Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
Relator: | PEREIRA MADEIRA | ||
Descritores: | ESTRANGEIRO EM SITUAÇÃO IRREGULAR CRIMES INDICIADOS ANOMALIA PSÍQUICA PRAZO DE PRISÃO PREVENTIVA | ||
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Nº do Documento: | SJ200612210047945 | ||
Data do Acordão: | 12/21/2006 | ||
Votação: | UNANIMIDADE COM * DEC VOT | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | HABEAS CORPUS | ||
Decisão: | DEFERIDO | ||
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Sumário : | I - No caso de cidadão estrangeiro cujo ilícito consista penas em permanecer irregularmente em território nacional, o prazo máximo de detenção ou coactiva privação de liberdade, não poderá ultrapassar o previsto na legislação especial para o efeito, nomeadamente, in casu, o prazo previsto no artigo 117.º do DL n.º 244/98, de 28/8, na sua redacção actual – 60 dias, mesmo que preso ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 202.º do CPP. II - Para efeitos de interpretação do artigo 195.º do Código de Processo Penal, na determinação da pena aplicável atende-se ao máximo da pena correspondente ao crime que justifica a medida, ou seja, a pena abstractamente correspondente ao crime mais grave indiciado, já que a verificação de ulterior de circunstâncias de que derivasse a elevação do máximo da pena aplicável – como seria o caso de cúmulo jurídico - não determinaria a perda de fundamento legal da medida antecedentemente decretada, nem fundamentaria o decretamento de medida que tivesse como pressuposto pena de gravidade superior. III – Havendo indícios seguros de que o arguido sofre de anomalia psíquica, a sua restituição à liberdade por excesso de prisão preventiva há-de ser precedida da competente avaliação à luz da Lei de Saúde Mental (Lei n.º 36/98, de 24/7)*. *Sumário elaborado pelo Relator | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça 1. O Ministério Público junto do Tribunal Judicial de Caminha peticiona ao Presidente do Supremo Tribunal de Justiça providência excepcional de habeas corpus, em suma, com os seguintes fundamentos: Em 16/10/2006, o cidadão que se identificou como AA de nacionalidade supostamente uruguaia foi presente ao juiz de instrução em funções a fim de ser sujeito a primeiro interrogatório judicial nos termos do artigo 141.º do CPP. Após interrogatório, foi proferido o seguinte despacho judicial: «Compulsados os elementos constantes dos autos resulta existirem fortes indícios da prática pelo arguido, em autoria material, e em concurso efectivo real heterogéneo, de um crime de condução sem carta, p. e p. no art.° 3.º, n.ºs 1 e 2, do Dec. - Lei n.º 2/98, de 3/1, de um crime de furto de uso veículo, p. e p. pelo art.° 208.º do Código Penal, e de um crime de profanação de cadáver ou de lugar fúnebre, p. e p. pelo artigo 254.º n.º 1, c), do Código Penal. (…) Por outro lado, o arguido declarou ser cidadão uruguaio, portanto de nacionalidade estranha à União, apresentou-se totalmente indocumentado e sem residência fixa, tendo afirmado que deambula pelo país vizinho há já cerca de um ano. O arguido em causa, do ponto de vista do regime instituído pelo Dec. Lei 34/2002, de 25/2, encontra-se no nosso país em situação ilegal. De acordo com este regime, nos termos do disposto no artigo 117.º, n.º 1, o estrangeiro que entre ou permaneça ilegalmente em território nacional é detido por autoridade policial e apresentado ao juiz competente para aplicação de medidas de coacção. Neste caso, tendo em conta a específica situação existencial do arguido, sempre seria de considerar que apenas a colocação em centro de instalação temporária constituiria a medida de coacção adequada e suficiente atentos os fins e interesses tutelados pelo regime em causa. No entanto, acresce que existem fortes indícios da prática pelo arguido de três crimes. Ora, nos termos do artigo 202.