Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
Relator: | PEREIRA MADEIRA | ||
Descritores: | RECURSO PARA O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA MOTIVAÇÃO MATÉRIA DE FACTO REGRAS DA EXPERIÊNCIA COMUM PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA | ||
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Nº do Documento: | SJ200305220016725 | ||
Data do Acordão: | 05/22/2003 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | T REL COIMBRA | ||
Processo no Tribunal Recurso: | 3224/02 | ||
Data: | 12/18/2002 | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Sumário : | I - Quando o Supremo Tribunal de Justiça é confrontado com um recurso da Relação, sãos os fundamentos do decidido em 2.ª instância que importa verificar e, não, os da decisão de 1.ª instância já sufragados pelo tribunal recorrido. II - Daí que, no casos em que o recorrente (já em segunda edição, portanto), se limita a uma espécie de recauchutagem informática dos fundamentos do recurso que apresentou perante a Relação, sem nada trazer de novo à discussão, verdadeiramente não apresenta motivação, que, para não se volver numa fastidiosa e inútil repetição de argumentos, deverá incidir, isso, sim, e se for esse o caso, sobre a argumentação do tribunal recorrido que é o da Relação, e, não, sobre o que foi decidido em 1.ª instância. III - No actual sistema processual penal está fora do âmbito legal do recurso a reedição dos vícios apontados à decisão de facto da 1.ª instância, em tudo o que foi objecto de conhecimento pela Relação. IV - O uso dos poderes de livre apreciação da prova pelas instâncias é, até certo ponto, sindicável em via de recurso, pelo Supremo Tribunal de Justiça, desde que, através da necessária objectivação e motivação se atinja que tais poderes foram usados para além do que permitiriam as regras da experiência e da vida, fundando assim uma conclusão inaceitável, designadamente, expressando certezas quando devia ficar-se pela dúvida ou vice-versa. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1. O Ministério Público deduziu acusação contra as arguidas MLFB e MCTM, devidamente identificadas, pela prática, cada uma delas, de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, p. e p. pelos artigos 21.º, n.º 1 e 24, al. h), do DL 15/93, de 22/01, na redacção que lhe foi dada pelo artigo 1.º da Lei 45/96, de 03/09, com base nos factos descritos na acusação. Efectuado o julgamento veio a ser proferida sentença em que, além do mais, foi decidido julgar parcialmente procedente por parcialmente provada a acusação, absolvendo-se a arguida MLFB da prática do crime que lhe era imputado e condenando-se, em conformidade, a arguida MCTM, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, p. e p. pelos artigos 21.º, n.º 1 e 24.º, al. h), do DL 15/93, de 22/01, na redacção que lhe foi dada pelo artigo 1.º da Lei 45/96, de 03/09, na pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão. Inconformada, recorreu a condenada à Relação de Coimbra, mas em vão o fez, já que aquele tribunal superior, por acórdão de 18/12/02 negou provimento ao recurso. Ainda não convencida, recorre agora a mesma arguida ao Supremo Tribunal de Justiça a quem confronta com o seguinte objecto conclusivamente delimitado: A) A arguida, ora recorrente foi julgada e condenada nos autos em epígrafe, na pena de um cinco anos e seis meses de prisão . B) Tal decisão foi confirmada pelo Tribunal da Relação de Coimbra que negou provimento ao recurso interposto pela arguida ora recorrente. C) Acontece porém que, a arguida não praticou os factos pelos quais foi acusada e condenada, designadamente, porque, não tinha conhecimento, antes desconhecia o que se encontrava no interior das laranjas e consequentemente que a droga seria pelo A ou por outro ou outros reclusos vendida a consumidores no estabelecimento prisional, não procedendo assim livre e conscientemente. D) Na verdade, a ora recorrente, assumiu desde do inicio, sempre a mesma postura e versão, ou seja desde o momento em que vai à