Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1055/13.3PBFAR.S1
Nº Convencional: 3ª SECÇÃO
Relator: RAUL BORGES
Descritores: CONEXÃO DE PROCESSOS
MATÉRIA DE FACTO
REINCIDÊNCIA
Data do Acordão: 12/17/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO EM PARTE
Área Temática:
DIREITO PENAL – CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DO FACTO / ESCOLHA E MEDIDA DA PENA / REINCIDÊNCIA.
Doutrina:
- Cavaleiro Ferreira, Lições de Direito Penal, Parte Geral, II, Verbo, 1989, p. 151/2;
- Figueiredo Dias, Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, p. 268;
- Germano Marques da Silva, Direito Penal Português, Parte Geral, III, p. 154;
- Maia Gonçalves, Código Penal Anotado, 16.ª edição, p. 268/9.
Legislação Nacional:
CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGO 75.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 12-02-2014, PROCESSO N.º 1335/12.5JAPRT.S1;
- DE 30-04-2014, PROCESSO N.º 2/13.7PEBGC.S1;
- DE 12-11-2014, PROCESSO N.º 56/11.0SVLSB.E1.S1.
Sumário :

I - A reincidência é uma qualificativa que depende da verificação de pressupostos de facto e da formulação de um juízo sobre o inêxito da admonição anterior, indiciando uma maior culpa relativa do facto, podendo ser sinal de maior perigosidade, mobilizadora e potenciadora da prevenção especial.

II - Como é jurisprudência dominante, a circunstância qualificativa da reincidência, prevista no art. 75.º do CP, não opera como mero efeito automático das anteriores condenações, ou seja, não é suficiente erigir a história delitual do arguido em pressuposto automático da agravação, exige-se a demonstração de que as condenações anteriores não tiveram a suficiente força de dissuasão para o afastar do crime.

III -Só através da análise do caso concreto, do seu específico enquadramento, de uma avaliação judicial concreta do pleno das circunstâncias que enformam a vivência do arguido no período em causa, se consegue reconhecer um caso de culpa agravada, em que o arguido deva ser censurado por a condenação anterior não lhe ter servido de suficiente advertência contra o crime, ou uma falta de fundamento para a agravação da pena, por se estar perante simples pluriocasionalidade.

IV -A pluriocasionalidade verifica-se quando a reiteração na prática do crime seja devida a causas meramente fortuitas ou exclusivamente exógenas, que não radicam na personalidade do agente, em que a renovação da actividade criminosa é meramente ocasional ou acidental, em que as circunstâncias do novo crime não são susceptíveis de revelar maior culpabilidade, em que desaparece a indiciação da especial perigosidade, normalmente resultante da reiteração de um crime.

V - Quando a acusação deduzida no processo em apenso seja totalmente omissa quanto à reincidência, quando seja completa a ausência de factualidade tendente a suportar a agravativa, que apenas teve em vista o crime de roubo qualificado julgado no processo principal, tem de ser ter por não verificada a reincidência quanto ao crime de condução sem habilitação legal.



Decisão Texto Integral:

    No âmbito do processo comum com intervenção de Tribunal Colectivo n.º 1055/13.3PBFAR, do 1.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Faro, integrante do Círculo Judicial de Faro, foram submetidos a julgamento os arguidos:

AA, natural de …, nascido em …, solteiro, residente na Rua …, n.º …, …;

BB, natural da freguesia de ..., concelho de ..., nascido em …1972, solteiro, sem profissão, residente no ..., ..., preso preventivamente desde 11-10-2013, no Estabelecimento Prisional de Faro, à ordem dos presentes autos.

     Por despacho de 3-01-2014, proferido a fls. 224/5, foi determinada a apensação do processo comum singular n.º 450/13.2GTABF, em que é arguido o ora recorrente BB e do processo comum singular n.º 962/12.5PBFAR, relativo ao arguido AA, para julgamento conjunto. 

    Realizado o julgamento, na data aprazada para a leitura do acórdão, em 4 de Julho de 2014, como resulta da acta de fls. 405/6, estando o arguido acusado como reincidente, por da análise do certificado de registo criminal não resultarem claras todas as condenações do arguido, foi determinada a junção de certidões das decisões proferidas em três processos devidamente identificados.

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     Far-se-á aqui um parêntesis para significar que a verdade registral por vezes é muitíssimo mal tratada, com todos os inconvenientes que daí podem advir.

     Do certificado de registo criminal emitido já em 21 de Maio de 2014, junto a fls. 390, vê-se que o arguido teria sido condenado no processo n.º 996/99.3JAFAR, mas consta apenas a indicação da pena única fixada em cúmulo superveniente, uma vez que se indicam os processos abrangidos pelo cúmulo, n.º 565/98.5GFLLE e 209/98.5JAFAR. 

     Sobre as condenações impostas nesse processo não há registo, pura e simplesmente.

     Lido o certificado de registo criminal tirado em 21 de Maio de 2014, fica-se sem saber por que foi condenado o arguido.

    Nada se diz sobre a condenação, sendo que em tal processo, como se vem a ver pela certidão junta, o ora recorrente foi condenado em 2001 por dois crimes de condução sem habilitação legal, um crime de furto e um crime de homicídio qualificado na forma tentada.  

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    Da acta de leitura do acórdão de 11 de Julho de 2014 (fls. 541 a 547), consta por via de despacho ditado para a acta pelo Presidente do Colectivo julgador, o aditamento de vários novos factos, maxime, concretizações da matéria de facto constante das condenações sofridas pelo arguido ora recorrente e factualização respeitante a cumprimento de pena de prisão, evasão, liberdade condicional e vida posterior a Janeiro de 2013, já em liberdade, consubstanciando uma alteração não substancial dos factos que constam da acusação. 

     Nesse despacho ditado para a acta de audiência de julgamento e igualmente de leitura de acórdão, consta, entre o mais:

     “A factualidade nova trazida aos autos consubstancia: (…)

    Concretização dos factos que estiveram na base das anteriores condenações sofridas pelo arguido BB, para aferir da verificação da reincidência”.

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      Por acórdão do Colectivo de Faro, datado de 11 de Julho de 2014, constante de fls. 476 a 540 (no pressuposto da indispensável não oposição à proposta de alteração factual, nos termos do incidente usado, nos termos do artigo 358.º, n.º 1 e 2 do CPP), depositado a fls. 548, foi deliberado:
1) Homologar a desistência de queixa relativamente ao crime de furto, p. e p. pelo artigo 203º, n.º 1, do Código Penal e, em conformidade, declarar extinto o procedimento criminal relativamente a esse crime [processo n.º 1055/13.3PBFAR];
2) Homologar a desistência de queixa relativamente ao crime de furto, p. e p. pelo artigo 203º, n.º 1, do Código Penal e, em conformidade, declarar extinto o procedimento criminal relativamente a esse crime [processo n.º 1055/13.3PBFAR-D];
3) Absolver o arguido BB da prática, em autoria material, de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p., pelo artigo 3º, n.ºs 1 e 2 do Decreto-Lei, n.º 2/98, de 3 de Janeiro [processo n.º 1055/13.3PBFAR-A];
4) Condenar o arguido AA pela prática, em autoria material, em concurso efetivo e na forma consumada, de:
1.1. Um crime de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203º, n.º 1 e 204º, n.º 1, alínea b), na pena de 120 dias de multa [processo n.º 1055/13.3PBFAR-B];
1.2. Um crime de burla informática, p. e p. pelo artigo 221º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 80 dias de multa [processo n.º 1055/13.3PBFAR-B];
2. Condenar o arguido AA, operando o cúmulo jurídico das penas referidas em 4.1. e 4.2., na pena única de 150 dias de multa, à taxa diária de € 5,00, o que perfaz o valor de € 750  (artigo 77º, n.os 1 e 2, do Código Penal);
3. Condenar o arguido BB pela prática, em autoria material, em concurso efetivo e na forma consumada, de:
3.1. Um crime de recetação, p. e p. pelo artigo 231º, n.º 1, do Código Penal, na pena de dois meses de prisão [processo n.º 1055/13.3PBFAR];
3.2. Um crime de roubo, p. e p. pelo artigo 210º, n.os 1 e 2, alínea b), com referência ao artigo 204º, n.º 2, alíneas a) e f), ambos do Código Penal, agravado pela reincidência (artigos 75º e 76º, do Código Penal), na pena de sete anos de prisão [processo n.º 1055/13.3PBFAR];
3.3. Um crime de condução sem habilitação legal, p. e e p., pelo artigo 3º, n.ºs 1 e 2 do Decreto-Lei, n.º 2/98, de 3 de janeiro, agravado pela reincidência (artigos 75º e 76º, do Código Penal), na pena de um ano de prisão [processo n.º 1055/13.3PBFAR];
3.4. Um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3º, n.ºs 1 e 2 do Decreto-Lei, n.º 2/98, de 3 de janeiro, agravado pela reincidência (artigos 75º e 76º, do Código Penal), na pena de oito meses de prisão [processo n.º 1055/13.3PBFAR-A];
4. Condenar o arguido BB, operando o cúmulo jurídico das penas referidas na pena única de sete anos e seis meses de prisão (artigo 77º, n.os 1 e 2, do Código Penal);

 

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    O arguido interpôs recurso para o Supremo Tribunal Justiça pelo requerimento de fls. 552, apresentando a motivação de fls. 553 a 571, que remata com as seguintes conclusões:

“Pelo exposto, a pena deve ser adequada aos factos que são imputados ao ora recorrente, ou seja, a pena deve ser fixada dentro dos limites mínimos da moldura penal.

O tribunal “a quo” não considerou o critério orientador da escolha da pena, fixada no artigo 71° e 72° do Código Penal;

Conclui-se que não foi relevado pelo Tribunal “a quo” o critério orientador da escolha da pena resulta do Artigo 71° do Código Penal, que impõe ao tribunal, que dentro dos limites fixados na lei, será feita em função da culpa do agente, tendo ainda em conta as exigências da prevenção.

Conclui-se que não foi relevado pelo Tribunal “a quo” a concretização aos vetores enunciados no nº 2 do artigo 71, enumera, exemplificativamente, uma ...rie de circunstâncias atendíveis, para a graduação e determinação concreta da pena que, não o fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente.

