Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
197/15.5PKLRS-E.S1
Nº Convencional: 3.ª SECÇÃO
Relator: TERESA DE ALMEIDA
Descritores: RECURSO DE REVISÃO
NOVA REVISÃO
NOVOS FACTOS
NOVOS MEIOS DE PROVA
PROVA TESTEMUNHAL
REJEIÇÃO DE RECURSO
Data do Acordão: 02/28/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO DE REVISÃO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário :
I. Dispõe o art. 465.º do CPP que “Tendo sido negada a revisão ou mantida a decisão revista, não pode haver nova revisão com o mesmo fundamento.”

II. Nesta parte, como vimos, o pedido de revisão é fundado exatamente no mesmo motivo e no mesmo meio de prova, sendo, pois, aplicável a restrição de legitimidade definida pela norma citada.

III. É, assim, inadmissível, por ilegitimidade do recorrente, o presente recurso de revisão, na parte em que se refere ao mesmo exato meio de prova cuja relevância, como fundamento de revisão de sentença, foi objeto de decisão no acórdão em referência.

Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça:

I. Relatório

1. AA, atualmente com 43 anos, foi condenado, por acórdão do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa-Norte (..., Instância Central, Secção Criminal, Juiz ...), transitado em julgado a 11.09.2017, pela prática:

- de um crime de violência doméstica (praticado entre junho de 2014 e maio de 2015), nos termos do art. 152.2, n.9 1, ai. b) e n.- 2, do Código Penal (doravante, CP), na pena de prisão de 3 anos e 6 meses e prisão,

- de 3 crimes de violação, nos termos do art. 164.5, n.° 1, ai. a), do CP, nas penas de prisão de 5 anos, 6 anos e 6 meses e 5 anos,

- de um crime de sequestro agravado, nos termos do art. 158.e, n.ps 1 e 2, ai. b), do CP, na pena de 5 anos de prisão,

- de um crime de violação, na forma tentada (praticado a 30.08.2015), nos termos dos arts. 22.9, 23.9, 73.- e 164.B, n.9 1, ai. a), do CO, na pena de prisão de 3 anos e 6 meses,

- de um crime de dano (praticado a 30.08.2015), nos termos do art. 212.-, n.° 1, do CP, na pena de prisão de 3 meses,

- e em cúmulo jurídico na pena única de 13 anos de prisão.

2. O condenado, veio, por si, através de requerimento manuscrito, e através da sua I. Defensora, que àquele aderiu, apresentando requerimento complementar, interpor, pela segunda vez, recurso extraordinário de revisão, agora nos seguintes termos:

a. O condenado: (transcrição)

“Saudações. Em primeiro lugar quero pedir desculpa ao coletivo de juízes que me condenou por ter escrito palavras que provocam, aversão ou ódio, arrependo-me foram motivadas por uma condenação injusta que destruiu a minha social, familiar e psicologia, isto para não falar nos vários relatórios hospitalares que acompanham esta carta, ofensas à integridade física qualificadas em plural.

- Talvez não me vejam como um ser humano, não vamos falar de aparência porque para ser considerado extremamente perigoso as ações também teriam de condizer com a imagem que se tenta passar de mim, aqui fui maltratado fisicamente, psicologicamente e torturaram-me a seu bel prazer. Factos.

- Agora vamos ao cerne da comunicação. Em teoria estar privado da minha liberdade no tempo e no espaço não me retira os direitos de cidadania, sendo verdade que assim também o é na prática.

- Sou inocente fui vítima de duas mulheres que trabalhavam como prostitutas só ouvi a saber antes depois.

- Mas peço que vossas excelências vejam o seguinte estive com BB no dia em que me acusa de agressão, coacção, violação, roubo e de que sofria de violência doméstica, mas ela não vos contou a verdade, e tenho vídeo do dia 1 de Maio de 2015 no iPhone4 que demonstra que acusação é falsa, a mim não me foi dado o benefício da dúvida, partiram do princípio de que se já estive preso era capaz de tudo até do mais de desprezível mundialmente, era mulherengo e infelizmente tive o azar de não compreender o poder que tem as mulheres hoje em dia, porque neste caso de vida não é verdade, e é um insulto a mim e aos meus antepassados, este processo destruiu a minha possibilidade de existência em Portugal por completo e para sempre, humilharam-me, insultaram-me, ameaçaram, perseguiram, maltrataram, desrespeitaram, menosprezaram, difamaram, incitaram, agrediram, tentaram-me matar psicologicamente e fisicamente, realidade dura mas é verdade.

- Esta foi a minha história durante o meu percurso prisional, e é a única memória que vou ter de Portugal, eu considero-me persona non gratta, por esta ser a realidade que eu vivi. A única coisa que quero deste país é justiça e limpar o nome da minha família que sou eu a minha esposa, filha e antepassados.

Agora vamos falar do Código Processo Penal português sendo verdade que ainda sou um cidadão deste país os direitos constitucionais assistem-me, no Código Processo Penal - capítulo II da Revisão artº 449 1º a Revisão de Sentença transitada em julgado é admissível quando: D) se descobrirem novos factos ou meios de prova que de por si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.

4 - A revisão é admissível ainda que o procedimento esteja extinto ou pena prescrita ou cumprida.

- Um vídeo de o dia um de Maio de dois mil e quinze prova mecânica da realidade gravada do dia dos alegados crimes puníveis por lei nacional e internacional, prova que fui só vítima de uma vingança concerta por ter sido preterida igual que a CC, a Senhora DD vocês viram os vídeos do Centro Comercial ... e viram ela abraçada a mim e depois a história que foi contar. E uma situação complicada na vida de homem, foi um risco que corri por ser mulherengo, mas sou inocente casei-me recentemente expliquei a história da minha vida tudo o bom o mau aceitou-me com os meus defeitos e virtudes, como fui julgado em praça pública também exemplo Correio da Manhã, fui abandonado e desprezado, aceitei o meu destino mas nunca me conformei, hoje peço à minha esposa EE com quem me casei no dia ... de ... de 2023, que se dirija a Vossas Excelências e apresente o nosso caso com email, por escrito e presencialmente,

- A sentença já está praticamente cumprida, mas a luta para repor a verdade essa nunca cessou. Devo explicar que o único que quero é limpar o meu nome neste país retirar um pouco de terra onde a minha mãe está sepultada e despedir-me de Portugal, qualquer aspiração ou sonho já não existe para mim foi muito duro tudo o que aconteceu são as memórias que ficaram de Portugal, perdi todo o interesse em todas as pessoas que me abandonaram, não tenho explicações a dar a ninguém e já não tenho família, aprendi a viver sem eles depois de ser abandonado e desprezado. Agora sei que não lhes desejo mal, tenho a minha posição, se nos virmos será acaso e já será em transição, ao mesmo tempo as pessoas mostraram o que é que lhe eu sou para eles, um zero à esquerda, indigno de credibilidade, mas aqui o escândalo é que eu sempre estive a dizer a verdade, e estas pessoas que me prejudicaram não eram umas mulheres quaisquer, tínhamos uma amizade colorida só isso, desenvolveram sentimentos decidiram vingar. Estas afirmações são pertinentes.