cadeia para se inteirar do que se passava com o saco e esclarecer que tinha sido ela a entregá-lo à sua nora, para esta o entregar ao ARCFS; quando relatou ás testemunhas o que se havia passado; quando prestou declarações no inquérito e na audiência de discussão e julgamento. E) Toda a postura da arguida durante o inquérito e até antes dele revela o quanto esta estava de consciência tranquila, pois, quem mal não faz, mal não pensa. F) Na verdade, as circunstâncias em que o saco em causa lhe foi entregue, foram exactamente as referidas pela arguida e pelas testemunhas, desconhecendo esta se no interior das laranjas estava alguma coisa ou o que quer que seja, hipótese que é altamente verosímil e crível. G) No entanto, o tribunal não deu relevância, às declarações da arguida, ora recorrente, nem à das testemunhas, apesar de ninguém ter contrariado essas declarações. H) Antes se convenceu de que aquela tinha conhecimento dos produtos que se encontravam no interior das laranjas, sem apurar o modo ou modos, como aquela entrou na posse do saco, e, I) Só assim, poderia convencer-se que aquela sabia ou não sabia do que continham as laranjas no seu interior. J) Pelo que, nesta parte, a matéria de facto dada como provada é manifestamente insuficiente para a decisão que foi tomada pelo Tribunal, e de que ora se recorre. L) Por outro lado, também a fundamentação da decisão encerra uma contradição insanável, já que, por um lado, fundamenta a sua convicção nas declarações da arguida ora recorrente e das testemunhas, quando refere que: (...)Também nas declarações prestadas, em audiência, pela MC, a qual deu a sua versão dos factos, afirmando que o saco lhe foi entregue por uma pessoa amiga do ARCFS, para que lho entregasse quando se deslocasse ao EP a fim de visitar o filho, tendo-o entregue à sua nora por, nesse dia, já o ter visitado(...); e depois condena-a por não ser crível que ela não tivesse conhecimento. Onde está o facto provado, que permite ao Tribunal adquirir tal convicção? M) Não se apurou versão diversa da que foi apresentada pela ora recorrente e o Tribunal concluiu pela convicção de que a arguida tinha conhecimento de que no interior das laranjas eram transportados aqueles produtos, por não ser crível que alguém entregue mais de 46 gramas de heroína amua pessoa sem que esta saiba do que se trata, para além de que, também não é verosímil, que alguém que pretenda entregar uma encomenda a um detido no EP de Coimbra, e venha de fora da região centro, se desloque às proximidades do Luso, para que esta o faça por si. Concluindo ainda que, a heroína se destinava a ser vendida no interior do EP de Coimbra, no facto de aí ter sido introduzida, na sua quantidade, bem como na circunstância de ser acompanhada de 60 comprimidos de piracetam, usualmente utilizados para corte da heroína, na venda a retalho. N) Entendeu o Venerando Tribunal da Relação de Coimbra que, os problemas postos pela recorrente no seu recurso se reconduzem a um único, qual seja o da apreciação da prova por parte do tribunal recorrido de que trata o art.º 127.º do C.P.P. O) E aqui os Venerandos Juízes Desembargadores chamaram à colação ensinamentos para dizer que os julgadores do Tribunal de recurso só podem afastar-se do juízo feito pelo julgador da 1.ª instância naquilo que não tiver origem nestes dois princípios ( oralidade e imediação) ou seja, naqueles casos em que a formulação da convicção não se tiver operado em consonância com as regras da lógica e experiência. O) Acontece porém que, e salvo melhor opinião, as regras da experiência, não podem de modo nenhum determinar que a arguida conhecia o que continham as laranjas, no caso dos autos. Pois, se por um lado, não é crível ao Tribunal que alguém entregue mais de 46 gramas de heroína a uma pessoa sem que esta saiba do que se trata, e, também não é verosímil, que alguém que pretenda entregar uma encomenda a um detido no EP de Coimbra e venha fora da região centro, se desloque às proximidades do luso, para que esta o faça por si; por outro lado, para as regras