Conclui-se que não foi relevado pelo Tribunal “a quo” o critério orientador do Código de 1982 traça um sistema punitivo que arranca do pensamento fundamental de que as penas devem ser sempre executadas com um sentido pedagógico e ressocializador.

Conclui-se que não foi relevado pelo Tribunal “a quo” os nossos modelos penais têm como alicerces ideias de integração e reinserção social, de cada um dos agentes e atentos às condições sócio-económicas que o arguido sempre esteve inserido, a sua modesta condição social, entende-se excessiva a pena aplicada.

Conclui-se que, atendível ao facto em concreto a pena deveria ser mais justa e adequada para a reinserção do ora recorrente na sociedade, mais ajustada por forma de nela se inserir quando vir cumprida a sua pena.

Conclui-se que, a moldura penal abstratamente aplicável, já é elevada bastante, para que, concretamente aplicado, cumpra os efeitos pretendidos, particularmente para a sua reinserção social.

Foi violado pelo Tribunal “a quo”, por insuficiente valorada a conduta do arguido, ora recorrente, pelo disposto no artigo 71 do Código Penal, que devidamente conjugadas, não põe em risco a defesa do ordenamento jurídico e dentro dos limites da culpa, devem situar-se numa pena em concreto, situada ligeiramente no mínimo da pena abstrata, capaz de satisfazer as necessidades de prevenção, quer geral, quer especial e a reinserção social do ora recorrente.

Assim devem ser reponderados os critérios do art. 71° do Código Penal, devendo mesmo equacionar-se uma atenuação especial da pena, nos termos do art. 72° do Código Penal.

Nestes termos:

Deve assim ser dado provimento ao presente recurso e consequentemente:

Ser alterada a sentença, determinar-se uma pena mais justa, adequada e na equilibrada, ou seja, ser o ora recorrente condenado a uma pena superior aos mínimos pelo disposto no artigo 77° do Código Penal; E pela medida da pena aplicada ter sido excessiva, por não terem sido levadas em consideração a atenuante especial prevista nos termos do artigo 71°, do Código Penal, pelo que deve o recurso ser provido e alterada sentença, para que a decisão final seja mais equilibrada e justa e um pedido de clemência para o caso em concreto”.

      O recurso foi admitido por despacho de fls. 574.

      O Ministério Público na Comarca de Faro respondeu ao recurso conforme fls. 578 a 585, concluindo:                                        

1. O douto acórdão recorrido fez correcta aplicação do Direito, designadamente das normas previstas nos artºs 71º e artº 77º nºs 1 e 2, do Código Penal, ponderando eficazmente todos os critérios legais relativos à graduação da pena;

2. Ora, tendo em conta os factos dados como provados, a ilicitude elevada da conduta, a intensidade do dolo, os sentimentos manifestados no cometimento do crime, condições pessoais e económicas, a conduta anterior e posterior aos factos, a falta de preparação para manter uma conduta lícita, a reincidência e as necessidades de prevenção geral e especial e considerando os critérios que subjazem à determinação da medida da pena, contidos nos artigos 71º e 76º do Código Penal, as penas parcelares aplicadas ao arguido mostram-se, em nosso entendimento, bem doseadas, equilibradas e ajustadas, em estrita consonância com os normativos legais aplicáveis;

3. Atendendo aos factores ponderados pelo Tribunal a quo e considerando, no seu conjunto, os factos e a personalidade do arguido, e o disposto no artigo 77º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal, a opção do Tribunal a quo por uma pena única de 7 (sete) anos e 6 (seis) de prisão, apurada entre um mínimo de 7 anos e um máximo 8 anos e 10 meses, afigura-se-nos equilibrada e estabelecida de forma correcta;

4. O Tribunal a quo não violou os artigos 71º e 77º, ambos do Código Penal;

Termina defendendo que deve a sentença recorrida manter-se nos seus precisos termos, rejeitando-se, na totalidade, o recurso interposto.

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       A Exma. Procuradora-Geral Adjunta neste Supremo Tribunal emitiu douto parecer de fls. 599 a 605, suscitando questão prévia ao conhecimento do recurso, concretamente, a insuficiência dos factos provados para caracterização da reincidência, padecendo o acórdão recorrido em seu entender do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, defendendo a anulação do acórdão, para o que convoca cinco acórdãos deste STJ de 2006, 2009 e 2010.

     Prevenindo a hipótese de prosseguir o recurso, entende ser de reduzir as penas parcelares, ficando as penas pela condução próximas dos 4 e 6 meses de prisão e a do roubo mais próximo dos 5 anos e se agravado nos 5 anos e 6 meses de prisão e pena única mais próxima dos 5 anos e 6 meses ou 6 anos de prisão.

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     Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do CPP, o recorrente silenciou.

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      Não tendo sido requerida audiência de julgamento, o processo prosseguiu com julgamento em conferência, nos termos dos artigos 411.º, n.º 5 e 419.º, n.º 3, alínea c), do Código de Processo Penal.

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      Colhidos os vistos, realizou-se a conferência, cumprindo apreciar e decidir.

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      Como é jurisprudência pacífica, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso – detecção de vícios decisórios ao nível da matéria de facto emergentes da simples leitura do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, referidos no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal (neste sentido, o acórdão do Plenário da Secção Criminal, de 19 de Outubro de 1995, proferido no processo n.º 46580, Acórdão n.º 7/95, publicado no Diário da República, I ...rie - A, n.º 298, de 28 de Dezembro de 1995, e BMJ n.º 450, pág. 72, que fixou jurisprudência, então obrigatória, no sentido de que “É oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no artigo 410º, nº 2, do Código de Processo Penal, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito”) e verificação de nulidades, que não devam considerar-se sanadas, nos termos dos artigos 379.º, n.º 2 e 410.º, n.º 3, do CPP – é pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação, onde sintetiza as razões de discordância com o decidido e resume o pedido (artigo 412.º, n.º 1, do Código de Processo Penal), que se delimita o objecto do recurso e se fixam os limites do horizonte cognitivo do Tribunal Superior.

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      Questões propostas a reapreciação e decisão

      As conclusões apresentadas não numeradas, nem subordinadas a alíneas, não obstante serem curtas, conseguem ser repetitivas, exprimindo um discurso redondo, sem nada concretizar, referindo atenuação especial sem mais, o que só por si poderia conduzir a uma rejeição por manifesta improcedência.

     Como resulta das conclusões do recurso, segmento final destinado a que o recorrente resuma as razões de divergência com o deliberado, no caso, pelo Tribunal de Faro, a única questão proposta a reapreciação por este Supremo Tribunal é:

 

     Questão única – Medida das penas parcelares e única

     Como questão prévia, abordar-se-á a questão colocada pela Exma. PGA, da verificação ou não do vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada para efeitos de preenchimento da agravativa da reincidência.

     

     Questão prévia – Requisito material da reincidência

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     Apreciando. Fundamentação de facto

                                     

     Nota – A enumeração dos FP é apresentada em tipo de letra menor no que se refere a factos relativos apenas ao co-arguido não recorrente.

   

    Factos Provados

      Foi dada como provada a seguinte matéria de facto, que é de ter-se por imodificável e definitivamente assente, já que da leitura do texto da decisão, por si só considerado, ou em conjugação com as regras de experiência comum, não emerge a ocorrência de qualquer vício decisório ou nulidade de conhecimento oficioso, mostrando-se a peça expurgada de insuficiências, erros de apreciação ou contradições que se revelem ostensivos, sendo o acervo fáctico adquirido suficiente para a decisão, coerente, sem contradição, harmonioso, e devidamente fundamentado.