º, n.º 1, al. b), do CPP, o juiz pode impor ao arguido a pisão preventiva quando se tratar de pessoa que tiver penetrado ou permaneça irregularmente em território nacional. Daí que e havendo fortes indícios do cometimento de três crimes – não sendo necessário que a moldura penal abstracta do concurso seja superior a três anos, mas que no caso é – sempre seria de aplicar esta medida de coacção. Medida de coacção adequada e proporcional aos factos cometidos se atentarmos nos interesses e bens jurídicos que o legislador quis acautelar com a referida alínea b)». Em conformidade – e de acordo com o promovido pelo Ministério Público – foi determinado que o arguido aguardasse os ulteriores termos do processo em internamento preventivo, «nos termos dos artigos 191.º a 195.º, 204.º e 202.º», do CPP, mais se havendo ordenado a comunicação ao SEF da pendência do inquérito em causa. Na petição de habeas corpus, a Ex.ma Procuradora-adjunta embora entendendo que o despacho não seja, a seu ver, totalmente inequívoco, conclui, não obstante, «que a medida de coacção a que o arguido foi sujeito teve por fundamento único a irregularidade da sua entrada e permanência em território nacional, sendo certo que tal situação justifica só por si só, sem concurso de qualquer pressuposto, a prisão preventiva/internamento preventivo.» Prossegue, depois que, «(…) nenhum dos crimes que o M.mo Juiz entendeu estarem indiciados – crime de condução sem habilitação legal, crime de furto de uso de veículo e crime de profanação de cadáver ou de lugar fúnebre, p. e p. respectivamente, pelo art.° 3.º n.º 2, do DL 2/98, de 3/1, e 208.º e 254.º, n.º 1, c), do CP, é punível com pena de prisão superior a três anos. Por outro lado, a aplicação de tal medida de coacção a um concurso de crimes que, individualmente considerados, são puníveis com pena de prisão com máximo não superior a três anos, mas que, em abstracto, pode corresponder, considerando o cúmulo, uma pena única de prisão superior a três anos, está vedada por lei – art.ºs 27.º, n.º 3, da CRP e 202.º n.º 1, do CPP.», conclui a peticionante que a prisão preventiva/internamento preventivo foi aplicado face à irregularidade da entrada e permanência do referido cidadão em território nacional, pelo que importa ter em conta o que dispõe o DL n.º 244/98, de 8/8, na sua versão actualizada, ou seja o seu artigo 117.º, n.º 3: «a prisão preventiva prevista no número anterior não poderá prolongar-se por mais tempo do que o necessário para permitir a execução da decisão de expulsão, sem que possa exceder os 60 dias.» Adita, enfim, que, “em 14/12/06, o SEF, porque ainda não logrou apurar a real identidade do detido, deixou «ao critério do tribunal», a eventual alteração da medida de coacção”. A medida não foi alterada. O prazo de 60 dias foi ultrapassado. Verifica-se excesso de privação de liberdade do arguido – art.° 222.º c), do CPP – impondo-se a sua restituição à liberdade. O juiz de instrução prestou a seguinte informação: 1. A prisão preventiva/internamento preventivo do arguido David Pablo Cimerman foi ordenada ao abrigo do disposto no artigo 202., n.ºs 1, alínea b), e 2, do Código de Processo Penal, em sede de primeiro interrogatório judicial de arguido detido realizado em 16/10/2006, porque: - Existem nos autos fortes indícios do cometimento, em concurso efectivo, real e heterogéneo, de, pelo menos, três crimes, a saber, um crime de condução sem carta, previsto e punido […], um crime de furto de uso de veículo, p. e p. […], e um crime de profanação de cadáver ou lugar fúnebre […]. - O arguido é um cidadão estrangeiro e não fala português. - O arguido quando detido não tinha consigo qualquer documento que o identificasse. - Nem na altura da detenção nem hoje, se logrou determinar a nacionalidade do arguido, apesar de ter declarado ser cidadão uruguaio e que deambula por Espanha há já cerca de um ano. - Do interrogatório realizado pelo signatário resultou existirem fortes indícios de que o arguido sofre de uma anomalia psíquica. - O Ministério Público promoveu que fosse aplicada ao arguido a medida de coacção prisão preventiva. Assim, porque estamos (i) perante um cidadão que cometeu, pelo menos, três crimes, (ii) que se encontra irregularmente em território nacional e que (iii) padece de anomalia psíquica, foi-lhe aplicada a medida de coacção de internamento preventivo, nos termos do disposto no artigo 202.