Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 6ª SECÇÃO | ||
Relator: | GRAÇA AMARAL | ||
Descritores: | ACÇÃO EXECUTIVA AÇÃO EXECUTIVA PENHORA ACÇÕES AÇÕES DIREITOS DOS SÓCIOS FIEL DEPOSITÁRIO DELIBERAÇÃO SOCIAL IMPUGNAÇÃO LEGITIMIDADE | ||
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Data do Acordão: | 01/29/2019 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | NEGADA A REVISTA | ||
Área Temática: | DIREITO CIVIL – RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS / NEGÓCIO JURÍDICO / NULIDADE E ANULABILIDADE DO NEGÓCIO JURÍDICO. DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / SENTENÇA / ELABORAÇÃO DA SENTENÇA / RECURSOS – PROCESSO DE EXECUÇÃO / EXECUÇÃO PARA PAGAMENTO DE QUANTIA CERTA / PROCESSO ORDINÁRIO / PENHORA / PENHORA DE BENS IMÓVEIS / PENHORA DE DIREITOS. | ||
Doutrina: | - Alexandre Soveral Martins, Valores Mobiliários (Acções), Almedina, p. 31 e 32; - Menezes Cordeiro, Assembleias Gerais e Deliberações Sociais, Almedina, 2007, p.228; - Pinto Furtado, Deliberações dos Sócios, Coimbra, Almedina, 1993, p. 294 e 373; - Pinto Furtado, Deliberações Sociais, p. 234; - Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume I, 3.ª edição, Coimbra Editora, 1982, p. 261; - Raul Ventura, Sociedade por Quotas, Volume I, p. 106 e 425 ; Sociedade por Quotas, volume II, Almedina, 1989, p. 247; - Tiago Soares da Fonseca, O Penhor de Acções, Almedina, 2.ª edição, p. 82, 83 e 95; - Vasco Lobo Xavier, Anulação de Deliberação Social e Deliberação Conexas, p. 196. | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 286.º. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 608.º, N.º 2, 635.º, N.4, 639.º, 758.º, N.º 1, 760.º E 783.º. CÓDIGO DAS SOCIEDADES COMERCIAIS (DORAVANTE CSC): - ARTIGOS 20.º, 21.º, N.º 1, ALÍNEAS B) E C), 23.º, N.º 4, 57.º, 239.º, N.º 1 E 293.º. CÓDIGO DE VALORES MOBILIÁRIOS (DORAVANTE CVM): - ARTIGOS 55.º, 81.º, N.º 4 E 104.º. | ||
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Sumário : |
I - As funções atribuídas ao fiel depositário, que decorrem do dever legal de administrar com diligência e zelo o bem penhorado, reconduzem-se, fundamentalmente, em providenciar a conservação do “bem” em atenção ao seu valor e natureza, permanecendo o bem na titularidade do respectivo proprietário que, nessa medida, não foi afectado na sua posse, mas apenas limitado no seu direito de disposição. II – A penhora de acções não contende com os direitos sociais do respectivo titular, designadamente o respectivo direito de voto que não pode ser alheado do direito de impugnar as deliberações sociais. III - A nulidade e/ou a declaração de inexistência das deliberações sociais podem ser invocadas por qualquer interessado aferindo-se, porém, a qualidade do mesmo em função do exercício normal e adequado do direito de impugnação. IV – Enquanto mero detentor ou possuidor em nome alheio, o depositário de acções penhoradas não pode ser considerado interessado para o exercício do direito de impugnar as deliberações da sociedade; como tal, carece de legitimidade substantiva para arguir os vícios que inquinem o acto deliberativo de uma sociedade. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na 6ª Secção Cível do Supremo Tribunal de Justiça,