Aonde é que existe agressão, roubo ou violação? É só porque a BB o disse? Agressão provas clínicas, violação provas forenses nunca existiram, devolvam-me a minha liberdade não sou esse tipo de homem e nunca se deveria ter associado a minha imagem e nome ao crime que parece estar a crescer, as acusações são falsas e um crime contra a minha honra. Peço um julgamento justo e podem acreditar a minha história com Portugal fica por aqui todo mal que me fizeram foi documentado e enviado a quem de direito, se vão fazer alguma coisa ou se mereço justiça isso já é com eles eu sei que aconteça o que acontecer desejo estar distante, a minha vida estabilizará e desejo o melhor para Portugal, nasci, cresci, estudei e trabalhei, por fim meti-me num caminho apertado que trouxe-me tragédias gregas, história muito dura que também trouxe uma bênção conheci a mulher da minha vida e juntos lutamos por dias melhores e o interesse em comum a minha liberdade porque juntos já estamos espiritualmente e fisicamente.

Peço justiça para a minha vida porque não é nem nunca foi verdade os crimes dados como provados no acórdão de sentença.

Artº 449 Código Penal – nº 13 tal comportamento revelado pelas mensagens e pelo teor da conversa é sim compatível com uma personalidade manifestamente perturbada alterou ou manipulou facto a seu favor, o que resultou numa grande injustiça.

- Como dizia Luís Osório, comentário ao Código de Processo Penal, Coimbra Editora, Lim??? 1934 volume VI Pag. 403, versando a revisão sempre sobre a questão de facto, visa-se pela mesma não um reexame nem uma reapreciação de anterior julgado, mas sim e antes, uma nova decisão assente em novo julgamento do feito com apoio em novos dados de facto, não se trata de uma revisão do julgado, mas de um julgado novo com novos elementos.

- Factos ou meios de prova novos são aqueles que eram ignorados pelo recorrente ao tempo do julgamento e não puderam ser apresentados antes deste, não bastando que os factos sejam desconhecidos pelo Tribunal, só esta interrupção faz jus à natureza excepcional do remédio da revisão e, portanto aos princípios constitucionais da segurança jurídica. Da liberdade processual e da proteção do julgado.

Recorrentes: AA, filho de FF e GG. Estado civil - casado com EE, nascido – ........1980, concelho de ... freguesia ... ... nacional de Portugal BI – ......28 Segurança Social – .........06 esposa - EE idade – 46 Naturalidade – ... Residência habitual: ..., ..., ..., Austrália – filha de HH e II. Passaporte – PB.....43

Casamo-nos na Conservatória do Registo Civil .... Assento de casamento nº 9 do ano 2023, no dia ... de ... de 2023

Com os melhores cumprimentos,

PS: Anexado este documento escrito vão os relatórios hospitalares e um CD com os vídeos do dia 1 de maio de 2015, onde vem nos factos provados do acórdão de sentença que eu cometi esses crimes.”

b. Subscrito pela Ilustra defensora, extraindo as seguintes conclusões: (transcrição)

“1º O tribunal a quo assentou a base da sua decisão no depoimento das ofendidas, BB, CC e DD.

2º Nos termos do art. 449º, nº 1, do Código de Processo Penal, “A revisão de sentença transitada em julgado é admissível quando: …d) Se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.

3º O arguido obteve novas provas que por si são aptas a suscitar dúvidas sobre a condenação aplicada.

4º As provas que agora o arguido requer que sejam apreciadas e valoradas em sede de nova audiência e julgamento, um vídeo e duas novas testemunhas, JJ e KK, põem em causa todos os factos da acusação e, em consequência, da condenação.

5º Considera o arguido que se encontram assim reunidos os pressupostos previsto no art. 449º, nº 1, alínea d), do Código de Processo Penal para que o arguido seja sujeito a um novo julgamento.

6º O que desde já se requer.

Face ao exposto:

- Requer o arguido a REVISÃO da decisão proferida em primeira instância, e posteriormente confirmada pelo Tribunal da Relação, Revisão que corre por apenso aos presentes autos;

Termos em que:

- Autorizada que seja a Revisão ora requerida, deverá diligenciar-se pela marcação de nova audiência de discussão e julgamento, onde serão apresentadas as novas provas, a saber:

- Um vídeo cuja a cópia se encontra já junta aos autos em CD, cujo original se encontra guardado num telemóvel Iphone em poder da testemunha KK, requerendo-se desde já a notificação do mesmo para comparecer junto da equipa da policia técnica competente, Policia judiciária, para extracção do mesmo e verificação da sua veracidade, dia e hora de realização do mesmo;

- Duas testemunhas, cuja o depoimento desde já se requer:

- KK, a notificar na Rua ... Nº 6 r/c Dto., ... ...;

- JJ, cuja morada se protesta juntar.”

Posteriormente aditou ao requerimento de recurso testemunhas, nos seguintes moldes:

“1. Na sequência dos contactos feitos por parte do arguido, veio este nesta data, a obter a informação sobre o nome e morada de novas testemunhas conhecedoras de factos necessários que considera serem essenciais para a descoberta da verdade nos presentes autos e que, à data do julgamento, o arguido desconhecia terem tal conhecimento, assim, vem o mesmo requerer que sejam adicionadas ao rol de testemunhas anteriormente indicado, as seguintes:

- LL, a notificar na Rua da ..., Nº 56, ... ...

- MM, a notificar em Entrada de ..., ...;

- NN, a notificar na Rua ..., Nº 6- 2º Fte., ... ... ...;

- OO, a notificar na Praceta ..., 36 – R/C Esq., ... ...;

- PP, a notificar na Rua Professor ..., 1 – R/C Dto., ... ....

Mais informa o arguido que prescinde da testemunha anteriormente indicada, QQ.