   1.1.1. Processo n.º 1055/13.3PBFAR e n.º 1055/13.3PBFAR-A:
1.  No dia 29 de agosto de 2013, depois das 15h00, o arguido AA entregou um brinco em ouro, no valor de € 25,00 (vinte cinco euros), de que se havia apropriado nesse mesmo dia, sem autorização e contra a vontade do proprietário, ao arguido BB, o qual, como contrapartida, entregou ao arguido AA um pacote adquirido numa “...”, contendo um produto estupefaciente de que AA era consumidor;
2. O arguido BB, quando recebeu o brinco de AA:
2.1. Não lhe perguntou qual a proveniência do referido brinco;
2.2. Sabia que AA era toxicodependente;
2.3. Sabia que quem entrega objetos em ouro, em troca de produtos estupefacientes, pode ter entrado na posse de tais objetos, mediante apoderamento dos mesmos, sem autorização e contra a vontade do respetivo proprietário;
2.4. Conformou-se com o facto de estar a receber um brinco de pessoa que dele se havia apoderado, sem autorização e contra a vontade do proprietário do mesmo;
3. Praticou os factos descritos em 1) a 2.4. de forma livre, voluntária e consciente, sabendo-a proibida e punida por lei;
4. No dia 9 de outubro de 2013, o arguido BB dirigiu-se à Rua …, Faro, e abeirou-se de CC que se encontrava a utilizar um telemóvel de marca Sony, modelo Xperia, no valor de € 500,00, dentro do seu veículo automóvel de marca Volvo, modo C30, com a matrícula -LH, no valor de € 25.000,00, sentado no banco do condutor e com o motor em funcionamento; 
5. Munido de uma pistola de gás CO2, de calibre 4,5mm, da marca Gamo, modelo PT-85 Blow Back, com o corpo em metal e plástico e com 19,6 cm de comprimento, apontou a mesma à cabeça de CC ao mesmo tempo que dizia “dá-me a droga, dá-me a droga, já te ando a topar há muito”;
6. De seguida, e sempre apontando a pistola a CC, disse-lhe para sair do carro, ao que o mesmo acedeu imediatamente, tendo saído da viatura com o motor da mesma em funcionamento e deixando a porta aberta;
7. Sempre empunhando a pistola na direção de CC, o arguido disse “dá-me o que tens nos bolsos e o telemóvel”, tendo aquele entregado o telemóvel, demonstrando que nada mais tinha nos bolsos;
8. CC entregou ao arguido o referido telemóvel porque sentiu medo de ser atingido na sua vida ou integridade física, atenta a pistola que viu apontada a si;
9. Após, BB, levando consigo o dito telemóvel, introduziu-se na aludida viatura de CC, fechou a porta e abandonou o local na posse da mesma, fazendo integrar estes bens na sua esfera patrimonial, o que apenas cessou devido à intervenção policial que procedeu à interceção e apreensão da viatura, pelas 2h40m, do dia seguinte, na Rua da ..., em ...;
10. Com a descrita conduta o arguido apropriou-se igualmente dos objetos que se encontravam no interior da dita viatura, pertença de CC, nomeadamente:
10.1. Um par de óculos de marca …, no valor de € 50,00;
10.2. Um par de óculos da marca …, no valor de € 150,00;
10.3. Um par de óculos marca …, no valor de € 300 a € 400,00;
10.4. Um capacete da marca …, no valor de € 600,00;
10.5. Um casaco da marca “...”, no valor de € 70,00 a € 100,00;
10.6. Uma carteira de pele, no valor de € 50,00;
10.7. Três cartões de crédito;
10.8. Um cartão de cidadão;
10.9. Uma carta de condução;
10.10. Cartões de visita e fotografias;
10.11. Uma carteira da marca …, no valor de € 50,00;
10.12. Uma pasta, contendo no seu interior a quantia de € 180,00;
10.13. Uma agenda de trabalho e uma caneta da marca , no valor de € 15,00 a € 20,00;
10.14. Uma bolsa porta CD, no valor de € 15,00 a € 20,00;
10.15. Um Cachecol da marca , no valor de € 30,00;
10.16. Diversas chaves e um comando de garagem;
10.17. Um saco impermeável com diversos bens no interior, no valor de € 40,00;
11. Foram recuperados e entregues a CC:
11.1. O veículo automóvel identificado em 4, com a grelha partida e uma jante destruída, tendo a seguradora suportado os custos da reparação;
11.2. Os objetos descritos em 10.4. a 10.11; 10.14 a 10.17;
12. O arguido BB, ao apontar a pistola descrita em 5, cujas caraterísticas conhecia, à cabeça de CC quis e conseguiu constrangê-lo a entregar-lhe o telemóvel, o automóvel e os bens descritos em 10.1 a 10.17, qualquer que fosse o seu valor, sabendo que os mesmos não lhe pertenciam;
13. Agiu de forma livre, voluntária e consciente, sabendo que conduta que adotou é proibida e punida por lei;
14. BB quis conduzir o veículo automóvel identificado em 4), nas circunstâncias descritas em 9, sem ser portador de carta de condução que o habilitasse a conduzir, sabendo que não era titular da mesma e que tal é necessário para exercer a condução;
15.  Exerceu a referida condução de forma livre, voluntária e consciente, sabendo ser tal conduta proibida e punida penalmente;
16. No dia 3 de setembro de 2013, cerca das 11h40m, BB conduziu o automóvel de marca ..., de matrícula ...XB na ..., na estrada ao ..., comarca de Faro, sem que fosse titular de carta de condução ou outro documento que o habilitasse a conduzir tal categoria de veículos;
17. O arguido quis conduzir o veículo mencionado em 16) no local aí também mencionado, sem que fosse titular de carta de condução ou outro documento que o habilitasse a conduzir tal categoria de veículos, sabendo da necessidade de ser titular de tais documentos para poder exercer a condução;
18. Fê-lo de forma livre, voluntária e consciente, sabendo a sua conduta proibida e punida por lei
19.  O arguido BB foi condenado:
19.1. Por decisão datada de 22.8.1999, transitada em julgado, proferida no âmbito do processo comum coletivo 565/98.GFLLE, do 3º Juízo do Tribunal Judicial de Loulé, pela prática de um crime de furto qualificado, previsto e punível nos termos doas artigos 203º, nº 1 e 204º, nº 2, do Código Penal, na pena de dois anos e seis meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, vindo a suspensão a ser revogada por despacho transitado em julgado no dia 1.3.2002 tendo por fundamento os seguintes factos (em súmula):
a) No dia 12.10.1998, o arguido BB e outro, atravessaram, de bicicleta, o campo de golfe n.º …, da Quinta …, tendo retirado do interior de um carrinho (buggy) que aí   se  encontrava parado, uma mala e todo o seu recheio, nomeadamente joias no valor global 2.701.000$00;
b) Agiu o arguido de forma livre, deliberada e consciente;
19.2. Por decisão datada de 8 de novembro de 1999, transitada em julgado em 25.5.2000, proferida no âmbito do processo comum coletivo n.º 209/98.5 JAFAR, do 2º Juízo do Tribunal Judicial de Faro, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punível nos termos do artigo 21º, nº 1, do DL nº 15/93, de 22 de janeiro, na pena de cinco anos e seis meses de prisão, tendo por fundamento os seguintes factos (em súmula):
c) No ano de 1998, o arguido BB fornecia diariamente cerca de duas dezenas de pacotes de heroína a DD, para que este os vendesse a consumidores;
d) Cada pacote acabava por ser vendido aos consumidores ao preço unitário de 1.000$00 (mil escudos);
e) BB, nesse período, era consumidor de heroína;
f) O arguido BB sabia que a detenção, oferta, venda, distribuição, compra e o proporcionar a outrem heroína era proibido e punido por lei penal;
g) Agiu de forma livre, deliberada e consciente;
19.3. Por decisão datada de 31.7.2001, transitada em julgado no dia 2.10.2001, proferida no âmbito do processo comum coletivo n.º 996/99.3 JAFAR, do 1º Juízo do Tribunal Judicial de Faro, na pena única de onze anos e seis meses de prisão, pela prática, em autoria material, de dois crimes de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3º, n.os 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de janeiro, um crime de furto, p. e p. pelo artigo 203º, n.º 1, do Código Penal e um crime de homicídio qualificado, na forma tentada, p. e p, pelo artigo 131º, 132º, n.os 1 e 2, alíneas f), g) e i), 22º, 23º e 73º, do Código Penal, a que couberam, respetivamente, as penas singulares de seis meses de prisão; seis meses de prisão; dois anos de prisão e dez anos de prisão, tendo por fundamento os seguintes factos (em súmula):
a) No dia 10.9.1999, pelas 11h00, o arguido BB dirigiu-se à “Espingardaria ...”, em ..., pertencente a EE, que ali se encontrava;
b) Na sua deslocação o arguido conduziu-se ao volante do veículo automóvel '...' ... ("...") n.º ...JX, que fora subtraído em … no dia 27 de agosto de 1999;
c)  No interior da espingardaria, o arguido interessou-se pela espingarda de caça calibre 12 da marca 'Fabarm', de cor preta, n° 908190, cujo preço era de 75 contos, mas que não pôde negociar por não possuir documentos em conformidade;
d) Ficou, pois, de regressar com seu pai, segundo disse, por este se encontrar habilitado a comprar a arma.
e) Cerca das 18.00 horas, o arguido regressou no mesmo veículo, que estacionou sobre o passeio em frente da espingardaria;
f) O dono desta, EE, assomou à porta e logo o arguido lhe desfechou um tiro com outra espingarda, distante como estava dele não mais do que três metros, indo alguns bagos de chumbo cravar-se em objetos dentro da loja.
g) O dito EE, ferido na cabeça, refugiou-se no interior do estabelecimento, atrás do balcão, e o arguido prontamente se dirigiu à dita espingarda 'Fabarrn', que vira de manhã, retirou-a do seu expositor e levou-a consigo, afastando-se rapidamente ao volante do já referido veículo, vindo posteriormente a vendê-la por 60 contos a FF;
h)  Em consequência direta necessária do tiro com que o arguido o atingiu, o ofendido EE sofreu esfacelo da hemiface direita, arrancamento parcial da pirâmide nasal e eviscera­ção do globo ocular direito, com perda do globo ocular direito e lesões desfigurantes da face, lesões estas que colocaram em perigo a vida do ofendido, e que lhe deixaram sequelas não recuperáveis, con­sistentes particularmente na perda do olho direito e desfiguração grave da face, tudo com doença to­talmente incapacitante pelo tempo de 96 dias;
i) O arguido conduziu o dito veículo automóvel ...JX sem que estivesse habilitado com documento que lhe permitisse fazê-lo, o que quis fazer, apesar de saber que só podia conduzir o dito veículo desde que possuísse aquele documento (carta de condução);
j) O arguido, ao desfechar o tiro sobre o ofendido, quis matar este, o que não sucedeu por razões alheias à sua vontade, tudo no propósito, que antecipadamente formara, de levar a espingarda, que efetivamente levou;
k) Sabia o arguido que matar, ou tentar matar outra pessoa é facto punido como crime, não obstante o que não se coibiu de o fazer;
l) O arguido quis, outrossim, levar consigo a espingarda que veio a vender, o que fez sabendo que não lhe pertencia e que a levava contra a vontade do seu legítimo dono;
m) O arguido sabia que a subtração de coisas alheias sem consentimento é facto punido pela lei como crime, não obstante o que não se coibiu de fazê-lo.
n) Agiu o arguido sempre de modo livre, deliberado e consciente.
o) No dia 12 de agosto de 1998, cerca das 11 horas e 45 minutos, no sítio …, Faro, o arguido conduziu o veículo automóvel n.º PH..., sem que tivesse habitado com documento que lhe permitisse fazê-lo, o que quis fazer, apesar de saber que só podia conduzir o dito veículo desde que possuísse carta de condução;
19.4. Por acórdão datado de 6.6.2002 transitado em julgado no dia 21.6.2002, proferido no âmbito do processo identificado em 19.3., foi o arguido condenado, em cúmulo jurídico, das penas singulares que lhe foram aplicadas pela prática dos crimes mencionados em 19.1., 19.2 e 19.3, na pena única de dezasseis anos de prisão;
20. O arguido foi preso preventivamente à ordem do processo referenciado em 19.3. no dia 20.9.1999 e assim permaneceu até ao dia 7.7.2000, altura em que foi colocado em cumprimento de pena à ordem do processo referenciado em 19.2. até ao dia 3.7.2002, altura em que passou a cumprir a pena de prisão a que foi condenado nos termos mencionados em 19.4.;
21. Evadiu-se no dia 14.1.2009, regressando voluntariamente ao Estabelecimento Prisional em 17.1.2009, tendo sido colocado em liberdade condicional no dia 18.1.2013 pelo tempo de prisão que, a partir da sua libertação, lhe faltaria cumprir (19.9.2015);
22.  Após a sua saída em liberdade condicional BB contou com a disponibilidade do agregado de origem, constituído pelos pais e pela irmã e passou a trabalhar numa empresa de pneus, iniciou uma relação de namoro e mantinha com a família um relacionamento adequado;
23. Nas datas referidas em 1) e 4) já havia deixado o emprego e a casa dos pais sem dar qualquer explicação;
24. Nesse mesmo período retomou o consumo de estupefacientes e deixou de contactar os serviços de reinserção social, impossibilitando-os de dar continuidade ao acompanhamento em liberdade condicional;