da experiência também não é crível que uma senhora com 71 anos de idade, pobre, honesta, trabalhadora, respeitada por todos no meio onde vive, doente (diabética) que vive num meio pequeno, se prontificasse a fazer chegar ao EP tal quantidade de estupefaciente, sabendo ela do que se tratava. P) E tanto assim é, que pediu à sua nora e neto que procedessem à entrega do saco no EP. Q) As regras da experiência o que ditam ou podem ditar no caso dos autos, é que a arguida foi enganada, usada para o efeito. Abusaram da sua idade, da sua ingenuidade e boa vontade. E é disto e apenas disto que a arguida está a ser vitima. R) A livre apreciação da prova que foi feita pelo tribunal 1.ª instância, não pode ser urna apreciação imotivável e incontrolável da prova produzida. A liberdade de apreciação da prova é no fundo urna liberdade de acordo com um dever -" o dever de perseguir a verdade material " de tal sorte que a apreciação há-de ser, em concreto recondutível a critérios objectivos e, portanto, em qual susceptíveis de motivação e controlo. A livre convicção ou apreciação não poderá nunca confundir-se com a apreciação arbitrária da prova produzida nem com a mera impressão gerada no espírito do julgador pelos diversos meios de prova. As deduções e induções efectuadas pelo Tribunal "a quo" não se podem retirar de modo algum, dos factos probatórios dados como assentes pelo acórdão do Tribunal. S) Ora, Venerandos Juízes Conselheiros, isto é muito pouco ou nada para se condenar alguém. A arguida foi condenada por o Tribunal entender não ser crível, determinado facto. A convicção tem de se alicerçar em algo palpável, factos, sobretudo quando se trata de " atirar com uma pessoa de 71 anos de idade para a cadeia durante vários anos " T) A tudo isto acresce ainda o facto do Tribunal ter usado dois pesos e duas medidas para tomar a sua decisão em relação a cada urna das arguidas. Senão ...vejamos: U) O Tribunal entendeu dar como provado que a arguida ora recorrente tinha conhecimento que o interior das laranjas continha aqueles produtos por não ser crível que alguém entregue mais de 46 gramas de heroína a urna pessoa sem que esta saiba do que se trata. Então esta conclusão também não é válida para a arguida Lurdes? Por essa ordem de ideias também não é crível que a arguida MC tenha entregue o saco à arguida Lurdes para que esta o transportasse para o interior do EP sem que esta última conhecesse que no mesmo eram transportadas 46 gramas de heroína. V) Ao decidir absolver a arguida, ML e condenar a arguida, MC com os fundamentos atrás relatados, o Tribunal de que se recorre violou claramente um dos mais elementares princípios constitucionais, o principio da Igualdade dos cidadãos perante a lei, plasmado no artigo 18.º da C.R.P . X) Pelo exposto, o Tribunal errou também e grosseiramente na apreciação da prova. Z) A arguida tem 71 anos de idade. E reformada, auferindo urna pensão de reforma no valor de cerca de 38.000$00. É doente. Diabética. Termos em que, requer a V. Ex.as., Venerandos Juízes Conselheiros do Supremo Tribunal de Justiça, se dignem revogar a decisão de que ora se recorre, absolvendo-se a arguida, ora recorrente, dos factos pelos quais estava acusada e foi condenada, ou pelo menos, o reenvio do processo para novo julgamento, fazendo-se assim justiça. Justiça! Admitido o recurso na Relação, estranhamente e sem mais explicações, para «ser processado como agravo de petição em matéria cível», respondeu o MP nos termos seguintes: «Excelentíssimos Senhores Juízes Conselheiros do Supremo Tribunal de Justiça Interpôs a arguida MCTM recurso do douto acórdão desta Relação, de 18-2-2002, que manteve inalterado o acórdão proferido na 1.ª instância, pelo qual fora a ora recorrente condenada, como autora material de um crime de tráfico de estupefacientes agravado p. e p. pelos art.ºs 21.° n° 1 e 24.° al. h) do DL 15/93, de 22-1, na pena de 5 anos e 6 meses de prisão. Analisada a motivação que apresentou, verifica-se que a recorrente impugna ali a decisão da 1.