Assim, e com as testemunhas agora indicadas, o rol passa a ser o seguinte:

➢ KK, a notificar na Rua ... Nº 6 r/c Dto., ... ...;

➢ JJ, a notificar na Escadinhas ... N2,... ...;

➢ RR, a notificar em ..., Holanda;

➢ SS, a notificar na Rua ..., Nº 36 – 1º Dto., ... ...;

➢ BB, a notificar na Rua ..., Nº 6, 2º Fte, ... ...;

➢ CC, a notificar na Rua ..., 39 D, ... ...;

➢ LL, a notificar na Rua da ..., Nº 56, ... ...

➢ MM, a notificar em ..., Guiné-Bissau;

➢ NN, a notificar na Rua ..., Nº 6- 2º Fte., ... ... ...;

➢ OO, a notificar na Praceta ..., 36 – R/C Esq., ... ...;

➢ PP, a notificar na Rua Professor ..., 1 – R/C Dto., ... ....”

3. Foi prestada informação pelo M.mo Juiz da instância de condenação, nos termos do artigo 454º do CPP: (transcrição)

“Junte aos presentes autos de Recurso Extraordinário de Revisão, desentranhando igualmente dos autos principais (deixando, em lugar, cópia) os requerimentos do arguido 19.06.2023 (ref.ª ......21), com CD que o companha, o requerimento de 17.10.2023 (ref.ª ......35) e, para sua cabal e melhor compreensão, diligencie a secção pela sua transcrição, uma vez que os mesmos se encontram manuscritos.

Junte-se ainda aos presentes autos os requerimentos de 16.10.2023 (ref.ª......15), de 13.11.2023 (ref.ª ......63), de 14.11.2023 (ref.ª ......41) e de 28.11.2023 (ref.ª ......27) e bem assim a certidão sob a ref.ª .......64 e ainda o requerimento de 30.11.2023 (ref.ª 14534952).

Junte igualmente os despachos de 28.06.2023 (ref.ª .......59) e de 25.10.2023 (ref.ª .......66) e este despacho.

Dê-se acesso electrónico aos autos, designadamente ao Apenso de recurso extraordinário de revisão n.º 197/15.5PKLRS-D, já decidido e negado provimento pelo Supremo Tribunal de Justiça de 13-09-2018, transitado em julgado.

Não se vislumbra a necessidade de proceder a quaisquer outras diligências.”

4. Pelo Ex.mo Procurador-Geral Adjunto neste Tribunal foi emitido parecer, pugnando pela negação da revisão, de que extrai a seguinte passagem: (transcrição)

“Acresce que as testemunhas indicadas pelo requerente, em numero final de onze, onde inclui ofendidas e testemunhas que depuseram em julgamento, apareceram em requerimento serôdio no processo de revisão instruído na 1.ª instância sem que o requerente tenha justificado devidamente, quanto às testemunhas que considerou “novas”, que ignorava a sua existência ao tempo da decisão, como bem salientou o senhor juiz que prestou a informação prevista no artigo 454.º do Código de Processo Penal, e sem que tivesse demonstrado que tais testemunhas estiveram impossibilitadas de depor na mesma oportunidade.

Por outro lado, os fundamentos que invoca, descontada a irrelevância da “novidade” relativa às duas referidas testemunhas, nos termos acima sustentados, foram trazidos à audiência de julgamento e aí devidamente escrutinados, criticamente avaliados, com respeito pelas normas e princípios do processo relativos à valoração da prova e ficaram plenamente discutidos na motivação e fundamentação do julgamento, sem que tivessem merecido o sentido que o requerente lhes atribuiu e agora volta a atribuir.

Desta forma, o que vem alegado pelo recorrente não se pode confundir com qualquer novidade de meios de prova ou com qualquer novidade de factos.

Tão pouco o demais que alegou – em sede de motivação da sua petição de revisão da decisão condenatória ou nos requerimentos manuscritos prévios à respetiva formalização por defensor – suscita quaisquer dúvidas graves sobre a justiça da condenação, estando, por isso, afastada a autorização da revisão da sentença, sem prejuízo e a par, a nosso juízo, com a inadmissibilidade do recurso quando coincide com os fundamentos já subjacentes ao pedido de revisão que foi objeto de anterior recurso de revisão, com o n.º 197/15.5PKLRS–D.S1, e no qual foi negada a revisão, tendo transitado em julgado o acórdão respetivo, datado de 13–9–2018.

Em suma, não se verificam os pressupostos da revisão da sentença requerida pelo recorrente nesta providência, sendo manifestamente infundado o presente recurso extraordinário, sobretudo porque, a nosso juízo, e preliminarmente, como acima alegado em 1.2. e em 2.2., o recorrente não se fundamenta em factos novos ou novas provas, antes repetindo e repristinando a mesma temática já apreciada e decidida em anterior recurso de revisão, com o n.º 197/15.5PKLRS–D.S1.”

O Acórdão recorrido transitou em julgado em 11.09.2017.

Colhidos os vistos, realizou-se a conferência a que alude o artigo 455.º, n.º 3, do Código de Processo Penal.

Cumpre decidir.

II. Fundamentação

a. Factos

“1. O arguido e BB mantiveram uma relação de namoro, sem coabitação, desde pelo menos o mês de Junho de 2014 e até Maio de 2015, com várias separações e reconciliações.

2. Pelo menos desde Setembro/Outubro de 2014, o arguido passou a dizer a BB "tens que vir comigo porque eu quero, as mulheres têm que ser submissas, tu és minha, quem manda nesta relação sou eu"

3. Em dia e mês de 2014 não apurado, quando se encontravam no interior do veículo do arguido em artéria desta comarca que não se logrou determinar, o arguido quis ter relações sexuais com BB fora do carro, o que esta negou, como também negou tê-las no interior do veículo.

4. Inconformado, o arguido desferiu-lhe com força uma palmada na cara, de tal modo que a mesma embateu com a cabeça na janela, o que lhe provocou, directa e necessariamente, dores nas zonas atingidas, após o que lhe determinou que fosse para o banco de trás do veículo e que tirasse a sua roupa, dizendo-lhe já sentado no banco traseiro e despido que "como não tinha colaborado então ia ser à bruta".

5. Perante as exigências do arguido, BB sentiu-se culpada o que a levou a manter relações sexuais com o arguido.

6. Em data não apurada, ocorrida ainda em 2014, quando estavam a jantar com um primo do arguido, que elogiou BB, este, enraivecido mas sem que ninguém se apercebesse, disse-lhe "tu comporta-te porque és minha mulher".