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, porque se encontram preenchidos os pressupostos previstos no artigo 202.º, n.º 1, alínea b), do mesmo diploma – e não os pressupostos da alínea a), chamando-se a atenção para o dispositivo “ou que liga as duas alíneas. São estes os fundamentos jurídicos do despacho que ordenou o internamento preventivo, como facilmente se retira quer do corpo do despacho, quer do segmento decisório propriamente dito. Não se compreende, pois, porque é que o Ministério Público continua a insistir num virtual fundamento unido do despacho em causa. Posteriormente, o Ministério Público, erradamente convencido, mas sem motivos para tal, que a prisão preventiva/internamento preventivo tinha sido determinada ao abrigo do disposto no artigo 117.º do Decreto-Lei n.º 244/98, de 28 de Agosto, com a redacção que lhe foi conferida pelo Decreto-Lei n.º 34/2003, de 25/2, veio, ontem, dia 18/12/2006, requerer a libertação imediata do arguido por terem decorrido os 60 dias previstos no n.º 3 daquela norma. Hoje, o requerimento foi por mim indeferido, por considerar que o arguido está internado preventivamente, tão só, ao abrigo do disposto no artigo 202.º, n.ºs 1 alínea b), e 2, do Código de Processo Penal. O arguido está preso preventivamente/internado preventivamente porque cometeu, pelo menos, três crimes em Vila Praia de Âncora, é um cidadão estrangeiro em situação irregular no nosso país e apresenta indícios de padecer de anomalia psíquica. Temos, pois, o entendimento de que quando há indícios do cometimento de crimes no nosso território, o cidadão/autor desses crimes que tenha sido sujeito à medida de coacção prevista na alínea b), do n.º 1, do artigo 202.º do Código de Processo Penal, não beneficia do prazo de 60 dias previsto no n.º 3, do artigo 117.º do Decreto-Lei n.º 34/2003, de 25 de Fevereiro, por não se tratar, apenas, de um cidadão estrangeiro em situação ilegal. Como se compreenderá, o arguido em causa deve responder perante as autoridades competentes nacionais pelos crimes indiciariamente cometidos, em processo contraditório, com garantias de defesa, sendo para esse efeito que está a decorrer o competente inquérito-crime. Estas razões foram explicitadas, ainda que perfunctoriamente, no despacho hoje proferido e que inferiu a pretensão do Ministério Público. Despacho esse que podia ter sido objecto de recurso para um tribunal superior. Podendo-o fazer, o Ministério Público apresentou, em vez disso, a petição de habeas corpus. 2. Assim sendo, e porque, conscienciosamente, consideramos que não há motivos para não manter a actual situação, o internamento preventivo de, alegadamente, AA mantém-se.» Por diligências efectuadas no Supremo Tribunal de Justiça veio a saber-se que, de momento, não pende qualquer processo de extradição ou expulsão visando o mencionado AA de resto, em consonância com a posição, expressa pelo SEF, de «deixar ao critério do tribunal a eventual alteração da medida de coação». 2. Realizada a audiência, cumpre decidir. Importa agora, tornar pública a respectiva deliberação e, sumariamente, a discussão que a precedeu. A petição de habeas corpus, em caso de prisão ilegal, tem os seus fundamentos taxativamente previstos no n.º 2 do artigo 222.