação de provar ter cumprido o seu dever de vigilância ou que os danos se teriam produzido ainda que o tivesse cumprido (artigo 491 já citado). No caso dos autos, provou-se que o arguido era um rapaz especialmente bem comportado, sensato, normalmente pacífico, que possuía diversos canivetes e navalhas, que, por vezes levava para a escola para mostrar aos colegas. E provou-se igualmente que uma dessas armas era a navalha de ponta e mola usada no crime, que os pais sabiam estar na sua posse, e que o arguido levava por sua vez, levava nesse dia à cinta, para o passeio pelo campo na companhia da vítima, a qual, por sua vez, levava também à cinta uma faca de mato. Provou-se, finalmente que o arguido e a vítima eram amigos, tinham saído a passear, em "exploração" do mato, como já sucedera em outras ocasiões, e se envolveram em desordem depois de a vítima ter feito afirmações desprimorosas para os familiares do arguido, que muito o magoaram, desordem essa em que ambos vieram a fazer uso das armas brancas de que estavam munidos. O arguido tinha 16 anos de idade e a vítima 14 anos. Os elementos acabados de referir são especialmente esclarecedores de que um vulgar pai de família não estaria obrigado a um dever de vigilância superior àquela que foi exercida pelos demandados em relação ao arguido. ............................. Nestas condições, deve-se concluir que os demandados fizeram a adequada prova de terem exercido o dever de vigilância que teria sido desenvolvido por um bom pai da família, bem como de ser imprevisível a conduta agressiva do arguido, do que resulta a sua irresponsabilidade civil, ao abrigo do mencionado artigo 491 do Código Civil. ------------------------------------------------------- ------------------------------------------------------- (2.) A reparação dos prejuízos causados pela prática de um acto ilícito, imputável a alguém a título de dolo ou de negligência, compreende, por tradição, as seguintes realidades, se bem que, por vezes, elas se encontrem um bocado confundidas entre si: - danos emergentes, os quais incluem os "prejuízos directos" e as "despesas imediatas", ou necessárias; - ganhos cessantes; - lucros cessantes; - custos de reconstituição ou de reparação; - danos futuros; - prejuízos de ordem não patrimonial. (artigos 483, 495, e 496 do Código Civil). Os "prejuízos directos" traduzem-se na perda, destruição, ou danificação de um bem, o qual tanto pode ser um objecto, como um animal, ou como uma parte do corpo do lesado, ou o próprio direito à vida deste, ao passo que as "despesas necessárias ou imediatas" correspondem ao custo de prestação dos serviços alheios necessários, quer para a prestação de auxílio ou de assistência, quer para a eliminação de aspectos colaterais decorrentes do acto ilícito, aspectos estes que abrangem realidades tão diversificadas como a limpeza do local, os reboques de viaturas, ou o enterro de quem tenha falecido. Os "ganhos cessantes" correspondem à perda da possibilidade de ganhos concretos do lesado, perda esta que não deve ser confundida com a "perda da capacidade de trabalho", que é, nitidamente, um dano directo que se pode aferir em função da tabela nacional de incapacidades, nem com a "perda da capacidade de ganho", que é o efeito danoso, de natureza temporária, ou definitiva, que resulta para o ofendido do facto de ter sofrido uma dada lesão, impeditiva da sua obtenção normal de determinados proventos certos, em regra até ao momento da reforma ou da cessação da actividade, como paga do seu trabalho. E esta realidade não deve ser confundida, também, com a perda efectiva de proventos futuros de natureza eventual, ainda que em vias de concretização, nem com a perda que possa resultar do eventual desaparecimento de uma situação de trabalho, produtora ou potencialmente produtora de ganhos. Na verdade, a perda da possibilidade de ganho concreto e a de proventos futuros de natureza eventual mas em vias de concretização incluem-se na dos prejuízos directos, embora com uma importante vertente de danos futuros, e a que possa resultar do eventual desaparecimento de uma relação de trabalho inclui-se unicamente na dos danos futuros, de que a seguir se tratará. Os "lucros cessantes" compreendem a mencionada realidade, de perda de ganhos futuros, em vias de concretização, de natureza eventual ou sem carácter de regularidade, que o lesado não consegue obter em consequência do mencionado acto ilícito. Os "custos de reconstituição ou de reparação" correspondem ao preço dos bens ou serviços necessários para proceder a uma correcta reparação, quando tal seja possível, do objecto, animal, ou da parte do corpo ou órgão destruídos ou danificados, e compreendem, por isso, entre outros, os preços de oficina, de hospitalização, de operações cirúrgicas, e, até, de eventuais próteses que se torne necessário efectuar, motivo pelo qual existe uma estreita relação entre eles e o campo dos "danos ou prejuízos directos", mas sem que as duas realidades se confundam, como parece óbvio. Os "danos futuros" compreendem os prejuízos