ª instância e não, como lhe competia, o douto acórdão proferido pelo Tribunal da Relação. Na verdade, a motivação ora apresentada é uma cópia, quase integral, da motivação que apresentou com o recurso interposto da decisão da 1.ª instância, sendo que na pequena parcela em que não se verifica integral coincidência persiste a recorrente em impugnar o decidido na 1.ª instância, desta feita no que concerne à pretensa incorrecção na aplicação do princípio a que se refere o art.º 127° do Cód. Proc. Penal. Fundamentalmente, a recorrente invoca na sua motivação ( como na motivação do recurso da decisão da 1.ª instância) os vícios do art.º 410° n° 2 do Cód. Proc. Penal e a violação do princípio constitucional da igualdade. Tem o Supremo Tribunal de Justiça entendido que, tratando-se de matéria de facto, mesmo sob a invocação dos vícios do n° 2 do art.º 410° do CPP, não lhe cabe pronunciar-se, pois tendo a natureza de tribunal de revista não lhe cabe reapreciar a questão de facto, por maioria de razão quando já foi exercido um duplo grau de jurisdição de matéria de facto pela Relação (cfr., por todos, o Ac do STJ de 12-12-2002, transcrito em www.dgsi.pt). Por outro lado, é também uniforme a jurisprudência segundo a qual, "estando em causa um recurso para o STJ de um acórdão da Relação, o mesmo não pode ter por objecto o acórdão da 1.ª instância, e se o recorrente se limita a impugnar este último acórdão verifica-se falta de impugnação a que alude o art.º 412° do CPP: enunciação dos fundamentos do recurso, isto é, das razões de discordância em relação à decisão recorrida (e não outra)" - Ac. do STJ de 6-6-2002, transcrito em www.dgsi.pt (no mesmo sentido, o Acórdão acima citado e o Ac. do STJ de 24-10-2002, proc. 2124/02). Tendo em consideração o exposto, cremos que deverá o recurso ser rejeitado, dada a sua manifesta improcedência.» Subidos os autos a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta aderiu, sem mais, à posição expressa pelo MP junto do tribunal a quo. No despacho preliminar do relator foi entendido que o recurso deve ser rejeitado por manifesta improcedência. Daí que os autos tenham vindo à conferência. 2. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. Vejamos, antes de mais, os factos provados: 1. Aquando dos factos que ora se lhe imputa encontrava-se preso no E P de Coimbra o, respectivamente, marido e filho das arguidas, um tal ...... que, por sua vez era amigo de um outro recluso, ARCFS, melhor identificado nos autos, que, por sua vez, também era pessoa das relações das arguidas. 2. No dia 29/07/01 a arguida MC entregou à arguida ML, e esta entregou na portaria do EP vindo a referir, pedindo ao funcionário porteiro que a recebeu que o entregasse ao ARCFS, um saco de plástico aberto, contendo o que parecia serem apenas peças de fruta - bananas e laranjas - mas que na realidade continha também, dissimulada no interior de duas laranjas e dividida por dois preservativos servindo de embalagem, um total de 46,660 gr de heroína, substância estupefaciente integrante da Tabela I- A anexa ao já referido DL 15/93. 3. Dentro de outras duas laranjas estavam dissimulados sessenta comprimidos de piracetam, substância não integrante de qualquer das tabelas anexas ao sobredito diploma. 4. A arguida MC tinha conhecimento do sobredito conteúdo das quatro laranjas e sabia que incorria em crime detendo e entregando a heroína, por aquele modo, para chegar às mãos do Armando. 5. A arguida MC sabia que a droga seria pelo ARCFS ou por outro ou por outros reclusos vendida a consumidores no estabelecimento prisional. 6. Procedeu, no que vai dito, livre e conscientemente, bem sabendo que a lei lhe proscrevia a posse de tal produto e a entrega dele a outrem, a qualquer título. 7. A arguida ML tem um filho com 17 anos e uma filha com 4 anos de idade, respectivamente, e reside em casa da mãe, exercendo funções de auxiliar educativa na EB 2/3 da Mealhada. 8. É primária. 9. A Arguida MC aufere uma reforma no montante de cerca de 38.000$00, sofre de diabetes, e tem um filho com problemas de saúde. |