I – relatório 1. AA propôs acção declarativa com processo ordinário contra BB, SA, CC, DD e EE, pedindo a declaração de inexistência das deliberações sociais tomadas na Assembleia Geral da 1ª Ré, do dia 6-10-2010, reportadas à aprovação do relatório de gestão e contas do exercício de 2009, aprovação da proposta de aplicação de resultados do exercício de 2009 e aprovação de um voto de confiança aos órgãos de administração e fiscalização da sociedade; Subsidiariamente: - a declaração de nulidade das mesmas deliberações, porque contrárias à lei e ofensivas dos bons costumes. Ainda a título subsidiário: - anulação de tais deliberações por ter sido impedido, ilegalmente, de participar e votar na Assembleia Geral de 06-10-2010. Em qualquer das pretensões deduzidas, pede ainda: - que seja declarada a falsidade da acta relativa à aludida Assembleia Geral; - condenação dos Réus (sendo CC, DD e EE, como subscritores da mesma acta) a reconhecerem tal falsidade e a pagarem-lhe, solidariamente, a título de indemnização, uma quantia não inferior a 50.000,00 euros. - cancelamento do registo, na Conservatória do Registo Comercial competente, relativo à prestação de contas referentes ao exercício de 2009. Alegou para o efeito e fundamentalmente: - terem sido penhoradas, em 15-01-2009, 495.270 acções representativas do capital da Ré BB, SA. (correspondentes a 99,06% do respectivo capital social) no âmbito de acção executiva instaurada contra o Réu EE, sendo exequente FF, SA, tendo ficado o Autor fiel depositário de tais acções; - ter a penhora sido notificada aos Réus com expressa menção do impedimento de ser deliberado o aumento ou redução do capital social, bem como a transformação, cisão, fusão ou dissolução da sociedade; - ter sido convocada Assembleia Geral da Ré Sociedade, designada para 06-10-2010, com a seguinte ordem de trabalhos: 1 – Deliberar sobre o relatório de Gestão e Contas do Exercício de 2009; 2 – Deliberar sobre a proposta de aplicação de Resultados do Exercício de 2009; 3 – Proceder à apreciação da administração e fiscalização da Sociedade; 4 – Assuntos diversos de interesse para a Sociedade. - ter o Autor comparecido no dia e hora designados na convocatória para efeitos de participar na Assembleia Geral na condição de fiel depositário das 495.270 acções pertencentes ao Réu EE; - ter sido impedido de entrar nas instalações da sociedade ré e de participar nessa assembleia; - ter sido realizada a referida Assembleia onde foram tomadas deliberações que aprovaram o relatório de gestão e contas relativas ao exercício de 2009, a proposta de aplicação de resultados e um voto de confiança nos órgãos de administração e fiscalização da sociedade. Defendendo que a Assembleia Geral realizada não se encontrava em condições de se reunir por o Réu EE, em face da penhora das acções que lhe pertenciam, carecer de legitimidade para nela intervir e votar, concluiu o Autor no sentido das deliberações padecerem do vício de inexistência e/ou nulidade.
2. Os Réus contestaram tendo-se defendido por impugnação e excepção. Os Réus CC, DD, EE excepcionaram a ilegitimidade da Ré EE, pedindo ainda a condenação do Autor como litigante de má-fé. A Ré BB, SA suscitou a ilegitimidade do Autor, bem como o exercício abusivo do mesmo ao propor a acção.
3. O Autor apresentou réplica, pronunciando-se pela improcedência das suscitadas excepções.
4. Por decisão de 16-11-2011 foi homologada a desistência do pedido deduzido contra a Ré EE, com a consequente absolvição da mesma do pedido.
5. Realizada audiência prévia, foi proferido saneador que julgou improcedente a excepção de ilegitimidade do Autor, relegando para decisão final a apreciação da excepção de abuso de direito. Foi fixado o objecto do litígio e enunciados os temas de prova.
6. Realizado julgamento foi proferida sentença (datada de 08-03-2017) que julgou a acção improcedente.
7. Inconformado apelou o Autor, tendo o Tribunal da Relação do Porto proferido acórdão (24-01-2018) julgado improcedente a apelação, confirmando a sentença.