7. Nesse mesmo dia à noite, o arguido proibiu BB de sair com umas amigas, conforme esta tinha combinado, e levou-a para a localidade de ..., contra a vontade da mesma, dizendo-lhe que "tinha de estar onde ele estivesse".

8. Assim que chegaram a ..., BB disse-lhe que não queria entrar na casa dos amigos do arguido, pelo que ficou na rua, mas sem telemóvel já que o arguido neste momento lho retirou.

9. Momentos depois o arguido foi ter novamente com BB e respondeu-lhe, em tom agressivo, "tu tens que entrar, eu disse que trazia a minha namorada, estás a fazer-me passar vergonha, tens que subir".

10. E, em acto contínuo, desferiu-lhe uma bofetada na cara, puxou-lhe os cabelos, arrastando-a assim para dentro da casa dos amigos.

11. Depois do sucedido, entraram na dita residência, onde BB quis ficar na sala, tendo então o arguido a agarrado por um braço e, desta forma, a arrastado até a um quarto, onde a largou e lhe disse "assim é que se tratam os animais".

12. O arguido obrigou BB a entrar no dito quarto, que fechou a chave, por volta das 2h00 da manhã e só a deixou de lá sair em hora não apurada da manhã do dia seguinte,

13. No Verão de 2014, por causa dos comportamentos do arguido, BB inventou que estava grávida para afastá-lo de si, o que logrou durante cerca de dois ou três dias.

14. Contudo, passado esse período, o arguido descobriu que ela lhe tinha mentido disse-lhe que "por causa dessa mentira tinha vendido o carro para fazer face às despesas do bebé e perdido quinze mil euros e como é que ela lhe ia agora pagar os ditos 15 mil euros".

15. Acto contínuo, a pretexto de BB lhe ter mentido, o arguido obrigou-a a ajoelhar-se e a pedir-lhe desculpa.

16. BB anuiu por ter medo do arguido, ajoelhou-se e pediu-lhe desculpas, enquanto o arguido lhe apontava a câmara do seu telemóvel para o rosto e filmava o momento.

17. Após o que, não satisfeito, ordenou-lhe que se despisse, que se virasse de costas de pernas abertas e a debruçar-se sobre uma cadeira existente no quarto do arguido, desferindo-lhe, deste modo, vinte cintadas, que contou em tom audível; e, sempre que BB se voltou, implorando-lhe que parasse, o mesmo disse-lhe "nem te atrevas, está quieta", que a atingiram especialmente na região nadegueira e uma vez nas costas.

18. O arguido, a seguir a ter desferido em BB as referidas vinte cintadas, desferiu-lhe outras vinte, o que lhe provocou fortes dores nas zonas atingidas, especialmente nas nádegas.

19. Após o sucedido, o arguido ordenou a BB que se deitasse na cama, ao que a mesma obedeceu, colocou-se em cima dela e introduziu o pénis erecto na sua vagina, friccionando-o no seu interior, até ejacular.

20. Em dia não apurado, na residência do arguido enquanto este fumava droga obrigou BB a fumar tal produto e como esta não sabia fumar (nem cigarros nem droga), o arguido obrigou-a a puxar o fumo para dentro e a engoli-lo.

21. A dada altura da relação o arguido insistiu na conversa dos quinze mil euros, questionando BB várias vezes como é que estava a pensar pagar-lhe a dívida, tendo-lhe então sugerido "tens duas hipóteses ou ser prostituta ou venderes droga ".

22. Assim, pelo menos nos três dias seguintes, o arguido ligou a BB entre as 09h00 e as 09hl5, mandou-a descer, levou-a para sua casa, onde a mesma lhe fez todas as tarefas domésticas, porque ele assim o exigiu; ali ficando até às 18h00, momento em que tinha de ir buscar a irmã à escola.

23. Nesse período, BB acedeu a todas vontades sexuais do arguido, desde sexo oral a cópula vaginal, chegando a fazê-lo várias vezes no mesmo dia.

24. Numa dessas ocasiões, o arguido obrigou-a a ver um filme pornográfico e a fazer-lhe sexo oral ao mesmo tempo que a actriz estava a fazê-lo.

25.Passados esses dias e po r não aguentar mais a situação a que vinha sendo sujeita, BB recusou-se a manter aquela rotina e disse ao arguido "estou cansada, se quiseres mata-me".

26. Entretanto o arguido viajou para a ..., tendo regressado em Outubro de 2014.

27. Em data não apurada mas ainda no ano de 2014, quando estavam em casa do arguido, desentenderam-se e este desferiu-lhe uma chapada na cara, após o que ordenou que se despisse e que se deitasse na cama, onde introduziu o seu pénis erecto na vagina de BB, durante algum tempo.

28. Apôs o que ordenou que a mesma se virasse de costas e, com violência, introduziu o pénis erecto no ânus da mesma, tendo esta começado a gritar chegando a implorar-lhe pela mãe dele, ao que o arguido lhe tapou a boca e disse-lhe "ai de ti que grites, senão vai ser pior", enquanto permaneceu a friccionar o pénis erecto no interior do ânus dela.

29. A seguir a ter penetrado o ânus de BB, o arguido voltou a friccionar o pénis erecto no interior da vagina da mesma, o que fez até ejacular.

30. Por causa dos actos sexuais constantes que o arguido lhe exigiu, BB sofreu dores na vagina e no ânus, bem como assaduras na zona das virilhas e sofreu infecções urinárias, uma delas bacteriana, por ter introduzido o pénis na sua vagina a seguir a tê-lo feito no ânus.

31. No dia seguinte o arguido ligou a BB e disse-lhe "eu te amo, sou doido por ti, porque é que és assim, porque é que me fazes mal", fazendo-a sentir-se responsável pelos actos do mesmo e que quem estava mal era ela e não ele.

32. Após o falecimento do pai de BB, ocorrido em ... de ... de 2014, esta reatou a relação com o arguido, por nesta ocasião o arguido se ter demonstrado muito companheiro, apoiando-a.

33. No início do mês de Dezembro de 2014, quando o arguido se preparava para viajar novamente para a ..., surgiu uma discussão entre o casal, por BB ter visto um anel na mochila do arguido.

34. No final do mês de Abril de 2015, existiu um desentendimento entre o casal, no decurso do qual o arguido desferiu um estalo na cara e puxou os cabelos de BB, pelo que esta terminou a relação.

35. Desde então, o arguido através das redes sociais e de terceiros tentou interceder junto de BB para reatarem a relação, tendo esta aceitado conversar com ele, pela última vez, na sua casa e não na dele, como o mesmo pretendia.