III. 1.1.2. n.º 1055/13.3PBFAR-B:
25.  No dia 29 de agosto de 2012, cerca das 14 horas e 15 minutos, GG estacionou o veículo automóvel que utilizava com a matrícula –LH-, na Rua ..., em Faro, com o objetivo de descarregar mercadorias que transportava;
26. Aproveitando-se de uma ausência de GG e do facto do mesmo ter deixado a viatura descrita destrancada, o arguido AA retirou do seu interior os seguintes bens pertença do ofendido:
26.1. Um telemóvel da marca ..., que utilizava o cartão de acesso nº … e a que correspondia o IMEI nº …, no valor de €30,00;
26.2. Uma carteira em cabedal, no valor de €60,00;
26.3. Vários documentos pessoais (carta de condução, cartão de cidadão, cartão de débito) e várias faturas e talões, sendo estes últimos documentos pertença da firma ..., empregadora do ofendido, tendo os documentos o valor total de €50,00;
27. Ulteriormente, o arguido atirou para baixo de um veículo a carteira e documentos referidos, que vieram a ser recuperados pelo ofendido no dia 3.9.2012;
28. O arguido utilizou o telemóvel acima descrito no dia 1 de setembro de 2012, com o cartão de acesso de que é titular com o nº …, entregando-o posteriormente a indivíduo do sexo feminino de identidade desconhecida como pagamento de produto estupefaciente;
29. O arguido agiu com o propósito concretizado de fazer seus os bens referidos, sabendo que os mesmos não lhe pertenciam e que agia contra a vontade dos seus donos.
30. Atuou de forma livre, voluntária e consciente, sabendo a sua conduta era proibida por lei penal.

III. 1.1.3. Processo n.º 1055/13.3PBFAR-C:
31. No dia 10 de janeiro de 2012, pelas 10h00, II deslocou-se, juntamente com o arguido AA, a uma caixa automática onde procedeu a levantamento da quantia de e 20,00, tendo para o efeito utilizado o seu cartão multibanco emitido e digitado o respetivo código de segurança;
32. O arguido vislumbrou II a digitar o referido código tendo-o memorizado;
33.  De seguida, II e o arguido dirigiram-se para o estabelecimento comercial denominado "O …", sito em Faro, onde se sentaram numa mesa;
34. A dada altura, a II teve necessidade de ausentar do local a fim de ir à casa de banho, tendo deixado junto ao arguido a sua carteira contendo, para além do mais, o cartão multibanco referido em 28);
35. O arguido, aproveitando a ausência de II retirou o cartão multibanco do interior da carteira e dirigiu-se a um terminal de levantamento automático existente nas imediações;
36. Uma vez aí, o arguido introduziu o referido cartão no mencionado terminal (ATM), digitou o respetivo código e levantou da conta bancária da ofendida a quantia de € 180,00;
37. De seguida, o arguido regressou rapidamente ao local onde anteriormente se encontrava e colocou novamente o cartão na carteira da ofendida
38. O arguido, integrou na sua esfera patrimonial os € 180,00, provocando desta forma um prejuízo de valor equivalente à II;
39. Ao atuar como descrito o arguido sabia que não tinha autorização da legítima titular do cartão e conta a que o mesmo estava associado para utilizar dados que permitissem efetuar levantamentos de quantias monetárias, e que, ao utilizar o cartão da forma descrita, causava, à ofendida, um prejuízo patrimonial, o que previu e quis concretizar;
40. O arguido atuou de forma livre voluntária e consciente, sabendo a sua conduta proibida e punida por lei;
41. O arguido devolveu € 50,00 a II;

III. 1.2. Com relevância exclusiva[[1]] para a questão da determinação da sanção:

II. 1.2.1. Do arguido BB:
42. O arguido BB é oriundo de uma família disfuncional e de fracos recursos económicos;
43. Concluiu o 6.º ano de escolaridade na idade própria;
44. Exerceu atividade laboral regular indiferenciada até cerca de 1999;
45.  Durante o cumprimento de pena única de 16 anos, mencionada em 19.4 trabalhou cerca de 10 anos;
46. Tem uma história de consumo de drogas iniciada por volta dos 17 anos, situação que ultrapassada durante o cumprimento de pena de prisão;
47. BB encontra-se em situação de prisão preventiva à ordem destes autos desde outubro de 2013, no Estabelecimento Prisional de Faro;
48. Confessou ter praticado os factos descritos em 4) a 15);
49. Apresenta uma reduzida consciência da necessidade de alterar o seu comportamento;
50. Pretende ser internado em comunidade terapêutica para tratamento à sua toxicodependência.
51. No estabelecimento prisional tem mantido um comportamento adequado às normas institucionais

II. 1.2.2. Do arguido AA:
52.  O arguido AA […] de um núcleo familiar em que os progenitores eram consumidores de estupefacientes;
53. A mãe abandonou o domicílio, o que viria a determinar a intervenção dos serviços sociais e consequente acolhimento institucional de AA aos 3 anos de idade;
54. A imediata disponibilidade da avó materna para assumir a tutela educativa do arguido, proporcionou um enquadramento familiar normativo, em termos psicoafectivos, num quadro de precariedade socioeconómico;
55. Aquando do início da frequência escolar, foram detetadas acentuadas dificuldades ao nível da aquisição de novos conhecimentos e/ou de adequação do comportamento ao contexto de sala de aula que estiveram na génese de encaminhamento do arguido para aconselhamento psicológico;
56.  Não obstante, ainda durante a frequência do 1º ciclo de escolaridade, AA começou a apresentar atos de subtração de valores e/ou objetos no meio familiar e/ou escolar, quadro que viria a traduzir-se num gradual processo de hostilidade por parte do arguido, relativamente ao companheiro da avó que consubstanciava a figura parental que fomentava o cumprimento/controlo das regras familiares
57. O início do consumo de substâncias estupefacientes remonta ao período da adolescência, sendo que nesse contexto e atendendo ao desinvestimento escolar, o arguido foi integrado, com cerca de dezasseis anos de idade, numa ação de formação na área de serralharia que lhe proporcionou a equivalência ao 9º ano de escolaridade;
58.  Quando atingiu a maioridade, AA começou a registar períodos de ausência do domicílio familiar – correspondente à morada indicada nos autos -, como forma de evitar as críticas familiares ao modo de vida conecto com o consumo de estupefacientes;
59.  Não obstante, teve experiências laborais como empregado de mesa, indiferenciado da construção civil e como sapateiro, na globalidade, de curta duração, na sequência do quadro aditivo;
60. O último período de atividade, ocorrido em 2011, coincidiu com o estabelecimento de uma relação amorosa, tendo o arguido integrado o agregado familiar da companheira face à gestação não planeada da mesma;
61. O término da referida relação, dado a manutenção do quadro aditivo, viria a estar na génese de um acentuar da instabilidade sócio-comportamental de AA, sendo que, na globalidade e até janeiro/2014, o arguido permanecia numa casa abandonada;
62. Recorreu à Equipa Técnica Especializada no […] de Tratamento-ETET de Olhão, onde lhe foi ministrada intervenção terapêutica com vista a cessar o consumo de estupefacientes, que decorreu em moldes contínuos;
63. Já após o nascimento da filha, AA efetuou as diligências necessárias para integrar a Comunidade …, o que viria a ocorrer em meados de 2012;
64.  Decorridos cerca de dois meses, o arguido ausentou-se voluntariamente da mesma, retomando o contacto com as substâncias com características alucinogénias legais, o que viria a despoletar um padrão de descontrolo emocional e comportamental, face ao qual a avó do arguido solicitou intervenção judicial no sentido de internamento compulsivo, tendo AA comparecido no ano transato e nesse tribunal, por esse motivo;
65. Nas datas mencionadas em 22) e 28), o arguido pernoitava numa casa abandonada, sem quaisquer condições de habitabilidade e, por vezes, frequentada por elementos com um modo de vida similar ao arguido;
66. Não obstante, AA sempre usufruiu do apoio da avó que assegurava as suas necessidades básicas (toma de refeições e limpeza do vestuário), denotando-se a existência de laços afetivos entre o arguido e a familiar em causa;
67. No ano de 2013, AA registou um longo período de distanciamento da avó – a qual desconhecia o seu paradeiro -, situação alterada no terceiro trimestre, quando o arguido procurou a avó, solicitando apoio;
68. Em outubro de 2013, o arguido, voluntariamente, solicitou o apoio do MAPS, passando a usufruir de aconselhamento psicológico – sessão semanal, à qual compareceu com regularidade e denotando uma atitude de adesão, até há cerca de um mês -, no âmbito do qual, retomou acompanhamento terapêutico da ETET de Olhão – integrando programa de desintoxicação à base de metadona e usufruindo de acompanhamento psiquiátrico -, e efetuou as diligências necessárias para integrar o mercado de trabalho (inscrição no Centro de Emprego), candidatar-se à concessão de Rendimento Social de Inserção e usufruto de alojamento por parte do MAPS;
69. O processo descrito foi acompanhado de forma próxima pela avô e mãe da filha, continuando a primeira a assegurar as necessidades básicas do arguido, enquanto a segunda – estudante universitária -, disponibilizava-se para apoiar psicoafectivamente o pai da filha, acompanhando-o no decurso das diligências que aquele tem sido orientado a efetuar e fomentando a relação com a descendente, na atualidade com 24 meses de idade;
70. A estabilização sóciocomportamental de AA – que entretanto, aderira de forma motivada a ação formativa na área de Técnicas de Desenvolvimento Pessoal – Informática, usufruindo de bolsa formativa -, viria a traduzir-se na sua reintegração no agregado da avó em janeiro p.p. e consequente distanciamento do anterior grupo de referência.
71. Ainda durante o mês de fevereiro, AA registou recidiva no consumo de estupefacientes, desvinculando-se do acompanhamento terapêutico da ETE e abandonando o domicílio;
72. Não obstante ter-se deslocado ao mesmo, algumas vezes, a família desconhece, desde então, o paradeiro e/ou modo de vida do arguido;
73. O arguido beneficia do Rendimento Social de Inserção, no valor de cerca de € 600;
74. Contribuiu para as despesas da filha com € 150 Euros;
75.  O arguido manifesta algum receio relativamente ao eventual desfecho das situações jurídico-penais, no sentido de uma eventual reclusão, denotando uma atitude de imaturidade no que concerne à elaboração de uma análise crítica, quer relativamente aos factos subjacentes às situações jurídico-penais, quer em termos do seu percurso vivencial conecto ao consumo de estupefacientes;
76. Para além de assumir os factos, AA sempre evitou qualquer reflexão sobre os mesmos, em termos de causas e/ou consequências;
77. O arguido pretende continuar a aderir ao aconselhamento psicológico do MAPS e/ou outras orientações em termos de intervenção terapêutica (apenas em regime ambulatório), integração laboral e consequente autonomia socioeconómica;
78. Manifesta preocupação em manter uma relação de proximidade com a descendente;
79. Não regista antecedentes criminais;