8. O Autor veio interpor recurso de revista excepcional formulando as seguintes conclusões: “(…) II – Relativamente ao mérito intrínseco do presente recurso 13.Uma vez penhoradas acções representativas de 99,04% do capital social da sociedade BB, SA e entregues as mesmas ao recorrente na qualidade de seu fiel depositário, por decisão do sr. agente de execução, tem este o direito/dever de as administrar e praticar todos os actos tidos como necessários ou úteis à manutenção do seu valor . 14. De entre esses actos está o de acompanhar o desempenho da sociedade em questão, e designadamente o teor dos relatórios de gestão e as contas relativas aos seus diferentes exercícios. 15. Como ainda de verificar o sentido da proposta de aplicação de resultados, designadamente se são distribuídos dividendos e o critério que preside a essa distribuição. 16. Uma vez que esses dividendos, a existirem, devem ser tidos como frutos das acções penhoradas e das quais ele é o fiel depositário. 17.A elaboração do relatório e contas do exercício de 2009, como os de todos os exercícios, deve obedecer a um conjunto de princípios e normas legais tendentes à protecção e tutela, não apenas dos accionistas, mas sobretudo dos credores sociais e do interesse público em geral, regras essas constantes dos arts. 65º, 66º e 67º do CSComercais, e ainda no anterior POC, e actual SNC ( Sistema de Normalização Contabilística ), aprovado pelo Dec-lei nº 158/2009, de 13.07 . 18. E a inobservância de tais princípios e normas legais acarreta, em princípio, a nulidade das deliberações que aprovem tais documentos de prestação de contas, nos termos do disposto no art. 69º nº 3 do CSComerciais. 19. Nulidade essa que, nos termos do disposto no art. 286º do CCivil, pode ser arguida por qualquer interessado e ser declarada oficiosamente pelo tribunal. 20. Daqui decorre que o fiel depositário das acções da sociedade BB, SA tenha legitimidade para impugnar as deliberações sociais tomadas na assembleia geral de 06.10.2010, designadamente as que aprovaram o relatório de gestão e as contas do exercício de 2009, bem como a proposta de aplicação de resultados do mesmo exercício. 21. É essa a solução que decorre desde logo dos normativos dos arts. 286º do CCivil e 96º nº 3 do CSComerciais. 22. O reconhecimento dessa legitimidade ao fiel depositário de acções da sociedade BB, SA é, por outro lado, consequência necessária e directa do reconhecimento de que ele tem direito à informação previsto nos arts. 288º, 289º, 290º e 291º do CSComerciais, em condições idênticas às dos accionistas, como resulta do disposto no art. 293º do CSComerciais. 23. Como ao direito que igualmente lhe assista de requerer inquérito judicial às contas da sociedade, nos termos previstos no art. 292º do CS Comerciais. 24. Todos estes normativos referentes ao direito á informação, muito embora aplicáveis directamente apenas ao usufrutuário e ao credor pignoratício, como resulta da letra do art. 293º acima citado, são, por efeito da aplicação analógica deste último preceito, ou até por simples interpretação extensiva, de aplicar também à pessoa do fiel depositário de acções da sociedade. 25. Só assim se permitirá que o depositário judicial possa efectivamente obstar, no desempenho da administração que lhe cabe fazer das acções penhoradas, à desvalorização e esvaziamento de tais acções. 26. O interesse do depositário na impugnação de deliberações sociais que tenha como inexistentes ou inválidas pela infracção de regras imperativas, é sempre de qualificar como um interesse de direito substantivo. 27. O fiel depositário tem também o direito de ver declaradas como inexistentes as deliberações tomadas em “assembleia geral” cuja constituição não obedeceu a critérios e exigências legalmente previstas, e que têm natureza imperativa. 28. E que, por isso, mais não são do que uma mera aparência de deliberações sociais, insusceptíveis de produzirem qualquer efeito. 29. O douto acórdão recorrido violou, por errada interpretação e aplicação, as normas dos arts. 286º do CCivil, 104º nº 1 do CVM, 65º nº 2, 66º nºs 1, 2, 3, 4 e 5, do CSComerciais, conjugados estes com o disposto no art. 69º nº 3 do mesmo Código, e ainda do POC aprovado pelo Dec-lei nº 410/89, de 21.11, posteriormente substituído pelo SNC aprovado pelo Dec-lei nº 158/2009, de 13.07.”
6. A Ré Sociedade nas contra alegações defende a inadmissibilidade da revista excepcional e concluiu pela improcedência do recurso.