36. Então, no dia 1 de Maio de 2015, cerca das 11hOO, o arguido deslocou-se â residência de BB, sita na Rua ... n. 6, 2.º- frente, ..., e lá chegado sugeriu ir falar com ela para o seu quarto, ao que a mesma acedeu, não sem antes avisar a irmã para lá ir se, por acaso, ela a chamasse.

37. Quando estavam a conversar normalmente, o arguido, sem que nada o fizesse prever, ordenou-lhe "despe-te", ao que a mesma não acedeu, tendo aquele, de imediato, lhe rasgado as calças e a camisola do pijama, ficando a mesma de cuecas.

38. Porém, o arguido, usando da força física, jogou-a para cima da cama altura em que a mesma começou a gritar pela irmã que estava na sala e no imediato o arguido tapou-lhe a boca.

39. Após o que o arguido arranhou com as unhas os dois lados da cara de BB, indo de seguida trancar a porta da residência e disse-lhe, bem como para irmã desta, que "não saíam dali até que ela o satisfizesse sexualmente".

40. Como queria sair dali, BB disse ao arguido "aceito deitar-me contigo se tu fores embora", com o que ele concordou, e disse à irmã que ia com ele para o quarto para conversarem, onde o arguido manteve cópula vaginal com ela até ejacular, após o que se foi embora.

41. Assim que as trancou em casa, o arguido retirou o telemóvel de BB assim como escondeu o telefone móvel da residência, para, desta forma, impedi-la de pedir auxílio.

42. No dia 3 de Maio de 2015, quando estava na discoteca "...", sita em ..., o arguido surgiu no local, deu-lhe os parabéns e disse-lhe "tu és minha, tens de vir comigo".

43. No dia 15 de Maio de 2015, cerca das 01h0, o arguido estava à espera de BB à porta do prédio, tendo esta de pedir à mãe que a fosse buscar à rua, o que sucedeu.

44. Entre as 04h28 e as 06h40 desse dia, o arguido, através da rede social Facebook, enviou a BB, para além de outras, as seguintes mensagens: "Aquele vídeo pelo conteúdo erótico vai ter milhares de likes;... e também para um site porno... pensa bem porque não estou a brincar e agora já posso ir dormir descansado; tenho mil mensagens tuas mais filmagens de conteúdo erótico e se não quiseres saber da tua imagem não te preocupes eu também não odeio por seres uma cabra insensível também sei ser; já tinhas sido uma pita na minha ausência e agora queres sê-lo na minha presença. Mas vai te custar acredita e faço isso com tida a lata do Mundo; e sim tens razão é só mesmo o teu corpo porque de cabeça não tens nada posso dizer mais alto mas não mais claro; e depois desta merda não te quero como namorada, nem pintada de ouro ou de diamante, agora não faças só o que te digo e verás se não o faço primeiro envio-te para veres e depois publico na net e ofereço a qualquer site pomo. Quando fostes fazer essa merda de feitiçaria não contastes com efeitos secundários não foi sua balobeira do caralho, bu misti cedu pomo star purpara na ranjau nomi artistiku pitaputa kkkkkkkkkkk".

45. Nesse mesmo dia, cerca das 09h00, quando regressava da escola da irmã, o arguido abordou BB atravessando o veículo que conduzia a frente desta, saiu do carro e ordenou-lhe "tu vens comigo".

46. Como BB estava ao telefone, o arguido puxou-lhe o cabelo e arrancou-lhe o telemóvel das mãos - Samsung Galaxy Grand Neo de cor branca - ao mesmo tempo que lhe disse "queres o telemóvel vem buscá-lo", após o que entrou no veículo e abandonou o local.

47. Por temer que o arguido fosse esperá-la a porta de casa, BB refugiou-se na farmácia ..., sita na ..., nesta comarca, onde o arguido se deslocou e lhe pediu para conversarem.

48. Como ela não aceitou e lhe pediu o telemóvel, o arguido em tom alto e agressivo, disse-lhe "e tu dás-me os quinze mil euros que me deves", após o que abandonou o local, levando o telemóvel de BB consigo, aproveitando esta a ocasião para pedir ajuda às autoridades policiais.

49. Durante os períodos em que estiveram separados, o arguido disse a BB, tanto através de mensagens escritas que enviou para o telemóvel desta, bem como para o Facebook da mesma, através do perfil que utiliza, com o nome "TT" (com o endereço https://www.facebook.eom/....r....), que ia tornar público um vídeo que tinha realizado de um momento íntimo de ambos, ameaças que reiterou especialmente no dia IS de Maio de 2015, conforme acima descrito.

50. Não obstante BB ter ficado com lesões e dores carecedoras de tratamento médico, decorrente das condutas do arguido, a mesma nunca o procurou por recear a reacção do arguido se descobrisse que ali se tinha dirigido.

51. Assim como e pelo mesmo motivo nunca o denunciou às autoridades policiais.

52. Para além das lesões e dores referidas e por causa das condutas do arguido, BB sentiu vexame, humilhação e profundo receio pela sua vida e integridade física.

53.O arguido sabia que, com as condutas acima descritas e de modo reiterado, molestava física, sexual e psiquicamente a ofendida, sua namorada, infligindo-lhe maus tratos físicos, sexuais e psíquicos, humilhando-a, ofendendo-a na sua honra e considerações pessoais, e que condicionava a sua vida, liberdade e bem-estar psicossocial, ofendendo-lhe a respectiva dignidade humana, criando e potenciando na ofendida sentimentos de vergonha, humilhação, diminuição e frustração, fazendo-o, no interior da residência da mesma, bem como na sua, mas também na via e noutros locais públicos, conhecendo bem o perigo que a sua conduta representava para a sua saúde e equilíbrio mental.

54. Ao actuar da forma descrita, o arguido agiu com o intuito de privar de liberdade BB quando a manteve num quarto de uma casa na ..., contra a sua vontade e depois de sobre ela ter exercido tratamento desumano; comportamento que quis e repetiu conforme referido de 39 a 41, para manter com aquela relação sexual por ela não desejada, sabedor que era que, pela sua superior compleição física, aquela não podia opor resistência à sua actuação.

55. O arguido sabia ainda que BB não queria manter com ele relações sexuais, e, não obstante, ciente de tal facto, bem como de que estava a utilizar a força física para obrigá-la a manter cópula vaginal, coito anal e oral, tudo por ela indesejado, quis actuar da forma descrita, conforme descrito nos pontos 19, 27 a 33 e 37 a 40, com o propósito de satisfazer os seus intuitos libidinosos e apetites sexuais, o que logrou.