                                                                *******

     Apreciando. Fundamentação de direito.

     Questão prévia – Requisito material da reincidência

     A Exma. Procuradora-Geral Adjunta discorda da verificação de tal agravativa por não se mostrar demonstrada inequivocamente matéria de facto que permita concluir ou fazer operar o funcionamento da qualificativa.

      Vejamos em que consiste e como se configura a qualificativa em causa.     

     Estabelece o artigo 75.º do Código Penal, na redacção conferida pelo Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março, intocada pelas versões posteriores:

1 – É punido como reincidente quem, por si só ou sob qualquer forma de comparticipação, cometer um crime doloso que deva ser punido com prisão efectiva superior a seis meses, depois de ter sido condenado por sentença transitada em julgado em pena de prisão efectiva superior a seis meses por outro crime doloso, se, de acordo com as circunstâncias do caso, o agente for de censurar por a condenação ou condenações anteriores não lhe terem servido de suficiente advertência contra o crime.

2 – O crime anterior por que o arguido tiver sido condenado não releva para a reincidência se entre a sua prática e a do crime seguinte tiverem decorrido mais de cinco anos; neste prazo não é computado o tempo durante o qual o agente tenha cumprido medida processual, pena ou medida de segurança privativas da liberdade.

3 – As condenações proferidas por tribunais estrangeiros contam para a reincidência nos termos dos números anteriores, desde que o facto constitua crime segundo a lei portuguesa.

4 – A prescrição da pena, a amnistia, o perdão genérico e o indulto, não obstam à verificação da reincidência.

      Em causa preceito que determina agravação da moldura penal, não sendo colocados em causa no caso presente os respectivos pressupostos formais.

      A reincidência é uma qualificativa que depende da verificação de pressupostos de facto e da formulação de um juízo sobre o inêxito da admonição anterior, indiciando uma maior culpa relativa ao facto, podendo ser sinal de maior perigosidade, mobilizadora e potenciadora da prevenção especial.

      Seguir-se-á o exposto nos acórdãos por nós relatados de 12-09-2007, nos processos n.º 2587/07 e n.º 2601/07, de 26-03-2008, no processo n.º 4833/07, de 22-10-2008, no processo n.º 215/08, com correcções e actualizações e, mais recentemente, de 12-11-2014, no processo n.º 56/11.0SVLSB.E1.S1.

    

     Como é jurisprudência dominante, a circunstância qualificativa da reincidência não opera como mero efeito automático das anteriores condenações (suposta uma sua correcta narrativa), não sendo suficiente erigir a história delitual do arguido em pressuposto automático da agravação – assim, acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 20-09-1995, processo n.º 48167; de 12-03-1998, processo n.º 1404/97, BMJ n.º 475, pág. 492; de 15-12-1998, processo n.º 1131/98, CJSTJ 1998, tomo 3, pág. 241 (a mera falta de prova do requisito de que as condenações ou condenação anteriores não foram advertência suficiente para o arguido não continuar a delinquir, afasta a aplicação da circunstância modificativa da reincidência, por esta não operar automaticamente); de 27-09-2000, processo n.º 1902/00-3.ª, BMJ n.º 499, pág. 132; de 15-03-2006, processo n.º 119/06-3.ª; de 12-07-2006, processo n.º 1933/06-3.ª; de 24-01-2007, processo n.º 4455/06-3.ª, de 09-05-2007, processo n.º 1139/07-3.ª.

     Com o Código Penal de 1982 incluiu-se na reincidência a sucessão de crimes, circunstâncias qualificativas previstas nos artigos 35.º e 37.º do Código Penal de 1886, equiparando-se as duas figuras, abandonando-se a exigência da prática de crimes – anterior e posterior – da mesma natureza, isto é, protegendo idêntico interesse jurídico, para configuração da reincidência, cessando a distinção entre a reincidência específica, própria ou homótropa e a genérica, imprópria ou polítropa.

    No Código Penal de 1886 a verificação da reincidência dependia só de requisitos objectivos «após condenação por sentença passada em julgado por algum crime, prática de outro crime da mesma natureza, antes de terem passado oito anos desde a anterior condenação, ainda que a pena do primeiro crime tivesse sido prescrita ou perdoada» - assim dizia o artigo 35.º.

    O Código Penal de 1982 introduziu um novo requisito de índole subjectiva «se as circunstâncias do caso mostrarem que a condenação ou condenações anteriores não constituíram suficiente prevenção contra o crime» - artigo 76.º, o qual, com ligeira alteração de redacção, foi mantido no Código Penal de 1995.

    Como então referia o acórdão deste STJ de 19-11-1997, proferido no processo n.º 988/97-3.ª, SASTJ n.º 15 e 16, volume II, págs. 175/6: “Presentemente, pode haver reincidência no caso de crimes de natureza diversa e quando aqueles são da mesma natureza não ser de a considerar, tudo dependendo da averiguação se perante as circunstâncias do caso ele merece censura agravativa”.

     Como assinalava Victor Sá Pereira, Código Penal, Livros Horizonte, 1988, pág. 126, ao comentar o então artigo 76.º do Código Penal de 1982, desaparecida a distinção, que antes se fazia, entre reincidência genérica (sucessão de crimes) e reincidência específica, o instituto passava a funcionar sob condição, como decorria da parte final do n.º 1. A averiguação do efeito da condenação ou condenações anteriores tem a ver ainda com a problemática da capacidade do agente para ser influenciado pelas penas (artigo 20.º) [n.º 3, do Código Penal].

    E acrescentava: “A nova condenação poderá traduzir simples pluri-ocasionalidade, resultante de causas fortuitas ou exógenas, e então não se verifica a reincidência. Esta baseia-se na culpa e encontra-se, ademais, ao serviço da prevenção especial. O que legitima o abandono da actuação ope legis, à luz da certeza de que a modificação não funciona automaticamente”.        

    Segundo Maia Gonçalves, Código Penal Anotado, 16.ª edição, págs. 268/9, exige-se expressamente, para que a reincidência funcione, a verificação de que a condenação ou condenações anteriores não constituíram suficiente advertência contra o crime, tratando-se manifestamente de uma prevenção especial. Faz-se assim a exigência da concreta verificação do funcionamento desta qualificativa, o que implica indagação da correspondente matéria de facto.

    O Professor Cavaleiro Ferreira, in Lições de Direito Penal, Parte Geral, II, Verbo, 1989, págs. 151/2, refere que a fundamentação da agravação está na falta de eficácia da pena aplicada pelo primeiro crime e que a nova condenação é o indício relevante da falta de efectiva adesão do delinquente às injunções da lei.

    Retomando esta ideia, Germano Marques da Silva, Direito Penal Português, Parte Geral, III, pág. 154, adianta que tal indício não vale por si só, sendo necessário que, de acordo com as circunstâncias do caso, o agente seja de censurar por a condenação anterior não lhe ter servido de suficiente motivação para não praticar novos crimes.

    Ainda segundo Cavaleiro Ferreira, ibidem, a alteração da pena aplicável não é imposta por lei, mas terá lugar se as circunstâncias do caso concreto revelarem, na apreciação do tribunal, que a condenação anterior não constituiu suficiente prevenção contra o crime.

    Acrescenta que a reincidência denuncia a insuficiência da prevenção contra o crime da condenação anterior.

    Como expendia o Professor Eduardo Correia, Direito Criminal, II, pág. 162, para além ou em vez da propensão criminosa, a que a declaração de habitualidade também atende, há sempre, assim, que considerar o desrespeito pela advertência contida na condenação, o qual legitima particular censura.

    Diz o Professor Figueiredo Dias, Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, pág. 268: «É no desrespeito ou desatenção do agente por esta advertência que o legislador vê fundamento para uma maior censura e portanto para uma culpa agravada relativa ao facto cometido pelo reincidente. É nele, por conseguinte, que reside o lídimo pressuposto material - no sentido de «substancial», mas também no sentido de pressuposto de funcionamento “não automático” - da reincidência».

     No condicionalismo da parte final do n.º 1 do artigo 75.º encontra-se espelhada a essência da reincidência, sendo exactamente face à necessária análise casuística, que se distinguirá o reincidente do multi-ocasional.

        

    Como se refere no acórdão do STJ, de 24-05-1995, in Leal-Henriques - Simas Santos, Código Penal, 1.º volume, pág. 607: «1.O elemento fundamental do instituto da reincidência é o desrespeito, por parte do delinquente, da solene advertência contida na sentença anterior; 2. Por isso, é exigido, para que seja dada por existente, a verificação concreta, com respeito pelo princípio do contraditório, de que a condenação ou condenações anteriores não constituíram suficiente prevenção contra o crime».