º do Código de Processo Penal: a) Ter sido [a prisão] efectuada ou ordenada por entidade incompetente; b) Ser motivada por facto pelo qual a lei a não permite; c) Manter-se para além dos prazos fixados por lei ou por decisão judicial. Como se vê, o pedido assenta na alínea c) – prisão para ale, dos prazos legais. Importa, antes de mais, fazer algumas precisões, aparentemente ausentes, quer da posição do Mistério Público requerente, quer da do juiz visado pela providência. Relativamente ao primeiro, importa pôr em relevo que, ao invés do que é sustentado, e como flui do relato acabado de fazer, o despacho judicial de 16/10/2006, expressamente assentou a imposição da medida coactiva extrema, além do mais, em que «que existem fortes indícios da prática pelo arguido de três crimes. (…) Daí que e havendo fortes indícios do cometimento de três crimes – não sendo necessário que a moldura penal abstracta do concurso seja superior a três anos, mas que no caso é – sempre seria de aplicar esta medida de coacção.» Portanto, não faz sentido, que, para mais a esta distância, o requerente Ministério Público na pessoa Procuradora - Adjunta de Caminha, venha a descobrir que o despacho não é totalmente inequívoco, e, numa interpretação pessoal do mesmo, conclua, afinal, «que a medida de coacção a que o arguido foi sujeito teve por fundamento único a irregularidade da sua entrada e permanência em território nacional, sendo certo que tal situação justifica só por si só, sem concurso de qualquer pressuposto, a prisão preventiva/internamento preventivo.» É uma interpretação pessoal, que, como tal, vale o que vale. De resto, se, como afirma, o despacho em causa não seria totalmente inequívoco, sobre si também recai a responsabilidade ter perdurado tal alegada situação de imperfeição processual. Com efeito, mostrando-se-lhe equívoco ou não inteiramente inteligível o despacho e seus fundamentos, a lei abria-lhe, pelo menos, o caminho previsto no artigo 380.º, n.º 1, b), e 3, do Código de Processo Penal. Expediente processual tanto mais prementemente invocável quanto é certo estar em causa a privação de liberdade de um cidadão, seja ele quem for. Por outro lado, se o juiz de instrução, expressamente, assenta também a imposição da medida coactiva extrema na constatação da prática pelo detido, dos mencionados três crimes, em concurso, o despacho que tal decidiu, não tendo sido objecto de recurso – e podia tê-lo sido, como resulta, nomeadamente, do disposto nos artigos 399.º e 219.º do Código de Processo Penal – e sejam boas ou más as razões que lhe subjazem, foi ele objecto caso julgado formal, tal como emerge do disposto no artigo 672.º do diploma adjectivo subsidiário, pese embora tratar-se aqui de um caso julgado de efeitos muito limitados tendo em conta a possibilidade legal de reapreciação das medidas coactivas, tal como se impõe no artigo 213.º do Código de Processo Penal. De todo o modo, a força de um caso julgado, a dar cobertura a qualquer erro porventura subjacente ao despacho de aplicação da prisão/internamento preventivo, ao menos até à reapreciação dos pressupostos da medida em causa. Caso julgado que só se firmou por não haver sido interposto tempestivamente o competente recurso. Dito isto, que não podia deixar de ser dito, importa prosseguir. Não sem antes, preliminarmente, deixar algumas observações prévias à posição assumida pelo juiz da causa. Em primeiro lugar, ao invés do que afirma a dado passo da «informação» supra transcrita, não estamos (i) «perante um cidadão que cometeu, pelo menos, três crimes», antes, perante um cidadão, relativamente ao qual existirão indícios da prática de três crimes, o que, sem necessidade de grandes explicações, se saberá que não é a mesma coisa; (ii) «que se encontra irregularmente em território nacional» é uma conclusão indemonstrada, já que, se nem o SEF sabe a «real identidade» do