7. Por decisão da Formação a que alude o artigo 672.º, n.º 3, do Código de Processo Civil (doravante CPC), a revista excepcional foi admitida por verificação do pressuposto previsto na alínea a) do n.º1 do artigo 672.º do CPC – questão, cuja apreciação, pela sua relevância jurídica seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
II – APRECIAÇÃO DO RECURSO De acordo com o teor das conclusões das alegações (que delimitam o âmbito do conhecimento por parte do tribunal, na ausência de questões de conhecimento oficioso – artigos 608.º, n.º2, 635.º, n.4 e 639.º, todos do Código de Processo Civil – doravante CPC) mostra-se submetida à apreciação deste tribunal a seguinte questão:
1 Os factos provados Através da acção o Autor visa impugnar as deliberações sociais tomadas na Assembleia Geral da Ré Sociedade, realizada em 06-10-2010, que tiveram por conteúdo a aprovação do relatório de gestão e contas do exercício de 2009, a aprovação da proposta de aplicação de resultados do exercício de 2009 e a aprovação de um voto de confiança aos órgãos de administração e fiscalização da sociedade. Pretende que as mesmas sejam declaradas inexistentes ou nulas, ou decretada a sua anulação. Sustenta a legitimação do direito de impugnar tais deliberações sociais na qualidade de depositário das acções (correspondentes a 99,06% do capital social da Ré BB) que são pertença do Réu EE e foram penhoradas no âmbito de acção executiva intentada por terceiro contra aquele[1]. O acórdão recorrido, na esteira do decidido pela 1ª instância, considerou que o Autor carecia de legitimidade substantiva para arguir os vícios que imputa às deliberações em causa, alicerçado em raciocínio que se faz consignar sob as seguintes premissas: - o Código das Sociedades Comerciais (doravante CSC) consagra apenas três categorias de vícios das deliberações sociais – nulidade, anulabilidade e ineficácia – não reconhecendo autonomia à inexistência jurídica; - para além das entidades indicadas no artigo 57.º, do CSC, a lei não prevê a possibilidade de qualquer outra poder arguir os vícios que inquinem o acto deliberativo de uma sociedade; - revestindo a deliberação societária a natureza de negócio jurídico, por força do regime previsto no artigo 286.º, do Código Civil (doravante CC), só os interessados podem arguir a nulidade das mesmas; - o direito de invocação da nulidade do negócio jurídico não é universal, assumindo um cariz substantivo que pressupõe a oponibilidade do negócio ao seu titular; nessa medida, o sujeito legitimado a arguir a nulidade da deliberação tem de demonstrar um interesse directo na nulidade e, não e apenas, um interesse reflexo; - incumbindo ao depositário dos bens penhorados (possuidor precário), a mera administração e guarda dos referidos bens, não cabe no âmbito dos respectivos poderes o exercício de direitos sociais que assumem a natureza de direitos pessoais; Contrapõe o Recorrente evocando a relevância jurídica do interesse enquanto fiel depositário para acompanhar e fiscalizar os negócios sociais, fazendo apelo aos seguintes aspectos que, em seu entender, o legitimam para o exercício de direitos sociais inerentes às acções penhoradas: - por os dividendos constituírem os frutos das acções penhoradas, que nos termos do artigo 758.º, n.º1, do CPC, aplicável às participações sociais por efeito do artigo 783.º, do mesmo Código, cabe ao fiel depositário receber e administrar conjuntamente com as próprias acções penhoradas; - por lhe assistir o direito à informação, por aplicação analógica do disposto no artigo 293.º, do CSC; - por as deliberações em causa violarem o disposto no artigo 104.º, do Código de Valores Mobiliários (doravante CVM), de natureza imperativa, determinando a inexistência das mesmas; - por constituir condição imprescindível ao exercício das suas funções como fiel depositário (judicial e não depositário civil) o acompanhamento e fiscalização das contas da sociedade e, podendo a nulidade ser suscitada por qualquer interessado, carecer de cabimento a distinção entre interesse directo na nulidade e interesse meramente reflexo; Vejamos. Debruçando-se sobre o penhor de acções refere Tiago Soares da Fonseca “O penhor das acções é, na sua essência, uma garantia real. Através dele visa-se assegurar o cumprimento de determinada obrigação conferindo ao seu credor uma preferência sobre os demais no pagamento do valor resultante da execução do bem penhorado. Para esta função, não se torna necessária a atribuição do exercício dos direitos sociais ao credor pignoratício. Apenas é necessário que o bem dado em penhor se conserve de modo a assegurar o cumprimento de certa obrigação.”