    Como tem sido entendido, é de rejeitar uma concepção puramente fáctica da reincidência, que a faça resultar imediatamente da verificação de certos pressupostos formais, sendo necessária uma específica comprovação factual e uma avaliação judicial concreta, sendo de exigir ponderação em concreto sobre a verificação ou não verificação do referido pressuposto material, exactamente o de funcionamento não automático, com vista à demonstração de que as condenações anteriores não tiveram a suficiente força de dissuasão para afastar o arguido do crime.

    Como se referia no acórdão do STJ de 4-10-1989, in Colectânea de Jurisprudência (CJ) 1989, tomo 4, pág. 11, relatado pelo Conselheiro Maia Gonçalves, para verificação da reincidência é essencial a existência de averiguação em matéria de facto, com respeito pelo contraditório, que demonstre que as condenações anteriores não constituíram suficiente prevenção para não continuar a delinquir, havendo por outro lado que estabelecer a relação entre a falta de efeito da anterior condenação e a prática do novo crime.

    Vejam-se ainda, i. a., os acórdãos do STJ, de 05-12-1989, CJ 1989, tomo 5, pág. 18; de 05-12-1990, processo n.º 41292; de 10-10-1990, processo n.º 41213; de 03-01-1991, CJ 1991, tomo 1, pág. 12; de 16-10-1991, processo n.º 42168; de 12-05-1993, CJSTJ 1993, tomo 2, pág. 230 (sem indicação de processo); de 23-06-1993, BMJ n.º 428, pág. 316; de 03-07-1997, processo n.º 435/97, CJSTJ1997, tomo 2, pág. 258; de 16-04-1998, processo n.º 1438/98, BMJ n.º 476, pág. 253 (Para haver condenação como reincidente é necessário que a matéria de facto esteja incluída na acusação e seja dada como provada, e na sentença fiquem verificados os pressupostos e a conexão entre a falta de efeito da condenação anterior e o novo crime); de 09-12-1998, processo n.º 1155/98-3.ª; de 27-09-2000, processo 1902/00-3.ª, BMJ n.º 499, pág. 132; de 28-09-2000, SASTJ, n.º 43, pág. 64; de 05-07-2001, processo n.º 2046/01-3.ª; de 04-07-2002, processo n.º 1686/02; de 16-01-2003, processo n.º 4420/02; de 04-12-2003, processo n.º 3240/03-5.ª (a reincidência assenta em factos concretos dos quais se intui que o arguido não sentiu a advertência da condenação anterior, tendo de constar da acusação); de 04-03-2004, processo n.º 456/04 – 5.ª; de 09-06-2004, processo n.º 1128/04 – 3.ª; de 07-07-2005, processo n.º 2314/05 – 5.ª; de 12-01-2006, processo n.º 4133/05 – 5.ª; de 15-03-2006, processo n.º 119/06 – 3.ª; de 23-03-2006, processo n.º 779/06 – 5.ª; de 25-05-2006, processo n.º 1616/06 – 5.ª; de 22-06-2006, processo n.º 1790/06 – 5.ª; de 12-07-2006, processo n.º 1933/06 – 3.ª; de 22-11-2006, processo n.º 3182/06 – 3.ª; de 28-02-2007, processo n.º 9/07 – 3.ª; de 09-05-2007, processo n.º 1139/07 – 3.ª; de 16-01-2008, processo n.º 4638/07 – 3.ª (O art. 75.º, n.º 1, do Código Penal, explicita o fundamento da agravação especial da pena, radicado no agravamento da culpa, resultante do facto de o delinquente dever ser censurado por a condenação ou condenações anteriores não terem constituído suficiente advertência contra o crime, distinguindo-se entre o reincidente e o simples multiocasional); de 26-03-2008, do mesmo relator do anterior, no processo n.º 306/08 – 3.ª.

     Como referimos nos acórdãos de 12-09-2007, processos n.ºs 2587/07 e 2601/07, de 26-03-2008, processo n.º 4833/07 e de 22-10-2008, processo n.º 215/08, por nós relatados, “Daí a necessidade de uma específica comprovação factual, de enunciação dos factos concretos dos quais se possa retirar a ilação de que a recidiva se explica por o arguido não ter sentido e interiorizado a admonição contra o crime, veiculada pela anterior condenação transitada em julgado e que conduz à falência desta no que respeita ao desiderato dissuasor.

     Só através da análise do caso concreto, do seu específico enquadramento, de uma avaliação judicial concreta do pleno das circunstâncias que enformam a vivência do arguido no período em causa, poder-se-á concluir estarmos perante um caso de culpa agravada, devendo o arguido ser censurado por a condenação anterior não lhe ter servido de suficiente advertência contra o crime, ou antes, face a uma falta de fundamento para a agravação da pena, por se estar perante simples pluriocasionalidade.

    Na verdade, a agravação da pena assenta, essencialmente, numa maior disposição para o crime, num maior grau de culpa, decorrente da circunstância de, apesar de ter sido condenado em prisão efectiva, o agente insistir em delinquir, donde resulta um maior grau de censura, por aquela não ter constituído suficiente advertência, não se ter revelado eficaz na prevenção da … reincidência.

    A pluriocasionalidade verifica-se quando a reiteração na prática do crime seja devida a causas meramente fortuitas ou exclusivamente exógenas, que não se radicam na personalidade do agente, em que não se está perante a formação paulatina do hábito enraizada na personalidade, tratando-se antes de repetição, de renovação da actividade criminosa, meramente ocasional, acidental, esporádica, em que as circunstâncias do novo crime não são susceptíveis de revelar maior culpabilidade, em que desaparece a indiciação de especial perigosidade, normalmente resultante da reiteração dum crime.

    A pluriocasionalidade fica atestada, certificada, face à mera constatação da «sucessão» de crimes.

    Com tanto não se basta a reincidência, cuja certificação está dependente de apreciação e decisão judicial”.

     Há que não olvidar, como diz Figueiredo Dias, loc. cit., pág. 269 (cfr. acórdão de 28-02-2007, processo n.º 9/07-3.ª), que o juízo necessário quanto à verificação do pressuposto material da reincidência é distinto, consoante estejamos perante reincidência homótropa ou própria ou reincidência polítropa ou imprópria, havendo que ter em atenção que para tal exercício de indagação se mostra necessário especificar no elenco das condenações o tipo, natureza e espécie dos crimes anteriores de modo a poder relacioná-los com os recentes.

     Há que operar a verificação concreta, feita com observância do contraditório, de que as condenações anteriores não constituíram suficiente prevenção contra o crime e se a conexão existente deve ou não considerar-se relevante do ponto de vista de maior censura e de culpa agravada.

     Não sendo de aplicação automática a agravante está sempre sujeita a avaliação judicial.

     Na jurisprudência podem ver-se ainda os acórdãos de 12-03-1998, processo n.º 1404/07, BMJ n.º 475, pág. 492 (Versa sobre integração do vício da insuficiência da matéria de facto provada para a decisão. Elemento fundamental é o desrespeito a advertência feita pela sentença anterior. Relevante e essencial para a situação em apreço é a indagação sobre o modo de ser do arguido, da sua personalidade e do seu posicionamento quanto aos ilícitos cometidos, por forma a constatar-se se a condenação ou condenações anteriores lhe serviram ou não de suficiente advertência dissuasora contra o crime); de 9-12-1998, processo n.º 1155/98-3.ª (para que possa ter lugar a correspondente agravação da pena, torna-se imprescindível que, da matéria de facto alegada e provada, se extraia com segurança que, em função das circunstâncias concretas em que se determinou e agiu, o agente não respeitou, censuravelmente, a advertência consubstanciada na condenação ou condenações anteriores) - citado no acórdão de 27-09-2000, processo n.º 1902/00-3.ª, BMJ n.º 499, pág. 132, onde se pode ler: Da redacção do n.º 1 do artigo 75.º resulta claramente que este tipo de agravação não advém, automaticamente, da verificação de certos requisitos formais. Não constando da acusação factos donde se possa extrair a conclusão de que é de censurar a conduta do agente por as condenações anteriores não lhe terem servido de suficiente advertência contra o crime, não há que ter em consideração a agravação resultante da reincidência; de 4-06-2008, processo n.º 1668/08-3.ª; de 4-12-2008, processo n.º 3774/08-3.ª; de 5-02-2009, processo n.º 3629/08-5.ª (versando pressuposto material); de 18-06-2009, processo n.º 159/08.9PQLSB.S1-3.ª (com revogação do acórdão recorrido); de 20-01-2010, processo n.º 587/08.0PAVFR.P1.S1-3.ª; de 4-02-2010, processo n.º 156/07.1JAPDL.L1.S1-3.ª (falta de pressupostos formais e material, concluindo pelo vício do artigo 410.º, n.º 2, alínea a), do CPP); de 27-04-2011, proferido no processo n.º 20/10.7SLSB.S1-3.ª (A recidiva criminosa pode resultar de causas meramente fortuitas ou exclusivamente exógenas, caso em que, obviamente, inexiste fundamento para a agravação da pena, visto não poder afirmar-se uma maior culpa referida ao facto. Nesse caso, não se está perante um agente reincidente, antes a um simples multiocasional); de 29-02-2012, processo n.º 999/10.9TALRS.S1-3.ª, CJSTJ 2012, tomo 1, pág. 242 (Se o arguido foi condenado anteriormente por crimes do mesmo tipo e agora volta a delinquir pela mesma prática é liminar a inferência de que lhe foi indiferente o sinal transmitido, não o inibindo de renovar o seu propósito de delinquir); de 15-03-2012, processo n.º 308/09.0JACBR.C1.S1-5.ª (apenas como aproximação a personalidade); de 12-09-2012, processo n.º 1136/11.8TAVFR,S1-3.ª; de 19-09-2012, processo n.º 16/09.1GBBRG.G3.S1-5.ª; de 26-09-2012, processo n.º 3/11.0JAMD.L1.S1-3.ª (É pressuposto material da reincidência a especial censurabilidade da conduta do agente, que só existirá quando o tribunal concluir que a repetição delituosa não é ocasional ou fortuita, mas antes resulta de uma culpa agravada por incapacidade do agente para interiorizar a advertência que a condenação anterior constituía); de 6-2-2013, processo n.º 593/09.7TBBGC.P1.S1-3.ª; de 9-10-2013, processo n.º 156/07.1JAPDL.L2.S1-3.ª; de 21-11-2013, processo n.º 125/12.0SVLSB.S1-5.ª (versando o pressuposto material); de 18-12-2013, processo n.º 53/12.9PJOER.S1-5.ª (o facto de a anterior condenação não ter servido de advertência ao arguido, constitui facto negativo a que só se pode chegar, para além do registo criminal, através de outros factos) e 1/12.6GBAVR.S1-5.ª, de 12-02-2014, processo n.º 1335/12.5JAPRT.S1-3.ª, de 30-04-2014, processo n.º 2/13.7PEBGC.S1-5.ª; de 12-11-2014, processo n.º 56/11.0SVLSB.E1.S1-3.ª (versando sobre a constitucionalidade do artigo 75.º do Código Penal).