detido, ainda não está processualmente descartada a possibilidade de ser, mesmo um cidadão europeu ou, até, nacional… e (iii) «padece de anomalia psíquica», é coisa que, a crer nos dados apresentados, resulta de mera afiguração do juiz, resultante, aliás, do contacto fugaz com o detido, aquando do primeiro interrogatório, sem qualquer apoio em dados probatórios, mormente exame da especialidade ou relatório médico que tal comprove. Outra observação a fazer ao despacho ora em causa é a de que, pese embora a pendência desta providência excepcional, nada impede o Ministério Público de, enquanto estiver em tempo – a parece que ainda está, tendo em conta a data em que o mesmo foi proferido (19/12/2006) – interpor dele o competente recurso ordinário. Uma coisa não afasta a outra. Ainda em sede de observação preliminar, importa concordar em parte com o juiz quando afirma que «quando há indícios do cometimento de crimes no nosso território, o cidadão/autor desses crimes que tenha sido sujeito à medida de coacção prevista na alínea b), do n.º 1, do artigo 202.º do Código de Processo Penal não beneficia do prazo de 60 dias previsto no n.º 3, do artigo 117.º do Decreto-Lei n.º 34/2003, de 25 de Fevereiro, por não se tratar, apenas, de um cidadão estrangeiro em situação ilegal.» Em parte, apenas, porquanto, baseando-se a prisão preventiva na putativa prática de crimes, não basta que haja indícios, quaisquer indícios, antes, como afirma a lei – art.° 202.º, n.º 1, a), do Código de Processo Penal – fortes indícios, pois, nessa circunstância, não basta o condicionalismo da alínea b), do mesmo artigo, ou seja, não basta tratar-se «de pessoa que tiver penetrado ou permaneça irregularmente em território nacional, ou contra a qual estiver em curso processo de extradição ou de expulsão». Cada uma dessas circunstâncias é independente da outra. E, no caso, a ser um cidadão oriundo de país estranho à União, estando irregularmente em território nacional, obviamente estaria contemplado na alínea b), do n.º 1, do artigo 202.º do CPP. Só que, como se viu, ainda não se sabe a nacionalidade do detido…E a saber-se, não diz o despacho reclamado, que prazo de prisão preventiva seria o aplicável. Finalmente e ainda em sede de observações preliminares, importa salientar que não é tão seguro como afirma a «informação» que «o arguido em causa deve responder perante as autoridades competentes nacionais pelos crimes indiciariamente cometidos, em processo contraditório, com garantias de defesa, sendo para esse efeito que está a decorrer o competente inquérito-crime». Pois estas afirmações não contemplam, ao que parece, com a devida extensão, a hipótese de o arguido ser totalmente inimputável, perigoso ou não. Não é a informação do juiz de instrução que afirma que o detido apresenta «fortes indícios de que o arguido sofre de uma anomalia psíquica»? Em que grau? Com que efeitos? Pergunta-se agora. Prosseguindo: Se ao caso fosse aplicada a previsão da alínea a), do n.º 1 do artigo 202.º, o prazo máximo de prisão preventiva seria um dos previstos no artigo 215.º do Código de Processo Penal. E essa parece ser a lógica do despacho em causa, ao associar um tanto contraditoriamente a alínea b), à prática dos 3 de crimes em causa. Porém, se se fundar a prisão preventiva apenas na alínea b), do citado n.º 1 do artigo 202.º, ainda assim fará sentido aplicar o acaso os prazos do artigo 215.º? Não é seguro que assim seja. Sendo a liberdade a regra e constituindo excepção a sua privação, tal como emerge nomeadamente do artigo 28.º, n.º 2, da Constituição, então a alínea b) citada há-de forçosamente ser objecto de interpretação restritiva, ao menos quando em causa casos como o presente em que porventura não haveria condições para aplicação da medida coactiva extrema. Ou seja, no caso de cidadão estrangeiro cujo ilícito consista penas em permanecer irregularmente em território nacional, o prazo máximo de detenção ou coactiva privação de liberdade, não poderá ultrapassar o previsto na legislação especial para o efeito, nomeadamente, in casu, o prazo previsto no artigo 117.