[5], concluindo que as relações estabelecidas com a sociedade e/ou com outros sócios pertencerá ao titular das acções, sem prejuízo de as partes estabelecerem de forma diferente, como aliás decorre do que se mostra prescrito nos artigos 23.º, n.º4, do CSC, e 81.º, n.º4, do CVM. Assim, a regra no nosso ordenamento jurídico é a de que o exercício dos direitos sociais compete ao titular das acções, excepto se as partes tiverem convencionado diferentemente, regra que se mantém relativamente ao direito de participar nas deliberações sociais, designadamente o direito de informação, de discussão e de voto – cfr. artigo 21.º, n.º 1, alíneas b) e c), do CSC. Relativamente ao direito de voto cabe salientar o que nesse sentido dispõe o artigo 239.º, n.º1, do CSC, nos termos do qual na penhora de uma quota “(…) o direito de voto continua a ser exercido pelo titular da quota penhorada”. No que se refere ao direito de informação sobre a vida em sociedade[6] (a que o Recorrente alude invocando o artigo 293.º, do CSC), impera igual regra de que tais direitos são exercidos pelo titular das acções, excepto quando por lei ou convenção das partes caiba o exercício do direito de voto, tal como resulta claramente do artigo 293.º, do CSC, ao conceber a possibilidade condicionada de ser atribuído a outros titulares (que não o titular das acções) o direito de informação (para além do representante comum de obrigacionistas, ao usufrutuário e ao credor pignoratício de acções quando, por lei ou convenção, lhes caiba exercer o direito de voto.- sublinhado nosso). A este propósito refere o acórdão recorrido, depois de se afastar do posicionamento daqueles que admitem a inexistência jurídica enquanto vício de que as deliberações sociais podem enfermar, que “Em consonância com a respetiva disciplina normativa terá legitimidade para arguir a nulidade de uma deliberação de sociedade comercial as entidades referidas no art. 57º, concretamente o sócio (nº 1), o órgão de fiscalização (nº 2) e, nas sociedades que não tenham órgão de fiscalização, “qualquer gerente”, como expressamente se dispõe no seu nº 4. É certo que para além dessas entidades não está proscrita a possibilidade de outras poderem arguir o vício que inquinará o ato deliberativo, já que, quanto a esta matéria, o citado art. 57º reporta-se unicamente ao âmbito social, limitando-se a acrescentar uma especialidade em relação ao regime geral previsto no Código Civil. Consequentemente, assumindo, como nos parece, as deliberações natureza de negócio jurídico (qualificação que, ainda assim, não se revela pacífica), ser-lhes-á, por isso, aplicável - quando enfermem de vício de nulidade - a regra de direito comum plasmada no art. 286º do Cód. Civil, nos termos do qual esse vício genético “é invocável por qualquer interessado”. Portanto, no caso vertente, não se integrando o autor em nenhuma das categorias de entidades previstas no art. 57º, tudo se resume em determinar se será interessado para arguição dos vícios que assaca às ajuizadas deliberações sociais. Ora, malgrado não se registe uma posição unívoca a propósito da determinação do âmbito subjetivo do aludido conceito, afigura-se-nos claro que o direito de invocação da nulidade não pode conferido a todos, dado que não é (nem pode ser) qualquer pessoa a quem dê jeito, de alguma maneira, a declaração da nulidade, que preenche os requisitos para ser considerado interessado. De facto - de acordo, aliás, com a própria inserção sistemática do art. 286º -, o interesse que atribui a uma pessoa legitimidade para invocar o vício é um interesse de direito substantivo, que pressupõe a oponibilidade do negócio jurídico ao seu titular, porque o negócio nulo prejudica a consistência jurídica, ou a consistência prática ou económica, de um direito seu. O sujeito legitimado deve, assim, ter um interesse direto na nulidade e não apenas um interesse reflexo, vago e indireto. Daí que, transpondo essa leitura para o domínio da impugnação das deliberações sociais, não falta quem advogue que, por via de regra, somente o sócio tem reconhecido interesse direto na procedência da ação de declaração de nulidade. Como se referiu, in casu, o apelante filia o seu interesse no facto de ser depositário das 495.270 ações (representativas de 99,06% do capital da ré “BB, S.A.”) pertencentes ao réu DD, tendo sido investido nessa qualidade na sequência de penhora de tais valores mobiliários que foi decretada no âmbito da ação executiva que a este demandado foi movida por “FF, S.A.”