   

    Revertendo ao caso concreto.

    O acórdão recorrido sob a epígrafe “A circunstância modificativa agravante da reincidência”, de fls. 528 a 532, expendeu (realces do texto):

    «O Ministério Público, no âmbito do processo n.º 1055/13.3PBFAR (autos principais), pugna pela condenação do arguido BB como reincidente, invocando que as condenações anteriores a que o mesmo foi sujeito não lhe serviram como advertência suficiente contra a prática dos crimes em causa nestes autos.

     Cumpre, assim, aferir que os pressupostos de tal circunstância agravante se mostram preenchidos:

     Decorre do disposto no artigo 75º, n.os 1 e 2, do Código Penal que são pressupostos formais da reincidência:

- Prática de um crime, «por si só ou sob qualquer forma de participação»:

- Ser o crime agora cometido doloso;

- Ser este crime, sem a incidência da reincidência, punido com pena de prisão efetiva superior a 6 meses;

- Que o arguido tenha antes sido condenado, por decisão transitada em julgado, também em pena de prisão efetiva superior a 6 meses, por outro crime doloso;

- Que entre a prática do crime anterior e a do novo crime não tenham decorrido mais de 5 anos, sendo que este prazo se suspende durante o tempo em que o arguido tenha estado privado da liberdade, em cumprimento de medida de coação, de pena ou de medida de segurança. Assim sendo, para aferir deste pressuposto, interessam a data da prática do crime anterior (e não a da sentença condenatória) e a data da prática do crime atual.

     Além daqueles pressupostos formais, a verificação da reincidência exige ainda um pressuposto material: que, de acordo com as circunstâncias do caso, o agente seja de censurar por a condenação ou as condenações anteriores não lhe terem servido de suficiente advertência contra o crime.

    No que se refere a este pressuposto material esclarece Figueiredo Dias [[2]], «é no desrespeito ou desatenção do agente por esta advertência que o legislador vê fundamento para uma maior censura e portanto para uma culpa agravada relativa ao facto cometido pelo reincidente». Assim, «o critério essencial da censura ao agente por não ter atendido a admonição contra o crime resultante da condenação ou condenações anteriores, se não implica um regresso à ideia de que verdadeira reincidência é só a homótropa [homogénea ou específica], exige de todo o modo, atentas as circunstâncias do caso, uma íntima conexão entre os crimes reiterados que deva considerar-se relevante do ponto de vista daquela censura e da consequente culpa. Uma tal conexão poderá, em princípio, afirmar-se relativamente a factos de natureza análoga segundo os bens jurídicos violados, os motivos, a espécie e a forma de execução; se bem que ainda aqui possam intervir circunstâncias (…) que sirvam para excluir a conexão, por terem impedido de atuar a advertência resultante da condenação ou condenações anteriores. Mas já relativamente a factos de diferente natureza [reincidência polítropa, genérica ou heterogénea] será muito mais difícil (se bem que de nenhum modo impossível) afirmar a conexão exigível. Desta maneira, …, é… a distinção criminológica entre o verdadeiro reincidente e o simples multiocasional que continua aqui a jogar o seu papel».

   Esta doutrina tem sido sufragada, sem dissidências, pelo Supremo Tribunal de Justiça, donde se pode retirar que a reiteração criminosa pode resultar de causas meramente fortuitas ou exclusivamente exógenas – caso em que inexiste fundamento para a especial agravação da pena por não se poder afirmar uma maior culpa referida ao facto –, e não operando a qualificativa por mero efeito das condenações anteriores, a comprovação da íntima conexão entre os crimes não se basta com a simples história criminosa do agente, antes exige uma «específica comprovação factual, de enunciação dos factos concretos dos quais se possa retirar a ilação que a recidiva se explica por o arguido não ter sentido e interiorizado a admonição contra o crime veiculada pela anterior condenação transitada em julgado e que conduz à falência desta no que respeita ao desiderato dissuasor» [[3]].

     Aplicando estas considerações ao caso concreto, verificamos que todos os pressupostos formais se mostram verificados relativamente aos crimes de roubo e condução sem habilitação legal, dado que:

1) Tais crimes foram praticados sob a forma dolosa (aliás, nem admitem a punição na forma negligente) nos dias 3.3.2013 e 9.10.2013;

2) Com pena de prisão de prisão superior a seis meses;

3) O arguido, aquando da prática de tais crimes, já havia sido punido, com decisão transitada em julgado, pela prática de um crime furto qualificado, ocorrido, em 12.10.1998, na pena de dois anos e seis meses de prisão (efetivada com a revogação da suspensão da execução da pena de prisão), um crime de tráfico de estupefacientes, ocorrido no ano de 1998, na pena de cinco anos e seis meses de prisão; um crime de furto, ocorrido no dia 10.9.1999, na pena de dois anos de prisão e o crime de homicídio tentado, ocorrido no dia 10.9.1999, na pena de dez de prisão;

4) O arguido esteve preso desde 20.9.1999 até 14.1.2009 (data em que se evadiu), voltou a ser preso em 17.1.2009, para ser libertado condicionalmente em 18.1.2013, ou seja, descontado o período da prisão, não decorrem mais de cinco anos entre a prática dos crimes referidos em 3) e os crimes de roubo e de condução sem habilitação legal praticados no âmbito destes autos.

    No que se refere ao crime de recetação, dado que o mesmo, logo ao nível na moldura abstrata, não ultrapassa os seis meses de prisão, não se mostram verificados os pressupostos formais».

      (A referência na nota de rodapé ao acórdão de 18.06.2009 como tendo sido aquele donde foi retirado o trecho transcrito tem na sua base um equívoco, pois como o texto daquele acórdão refere expressamente, o trecho transcrito foi retirado do acórdão de 26 de Março de 2008, por nós proferido no processo n.º 4833/07).

     Prossegue o acórdão, nestes termos:

    «Quanto ao requisito material, é nosso entendimento que o mesmo também se verifica dado que o arguido, apesar de ainda ter trabalhado quando saiu em liberdade condicional e ser integrado o agregado familiar de origem de forma satisfatória, chegando a iniciar uma relação afetiva, o certo é que, no momento em que praticou os crimes de roubo e de condução sem habilitação legal, o arguido estava ocioso, abandonou sem explicação a família e a namorada, voltou a consumir estupefacientes e deixou de contatar os técnicos de reinserção social que acompanhavam o seu processo de adaptação à liberdade condicional, deixando-os sem condições, de verificar como estar a decorrer tal processo de adaptação.

     Em suma, havia voltado ao um estilo de vida que esteve na origem das anteriores condenações. Por outro lado, o crime de roubo, à semelhança dos crimes de furto qualificado e furto que o arguido havia sido condenado, protege o bem jurídico propriedade. O crime de furto foi cometido na sequência de uma tentativa de homicídio, com o uso de uma arma de fogo. Ou seja, tal como para a tentativa de homicídio, o arguido usou uma arma para praticar o roubo, pelo que existe analogia na forma de execução dos crimes. Em suma, ainda que não inteiramente coincidentes, o arguido praticou crimes que protegem bens jurídicos conexos ou mesmo sobreponíveis. Com efeito, no crime de roubo, à semelhança do homicídio, também protege a vida e, à semelhança do furto, protege, como ficou dito, a propriedade. No caso das conduções sem habilitação legal estamos perante uma autêntica reincidência homótropa.

  Em suma, o arguido praticou factos de natureza análoga ou conexa segundo os bens jurídicos violados (propriedade, vida, segurança rodoviária), os motivos que estiveram na base da prática dos crimes em causa nestes autos não divergem dos que tiveram na origem da prática dos anteriores crimes (ociosidade e consumo de estupefacientes), a forma de execução foi idêntica no caso dos crimes de condução sem habilitação legal ou semelhante nos casos dos crimes de roubo, homicídio e furto (todos eles cometidos com recurso a armas de fogo).

     O arguido praticou os crimes em causa nestes autos quando estava em liberdade condicional, tendo sido expressamente advertido para não cometer crimes.

    Em suma, os crimes que o arguido agora praticou não tiveram por base circunstâncias meramente fortuitas ou exclusivamente exógenas, mas origem na própria personalidade do arguido, incapaz de se deixar motivar pelas condenações anteriores. Estas não serviram de suficiente advertência contra a prática de novos crimes».

     Vejamos.

    Começando pelo princípio.

    A acusação deduzida pelo Ministério Público no processo principal, de fls. 173 a 180, no artigo 17, reportava a reincidência, mas fazendo-o de forma manifestamente insuficiente, deficiente e incipiente, claramente destinada a naufragar, se não consertada/suprida.  

     No referido artigo 17, a fls. 177, refere a acusação as condenações nos processos n.º 565/98 e 209/98, de forma incipiente, pois que não indica as datas de prática dos crimes, nem datas de decisão e trânsito, e omitindo por completo a condenação por crime de homicídio qualificado tentado e outros crimes, verificada num outro processo não mencionado, muito embora com decisão desde 31-07-2001 e trânsito em julgado desde 2-10-2001, apenas referenciando o cúmulo jurídico de 21 de Junho de 2002.