º do DL n.º 244/98, de 28/8, na sua redacção actual – 60 dias. Pois bem. A doutrina – sem ser uniforme – é claramente mais abundante no sentido de que, ao invés do que decidiu o despacho que aplicou a prisão/internamento preventivo, para efeitos de interpretação do artigo 195.º do Código de Processo Penal, na determinação da pena aplicável atende-se ao máximo da pena correspondente ao crime que justifica a medida, ou seja, a pena abstractamente correspondente ao crime mais grave indiciado, já que «a verificação de ulterior de circunstâncias de que derivasse a elevação do máximo da pena aplicável não determinaria a perda de fundamento legal da medida antecedentemente decretada, nem fundamentaria o decretamento de medida que tivesse como pressuposto pena de gravidade superior» Cfr. José António Barreiros, Manual, 578, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, II, 2.ª edição, págs. 2202,221, e Simas Santos e Leal-Henriques, Código de Processo Penal anotado, I, págs. 968. (ii) A estas razões, que se aceitam, sempre cumpre ajuntar a de que, de acordo com o sistema constitucional e processual que nos regem surpreende-se uma filosofia avessa a que, meras bagatelas penais, ainda que em número elevado, possibilitem a prisão preventiva de quem quer. Assim sendo, o pressuposto de que partiu o despacho judicial em causa ao aplicar ao detido a medida coactiva extrema não tem fundamento legal. Porém, como se viu, foi objecto de trânsito em julgado, que dá cobertura, até agora, à decisão, mesmo que sem fundamento legal. Porém, tratando-se, como se viu, de um caso julgado meramente circunstancial, ou seja, a vigorar apenas até que a mesma seja reapreciada nos termos legais – art.° 213.º do Código de Processo Penal – ao tribunal, na posse destas reflexões, cumprirá proceder à reapreciação imediata da medida coactiva em causa, tendo em conta, por um lado, os crimes indiciados não toleram a medida coactiva extrema. E, que, a tratar-se de estrangeiro – o que ainda nem sequer é seguro – em situação irregular no País, o prazo de prisão preventiva – 60 dias – já se esgotou. Porém, para culminar o puzzle, como se tratará de cidadão portador de anomalia psíquica, a situação, em face dos elementos científicos disponíveis ou a obter com a máxima urgência pelo tribunal a quo, imporá que sejam equacionadas as eventuais medidas preventivas tidas por pertinentes, nomeadamente, as previstas na Lei de Saúde Mental (Lei n.º 36/98, de 24/7). 3. Termos em que, pelo exposto, e tendo em conta o disposto no artigo 223.º, n.º 4, d), do Código de Processo Penal, deliberam: 1. Declarar ilegal a prisão do detido. 2. Ordenar se proceda à imediata reapreciação dos pressupostos da detenção, nomeadamente ao abrigo da citada Lei de Saúde Mental, e, nada havendo que naquela se oponha, a imediata libertação daquele. Comunique via fax. Sem tributação. Supremo Tribunal de Justiça, 21 de Dezembro de 2006 Pereira Madeira (relator) Santos Carvalho (tem declaração de voto) Costa Mortágua Rodrigues da Costa Declaração se voto Votei a fundamentação do Acórdão, exposta com a clareza e o brilhantismo que é timbre do Relator, mas a meu ver impunha-se a libertação imediata do requerente, sem prejuízo da aplicação da Lei da Saúde Mental, se fosse caso disso) ___________________________ (i ) Cfr. José António Barreiros, Manual, 578, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, II, 2.ª edição, págs. 2202,221, e Simas Santos e Leal-Henriques, Código de Processo Penal anotado, I, págs. 968. (ii) Em sentido tendencialmente contrário, Carmona da Mota, Revista do MP, Cadernos, 4, 56). |