56. Mais sabia que o telemóvel que arrancou das mãos de BB e que consigo levou, conforme descrito no ponto 46, não lhe pertencia e, não obstante, quis fazê-lo contra a vontade daquela e em prejuízo desta, utilizando, para o efeito, violência na pessoa da mesma com vista a alcançar os seus intentos, o que logrou, levando-o consigo e fazendo-o seu.

57. Assim como sabia que ao filmar BB, quando lhe exigiu que lhe pedisse perdão, estava a fazê-lo contra a vontade desta, mas não obstante não se coibiu de agir da fornia que o fez e que se encontra descrita sob o ponto 16°.

58. Agiu em tudo de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.

59. O arguido e CC mantiveram pelo menos dois contactos íntimos no ano de 2016.

60. No dia 39 de Agosto de 2015, cerca das 18h00, o arguido efectuou um telefonema para CC, tendo combinado ir buscá-la para levá-la a uma festa de um amigo comum, na ..., o que sucedeu cerca das 22h00 do referido dia.

61. Cerca das 00h00 do dia seguinte, ao ver que o arguido não se encontrava na festa e porque queria ir para casa, tendo ficado o mesmo de lhe dar boleia, CC ligou-lhe, acabando aquele por ir buscá-la ao local onde estava a decorrer a dita festa.

62. No interior do veículo do arguido e quando se encontravam na rotunda de ..., o arguido, em vez de virar para a residência daquela, sita na Bua ..., 39 D, ..., ..., acelerou e dirigiu o veículo na direcção oposta, insistindo em manter com ela relações sexuais.

63. Chegados a uma rua na ..., CC logrou sair do veículo, tendo o arguido ido atrás dela, insistindo para que mantivessem relações sexuais.

64. Como CC se negou e mostrou-lhe resistência, dada a sua compleição física, o arguido disse-lhe "Então queres à força"; e, em acto contínuo, fez-lhe uma gravata no pescoço com o seu braço, que apertou com força, ao ponto de a mesma ter ficado com dificuldades de respirar, e arrastou-a para o seu veículo automóvel.

66. Mantendo CC limitada nos seus movimentos, o arguido abriu a porta de trás do veículo automóvel, empurrou-a para o seu interior e aproveitando que a mesma caiu com a barriga sobre o banco, levantou-lhe o vestido, tentou tirar-lhe as cuecas, ao mesmo tempo que se colocou sobre ela.

66. Quando CC já estava no chão, entre o banco da frente e o banco de trás do veículo, apôs ter estado vários minutos a debater-se, o arguido saiu do veículo, trancou a porta por onde a tinha empurrado e voltou a entrar no veículo pela porta oposta, tentando, várias vezes, colocar-lhe uma das suas mãos na vagina da mesma, puxando-a com a outra para cima do banco de trás.

67. Após algum tempo concretamente não apurado, como estava exausta de todo o esforço que esteve a fazer para se livrar do arguido, este conseguiu tirá-la do chão onde se encontrava, após o que beijou CC na boca e apalpou-a em várias zonas do corpo, tentou tirar-lhe as cuecas, após o que colocou-a em posição de ir penetrá-la.

68. Neste instante, ao aperceber-se que um veículo tinha estacionado perto do arguido, CC começou a gritar por socorro e a bater com um pé na porta, tendo o arguido saído do carro, após o que lhe atirou com um dos sapatos da mesma e lhe tapou a boca para que não gritasse.

69. Depois ordenou-lhe que voltasse a entrar no carro, o que não sucedeu pois CC fugiu, descalça e deixando a sua mala no veículo do arguido, tentando de imediato ligar para o 112, o que não conseguiu, pois, o arguido alcançou-a, tirou-lhe o telemóvel da mão e atirou-o para o chão, onde se partiu.

70. Depois de ter conseguido livrar-se do arguido, CC escondeu-se num jardim ali próximo, esticando-se num banco existente, donde apenas saiu quando verificou que o arguido já não andava para trás e para a frente a sua procura, conseguindo ajuda junto do McDonald's de ....

71. O arguido dirigiu-se à esquadra da PSP de ... de imediato, pelas 3h30m, participando que a mesma por terem cessado a relação e por ter ciúmes do mesmo se pretendia vingar dele e que o iria acusar de a violar pois sabia que o arguido tinha processos judiciais pendentes, e ali entregou a mala, sapatos e o telemóvel de CC, que desta forma lhe foram entregues.

72. O arguido quis manter relações sexuais com CC, apesar de bem saber que ela não queria fazê-lo, e, não obstante, ciente de tal facto e bem sabendo estava a utilizar a força física e ameaça para o efeito, quis actuar da forma descrita, com o propósito de satisfazer os seus instintos libidinosos e apetites sexuais, o que só não logrou porque CC conseguiu libertar-se e dele fugir.

73. Sabia ainda que, na ocasião referida, causava estragos num telemóvel que não lhe pertencia, que tirou da mão de CC e arremessou contra o chão.

74. Agiu em tudo de forma livre, deliberada e conscientemente, sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal.

75. O arguido e assistente DD conheceram-se no dia 31 de Maio de 2018 por volta das 20h00, tendo o arguido em circunstâncias não apuradas transportado a mesma no seu veículo e mantido com esta relações sexuais pelo menos numa ocasião.

76. O arguido e a assistente estiveram de seguida no centro comercial em ..., conhecido pelas ... e ali efectuaram compras no continente tendo a assistente adquirido numa farmácia do mesmo centro a pílula do dia seguinte, que consumiu de imediato e o arguido aguardado pela mesma após o que a voltou a transportar no seu veículo. (..)»

b. o Direito

b.1. Em 13.09.2018, foi proferido por este Tribunal, em anterior recurso de revisão, com o n.º 197/15.5PKLRS–D.S1, Acórdão que decidiu negar a revisão, transitado em julgado em 01.10.2018.

O recurso de revisão tinha como fundamento a existência de um novo meio de prova que consistia no vídeo ora, novamente apresentado.