    Termina dizendo:

   “Das condutas supra descritas resulta que, não obstante as condenações em prisão efetiva anteriores por crimes dolosos, o arguido não se absteve de praticar condutas penalmente ilícitas e puníveis com penas de prisão superiores a seis meses, pelo que tais condenações não lhe serviram como advertência suficiente contra a prática de crimes, atuando como reincidente”.

    Terminado o julgamento do caso, o Colectivo julgador apercebeu-se (diríamos, sem dificuldade, tal a míngua dos necessários pressupostos) de que era necessário algo mais, e daí num primeiro passo, a necessidade de despacho a ordenar a junção de certidões das decisões condenatórias, pois, como vimos, o certificado de registo criminal, suposto documento autêntico, era, incompreensivelmente, minguado, escasso, deficitário, a nível de informação, incluído o processo não referenciado pelo Ministério Público, tudo como resulta da acta de 4 de Julho de 2014 (fls. 405/6).

   Na posse de tais elementos, confrontado com a escassez de elementos da acusação, visando suprir as deficiências da peça, o Colectivo julgador viu-se na necessidade de recorrer ao instituto previsto no artigo 358.º, n.º 1 e 2, do CPP, com a prolação de despacho em que procede à concretização, não só dos factos que estiveram na base das anteriores condenações sofridas pelo arguido BB, para aferir da verificação da reincidência, como de dados relativos a tempo de prisão cumprida – elemento essencial, face ao notório distanciamento temporal verificado – a evasão e nova reclusão, a liberdade condicional e vivência posterior já em liberdade, conforme acta de fls. 541/7.

    Ora, neste quadro absolutamente deficitário, o Colectivo indagou, carreou elementos factuais em falta, imprescindíveis para a integração da qualificativa e com base neles fixou a matéria de facto, a partir da qual ponderou se do seu conjunto e conexão resultava ou não a ideia de desrespeito às anteriores admonições.

   Com efeito, na presença dos requisitos formais, ademais nem questionados, temos que o arguido após um período de reclusão de mais de treze anos, tendo saído em liberdade condicional em 18-01-2013, contando então com apoio do agregado de origem, passando a trabalhar e iniciando relação de namoro, abandonou o emprego e a casa dos pais sem explicação, retomando consumo de estupefacientes e deixando de contactar os serviços de reinserção social, tudo conforme FP 21 a 24.

    Assim sendo, é de ter-se por verificada a reincidência, no que toca aos crimes de roubo e de condução ilegal do dia 9 de Outubro de 2013.

   Relativamente ao crime de condução ilegal cometido no dia 3-09-2013, a questão coloca-se de modo diferente.

    O arguido foi condenado por dois crimes de condução intitulada.     

    O primeiro dos crimes de condução ilegal descrito consta da acusação como tendo sido cometido em acto seguido ao roubo do carro no dia 9-10-2013 - factos 11 e 15 da acusação.

      O outro é o versado no apenso A, não devidamente identificado no acórdão, mas que corresponde ao apensado por despacho de fls. 224/5, processo comum singular n.º 450/13.2GTABF, respeitante a factos ocorridos em 3-09-2013.

     Os factos relativos a este processo encontram-se vertidos nos FP 16 a 18 do acórdão recorrido.

      Analisada a acusação deduzida neste processo apenso, a fls. 51/2, verifica-se que não consta qualquer referência a reincidência.  

      Acontece que, como claramente resulta do despacho vertido na acta de audiência de julgamento e de leitura de acórdão do dia 11 de Julho de 2014, a fls. 541, a alteração não substancial dos factos destinada a conformar a deficitária acusação no segmento da reincidência circunscreveu-se à acusação deduzida no processo principal e só valerá a integração factual para tal processo e não para o apenso, de cuja acusação nada constava a respeito. (Como ressalta do início do trecho transcrito o Ministério Público defendeu a reincidência nos autos principais).

   Assim sendo, porque a acusação deduzida no processo n.º 450/13.2GTABF era totalmente omissa quanto a reincidência, sendo completa a ausência de factualidade tendente a suportar a agravativa, porque o suprimento ditado para a acta não teve em vista este crime em concreto, terá de se ter por não verificada a reincidência quanto a este crime cometido em 3-09-2013.

    Face ao exposto consideramos que foram devidamente ponderadas as circunstâncias das condenações anteriores, procurando o acórdão recorrido estabelecer as conexões entre os crimes prévios e os mais recentes, avaliando as razões porque considera que as anteriores condenações não foram suficientes para afastar o arguido de novos crimes, praticados no decurso de liberdade condicional, cortando com uma experiência positiva que encetara, concluindo e bem o acórdão face aos factos provados pelo desrespeito a advertência feita pelas decisões condenatórias anteriores. 

    Concluindo: não se verifica o vício apontado.

      Medida das penas parcelares

    Dentro da moldura cabível no caso concreto funcionam todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o agente, designadamente:

- O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente;

- A intensidade do dolo ou da negligência;

- Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;

- As condições pessoais do agente e a sua situação económica;

- A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime;

- A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.

   O acórdão recorrido fixou as penas no pressuposto de que relativamente ao crime de roubo qualificado e aos dois crimes de condução ilegal se verificava a reincidência, apenas excluída da receptação.

   Face ao decidido quanto a não verificação da reincidência no que tange ao crime de condução cometido no dia 3-09-2013, haverá que proceder a fixação de nova pena relativa a tal crime atento o novo limite mínimo mais baixo – agora penalidade de 30 dias a 2 anos de prisão – para além de se equacionar outra medida de pena para o crime de roubo qualificado.

    Assim, fixa-se a pena pelo crime de condução ilegal cometido em 3-09-2013, em seis meses de prisão.

    Considerando a confissão integral e sem reservas quanto ao crime de roubo qualificado e ao facto de terem sido recuperados quase todos os bens apropriados com excepção dos referidos nos pontos 10.1, 10.2, 10.3, 10.12 e 10.13, afigura-se-nos adequada a pena de seis anos de prisão.

    

                                                             *******

      Medida da pena única

     Na determinação da pena única, após referir o artigo 77.º do Código Penal, a fls. 532 a 534, afirma o acórdão recorrido (realces do texto):

     «Feitas estas considerações sobre a determinação da medida da pena única ou conjunta, e aplicando-as ao caso concreto, verifica-se que o arguido praticou os quatro crimes num espaço inferior a dois meses (29.8.2013 a 9.10.2013). Por outro lado, o arguido regista os antecedentes criminais acima referidos e que justificaram a aplicação da circunstância modificativa agravante da reincidência.

    Assim sendo, pode-se afirmar que a personalidade do arguido reflete a existência de uma tendência criminosa, e não apenas uma mera pluriocasionalidade, o que justifica a fixação da pena única em limites mais elevados.

    Por todo o exposto, e tendo em consideração que a moldura abstrata do concurso tem como limite mínimo é de 7 anos e limite máximo 8 anos e dez meses, tem-se como adequada a pena única de sete anos e seis meses de prisão».

    O acórdão recorrido laborou na base de uma moldura de 7 anos a 8 anos e 10 meses de prisão, utilizando um factor de compressão situado entre ¼ e 1/3.

    De realçar que tendo a reincidência operado em sede de quantificação da pena parcelar, não pode ser utilizada nesta sede, sob pena de violação do princípio da proibição de dupla valoração da circunstância agravativa.

    Por outro lado, atentas as novas penas parcelares, a moldura do concurso passou a ser de seis anos a sete anos e oito meses de prisão. 

    Considerando os bens jurídicos protegidos com as incriminações da receptação (no caso cometida com dolo eventual – fls. 527), roubo e falta de carta, a proximidade temporal, tendo os factos sido praticados no espaço de 41 dias, cremos adequada a pena única de seis anos e seis meses de prisão.  


   Decisão

   Pelo exposto, acordam no Supremo Tribunal de Justiça em julgar parcialmente procedente o recurso interposto pelo arguido BB, alterando-se o deliberado no acórdão recorrido nos termos seguintes:
- Desconsiderar a reincidência no crime de condução ilegal praticado no dia 3 de Setembro de 2013, reduzindo a pena para seis meses de prisão;
- Reduzir a pena aplicada pelo crime de roubo qualificado para seis anos de prisão;
- Fixar a pena única em seis anos e seis meses de prisão.
   Sem custas, nos termos dos artigos 374.º, n.º 4 e 513.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, na redacção que lhes foi dada pelo artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro (rectificado pela Declaração de Rectificação n.º 22/2008, de 24 de Abril, e com as alterações introduzidas pela Lei n.º 43/2008, de 27 de Agosto, pelo Decreto-Lei n.º 181/2008, de 28 de Agosto, pelo artigo 156.º da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro (Suplemento n.º 252), pelo artigo 163.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, pelo Decreto-Lei n.º 52/2011, de 13 de Abril e pela Lei n.º 7/2012, de 13 de Fevereiro), o qual aprovou – artigo 18.º – o Regulamento das Custas Processuais, publicado no anexo III do mesmo diploma legal, uma vez que de acordo com os artigos 26.º e 27.º daquele Decreto-Lei, o novo regime de custas processuais é de aplicar aos processos iniciados a partir de 20 de Abril de 2009, como é o caso.  
    Consigna-se que foi observado o disposto no artigo 94.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.

Lisboa, 17 de Dezembro de 2014

   

Raul Borges (relator)
João Miguel

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[1] Exclusiva porque os factos relevantes para questão da culpabilidade são igualmente relevantes (amiúde de forma mais decisiva) para a questão determinação da medida da pena.
[2] Jorge de Figueiredo Dias, in Direito Penal Português – Parte Geral II - As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas - Editorial Notícias, 1993, p. 268
[3] Cf., entre outros, os Acórdãos do STJ de 28-02-2007, Proc. n.º 9/07 - 3.ª, de 16-01-2008, Proc. n.º 4638/07 - 3.ª, de 26-03-2008, Procs. n.ºs 306/08 - 3.ª e 4833/07 - 3.ª, de 04-06-2008, Proc. n.º 1668/08 - 3.ª, e de 04-12-2008, Proc. n.º 3774/08 - 3.ª e de 18.6.2009, donde foi retirado o trecho transcrito.