que, em termos de causalidade adequada, resultarem para o lesado (ou resultarão, de acordo com os dados previsíveis da experiência comum), em consequência do acto ilícito que foi obrigado a sofrer, ou para os chamados "lesados em segundo grau", da ocorrência da morte do ofendido em resultado de tal acto ilícito, e, ainda, os que poderiam resultar da hipotética manutenção de uma situação produtora de ganhos durante um tempo mais ou menos prolongado e que poderá corresponder, nalguns casos, ao tempo de vida laboral útil do lesado, e compreendem, ainda, determinadas despesas certas, mas que só se concretizarão em tempo incerto (como o são, por exemplo, substituições de uma prótese, ou futuras operações cirúrgicas, etc.). Os "danos morais", ou "prejuízos de natureza não patrimonial", correspondem, finalmente, àquilo que, na linguagem jurídica se costuma designar por "pretium doloris", ou ressarcimento tendencial da angústia, da dor física, da doença, ou do abalo psíquico-emocional resultante de uma situação de "luto" (transtorno afectivo e das faculdades psíquicas originado por uma situação de perda de objecto ou do "ser" amado). Ora, Se não surgem dúvidas quanto à caracterização, como prejuízos de ordem estritamente patrimonial, dos "danos emergentes" (nas modalidades de "prejuízos directos" e "despesas necessárias"), dos "ganhos cessantes", dos "lucros cessantes", e dos "custos de reconstituição ou de reparação", nem quanto à caracterização dos chamados "danos morais" como prejuízos de ordem não patrimonial, já as mesmas se podem verificar quanto ao enquadramento, numa ou na outra dessas categorias, da figura dos "danos futuros" a que atrás se fez referência. É que as realidades da vida que se incluem nessa figura têm, na maioria dos casos, características das duas categorias, de modo que aquelas acabam por possuir aspectos de danos de natureza patrimonial e de danos de natureza não patrimonial. Inclinamo-nos, no entanto, para, nesses caso (e salvo as situações em que os danos futuros têm exclusiva natureza patrimonial por corresponderem a despesas que haja que fazer mais tarde, como o são, no caso concreto, as futuras substituições da prótese do assistente, ou futuras operações necessárias, etc.), lhes conferir uma natureza de danos equiparados a prejuízos não patrimoniais (ainda que em vários casos possuam uma base de natureza patrimonial), porque o tratamento legal que lhes é dado, no caso de morte do lesado, com referência às regras de prestação e fixação de alimentos a quem deles necessite ou que a eles tenha direito (determinação de forma equitativa, através do recurso ao prudente arbítrio do legislador), corresponder às características de um julgamento de direito, elaborado a partir de conceitos de justiça e de equidade, e não de um julgamento meramente de facto, efectuado a partir de dados concretos provados ou não provados. É essa sua natureza acabada de referir que explica que, para a determinação dos aludidos "danos futuros", os Tribunais se tenham vindo a socorrer de diversos critérios, todos de natureza discutível e imperfeita, para o cálculo do valor dos prejuízos em que eles se traduzem para o lesado. Na verdade, têm sido defendidas, pelo menos, as seguintes posições: - a) - Para a determinação dos "danos futuros" de expressão mais vincadamente patrimonial, deve-se atender à ideia de ser necessário encontrar o capital que, colocado a render, à taxa normal de juro, ou a uma taxa de juro considerada como ponderada em função da inflação, produza como rendimento o ganho anual que o lesado recebia no momento da determinação do seu prejuízo; - b) - Para tal determinação, deve-se atender ao vencimento do lesado nesse momento da determinação do prejuízo, e ao tempo provável da manutenção normal da sua capacidade de trabalho, por forma a obter um capital que se esgote no termo desse prazo, na sequência de retiradas anuais equivalentes ao aludido vencimento durante um ano; - c) - Para essa determinação, deve-se atender à esperança média de vida do lesado, apurada em função dos cálculos actuariais para os seguros de vida, e calcular o capital que corresponda ao pagamento do vencimento anual durante o tempo da mesma esperança de vida; - d) - Para a referida determinação deve-se atender à esperança média de vida útil de trabalho na sua profissão, do lesado, apurada em função de cálculos relativos ao exercício da mesma, e calcular o capital que corresponda ao pagamento do vencimento anual durante o correspondente tempo; - e) - Para tal determinação, deve ter-se em atenção que, ao entregar-se um certo capital, por uma só vez, o respectivo quantitativo deve ser equitativamente reduzido, para evitar um enriquecimento injusto, em virtude de o lesado poder obter dele um rendimento superior ao seu valor, quer através de um investimento financeiro, industrial, ou comercial, quer mediante a sua colocação em conta que vença juros; - f) - Para a mesma determinação, deve-se adoptar um critério empírico idêntico ao que é utilizado para o cálculo das pensões de