Decidiu-se no Acórdão em referência: (transcrição)

“- dos factos provados 16, 44 e 49 há referência a um vídeo:

- no Verão de 2014, BB inventou que estava grávida para afastar o arguido de si (facto provado 13), mas tendo o arguido, passado 2 ou 3 dias, descoberto que não era verdade (factos provados 13 e 14), e porque a vítima lhe havia mentido, obrigou-a a joelhar-se, a pedir-lhe desculpa (facto provado 15), o que a vítima fez "com medo do arguido" (facto provado 16), tendo filmado o momento (facto provado 16); segue-se a descrição de agressões à vítima (factos provados 17 e 18) e da prática de relações sexuais após o episódio de violência e após ter ordenado à vítima que se deitasse na cama (facto provado 19) — daqui se percebe que há referência a uma filmagem, mas esta referência circunscreve-se ao momento em que a vítima se ajoelha e pede desculpa, sem que se refira qualquer filmagem ou produção de vídeo quanto à relações sexuais havidas entre o agressor e a vítima;

- no facto provado 44, referente a mensagens que o arguido enviou à vitima BB há referência a uma vídeo que terá realizado aquando de práticas sexuais com a vítima — ou seja, ainda que não se refira qualquer visualização daquele vídeo tem-se conhecimento da sua existência e de como o arguido se serve dele para ameaçar a vítima;

- no facto provado 49 mais uma vez se faz referência a um vídeo do arguido onde estarão gravadas imagens de um momento íntimo entre o arguido e a vítima, ameaçando mais uma vez esta que irá divulgá-lo.

Porém, aquando da fundamentação de facto nunca se faz qualquer referência a qualquer vídeo.

De tudo isto se concluiu que o vídeo apesar de não ter integrado as provas aquando do julgamento, constitui, no entanto, um elemento que foi tido em conta e demonstrativo da coação exercida pelo arguido sobre a vítima BB.

Pretende agora o arguido apresentar esse vídeo e considerando que é fundamento bastante para colocar sérias dúvidas sobre a justiça da condenação relativamente aos crimes por que vem condenado, por entender que é prova bastante de ter praticado com a arguida relações sexuais consentidas.

Para tanto será necessário este Tribunal concluir que esta prova (junta aos autos através de cópia integrada em CD) permite ter dúvidas quanto a saber se as relações sexuais existentes entre aqueles intervenientes se integram (ou não) no crime de violação.

Sabendo que o crime de violação ocorre quando as relações sexuais havidas entre adultos são praticadas sem a anuência de ambos os intervenientes, e sabendo que as relações sexuais havidas, e que fundamentaram a condenação do arguido, ocorreram no âmbito do circunstancialismo descrito supra, é o bastante para que não possamos concluir outra coisa diferente da que foi concluída aquando do julgamento.

Não há consentimento na prática de quaisquer relações sexuais quando estas são realizadas após uma série de atos de coação sobre a vítima de modo a limitar-lhe a sua liberdade de ação, e de decisão. Não há consentimento livre quando toda a situação envolvente é uma situação ameaçadora, constrangedora, limitativa da Uberdade de decisão e de movimentos. Ainda que os vídeos apresentem uma situação aparentemente normal e colaborativa por parte da vítima, não são o bastante para que possamos ter dúvidas quanto às agressões que precederam aquelas práticas sexuais (cf. factos provados 17 e 18) — ora, estando dado como provadas estas agressões quaisquer práticas sexuais subsequentes não constituem o exercício de um direito à liberdade, nem permitem concluir que houve um consentimento livre para a sua realização. Nem é após ter exigido à vítima a prática de diversas tarefas domésticas (facto provado 22), e esta ter acedido a tudo o que o arguido lhe pedia (facto provado 23), ou após ter agredido a vítima fisicamente (factos provados 27 e 28), ou usando a força física (facto provado 38), ou quando a vítima, numa tentativa para fazer com que o arguido saísse de sua casa tivesse mantido com o arguido relações sexuais (facto provado 40), que podemos concluir, a partir do CD junto aos autos, que a vítima atuou livremente. A simples visualização das imagens sem integração no contexto vivencial que as precedeu em nada contraria os atos coativos existentes (cf. factos provados 17, 18, 19, 22, 23, 27, 28, 38, 39 e 40). Ora, a prática daqueles atos coativos é o bastante para que não possamos concluir pela existência de consentimento, assim não se podendo tirar outra conclusão diferente daquela a que chegou o acórdão recorrido. Na verdade, consentimento não é subjugação, consentimento não é domínio do mais forte sobre o mais fraco, qualquer que seja o motivo (físico ou emocional) que determinou esta inferioridade. A simples visualização dos vídeos não nos cria quaisquer úvidas quanto à conclusão anterior obtida em audiência de discussão e julgamento de que as relações sexuais foram praticadas sem o consentimento livre da vítima.

Pelo que, concluímos não estarem verificados os pressupostos de admissibilidade deste pedido de revisão, e assim deve ser negada a revisão.”,

O acórdão de 13.09.2018 transitou em julgado em 01.10.2018.

Dispõe o art. 465.º do CPP, sob a epígrafe “Legitimidade para novo pedido de revisão”:

“Tendo sido negada a revisão ou mantida a decisão revista, não pode haver nova revisão com o mesmo fundamento.”

Nesta parte, como vimos, o pedido de revisão é fundado exatamente no mesmo motivo e no mesmo meio de prova, sendo, pois, aplicável a restrição de legitimidade definida pela norma citada1.

É, assim, inadmissível, por ilegitimidade do recorrente, o presente recurso de revisão, na parte em que se refere ao mesmo exato meio de prova cuja relevância, como fundamento de revisão de sentença, foi objeto de decisão no acórdão em referência.

Rejeitando-se por inadmissibilidade legal, quanto a esta parte, o presente recurso.

b.2. Dispõem a alínea d) do n.º 1 e o n.º 3 do artigo 449.º do Código de Processo Penal:

1 - A revisão de sentença transitada em julgado é admissível quando:

d) Se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.

3 - Com fundamento na alínea d) do n.º 1, não é admissível revisão com o único fim de corrigir a medida concreta da sanção aplicada.

O Tribunal Constitucional vem reafirmando a natureza da intangibilidade do caso julgado como subprincípio do princípio da segurança e certeza jurídica, inerente ao modelo do Estado de direito democrático, emergente do artigo 2.º, da Constituição.