. Ora, nos termos da lei adjetiva (cfr. art. 843º do pretérito Código de Processo Civil, então em vigor), ao depositário incumbe apenas a administração e guarda dos bens penhorados, sendo que a penhora não produz qualquer diminuição de capacidade do proprietário/titular desses bens, apenas o privando da possibilidade de os alienar. Significa isto, portanto, que a penhora tem caráter eminentemente patrimonial, pelo que o exercício dos direitos pessoais/sociais do sócio/acionista titular dos valores mobiliários que foram alvo dessa diligência não é por ela afetado. Dito de outro modo, o exercício dos direitos sociais (no qual se integra o de impugnação de deliberações dos sócios) é de natureza pessoal, não se transferindo para o depositário, dado que o respetivo direito continua a radicar na esfera jurídica do sócio/acionista , como emerge, designadamente, dos arts. 21º, nº 1, al. b), 373º, 376º e 379º, nº 1. Deste modo, o autor/apelante, enquanto depositário das mencionadas ações (sendo, pois, mero possuidor precário ou possuidor em nome alheio), carece de legitimidade substantiva para a invocação de vício de nulidade de que alegadamente padeçam as ajuizadas deliberações sociais, tanto mais que não é atingido diretamente na sua esfera jurídica por esse ato deliberativo.” De acordo com a regra geral do Código Civil, a nulidade pode ser invocada por qualquer interessado, isto é, pelo titular de qualquer relação cuja consistência, tanto jurídica, como prática, seja afectada pelo negócio[8]. Na lei impera o princípio do numerus clausus das causas de nulidade das deliberações sociais[9], pelo que são apenas e exclusivamente causa de nulidade de deliberações sociais as circunstâncias previstas no artigo 56.º, do CSC[10]. Quanto ao vício da anulabilidade previsto nas alíneas do n.º1 do artigo 58.º do CSC, a lei mostra-se clara (artigo 59.º) ao conceder legitimidade para a sua arguição a quem tiver sido atribuído o direito de voto, bem como ao órgão de fiscalização, encontrando-se, ainda dependente dos pressupostos consignados no referido preceito[11]. No caso, verifica-se que o Autor se encontra fora de qualquer destas situações e, como tal, não lhe poderia assistir qualquer direito de impugnar as deliberações tomadas em assembleia geral da Ré com fundamento na sua alegada anulabilidade. Ao invés, quanto à nulidade ou à declaração de inexistência das deliberações podem ser invocadas por qualquer interessado. Todavia, a qualidade de interessado não pode deixar de ser aferida e enquadrável no âmbito do exercício normal e adequado do direito à impugnação da deliberação e não traduzir a defesa de um interesse próprio, alheio ou até conflituante com o interesse social. Coloca-se pois a questão de avaliar em que medida as funções atribuídas ao fiel depositário de acções penhoradas lhe conferem a qualidade de interessado para o exercício do direito à impugnação das deliberações sociais da sociedade, como defende o Recorrente. O fiel depositário por força desse cargo passa a ter o dever de administrar os bens penhorados com diligência e zelo – cfr. artigo 760.º, n.º1, do CPC. Porém, o conteúdo fulcral deste dever traduz-se, apenas e fundamentalmente, em providenciar a conservação do “bem” em atenção ao seu valor e natureza, permanecendo aquele na propriedade (titularidade) do sócio que não foi afectado na sua posse (sendo o depositário mero detentor ou possuidor em nome alheio), mas apenas limitado no seu direito de disposição que, obviamente, não contende com os seus direitos sociais, designadamente o direito de voto o qual, como acima realçado, não pode ser alheado do direito de impugnação das deliberações. Por conseguinte, uma vez que a posse das acções de que o Autor é depositário se caracteriza como posse precária ou em nome alheio, permanecendo (a propriedade e posse) na titularidade do sócio, não se vislumbra o alegado interesse (em termos de se mostrar directamente atingido) na arguição de vícios que possam inquinar o acto deliberativo. Improcedem, pois, as conclusões do recurso.
IV. DECISÃO Custas pelo Recorrente.
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