alimentos, isto é, proporcional às necessidades do lesado e às possibilidades do obrigado; - g) - Para essa determinação, devem-se ter em atenção, qualquer que seja o critério adoptado, factores etiogénicos ou de risco, do lesado, que conduzam a uma diminuição dos valores achados por outras vias, quando os mesmos se revelem em desarmonia com a equidade; - h) - Para a referida determinação, finalmente, só haverá que, muito excepcionalmente, proceder a quaisquer cálculos, em virtude de os factores aleatórios a que se tem de recorrer, deverem conduzir, em regra, à exclusão de qualquer nexo de causalidade entre os aludidos "danos futuros" e o acto ilícito que pretensamente lhes deu origem. Já no que respeita à determinação dos "danos futuros" de carácter vincadamente não patrimonial, mas previsíveis (doenças, psico-somáticas ou não, consequências de natureza disfuncional, de desambientação ou desinserção social ou emocional, etc.), se pode considerar como pacífica a posição de que os mesmos, quando se verifiquem, devem ser objecto de um processo de avaliação idêntico ao usado para a determinação dos chamados "danos morais ou de natureza não patrimonial". E é a existência de todo este leque de opções que justifica que as instâncias se tenham apoiado, para o cálculo da indemnização pelos "danos futuros", na aplicação do critério referido na antecedente alínea b), enquanto a seguradora, no seu recurso, parece defender a adopção do que foi indicado sob a alínea d). Daí que, oportunamente, se tenha de proceder à respectiva determinação, dado que não se verifica acordo dos interessados sobre o critério a adoptar nessa matéria. Declaração de voto: No processo n. 42842 defendeu o Excelentíssimo Relator do presente acórdão que existe o dever de vigilância dos pais relativamente a actos ilícitos criminais dos menores de mais de 16 anos e menos de 18 anos. Diverge agora desse entendimento, considerando que os menores daquela idade (entre os 16 e os 18 anos) já não são "naturalmente incapazes" quanto à prática de e responsabilização pela comissão de actos criminosos, uma vez que a legislação específica que regula estes últimos lhes atribui imputabilidade e que tais menores ficam sujeitos à legislação comum (a legislação punitiva especial para jovens adultos). Desta forma - conclui -, e quanto à prática de actos ilícitos criminais por jovens adultos, não se pode falar de um dever especial de vigilância dos pais sobre os mesmos e na aplicabilidade do artigo 491 do Código Civil ou em culpa "in vigilando", já que o comando daquele artigo só pode abranger os actos de natureza não criminal, relativamente aos quais se mantém a "natural incapacidade" dos referidos menores. Daí que os demandados pais não possam ser condenados no pagamento de qualquer indemnização com base no aludido artigo. Salvo o respeito devido, não posso aderir à tese agora desenvolvida (antes sufragando a do processo n. 42842), pelos seguintes motivos: I - Não pode confundir-se a responsabilidade criminal com a responsabilidade civil daquela decorrente e, quanto a esta, rege o artigo 128 do Código Penal de 1982 (artigo 129 do Código Penal de 1995), que remete para os preceitos da lei civil; II - Também não pode confundir-se a inimputabilidade criminal (artigo 19 do Código Penal) com a civil (artigo 130 do Código Civil), sendo evidente que o legislador teve em vista, num e noutro código, a tutela de interesses diferenciados; III - Segundo a lei civil (artigos 122, 123, 1878, n. 1, 1881, n. 1 e 1885, n. 1 do Código Civil), enquanto dure a menoridade - isto é, até aos 18 anos - compete aos pais, no interesse dos filhos, velar pela segurança, educação (física, intelectual e moral - que abrange o poder de correcção) e saúde destes, e representá-los o que compreende o exercício de todos os direitos e o cumprimento de todas as obrigações do filho; IV - Assim, o dever legal de vigilância dos filhos (compreendido na economia dos referidos preceitos legais) mantém-se até aos 18 anos, nada na lei autorizando a concluir que, após os 16 anos, esse dever deixa de existir em relação a actos de natureza criminal, para o efeito da responsabilidade civil, só podendo manter-se em relação a actos de natureza não criminal; V - Mal se compreenderia que assim fosse e não me parece que o legislador adira a essa ideia. Só assim se compreenderá, de resto, uma norma como a do artigo 136, n. 5 alínea b) do Decreto-Lei n. 114 de 1995 (Código da Estrada), que responsabiliza directamente os pais ou tutores pelas infracções previstas naquele código, desde que conheçam a inabilidade ou imprudência dos seus filhos menores e não obstem, podendo, a que eles pratiquem a condução, solução que abertamente contraria a tese desenvolvida no acórdão. Com esta ressalva, votei o acórdão, por a solução encontrada decorrer da circunstância de não se ter demonstrado a culpa in vigilando (que não se presume) dos demandados pais, não se tratando aqui de responsabilidade objectiva. Por último, entendo não haver lugar a redução da taxa de justiça. Sousa Guedes. |