Entre outros, o recente Acórdão n.º 192/22, de 17 de março, seguindo o Acórdão n.º 151/2015, de 4 de março, deu, novamente, corpo à jurisprudência sobre o fundamento constitucional do caso julgado, mesmo tratando-se de caso julgado formal:

«O princípio da segurança e certeza jurídica, inerente ao modelo do Estado de direito democrático, consagrado no artigo 2.º da Constituição, no âmbito dos atos jurisdicionais, justifica o instituto do caso julgado, o qual se baseia na necessidade da estabilidade definitiva das decisões judiciais transitadas em julgado. Daí que seja reconhecida, enquanto subprincípio, a intangibilidade do caso julgado, revelado em preceitos constitucionais como o artigo 29.º, n.º 4, e 282.º, n.º 3, o qual também abrange o denominado caso julgado formal, relativo às decisões que têm por objeto a relação processual (neste sentido, J.J. Gomes Canotilho, em “Direito Constitucional e Teoria da Constituição”, pág. 264-265, da 7.ª ed., Almedina, Rui Medeiros, em “A decisão de inconstitucionalidade”, pág. 557, ed. de 1999, da Universidade Católica Editora, Isabel Alexandre, em “O caso julgado na jurisprudência constitucional portuguesa”, em Estudos em Homenagem ao Conselheiro José Manuel Cardoso da Costa, pág. 12-14, ed. de 2003, da Almedina, e os Acórdãos n.º 255/98, 61/2003 e 370/08”.

O recurso extraordinário de revisão tem natureza específica que, no próprio plano da Lei Fundamental, se autonomiza do genérico direito ao recurso garantido no processo penal pelo artigo 32.º, n.º 1.

O recurso de revisão constitui remédio excecional contra decisões gravemente injustas, “permitindo a sua revisão naqueles casos em que a subsistência da decisão (injusta) seria insuportável para a comunidade”. (acórdão STJ, de 10.09.2008, proc. nº 08P1617)

Ensinava o Professor José Alberto dos Reis, “A sentença pode ter sido consequência de vícios de tal modo corrosivos, que se imponha a revisão como recurso extraordinário para um mal que demanda consideração e remédio. Quer dizer, pode a sentença ter sido obtida em condições tão estranhas e anómalas, que seja de aconselhar fazer prevalecer o princípio da justiça sobre o princípio da segurança. Por outras palavras, pode dar-se o caso de os inconvenientes e as perturbações resultantes da quebra do caso julgado serem muito inferiores aos que derivariam da intangibilidade da sentença» Código de Processo Civil Anotado, vol. VI, Coimbra Editora, Coimbra, 1953, pp. 336-337.

b.3. A jurisprudência deste tribunal tem sublinhado, de forma consolidada, que, para efeitos da al. d) do n.º 1 do art. 449.º do CPP, são factos novos ou novos meios de prova os que não tenham sido apreciados no processo que levou à condenação e que, sendo desconhecidos da jurisdição no ato de julgamento, permitam suscitar graves dúvidas acerca da culpabilidade do condenado. Novos meios de prova são aqueles que são processualmente novos, que não foram apresentados no processo da condenação.

E novos são apenas os factos ou os meios de prova que eram ignorados pelo recorrente ao tempo do julgamento e, porque aí não apresentados, não puderam ser considerados pelo tribunal (entre outros, acórdãos de 26.10.2011 proc. 578/05.2PASCR.A.S1, 3.ª Secção, de 30.1.2013, proc. 2/00.7TBSJM-A.S1, 3.ª Secção, com indicação exaustiva de jurisprudência e doutrina, e de 19.03.2015, proc. 175/10.0GBVVD-A.S1, 5.ª Secção).

À novidade, assim considerada, dos factos ou meios de prova, acresce a necessidade de que eles, por si ou em conjugação com os já apreciados no processo, sejam de molde a criar dúvidas fundadas sobre a justiça da condenação. A dúvida relevante para a revisão tem de ser qualificada pela sua gravidade. (acórdãos de 09.02.22, proc. 163/14.8PAALM-A.S1 de 30.1.2013, proc. 2/00.7TBSJM-A.S1 e de 29.4.2009, proc. 15189/02.6.DLSB.S1, 3.ª Secção).

A existência de novos meios de prova constitui o fundamento da revisão invocado pelo recorrente.

Quando se trata de alegada nova prova pessoal, como é o caso, exige-se que o requerente da revisão justifique que ignorava a sua existência ao tempo da decisão ou que as testemunhas estiveram impossibilitadas de depor (o artigo 453º, nº 2 do Código de Processo Penal) e indique a relevância da sua apresentação, em conexão com a justiça da decisão.

b.4. Sobre a prova testemunhal ora apresentada, diremos, acompanhando o Ministério Público na instância de julgamento e neste Tribunal, que:

- se não mostra justificado o desconhecimento do condenado quanto à sua existência, na fase de julgamento;

- nem indicado sobre que factos têm conhecimento, em que termos pode o seu depoimento constituir prova e como é esta suscetível de pôr em crise, de forma séria, a justiça da condenação;

- não foi justificado que as testemunhas se encontravam impedidas de depor em julgamento;

- o “rol” apresentado inclui as ofendidas e testemunhas ouvidas em julgamento;

- do requerimento do condenado resulta evidente que se pretende, apenas, descredibilizar as ofendidas, através de depoimentos de pessoas que não presenciaram os factos, dada a circunstância de estes terem tido lugar em espaços e momentos habitados apenas pelo recorrente e por cada uma das vítimas.

Não se julga, em consequência, verificado o pressuposto de novidade dos meios de prova testemunhal apresentados, não podendo ser considerados, por não serem material ou processualmente novos.

Basta a não verificação do pressuposto de admissibilidade “novidade”, previsto na alínea d) do n.º 1 do artigo 449.º do CPP, para ditar a improcedência do presente recurso extraordinário.

Não se verifica, em conclusão, pela ausência de novidade dos meios de prova apresentados e pela sua incapacidade para afetar o juízo de justiça da condenação, o fundamento previsto na alínea d) do n.º 1 do artigo 449.º do CPP.

Pelo que, carecendo de fundamento, deve o recurso improceder, negando-se a revisão.

III. Decisão

Termos em que se delibera em conferência na 3.ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça:

a) Rejeitar, parcialmente, o recurso, por ilegitimidade do recorrente (arts. 465.º, 414.º, n.º 2, e 420.º, todos do CPP);

b) Negar a revisão de sentença requerida pelo condenado AA.

b) Condenar o requerente em custas, fixando-se a taxa de justiça em 5 UCs.

Supremo Tribunal de Justiça, 28.02.2024

Teresa de Almeida (Relatora)

Lopes da Mota (1.º Adjunto)

Pedro Manuel Branquinho Dias (2.º Adjunto)

Nuno Gonçalves (Presidente)

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1. Ver, por ex., Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, Vol. II, 5.ª Edição, pág. 784.